INTRODUÇÃO
As queimaduras são um importante problema de saúde pública mundial, devido à sua alta
morbimortalidade e do comprometimento frequente da saúde mental e da qualidade de
vida das vítimas1,2,3,4. No Brasil, anualmente, aproximadamente um milhão de pessoas
sofrem algum tipo de queimadura, tornando este agravo uma das causas externas de
mortalidade mais frequentes2. Cerca de 50% dos
casos ocorrem em ambientes domésticos, e a faixa etária mais acometida é a dos
menores de 5 anos2.
Os traumas que causam lesões teciduais por calor podem ser de origem radioativa,
elétrica, química ou térmica, sendo que esta última, que inclui a exposição a chamas
e líquidos superaquecidos, é a forma mais envolvida nos acidentes com crianças
menores5,6. Essas lesões podem ocorrer em diferentes profundidades na camada
epitelial, dividindo-se em primeiro grau (superficial), segundo grau (espessura
parcial) e terceiro grau (espessura total)5.
Dentre as principais causas de internação por queimadura, a mais comum é o
escaldamento, seguida pelos acidentes com fogo e explosão, sendo o fogo a principal
causa de mortalidade entre esses pacientes7,8,9.
É importante ressaltar os fatores relacionados com maior taxa de mortalidade nos
pacientes com queimaduras, como maior área de superfície corporal queimada, idade
avançada e sexo feminino10. Estudo realizado
por Barcellos et al.7 mostrou que 80% dos
pacientes com mais de 50% de superfície corporal queimada foram a óbito. Outro
aspecto associado a um maior risco de morte é a presença de lesão inalatória, que
quando existente, deve ser prontamente diagnosticada e tratada.
Outra complicação frequente é a sepse, que também está associada a maior
mortalidade10. Pacientes pediátricos que
apresentam mais de 15% da superfície corporal queimada podem evoluir para Síndrome
da Resposta Inflamatória Sistêmica. Nesses casos, para prevenir choque e morte, é
fundamental a ressuscitação volêmica intravenosa adequada. Vale destacar que as
crianças apresentam menor volume de sangue circulante em relação à superfície
corporal, logo, a reposição volêmica imediata é muito importante11.
A alta prevalência de casos de queimaduras se reflete em custos elevados para o setor
de saúde tanto no Brasil quanto em outros países12. Por isso, conhecer as peculiaridades regionais associadas aos casos
de queimadura na infância é importante para compreender a distribuição, evolução e
desfechos desta importante causa de morbimortalidade em nosso meio.
OBJETIVO
O estudo tem como objetivo analisar a tendência temporal e o perfil epidemiológico
da
morbimortalidade hospitalar por queimadura em crianças de 0 a 9 anos em Santa
Catarina no período de 2012 a 2021, considerando as variáveis sociodemográficas
(sexo, idade, macrorregião de residência) e aspectos clínicos das queimaduras em
crianças (área do corpo atingida, grau da queimadura, mortalidade).
MÉTODO
Estudo observacional de tipo ecológico, com abordagem quantitativa e análise de
tendência temporal. A população estudada foi de crianças de 0 a 9 anos de idade,
residentes em Santa Catarina, que foram internadas ou morreram em decorrência de
queimaduras, com registro nas bases de dados dos sistemas de informação do
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).
Com base nos dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), foi
obtida a população associada às 3.900 internações e 10 óbitos ocorridos no estado
de
Santa Catarina durante o período estudado, compreendendo as internações entre
janeiro de 2012 e dezembro de 2021 que tiveram como causa básica de internação o
capítulo XIX (Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas
externas) da Classificação Internacional de Doenças - CID-10ª Revisão, códigos T20
a
T32, que correspondem ao agrupamento das lesões por queimaduras e corrosões. O
estado de Santa Catarina foi dividido em sete macrorregiões de saúde, sendo elas:
Sul, Planalto Norte e Nordeste, Meio Oeste e Serra Catarinense, Grande Oeste, Grande
Florianópolis, Foz do Rio Itajaí e Alto Vale do Itajaí.
Os dados foram extraídos e tabulados com a ajuda da ferramenta Tabwin,
disponibilizada pelo DATASUS, e transformados em coeficientes ou taxas de incidência
calculadas tendo como numerador o total de internações por queimadura segundo as
variáveis dependentes (sexo, faixa etária e macrorregião de residência, extensão da
queimadura, região do corpo atingida e óbito), e como denominador a população de
crianças de 0 a 9 anos residente em Santa Catarina em cada ano estudado.
O resultado desta divisão foi multiplicado pela constante 100.000. A taxa de
mortalidade foi calculada tendo como numerador o número total de óbitos
hospitalares, e denominador a população de crianças de 0 a 9 anos residente em Santa
Catarina em cada ano estudado. O resultado desta divisão foi multiplicado pela
constante 100.000. A taxa de letalidade considerou como numerador o número total de
óbitos hospitalares, e como denominador o total de internações por queimadura em
crianças de 0 a 9 anos residentes em Santa Catarina no período estudado. O resultado
desta divisão foi multiplicado por 100.
A frequência absoluta das variáveis tempo de internação e necessidade de internação
em UTI foram transformadas em proporções (%), considerando no numerador o total de
internações segundo as variáveis dependentes (duração da internação em dias e
necessidade de internações em Unidade de Terapia Intensiva), e como denominador o
total de internações de crianças de 0 a 9 anos em Santa Catarina no período
estudado.
As séries de taxas de risco e as proporções obtidas foram submetidas a modelo de
análise de correlação tempo-evento pelo software SPSS versão 20.0 a
partir do cálculo do coeficiente de correlação de Spearman, da variação média anual
(Beta) calculada por regressão linear simples, e a significância estatística a
partir do cálculo do p-valor pelo método de análise de variância
(ANOVA). Foram considerados estatisticamente significativos os valores de
p<0,05. As taxas de mortalidade imediata (hospitalar)
consideraram os desfechos por óbito das internações por queimadura, e as taxas de
letalidade consideraram como denominador o total das internações por queimadura
estudadas.
O estudo obedeceu aos preceitos éticos do Conselho Nacional de Saúde, em suas
Resoluções n° 466/2012 e nº 510/2016, e, por tratar-se de dados secundários, de
domínio público, não foi necessária a avaliação do comitê de ética em pesquisa.
RESULTADOS
Entre os anos de 2012 e 2021, foram registrados pelo Sistema Único de Saúde, em Santa
Catarina, 3.900 internações por queimaduras. A Tabela 1 apresenta as tendências das taxas de internação segundo sexo
(masculino e feminino) e idade (0 a 4 anos e 5 a 9 anos). Em relação ao sexo, as
internações por queimaduras em Santa Catarina indicaram uma tendência temporal de
crescimento, tanto no sexo masculino como no feminino (Spearman=0,758;
p-valor=0,010, e Spearman=0,685;
p-valor=0,029, respectivamente). A razão de prevalência (RP) média
do sexo masculino foi de 1,68 internações para cada uma internação do sexo feminino
no período estudado.
Tabela 1 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência,
sexo e idade, e taxas de mortalidade hospitalar das internações (x100.000) e
taxa de letalidade por queimadura (x100). Santa Catarina, 2012-
2021.
Ano |
Masc |
Fem |
0-4 anos |
5-9 anos |
SC |
Tx. Mort. |
Tx. Letal. |
2012 |
33,40 |
22,38 |
37,81 |
18,84 |
28,01 |
0,78 |
7,81 |
2013 |
37,66 |
23,40 |
49,94 |
12,59 |
30,69 |
1,08 |
10,75 |
2014 |
52,51 |
28,24 |
60,04 |
22,34 |
40,65 |
0,00 |
0,00 |
2015 |
45,11 |
34,02 |
65,36 |
15,34 |
39,69 |
0,00 |
0,00 |
2016 |
61,99 |
30,71 |
64,30 |
29,95 |
46,70 |
0,48 |
4,76 |
2017 |
52,98 |
39,45 |
75,79 |
18,29 |
46,36 |
0,24 |
2,40 |
2018 |
70,34 |
45,02 |
88,01 |
29,26 |
57,97 |
0,00 |
0,00 |
2019 |
65,87 |
31,14 |
72,12 |
26,70 |
48,90 |
0,23 |
2,29 |
2020 |
56,99 |
29,59 |
72,02 |
16,44 |
43,60 |
0,26 |
2,57 |
2021 |
58,85 |
43,66 |
88,49 |
16,03 |
51,43 |
0,00 |
0,00 |
Tx
Média
|
47,69 |
28,39 |
58,54 |
18,97 |
38,26 |
0,31 |
2,56 |
Spearman |
0,758 |
0,685 |
0,879 |
0,091 |
0,806 |
-0,188 |
-0,420 |
Beta |
0,767 |
0,684 |
0,875 |
0,160 |
0,800 |
-0,587 |
-0,582 |
p-valor
|
0,010 |
0,029 |
0,001 |
0,660 |
0,005 |
0,074 |
0,077 |
Tabela 1 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência,
sexo e idade, e taxas de mortalidade hospitalar das internações (x100.000) e
taxa de letalidade por queimadura (x100). Santa Catarina, 2012-
2021.
Conforme observado na Tabela 1 e na Figura 1, as taxas de internação por queimaduras
na faixa etária de 0 a 4 anos também apresentaram importante tendência de
crescimento (Spearman=0,879; p-valor=0,001), enquanto as taxas de 5
a 9 anos apresentaram tendência de estabilidade (Spearman=0,091;
p-valor=0,660). A prevalência foi maior na população de 0 a 4 anos
(RP=3,08).
Figura 1 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de
ocorrência e idade. Santa Catarina, 2012-2021.
Figura 1 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de
ocorrência e idade. Santa Catarina, 2012-2021.
As taxas de internação por queimaduras em todo o estado indicaram crescimento no
período (Spearman=0,806; p-valor=0,005). A taxa de mortalidade
hospitalar por queimadura foi de 0,3/100.000, com tendência de estabilidade. A taxa
anual de letalidade (x1.000) das internações por queimadura em SC variou de 0 a
10,75 óbitos/1.000 internações. Vale ressaltar que em quatro dos dez anos estudados
não foram registrados óbitos. A taxa média de letalidade no período foi de 2,56
óbitos/1.000 internações.
A Tabela 2 apresenta as taxas de internação
por queimaduras de acordo com as macrorregiões do estado de Santa Catarina. Os
resultados obtidos indicaram tendência geral de crescimento nas taxas de internação
por queimaduras em crianças no estado (Spearman=0,806;
p-valor=0,005), apesar da tendência temporal de estabilidade
observada em todas as macrorregiões (p-valor>0,05). A maior taxa
média de internação por queimadura entre os anos estudados foi encontrada na Grande
Florianópolis (média 23,22 internações/100.000 habitantes), enquanto a menor foi
obtida na macrorregião Grande Oeste (média 8,12 internações/100.000habitantes).
Tabela 2 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e
macrorregião de residência. Santa Catarina. Santa Catarina,
2012-2021.
Ano |
Sul |
Plan. Norte e
Nordeste
|
Meio Oeste e
Serra Cat
|
Grande
Oeste
|
Grande
Florianópolis
|
Foz do Rio
Itajaí
|
Vale do
Itajaí
|
SC |
2012 |
13,28 |
23,05 |
14,45 |
8,59 |
16,80 |
8,20 |
15,63 |
28,01 |
2013 |
12,90 |
25,09 |
13,62 |
6,09 |
21,51 |
10,04 |
10,75 |
30,69 |
2014 |
5,43 |
17,39 |
8,15 |
14,67 |
33,42 |
10,05 |
10,87 |
40,65 |
2015 |
9,78 |
19,55 |
8,10 |
13,97 |
26,82 |
8,38 |
13,41 |
39,69 |
2016 |
10,00 |
25,48 |
6,43 |
9,05 |
23,10 |
10,95 |
15,00 |
46,70 |
2017 |
9,38 |
11,54 |
8,17 |
6,73 |
35,58 |
12,26 |
16,35 |
46,36 |
2018 |
11,37 |
23,12 |
10,40 |
5,78 |
24,86 |
11,18 |
13,29 |
57,97 |
2019 |
18,76 |
23,80 |
7,32 |
7,09 |
27,00 |
5,95 |
10,07 |
48,90 |
2020 |
6,94 |
22,88 |
10,28 |
9,25 |
23,14 |
17,48 |
10,03 |
43,60 |
2021 |
13,76 |
18,34 |
8,73 |
7,64 |
25,55 |
12,45 |
13,54 |
51,43 |
Tx
Média
|
9,78 |
19,19 |
8,69 |
8,12 |
23,22 |
9,45 |
11,54 |
38,26 |
Spearman |
0,139 |
-0,152 |
-0,248 |
-0,152 |
0,333 |
0,600 |
-0,261 |
0,806 |
Beta |
0,161 |
-0,123 |
-0,487 |
-0,303 |
0,216 |
0,470 |
-0,210 |
0,800 |
p-valor
|
0,656 |
0,735 |
0,153 |
0,394 |
0,549 |
0,171 |
0,560 |
0,005 |
Tabela 2 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e
macrorregião de residência. Santa Catarina. Santa Catarina,
2012-2021.
A Tabela 3 apresenta as taxas de internação
segundo a extensão corporal queimada, o período médio de internação, a proporção de
internações que necessitaram suporte de tratamento intensivo (UTI) e a taxa de
mortalidade hospitalar no período estudado. Em relação à extensão da queimadura,
houve tendência significativa de redução nas taxas de internação de grandes
queimados (Spearman= -0,879; p-valor=0,002), e de pequenos
queimados (Spearman = -0,855; p-valor=0,021). A tendência temporal
das taxas de internação dos médio queimados indicou tendência de estabilidade
(Spearman= -0,636; p-valor=0,060).
Tabela 3 - Taxas de internação (x100.000) segundo a gravidade da queimadura,
proporção (%) das internações segundo período de internação e proporção (%)
de uso de UTI segundo ano de ocorrência. Santa Catarina, 2012-2021.
Ano |
Extensão da Queimadura (Tx) |
Tempo de Internação (%) |
|
Pequeno queimado |
Médio queimado |
Grande queimado |
0-3
dias
|
4-7
dias
|
8-14
dias
|
15
ou mais
|
%
UTI
|
2012 |
7,81 |
40,23 |
17,58 |
32,422 |
32,031 |
25,391 |
10,156 |
8,59 |
2013 |
3,23 |
34,77 |
13,98 |
50,538 |
21,864 |
21,147 |
6,452 |
6,81 |
2014 |
3,80 |
29,35 |
16,85 |
57,337 |
22,011 |
14,402 |
6,250 |
3,26 |
2015 |
6,15 |
18,99 |
23,18 |
54,469 |
22,626 |
17,039 |
5,866 |
0,56 |
2016 |
3,10 |
26,67 |
12,38 |
62,143 |
19,524 |
13,810 |
4,524 |
4,76 |
2017 |
2,64 |
31,97 |
6,25 |
61,538 |
18,750 |
14,423 |
5,288 |
0,72 |
2018 |
1,73 |
24,47 |
4,43 |
65,896 |
16,763 |
13,680 |
3,661 |
5,59 |
2019 |
2,75 |
26,09 |
4,12 |
56,979 |
26,545 |
10,984 |
5,492 |
6,41 |
2020 |
2,57 |
24,16 |
4,63 |
61,183 |
22,108 |
13,625 |
3,085 |
5,91 |
2021 |
2,18 |
25,33 |
2,62 |
62,009 |
20,087 |
13,974 |
3,930 |
3,71 |
Média |
3,38 |
25,67 |
10,34 |
50,250 |
20,222 |
14,450 |
5,077 |
4,26 |
Spearman |
-0,855 |
-0,636 |
-0,879 |
0,636 |
-0,285 |
-0,794 |
-0,867 |
-0,248 |
Beta |
-0,713 |
-0,612 |
-0,838 |
0,717 |
-0,430 |
-0,778 |
-0,819 |
-0,166 |
p-valor
|
0,021 |
0,060 |
0,002 |
0,020 |
0,215 |
0,008 |
0,004 |
0,648 |
Tabela 3 - Taxas de internação (x100.000) segundo a gravidade da queimadura,
proporção (%) das internações segundo período de internação e proporção (%)
de uso de UTI segundo ano de ocorrência. Santa Catarina, 2012-2021.
Em relação ao tempo de internação, ocorreu tendência significativa de crescimento
nas
internações de curta permanência (0-3 dias) (Spearman= -0,794;
p-valor=0,008), de estabilidade nas de média permanência (Spearman=
-0,285; p-valor 0,215), e de redução nas de longa permanência (8
dias ou mais) (Spearman entre -0,794 e -0,867; p-valor<0,008). A
proporção média das internações que necessitaram UTI foi de apenas 4,26%, com
tendência de estabilidade no período.
A Tabela 4 apresenta as taxas de internação
por queimadura segundo a região do corpo acometida. As regiões afetadas foram
agrupadas de acordo com o Capítulo XIX – CID 10, sendo T20-T21 (cabeça, pescoço e
tronco), T22-T23 (ombro, membros superiores, punho e mão), T24-T25 (quadril, membros
inferiores, tornozelo e pé), T26-T28 (olho, trato respiratório e órgãos internos)
e
T29 (múltiplas regiões). Houve tendência temporal de estabilidade das taxas de
internação em todas as localizações pesquisadas (p-valor >
0,05).
Tabela 4 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e
região corporal acometida. Santa Catarina, 2012-2021.
Ano |
Cabeça, Pescoço
e Tronco
|
Ombro, MMSS,
Punho e Mão
|
Quadril, MMII,
Torn. e Pé
|
Olho, Trato
Resp. e Órgãos internos
|
Múltiplas
regiões
|
2012 |
32,81 |
13,67 |
9,77 |
3,91 |
16,41 |
2013 |
35,84 |
17,56 |
7,89 |
3,23 |
20,07 |
2014 |
46,47 |
17,12 |
7,07 |
3,53 |
13,86 |
2015 |
49,72 |
15,36 |
7,26 |
1,96 |
9,22 |
2016 |
32,62 |
12,14 |
11,90 |
4,29 |
29,29 |
2017 |
37,74 |
20,91 |
7,69 |
2,64 |
17,07 |
2018 |
24,28 |
13,49 |
4,62 |
2,50 |
37,76 |
2019 |
32,72 |
12,81 |
4,81 |
2,52 |
24,71 |
2020 |
30,33 |
17,74 |
10,28 |
4,88 |
11,57 |
2021 |
29,48 |
15,72 |
10,04 |
4,15 |
20,52 |
Tx
Média
|
32,25 |
14,08 |
7,13 |
2,95 |
18,00 |
Spearman |
-0,648 |
0,018 |
0,067 |
0,164 |
0,285 |
Beta |
-0,494 |
0,009 |
-0,032 |
0,169 |
0,224 |
p-valor
|
0,146 |
0,981 |
0,930 |
0,641 |
0,535 |
Tabela 4 - Taxas de internação por queimadura (x100.000) segundo ano de ocorrência e
região corporal acometida. Santa Catarina, 2012-2021.
DISCUSSÃO
O estudo analisou a tendência temporal, distribuição regional e perfil da
morbimortalidade por queimaduras em crianças de 0 a 9 anos, em Santa Catarina, no
período de 2012 a 2021, com base em dados disponíveis no Sistema de Informações
Hospitalares.
Os resultados obtidos demonstraram tendência de crescimento das taxas de internação
por queimadura em crianças no Estado no período analisado. Este achado se alinha aos
resultados do estudo de Pereima et al.13, que
indicou aumento no número de internações por queimadura em crianças de 0 a 14 anos,
em ambos os sexos, em Santa Catarina, no período de 2008 a 2015. Entretanto, o
Brasil apresentou diminuição no número de internações no mesmo período.
Vale destacar que a divergência entre o aumento do número de internações em Santa
Catarina e a diminuição das internações no país pode estar relacionada ao clima mais
frio, característico da Região Sul do Brasil. No inverno o preparo de alimentos
quentes é mais frequente, e há maior utilização das cozinhas pelas famílias em razão
da temperatura neste ambiente, gerando maior risco de escaldaduras14.
Em relação ao perfil epidemiológico das crianças acometidas por queimadura, estudo
de
Rigon et al.15, que analisou o perfil de
crianças vítimas de queimaduras em hospital infantil localizado na região do
Planalto Serrano em Santa Catarina, encontrou resultados semelhantes ao presente
estudo, com maior prevalência no sexo masculino (60,3%) e em crianças menores de 5
anos (72%).
Esses dados são semelhantes a estudos realizados em outros estados do Brasil, como
o
de Barros et al.16, que analisou dados de
crianças vítimas de queimaduras atendidas em hospital terciário em Campo Grande/MS,
no ano de 2015, e demonstrou maior prevalência no sexo masculino (59%) e na faixa
etária de 1 a 4 anos (42%).
O predomínio de casos envolvendo o sexo masculino pode estar relacionado a fatores
culturais e comportamentais. Os meninos costumam ter mais liberdade e praticam
atividades que os deixam mais expostos ao risco, enquanto as meninas estão sob maior
vigilância e habitualmente são mais cautelosas17,18.
Quanto à faixa etária, a maior prevalência de casos de queimaduras em crianças nos
primeiros anos de vida tem relação com as características da fase de desenvolvimento
em que elas se encontram. Como consequência da imaturidade, curiosidade e falta de
coordenação motora, estão frequentemente expostas a situações de perigo. Outros
fatores que aumentam o risco de acidentes são o fácil acesso à cozinha e a
supervisão inadequada por parte dos responsáveis7,17.
O período avaliado no presente estudo permitiu uma comparação das taxas de internação
por queimadura antes e durante a Pandemia da Covid-19, demonstrando uma tendência
de
crescimento na taxa de internação no estado. Estudos realizados em diversos países,
como França, Indonésia, Estados Unidos, Polônia e Israel, encontraram aumento no
número de atendimentos pediátricos por queimaduras durante o
lockdown, em comparação com o período anterior à pandemia19,20,21,22,23.
O aumento no número de internações por queimaduras na infância, no ano de 2020, pode
estar relacionado às mudanças no estilo de vida durante a pandemia, visto que, com
a
implementação de medidas de isolamento social, as aulas presenciais foram suspensas
e as crianças passaram maior número de horas em casa. Ao mesmo tempo, muitos pais
passaram a desenvolver trabalho de forma remoto. Por precisar dividir a atenção
entre os filhos e o trabalho, muitos adultos podem não ter conseguido supervisionar
adequadamente as crianças, o que aumentou o risco de acidentes20,21,22.
Em relação às taxas de internação nas macrorregiões do estado, percebemos que a
região com a maior taxa média foi a Grande Florianópolis. Essa região alternou, com
a macrorregião do Planalto Norte e Nordeste, a condição de detentora das maiores
taxas de internação do estado.
O que pode ter contribuído para essas regiões terem grande número de internações é
que em ambas estão localizados os dois maiores centros de referência para queimados
no estado: na Grande Florianópolis, na capital, situa-se o Hospital Infantil Joana
de Gusmão, e na macrorregião do Planalto Norte e Nordeste, em Joinville, estão
instalados o Hospital Municipal de São José e o Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante
Faria. Sendo assim, muitos casos de regiões vizinhas são encaminhados para os
centros de referência mais próximos sem o registro do local de residência. O artigo
de Fé24, realizado em Santa Catarina,
encontrou resultados semelhantes, mesmo estudando faixas etárias e períodos
diferentes.
De acordo com o grau e a extensão da superfície corporal queimada, o Ministério da
Saúde classifica as lesões como pequeno, médio e grande queimado25. Os casos classificados como médio queimados
foram o grupo mais prevalente no período estudado em Santa Catarina, o que vai de
encontro do achado de Barros et al.16, que
encontraram, em hospital de Campo Grande/MS, maior proporção de pequenos
queimados.
Em relação aos dias de internação dos pacientes estudados, houve prevalência (50,2%)
das internações de curta duração (0 a 3 dias), enquanto Fernandes et al.26 registraram uma média de 5,87 dias. Outros
estudos, como o de Rigon et al.15,
encontraram tempo de internação ainda maior (11 dias). Esta diferença pode estar
relacionada ao perfil de gravidade das lesões dos pacientes pesquisados em cada
estudo, que determina fortemente o tempo de internação, pois depende da complexidade
e taxa de Superfície Corporal Queimada.
Quanto à necessidade de internação em UTI, a taxa média encontrada em Santa Catarina
foi de 4,2%, semelhante aos 5% observados por Rigon et al.15. No mesmo contexto, a taxa média de óbitos da presente
pesquisa foi de 0,3/100.000 habitantes, enquanto a do estudo recém citado foi de
1,2%. Estas pequenas taxas de óbitos corroboram a percepção de que houve tendência
de redução geral da mortalidade dos queimados nos estudos mais recentes, quando
comparados a períodos anteriores, explicados tanto pela redução da prevalência das
queimaduras mais graves, quanto pela redução das queimaduras associadas a outras
complicações, como a inalação de fumaça.
A maior mortalidade está fortemente associada a queimaduras com superfície corporal
queimada mais extensa (>60%)27. Ao avaliar
as áreas mais acometidas pelas queimaduras em crianças, estudos recentes descrevem
maior acometimento de tronco, cabeça e membros superiores, o que corrobora com os
achados dessa pesquisa28. Apesar da tendência
temporal de diminuição de acometimento das áreas do corpo previamente citadas, essas
permanecem sendo as principais regiões acometidas, provavelmente explicadas pela
diferença de nível entre o agente causador da queimadura e a posição da criança,
quase sempre em plano inferior15,29.
As crianças, principalmente em idade préescolar, tendem a puxar para perto de si
objetos com conteúdo aquecido, como panelas em cima do fogão, além de possuírem
maior curiosidade em relação ao ambiente externo, podendo involuntariamente causar
episódios de queimaduras, que predominam nas regiões superiores do corpo29,30.
Vale destacar que o presente estudo possui algumas limitações. Por ser baseado em
dados disponíveis no SIH-SUS do DATASUS, as taxas encontradas são dependentes do
correto preenchimento das informações dos pacientes, logo, estão sujeitas a viés de
informação. Além disso, o delineamento deste estudo não permite determinar relação
causal entre os fatores de risco e a morbimortalidade por queimaduras.
Entretanto, os achados identificaram a população que merece mais atenção, indicaram
regiões com possível carência de equipamentos médico-hospitalares para atenção
adequada aos acidentes envolvendo queimaduras na infância e reforçaram a necessidade
de ações mais efetivas de prevenção, como campanhas virtuais e nas escolas, para
orientação das crianças e seus cuidadores. A análise das informações apresentadas
pode contribuir também para preparar os profissionais da saúde para as condições
mais frequentes e orientar os investimentos públicos para qualificar o Sistema Único
de Saúde para essa ocorrência tão relevante.
CONCLUSÃO
Em Santa Catarina, houve tendência de crescimento nas taxas de internação por
queimaduras em crianças de 0 a 9 anos, em ambos os sexos, no período de 2012 a 2021.
Foi encontrada maior prevalência das internações por queimadura no sexo masculino,
na faixa etária de 0 a 4 anos e na região da Grande Florianópolis. O grupo
classificado como médio queimado foi o mais prevalente, enquanto as internações de
curta duração (0 a 3 dias) foram as mais frequentes. Em relação à região corporal
acometida, as queimaduras em cabeça, pescoço e tronco predominaram em relação às
outras localizações. A taxa de letalidade por queimadura foi de 2,56 óbitos/1.000
internações.
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1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Curso de
Medicina, Palhoça, Santa Catarina, Brasil
Autor correspondente: Beatriz Rodrigues de
Oliveira Carreirão Rua Duarte Schutel, 135, Centro, Florianópolis,
Brasil. CEP 88015-640 E-mail:
beatriz.carreirao@gmail.com
Artigo submetido: 20/10/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.