INTRODUÇÃO
As queimaduras são lesões teciduais decorrentes de fontes variadas capazes de
produzir calor1 e configuram-se como um
problema global de saúde pública responsável por aproximadamente 180.000 mortes/ano
em países de baixa e média renda, consideradas a quinta causa de mortes no
mundo2. Em crianças, são responsáveis por
impactos negativos devido à gravidade, às dificuldades de manejo, ao potencial de
mortalidade, às consequências físicas e psicológicas, tanto para a vítima quanto
para o seu ambiente familiar3.
Apresentam diferentes etiologias, entre elas, escaldaduras, chamas, tensão elétrica,
produtos químicos ácidos ou básicos e radiação ultravioleta4, responsáveis por pequenas queimaduras, tratadas com
facilidade, ou por lesões de grau elevado, com consequências irreversíveis5. O organismo responde de forma local ou
sistêmica, a primeira devido a dano direto ao tecido, enquanto a segunda resulta de
danos indiretos, isto é, vários mecanismos fisiológicos tentam conter a lesão6. A gravidade e o grau das lesões têm relação
direta com o agente etiológico, a intensidade do calor, o local atingido e o tempo
de exposição7,8.
Na infância, as queimaduras são a segunda causa de acidentes mais recorrentes, a
quinta causa de lesões pediátricas não fatais2,9 e a terceira causa de
morte9. Mais de 111 mil crianças são
internadas por acidentes ou lesões não intencionais, como as queimaduras, que
acarretam cerca de 3,6 mil óbitos/ano10 e
representam aproximadamente 6% das mortes entre as faixas etárias de 0 a 14
anos11.
As crianças menores são mais vulneráveis aos acidentes domésticos do tipo queimaduras
devido à menor coordenação motora causada por imaturidade física, por curiosidade
aguçada e maior dependência dos pais e cuidadores12. O sexo masculino tem risco aumentado em todas as faixas etárias,
sendo 1,5 meninos para cada menina vítima de queimaduras, e 53,4% dos meninos, a
partir do primeiro ano de vida, têm o dobro de chance de sofrer injúrias13. Essa maior proporção pode estar associada
ao comportamento e aos fatores culturais, determinantes na maior liberdade aos
meninos, que se expõem a brincadeiras arriscadas14,15.
Nos Estados Unidos da América (EUA), a queimadura é a quarta maior causa de morte
por
trauma3,16 e, em menores de 16 anos, conforme National Burn
Repository, as internações correspondem a 20%17. No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas sofrem acidentes
envolvendo queimaduras e apenas 100 mil procuram ajuda médica após o ocorrido18.
Os custos financeiros variam conforme extensão da lesão, tempo de internação, número
de intervenções e método de tratamento19.
Tratar queimaduras exige grande oneração econômica, conforme manejo clínico e
cirúrgico, os quais incluem equipe multiprofissional capacitada, alto tempo de
internação, associado a procedimentos, medicações e equipamentos20.
Nos EUA, os custos diretos para atendimento de crianças vítimas de queimaduras são
superiores a US$ 211 milhões, entre 3000 a 5000 dólares/dia e corresponde a
aproximadamente 23% do custo total do tratamento2. No Brasil, os gastos aproximados foram de R$ 450 milhões com
internações por queimadura na última década21. No entanto, não existem estudos suficientes que avaliem detalhes do
custo da hospitalização de vítimas de queimaduras22. Estudo que analisou 180 pacientes vítimas de queimaduras por 5207
dias, estimou que os custos diretos diários de tratamento foram de US$ 1.330,48 e
o
custo total da internação de US$ 39.594,9019.
Ainda, sobreviventes à queimadura despendem menos que não sobreviventes e, entre
custos diretos e indiretos, cada paciente custa US$ 88.21819,22.
Além do custo financeiro, as queimaduras têm custos sociais de causas indiretas como
desemprego, cuidado prolongado, traumas emocionais e assistência familiar2. O estigma causado pelas queimaduras é
considerado um obstáculo pelo paciente, pois interfere na autopercepção e autoestima
e conduz as vítimas a sentimentos de autodepreciação23. Aproximadamente metade das queimaduras ocorrem em crianças e
adolescentes, o que acarreta consequências individuais e sociais24.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, traumas por queimaduras são mais frequentes
em países subdesenvolvidos, visto que há mais atendimentos médicos entre crianças
de
menor nível socioeconômico e que as políticas públicas, as condutas de prevenção
implementadas pelo governo, as baixas condições sociais, econômicas e culturais são
motivos para a maior prevalência nesses locais2,24.
Logo, conhecer a tendência temporal das internações por queimaduras pediátricas de
todas as regiões brasileiras poderá contribuir para o planejamento de políticas
públicas voltadas à prevenção e à redução de custos sociais e financeiros destinados
às internações hospitalares.
OBJETIVO
Assim, o objetivo do estudo foi investigar a tendência temporal de internações por
queimaduras pediátricas, na faixa etária de 0 a 14 anos, no Brasil, entre 2012 e
2022.
MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais com informações referente às
internações hospitalares por queimaduras pediátricas no Brasil. Os dados foram
obtidos no site de domínio público Sistema de Informações Hospitalares do Sistema
Único de Saúde (SIH-SUS), disponíveis no Departamento de Informática do Sistema
único de Saúde (DATASUS). As informações sobre as internações hospitalares no SUS
são armazenadas a partir dos dados da Autorização de Internações Hospitalares (AIH).
Os dados foram exportados no formato comma separated values (csv) e
salvos em planilha Excel, para cálculo das taxas.
As informações demográficas populacionais foram coletadas no site do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, utilizando os censos de 2000 e 2010, além de
suas estimativas intercensitárias. Foram incluídos dados de 91.091 crianças menores
de 14 anos de idade, de ambos os sexos, residentes nas regiões brasileiras (Norte,
Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste), vítimas de queimaduras (Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde T20-T32)
entre os anos de 2012-2022. As variáveis analisadas foram sexo (masculino e
feminino), faixa etária (< 1 ano; 1 – 4 anos; 5 – 9 anos e 10 – 14 anos), região
(Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e anos analisados (2012-2022).
As variáveis utilizadas no estudo que se enquadram na categoria dependente foram:
taxa geral de internação, taxa de internação segundo sexo, taxa faixa etária por
sexo e região. A variável independente foram os anos utilizados para o estudo.
Para cada ano do período em estudo, calcularamse as taxas de internações por
queimaduras conforme as variáveis dependentes, para cada 100.000 habitantes a partir
da razão entre o total de internações por queimaduras pediátricas e a população
referente ao sexo, faixa etária/sexo e regiões.
Para análise do estudo de tendência temporal de internações por queimaduras
pediátricas, foram utilizados coeficientes padronizados e o método de regressão
linear simples, a partir do programa Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS) versão 20.0. Neste método, as taxas de internações
padronizadas foram consideradas variáveis dependentes e os anos do período em estudo
como variável independente, obtendo-se um modelo estimado de acordo com a fórmula
Y
= b0 + b1X, onde Y = coeficiente padronizado, b0= coeficiente médio do período, b1=
incremento anual médio e X= ano. A análise do comportamento (aumento, queda ou
estabilidade) e a variação média anual do coeficiente de internações, foi realizada
a partir da avaliação do valor do coeficiente de regressão (P). A significância
estatística considerada foi p≤0,05.
Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, de domínio público e livre
acesso, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466,
de 12 de dezembro de 2012 e de acordo com as diretrizes e normas da Resolução
510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, Artigo 1°, Parágrafo Único, Incisos II, III
e V, não houve a necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa.
RESULTADOS
Foram analisados os dados de 91.091 internações hospitalares por queimadura em
crianças de 0 a 14 anos, no Brasil, entre 2012 e 2022. Verificou-se tendência de
estabilidade na taxa geral de internação no Brasil, com taxa inicial de 18,51 e
final de 18,73 internações/100.000 habitantes (taxa média 17,963; β
= 0,119; p =0,163).
No que diz respeito à estratificação por sexo, o mesmo comportamento de estabilidade
foi observado no sexo masculino (taxa média de 21,42; β =0,069;
p =0,504). A taxa de internação no sexo masculino iniciou com
22,33/100.000 habitantes e, ao final do período, reduziu para 21,95/100.000
habitantes, refletindo em 1,7% de redução. No sexo feminino, o comportamento foi de
aumento (taxa média 14,346; β = 0,169; p =0,029)
nas internações/100.000 habitantes, com taxa inicial de 14,53, finalizando o período
do estudo com 15,35/100.000 habitantes, caracterizando 5,5% de aumento (Tabela 1, Figura 1).
Tabela 1 - Tendência temporal de internações por queimadura, na faixa etária 0 -14
anos, no 2012-2022, segundo sexo, faixa etária e regiões.
Variáveis |
Taxa Média |
R (*) |
R2 (†) |
B (‡) |
IC95% |
Valor p |
Tendência |
Taxa Geral Sexo |
17,963 |
0,451 |
0,204 |
0,119 |
(-0,580; 0,295) |
0,163 |
Estabilidade |
Masculino |
21,426 |
0,226 |
0,051 |
0,069 |
(-0,155; 0,293) |
0,504 |
Estabilidade |
Feminino |
14,346 |
0,654 |
0,427 |
0,169 |
(0,021; 0,316) |
0,029 |
Aumento |
Faixa Etária Feminina |
|
|
|
|
|
|
|
0 - 4
anos
|
29,281 |
0,698 |
0,488 |
0,407 |
(0,093; 0,722) |
0,170 |
Estabilidade |
5 - 9 anos |
9,614 |
0,286 |
0,082 |
0,084 |
(-0,127; 0,294) |
0,393 |
Estabilidade |
10 -
14 anos
|
5,684 |
0,195 |
0,038 |
0,034 |
(-0,095; 0,163) |
0,565 |
Estabilidade |
Faixa Etária
Masculina |
|
|
|
|
|
|
|
0 – 4
anos
|
42,264 |
0,798 |
0,637 |
0,613 |
(0,265; 0,962) |
0,003 |
Aumento |
5 – 9 anos |
14,189 |
0,057 |
0,003 |
-0,210 |
(-0,300; 0,257) |
0,867 |
Estabilidade |
10 –
14 anos
|
9,871 |
0,754 |
0,569 |
-0,328 |
(-0,543; -0,113) |
0,007 |
Redução |
Regiões |
|
|
|
|
|
|
|
Sul |
26,952 |
0,861 |
0,741 |
1,091 |
(0,605; 1,577) |
0,001 |
Aumento |
Sudeste |
13,748 |
0,615 |
0,378 |
0,172 |
(0,006; 0,338) |
0,440 |
Estabilidade |
Centro-Oeste |
23,689 |
0,004 |
0,000 |
0,006 |
(-1,133; 1,146) |
0,990 |
Estabilidade |
Norte |
12,267 |
0,082 |
0,007 |
-0,022 |
(-0,226; 0,182) |
0,600 |
Estabilidade |
Nordeste |
19,881 |
0,638 |
0,407 |
-0,291 |
(-0,557; -0,026) |
0,350 |
Estabilidade |
Tabela 1 - Tendência temporal de internações por queimadura, na faixa etária 0 -14
anos, no 2012-2022, segundo sexo, faixa etária e regiões.
Figura 1 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, na faixa
etária de 0-14 anos, entre 2012 e 2022, segundo taxa geral e
sexo.
Figura 1 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, na faixa
etária de 0-14 anos, entre 2012 e 2022, segundo taxa geral e
sexo.
Na Tabela 1 estão apresentadas a taxa média, o
coeficiente de determinação (R2), a variação média anual (β), o valor de
p e a tendência estratificado por sexo, faixa etária e
regiões.
Ao analisar a faixa etária por sexo masculino, observou-se tendência de aumento de
internações na faixa etária de 0 a 4 anos (taxa média 42,264;
β=0,613; p= 0,003), com uma taxa inicial de 39,23 e final
de 44,31, representando aumento de 13%. Nas faixas etárias de 5 a 9 anos e de 10 a
14 anos houve estabilidade (taxa média 14,189; β=-0,21;
p= 0,867) e redução (taxa média 9,871; β=-0,328;
p= 0,007) nas internações por 100.000 habitantes, respectivamente
(Tabela 1; Figura 2). Nas faixas etárias por sexo feminino, verificou-se tendência
de estabilidade em todas as faixas etárias. Na faixa etária de 0-4 anos, houve
aumento de 11,5%, apresentando taxa inicial de 28,14 e final de 31,38
internações/100.000 habitantes, com comportamento de estabilidade (Tabela 1; Figura 3).
Figura 2 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, no sexo
masculino, segundo faixa etária.
Figura 2 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, no sexo
masculino, segundo faixa etária.
Figura 3 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, no sexo
feminino, segundo faixa etária.
Figura 3 - Tendência temporal de internação por queimaduras no Brasil, no sexo
feminino, segundo faixa etária.
Quanto às internações por regiões, observouse comportamento de aumento na Região Sul
(taxa média de 23,952; β=1,091; p=0,001), com
23,28 internações/100.000 habitantes no período inicial do estudo e 30,21/100.000
habitantes no período final, refletindo 29,8% de aumento. As demais regiões
apresentaram comportamento de estabilidade: Região Norte (taxa média 12,267;
β=-0,022; p=0,600), Região Nordeste (taxa
média 19,881; β=-0,291; p=0,035), Região Sudeste
(taxa média 13,748; β=0,172; p=0,44) e Região
Centro-Oeste (taxa média 23,689; β=0,006; p=0,99).
A Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa média de internações por 100.000
habitantes no início do período estudado, com valor de 32,68/100.000 habitantes.
Já a menor taxa média de internações por 100.000 habitantes, no período inicial do
estudo, foi obtida pela Região Norte, com valor de 13,29/100.000 habitantes. Ao
final do período de estudo, exceto a Região Sul, que teve comportamento de aumento
na taxa média de internação por 100.000 habitantes, todas as regiões comportaram-se
de modo semelhante com estabilidade nas taxas médias de internações (Tabela 1, Figura 4).
Figura 4 - Tendência temporal da taxa de internação por queimaduras no Brasil,
na faixa etária de 0-14 anos, entre 2012 e 2022, segundo
regiões.
Figura 4 - Tendência temporal da taxa de internação por queimaduras no Brasil,
na faixa etária de 0-14 anos, entre 2012 e 2022, segundo
regiões.
DISCUSSÃO
Os estudos acerca de internações pediátricas na faixa etária 0-14 anos por regiões
no
Brasil são escassos. O estudo em discussão verificou tendência temporal de
estabilidade nas internações por queimaduras pediátricas no Brasil no período
analisado. Em contrapartida, estudo de internações hospitalares no Brasil em
crianças menores de 14 anos, entre 2008-2015, apontou tendência de diminuição nas
internações25, com redução de 28,14%
masculino e 22,2% feminino, demonstrando comportamento divergente do estudo
atual.
A tendência de estabilidade encontrada no presente estudo pode ser explicada pela
adoção de medidas de prevenção como a Política Nacional para Redução da
Morbimortalidade por Acidentes e Violências (2001), a proibição da comercialização
de álcool líquido para a população em geral (2002) e a criação de Núcleos de
Prevenção de Acidentes e Violências no Sistema Único de Saúde (2004)25,26.
Em conjunto, tais ações recebem suporte para a promoção de comportamentos e
ambientes seguros e saudáveis25, corroborando
para a estabilidade e uma possível diminuição na tendência de internações no
decorrer dos anos.
Ao analisar a taxa de internação no sexo masculino, verificou-se comportamento de
estabilidade durante o período estudado, o que difere da literatura, a qual traz
aumento de internações no gênero masculino, apresentando 61,4% das internações por
queimadura na faixa etária de 0-14 anos nas regiões do Brasil no sexo masculino
entre 2008-201525, bem como 69,4% de
internações no sexo masculino em Centro de Tratamento de Queimados em crianças de
7-12 anos no período de 2011-201418. O
comportamento observado pode ser reflexo das medidas educativas25,26 associadas ao
aprendizado da criança quanto à noção do perigo, além do ganho de força e agilidade
conforme o seu desenvolvimento psicomotor27.
Quanto ao sexo feminino, houve tendência de aumento na taxa geral, com dados
estatisticamente significativos. Na literatura, comportamento semelhante ocorreu
apenas na Região Sul, com elevação de 23,25% nas internações por queimaduras25. Pode-se associar o comportamento de aumento
na taxa de internação feminina aos acidentes domésticos e à violência doméstica ou
autoprovocada18, uma vez que, devido à
interação complexa entre hábitos familiares, normas culturais, ambiente
socioeconômico e comportamentos seculares16,
muitas vezes, o sexo feminino é mais propenso a colaborar com afazeres domésticos,
suscetível ao maior contato com substâncias químicas potencialmente inflamáveis.
Tanto o sexo masculino quanto o feminino apresentaram elevações na taxa geral de
internações no ano de 2021. Esse aumento pode estar associado ao período de pandemia
de COVID-19 que incentivou a permanência das crianças em ambiente domiciliar, no
qual as queimaduras infantis ocorrem predominantemente17, assim como outros acidentes, em sua maioria, não
intencionais e evitáveis28.
Além disso, com a pandemia de COVID-19 foi autorizada, em 2020, a comercialização
do
álcool etílico 70º GL em embalagens de um litro29 para a higiene de mãos, superfícies e objetos; a venda de álcool com
gradação maior que 54º GL era vedada desde 200225. O álcool, entre os agentes inflamáveis, foi o que mais causou
queimaduras no Brasil10,25 e com a proibição de sua comercialização, houve uma
considerável redução desses acidentes, no entanto, a retomada da venda resultou no
aumento da incidência novamente8.
Houve tendência à estabilidade em todas as faixas etárias no sexo feminino. Já no
sexo masculino houve tendência de aumento na faixa etária de 0-4 anos, com dados
estatisticamente significativos. Tal aumento nessa faixa etária corrobora com a
literatura, a qual traz que os maiores índices ocorreram em pré-escolares de 1-4
anos, com 57,05% casos de internações, e majoritariamente no sexo masculino, com
incidência de 63,04%26.
O comportamento de aumento de internações masculinas na faixa etária 0-4 anos pode
estar relacionado ao aumento da curiosidade e ao desenvolvimento intelectual e
cognitivo não acompanhado do desenvolvimento motor das crianças nesta idade25, associados à maior liberdade proporcionada
a eles12,18. As queimaduras pediátricas são a segunda causa de acidentes mais
frequentes e a terceira causa de morte entre 0-14 anos11.
No que se refere às internações por regiões, a Região Sul foi a única que apresentou
dados estatisticamente significativos, demonstrando aumento na taxa de internações
por queimadura pediátrica, com elevação de 29,8% nas internações no período do
estudo. As demais regiões apresentaram comportamento de estabilidade. Logo, o
presente estudo está em consonância com estudo semelhante que demonstrou aumento nas
internações por queimaduras pediátricas na Região Sul, em ambos os sexos (sexo
masculino p=0,050; sexo feminino p=0,033)25.
Esse fato pode estar relacionado ao aumento das notificações e a um melhor acesso
a
serviços especializados que incluem rigor nas internações na faixa etária pediátrica
e disponibilidade de leitos em Unidade de Tratamento de Queimaduras (UTQ) do
Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) em Florianópolis, a qual é a única UTQ
pediátrica do Sul do Brasil25,28. Ainda, é pertinente ressaltar que algumas
regiões, como a Norte, apresentam grandes extensões territoriais, o que pode
dificultar o acesso entre população e atendimento hospitalar, bem como inexistem
unidades especializadas em queimaduras de alta complexidade25.
Acerca das limitações, como os dados foram coletados a partir de registros de
internações hospitalares disponíveis no DATASUS, subnotificações de internações por
queimaduras ou notificações errôneas no sistema podem ter ocorrido. Além disso,
visto que o DATASUS apresenta informações referentes ao Sistema Único de Saúde, as
internações por queimaduras pediátricas que ocorreram na rede particular não foram
contabilizadas na análise do estudo.
Este estudo contribuiu para a identificação da tendência temporal das taxas de
internações por queimaduras no período de 2012-2022 nas regiões do Brasil nas faixas
etárias de 0-14 anos por meio da análise de faixa etária, sexo e regiões. Na
literatura, encontrase apenas um estudo de tendência temporal sobre internações por
queimaduras pediátricas por regiões, por isso, a relevância desse estudo, ao
comparar as taxas de internação por queimaduras entre as regiões brasileiras.
Ademais, os dados encontrados podem contribuir para a elaboração de políticas
públicas de saúde, visando prevenção e cuidados em nível secundário e terciário para
as populações estudadas.
CONCLUSÃO
No período 2012 a 2022, houve 91.091 internações por queimadura em crianças de 0-14
anos no Brasil. A maioria dessas ocorreram na população masculina 60,97% (n=55.539)
e na faixa etária de 0-4 anos 62,33% (n=56.778). No período estudado, houve
tendência de estabilidade nas internações hospitalares por queimaduras no Brasil na
população de 0-14 anos no sexo masculino e de aumento no sexo feminino.
O sexo feminino comportou-se com estabilidade em todas as idades, enquanto o sexo
masculino apresentou aumento na faixa etária 0-4 anos, estabilidade na de 5-9 anos
e
redução na de 10-14 anos.
As regiões comportaram-se com estabilidade nas internações hospitalares por
queimadura pediátrica, exceto a Região Sul, que demonstrou aumento.
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1. Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL),
Campus Pedra Branca, Medicina, Palhoça, SC, Brasil
Autor correspondente: Luzieli
Portaluppi Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Campus
Pedra Branca Av. Pedra Branca, 25, Palhoça, SC, Brasil. CEP: 88137-270 E-mail:
luzieliportaluppi@gmail.com
Artigo submetido: 23/11/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.