ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2024 - Volume39 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2024RBCP0826-PT

RESUMO

Introdução: A taxa de mortalidade em pacientes queimados diminuiu significativamente, tornando importante avaliar outros desfechos, como o tempo de internação, que aumenta a morbidade física e psicológica, o risco de infecção hospitalar e os custos financeiros. O objetivo deste estudo é analisar a relevância de vários fatores no tempo de internação na Unidade de Queimados.
Método: Foram incluídos neste estudo 711 pacientes admitidos entre 2011 e 2020 na Unidade de Queimados do Hospital de São José, Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa, Portugal. Os dados coletados foram analisados utilizando o PSPP para Windows.
Resultados: Os pacientes eram predominantemente do sexo masculino, com idade média de 54 anos. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 29 dias. Os fatores que prolongaram a estadia hospitalar foram relacionados à gravidade da queimadura, ao número de cirurgias e ao tempo decorrido até a primeira cirurgia, valores laboratoriais alterados tanto no perfil hematológico quanto químico durante a hospitalização, e a presença e o número de infecções documentadas.
Conclusão: Existem fatores potencialmente modificáveis que influenciam o tempo de permanência hospitalar. Nosso estudo nos permite concluir que o tempo decorrido até a primeira intervenção cirúrgica e a presença e o número de infecções documentadas prolongam significativamente esse desfecho, e ênfase deve ser dada à implementação de medidas que favoreçam a intervenção cirúrgica precoce e o controle rigoroso de infecções.

Palavras-chave: Unidades de queimados; Tempo de internação; Mortalidade hospitalar; Sobrevivência de enxerto; Procedimentos de cirurgia plástica

ABSTRACT

Introduction: Burn patients' mortality rate has decreased significantly, making it important to evaluate other outcomes, such as length-of-stay, which increases physical and psychological morbidity, risk of nosocomial infection, and financial costs. The objective of this study is to analyze the relevance of several factors in the Burn Unit length-of-stay.
Material and Methods: 711 patients were included in this study, admitted between 2011 and 2020 to the Burn Unit at São José Hospital, Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisbon, Portugal. Collected data was analyzed using PSPP for Windows.
Results: Patients included in the study were predominantly males, with a mean age of 54 years. The mean length of stay was 29 days. The factors that prolonged in-hospital stay were those related to the severity of the burn, the number of surgeries and the time elapsed until the first one, altered laboratory values in both hematologic and chemistry profile during the hospitalization, and the presence and number of documented infections.
Conclusion: There are potentially modifiable factors that influence length-of-stay. Our study allows us to conclude that the time elapsed until the first surgical intervention and the presence and number of documented infections significantly prolong this outcome, and emphasis should be given to the implementation of measures that favor early surgical intervention and strict infection control.

Keywords: Burn units; Length of hospital stay; Hospital mortality; Graft survival; Plastic surgery procedures


INTRODUÇÃO

Devido a uma melhoria generalizada nos cuidados de saúde, os últimos 30 anos apresentaramnos uma redução significativa na taxa de mortalidade de pacientes queimados1,2. Vários fatores são responsáveis por esta mudança, tais como uma melhor compreensão da fisiopatologia das queimaduras graves, o desenvolvimento generalizado de unidades de cuidados intensivos e novas estratégias terapêuticas adaptadas ao paciente, nomeadamente, reanimação agressiva com fluidos, controle rigoroso da infecção e intervenção cirúrgica precoce com cuidadoso desbridamento e enxerto de pele para superar a perda de poder de avaliação da mortalidade por queimaduras.

Portanto, para avaliar a qualidade e a eficiência dos cuidados clínicos, é importante avaliar outros desfechos, como o tempo de internação3, cujo aumento está irrefutavelmente associado a consequências adversas. Uma permanência mais longa em uma unidade de queimados ou unidade de terapia intensiva tem sido associada a maior morbidade física (e psicológica), atraso no retorno ao trabalho, diminuição da produtividade, menor qualidade de vida relacionada à saúde e uma incidência cada vez maior de sintomas psicopatológicos4,5.

Pacientes queimados são particularmente suscetíveis a infecções. Um tempo de permanência prolongado aumenta o risco de infecção nosocomial, o que por sua vez aumenta o tempo de permanência em uma unidade de queimados, em média, 18 dias. Além disso, foi comprovado que o aumento do tempo de internação está diretamente relacionado ao desenvolvimento de resistência aos antibióticos. As infecções mais comuns neste contexto são causadas por microrganismos agressivos como Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A infecção por esse microrganismo está associada ao aumento da mortalidade e morbidade por todas as causas.

Por último, um aumento do tempo de permanência está associado a um aumento do custo social e econômico. Em Portugal, o custo médio da estadia numa Unidade de Queimados em 2013 foi de 8032 euros6,7. Os seguintes fatores têm sido associados a uma permanência mais prolongada: idade8,9, sexo masculino9, percentual de área queimada8,9, profundidade da queimadura10, presença de lesão nas vias aéreas9, comorbidades ou lesão traumática associada11, necessidade de procedimento cirúrgico8,10 e presença de infecção ou sepse10.

Neste estudo retrospectivo, os autores pretendem estabelecer quais são os fatores relevantes para o tempo de permanência numa Unidade de Queimados em Portugal, para identificar medidas e intervenções específicas que possam permitir a redução do tempo de internamento e, consequentemente, da morbilidade e mortalidade a ele associadas.

MÉTODO

Neste estudo retrospectivo foram avaliados todos os pacientes internados na Unidade de Cuidados Especiais de Queimados do Hospital Universitário Lisboa Central, em Lisboa, Portugal, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2020. Foram coletados 745 pacientes. Os pacientes foram excluídos do estudo devido à alta precoce para outra unidade por motivos médicos ou logísticos10; alta contra ordem médica3 ou admitidos sem quadro de queimadura (necrólise epidérmica tóxica)2.

Os dados dos 711 pacientes resultantes foram coletados quanto à idade, sexo, condições médicas prévias, data de admissão e alta da unidade de queimados, mecanismo da queimadura, agente da queimadura, área da queimadura, profundidade da queimadura, lesões traumáticas associadas, necessidade de ventilação, necessidade de fasciotomia ou escarotomia, lesão das vias aéreas, necessidade e momento da intervenção cirúrgica, infecção e local da infecção, parâmetros laboratoriais e resultado clínico. A análise estatística foi realizada utilizando SPSS para Windows. Um valor de p<0,05 foi considerado significativo. (Tabela 1).

Tabela 1 - População de unidade de queimadura.
n=711
Sexo
Masculino 398 (56%)
Feminino 313 (44%)
Idade (média, anos) 54
Idade mínima 17
Idade máxima 95
Grupo de idade
Menos de 20 anos 21 (3%)
21-40 anos 202 (28%)
41-60 anos 238 (34%)
61-80 anos 159 (22%)
81-100 anos 91 (13%)
Duração da estadia (média, dias) 29
Estadia mínima (dias) 1
Estadia máxima (dias) 254
Duração da estadia
Menos de 7 dias 80 (11%)
Menos de 30 dias 468 (66%)
Menos de 60 dias 644 (91%)
Menos de 120 dias 702 (99%)
Mais de 120 dias 9 (1%)
Dias na Unidade de Queimados > Porcentagem de queimaduras
Sim 578 (81%)
Não 133 (19%)
Comorbidades médicas
Sim 353 (50%)
Não 358 (50%)
Agente da queimadura
Térmico 623 (88%)
Elétrico 70 (10%)
Químico 18 (2%)
Agente da queimadura
Fogo 359 (51%)
Líquido 227 (32%)
Elétrico 70 (10%)
Contato 37 (5%)
Químico 18 (2%)
Superfície queimada (média, porcentagem) 14
Mínimo 0
Máximo 91
Superfície queimada
Menos do que 10% 396 (56%)
11-20% 186 (26%)
21-30% 59 (8%)
31-40% 29 (4%)
41-50% 16 (2%)
51-60% 8 (1%)
61-70% 4 (1%)
71-80% 5 (1%)
81-90% 7 (1%)
Mais de 90% 1 (0%)
Superfície queimada
Menos do que 10% 396 (56%)
Menos de 20% 582 (82%)
Menos de 30% 641 (90%)
Menos de 40% 670 (94%)
Menos de 50% 686 (97%)
Menos de 60% 694 (98%)
Menos de 70% 698 (98%)
Menos de 80% 703 (99%)
Menos de 90% 710 (100%)
Mais de 90% 1 (0%)
Queimaduras de terceiro grau
Sim 379 (53%)
Não 332 (47%)
Ventilação mecânica
Sim 208 (29%)
Não 503 (71%)
Duração da ventilação mecânica (média, dias) – n=208 12
Mínimo 1
Máximo 67
Ventilação mecânica > 12 dias – n=208
Sim 58 (28%)
Não 150 (72%)
Lesão inalatória
Sim 112 (16%)
Não 599 (84%)
Trauma associado
Sim 49 (7%)
Não 662 (93%)
Escarotomias
Sim 118 (17%)
Não 593 (83%)
Intervenção cirúrgica
Sim 505 (71%)
Não 206 (29%)
Número de Intervenções Cirúrgicas (média) – n=505 2
Mínimo 1
Máximo 17
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica (média, dias) - n=505 9
Mínimo 1
Máximo 36
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica (dias) - n=505
Primeiros 5 dias 131 (26%)
Primeiros 10 dias 327 (65%)
Primeiros 15 dias 435 (86%)
Primeiros 20 dias 479 (95%)
Depois de 20 dias 27 (5%)
Infecção documentada
Sim 328 (46%)
Não 383 (54%)
Infeção nosocomial
Sim 261 (37%)
Não 450 (63%)
Número de infecções documentadas (média) – n=711 2
Mínimo 0
Máximo 13
Número de infecções – n=328
1-2 infecções 231 (71%)
3-4 Infecções 57 (17%)
5-6 Infecções 23 (7%)
Mais de 6 infecções 17 (5%)
Infecção mucocutânea
Sim 151 (21%)
Não 560 (79%)
Infecção respiratória
Sim 61 (9%)
Não 650 (91%)
Infecção do trato urinário
Sim 172 (24%)
Não 539 (76%)
Infecção sistêmica
Sim 132 (19%)
Não 579 (81%)
Hemoglobina mínima (média, g/dl) 11,9
Anemia (Hb < 8g/dl)
Sim 30 (4%)
Não 681 (96%)
Doença renal (Creatinina > 1,2mg/dl)
Sim 89 (13%)
Não 622 (87%)
Valor mínimo de proteína total (média, g/l) 50,7
Hipoproteinemia (proteína total < 60g/l)
Sim 557 (78%)
Não 154 (22%)
Hipoalbuminemia (Albumina < 35g/l)
Sim 569 (80%)
Não 142 (20%)
ABSI (média) 6
Mínimo 2
Máximo 17
Ameaça à vida 56 (8%)
Muito baixa (ABSI 2-3) 243 (34%)
Moderada (ABSI 4-5) Moderadamente Grave (ABSI 6-7) 254 (36%)
Séria (ABSI 8-9) 111 (16%)
Severa (ABSI 10-11) 22 (3%)
Máxima (ABSI 12 ou Superior) 25 (3%)
Mortalidade > 50% ABSI (> 10)
Sim 47 (7%)
Não 664 (93%)
Escore de Baux (média) 67
Mínimo 21
Máximo 169
Escore de Baux Modificado (média) 70
Mínimo 23
Máximo 189
Mortalidade > 50% Escore de Baux Modificado (≥ 140)
Sim 14 (2%)
Não 697 (98%)
Morte
Sim 43 (6%)
Não 668 (94%)

ABSI - Abbreviated Burn Severity Index.

Tabela 1 - População de unidade de queimadura.

RESULTADOS

Análise Populacional

Após aplicação dos critérios de exclusão, foram incluídos 711 pacientes. Havia 398 pacientes do sexo masculino (56%; Tabela 1). A idade variou entre 17 e 95 anos, com média de 54 anos. A duração da estadia foi, em média, de 29 dias (mínimo de 1 dia; máximo de 254 dias). Cerca de metade dos pacientes tinha uma comorbidade médica. A queimadura térmica foi o mecanismo mais comum (88%), sendo o fogo o agente causador mais comum (51%). A superfície corporal afetada variou entre 0 e 91% na admissão, com média de 14%, 53% dos pacientes apresentaram queimaduras de terceiro grau na admissão, 7% apresentaram trauma associado, 29% dos pacientes necessitaram de ventilação mecânica, com média duração da ventilação de 12 dias, e 16% apresentaram lesão de vias aéreas à broncoscopia, 17% dos pacientes necessitaram de escarotomia ou fasciotomia na admissão, 71% dos pacientes foram operados, com média de 2 procedimentos por paciente. A cirurgia foi realizada entre o 1º e o 36º dia de internação, com tempo médio para cirurgia de 9 dias.

Na admissão, todos os pacientes foram submetidos a swab nasal de MRSA, swab de região perineal e swab de pele sã e queimadura. Culturas adicionais foram coletadas se a situação clínica assim o justificasse. Um ou mais agentes microbiológicos foram cultivados em 46% dos pacientes e em 37% dos pacientes era de origem nosocomial. A média de culturas positivas foi 2. A infecção mais frequente foi no trato urinário. Em termos de anomalias laboratoriais, a alteração mais frequente foi a hipoproteinemia (79%) e a hipoalbuminemia (80%). A pontuação média do Abbreviated Burn Severity Index (ABSI) foi 6. A pontuação média de Baux modificada foi 70. A taxa média de mortalidade foi de 6%.

Duração da estadia

O tempo de permanência na unidade de queimados foi em média de 29 dias. O mínimo foi 1 dia e o máximo, 254 dias. Os seguintes fatores estiveram associados ao aumento do tempo de internação: sexo feminino (p-valor 0,048); idade (p-valor 0,002); e presença de comorbidades (p-valor 0,015). (Tabela 2).

Tabela 2 - Análise dos fatores que influenciam o Tempo de Permanência. (T – teste-t; A – ANOVA unidirecional; S – classificação de Spearman).
Média Estatística Valor p
Sexo
Masculino 27 0,048 T
Feminino 31
Idade 0,002 S
Faixa etária – anos
<20 16
21-40 25 0,007 A
41-60 30
61-80 33
81-100 31
Comorbidades Médicas
Sim 31 0,015 T
Não 27
Mecanismo de queima
Térmico 30 0,000 A
Elétrico 20
Químico 17
Queimadura Térmica
Sim 30 0,000 T
Não 19
Queimadura Elétrica
Sim 20 0,001 T
Não 30
Queimadura Química
Sim 17 0,048 T
Não 29
Lesão de Fogo
Sim 35 0,000 T
Não 23
Lesão por Líquido Quente
Sim 24 0,000 T
Não 31
Lesão por queimadura de contato
Sim 23 0,167 T
Não 29
Agente de queimaduras
Fogo 35
Líquido Quente 24 0,000 A
Elétrico 20
Queimadura de Contato 23
Químico 17
Área de superfície corporal 0,000 S
Área de superfície corporal (%)
<10% 20
11-20% 32
21-30% 45
31-40% 48
41-50% 71 0,000 A
51-60% 94
61-70% 40
71-80% 32
81-90% 61
> 90% 5
Área de superfície corporal até 10%
Sim 20 0,000 T
Não 40
Área de superfície corporal de 10 a 20%
Sim 24 0,000 T
Não 52
Área de superfície corporal de 20 a 30%
Sim 26 0,000 T
Não 58
Área de superfície corporal de 30 a 40%
Sim 27 0,000 T
Não 64
Área de superfície corporal de 50 a 60%
Sim 28 0,000 T
Não 60
Área de superfície corporal de 50 a 60%
Sim 29 0,012 T
Não 44
Área de superfície corporal de 60 a 70%
Sim 29 0,018 T
Não 45
Área de superfície corporal de 70 a 80%
Sim 29 0,005 T
Não 54
Área de superfície corporal de 80 a 90%
Sim 29 0,344 T
Não 5
Queimadura de 3º Grau
Sim 37 0,000 T
Não 20
Necessidade de Ventilação Mecânica
Sim 36 0,000 T
Não 26
Duração da Ventilação Mecânica – n=208 0,000 S
Duração da Ventilação Mecânica > 12 dias
Sim 57 0,000 T
Não 28
Lesão Inalatória
Sim 43 0,000 T
Não 26
Trauma Associado
Sim 34 0,125 T
Não 29
Necessidade de escarotomia
Sim 50 0,000 T
Não 25
Necessidade de intervenção cirúrgica
Sim 36 0,000 T
Não 13
Número de Intervenções Cirúrgicas – n=505 0,000 S
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica - n=505 0,000 S
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica - n=505
Primeiros 5 dias 27
Primeiros 10 dias 37
Primeiros 15 dias 35
Primeiros 20 dias 40
Depois de 20 dias 61
Primeiros 5 dias
Sim 27 0,000 T
Não 39
Primeiros 10 dias
Sim 33 0,003 T
Não 40
Primeiros 15 dias
Sim 34 0,000 T
Não 48
Primeiros 20 dias
Sim 34 0,000 T
Não 61
Infecção documentada
Sim 40 0,000 T
Não 20
Infeção nosocomial
Sim 46 0,000 T
Não 19
Número de infecções documentadas – n=328 0,000S
Número de infecções documentadas – n=328
1-2 infecções 30
3-4 Infecções 52 0,000 A
5-6 Infecções 60
Mais de 6 infecções 107
Infecções mucocutâneas
Sim 41 0,000 T
Não 26
Infecção respiratória
Sim 50 0,000 T
Não 27
Infecção urinária
Sim 50 0,000 T
Não 22
Infecção sistêmica
Sim 51 0,000 T
Não 24
Valor mínimo de hemoglobina (g/dl) 0,000 S
Anemia (Hb < 8g/dl)
Sim 43 0,002 T
Não 28
Valor Máximo de Creatinina (mg/dl) 0,002 S
Doença Renal Aguda (Creatinina >1,2mg/dl)
Sim 38 0,000 T
Não 28
Valor Mínimo de Proteína (g/l) 0,000 S
Hipoproteinemia (proteína total <60g/l)
Sim 32 0,000 T
Não 19
Valor mínimo de albumina (g/l) 0,000 S
Hipoalbuminemia (Albumina <35g/l)
Sim 32 0.000 T
Não 16
Ameaça à vida
Muito baixa (ABSI 2-3) 12
Moderada (ABSI 4-5) 20
Moderadamente grave (ABSI 6-7) 29 0,000 A
Séria (ABSI 8-9) 42
Severa (ABSI 10-11) 73
Máxima (ABSI 12 ou Superior) 42
Mortalidade > 50% segundo ABSI (>10)
Sim 63 0,000 T
Não 27
Escore de Baux 0,000S
Escore de Baux Modificado 0,000S
Mortalidade > 50% segundo Escore Baux Modificado (≥140)
Sim 55 0,000 T
Não 29
Morte
Sim 33 0,283 T
Não 29

ABSI - Abbreviated Burn Severity Index

Tabela 2 - Análise dos fatores que influenciam o Tempo de Permanência. (T – teste-t; A – ANOVA unidirecional; S – classificação de Spearman).

Em relação às lesões, os seguintes fatores estiveram associados ao aumento do tempo de internação: queimaduras térmicas (p-valor 0,000), principalmente se o agente térmico for fogo (p-valor 0,000); queimaduras de terceiro grau (p-valor 0,000); necessidade de ventilação mecânica (p-valor 0,000); lesão de via aérea estabelecida (p-valor 0,000); necessidade de fasciotomias ou escarotomias descompressivas (p-valor 0,000) e percentual de área corporal (p-valor 0,000). É importante a comparação entre pacientes extubados precocemente (primeiros 12 dias) e não extubados precocemente, que tiveram um tempo de internação significativamente (valor de p 0,000) maior (média de 28 vs. 57 dias).

A presença de traumatismo associado não se associou significativamente ao aumento do tempo de internação (p-valor 0,125) (Tabela 2).

O desbridamento adequado com ou sem enxerto é a base do tratamento de queimaduras. Na nossa amostra, a necessidade de cirurgia esteve significativamente associada ao aumento do tempo de internamento (p-valor 0,000), assim como o momento da cirurgia (p-valor 0,000). Os pacientes submetidos a cirurgia nos primeiros 5 dias tiveram tempo médio de permanência de 27 dias, porém, quando a cirurgia foi realizada após o 20º dia, o tempo médio de permanência foi de 61 dias.

A presença de infecção (valor-p 0,000), o número de infecções (valor-p 0,000) e a presença de microrganismo nosocomial (valor p 0,000) correlacionaram-se positivamente com o tempo de internação (Tabela 2). A presença de anemia (p-valor 0,002); insuficiência renal (valor p 0,000), hipoproteinemia (valor p 0,000) e hipoalbuminemia (valor p 0,000) também foram positivamente correlacionadas com um aumento no tempo de internação.

Os índices clássicos de prognóstico de queimaduras, como o Abbreviated Burn Severity Index e o Modified Baux Score, apresentaram forte correlação com o tempo de internação (p-valor 0,000).

DISCUSSÃO

A evolução dos cuidados com queimaduras levou a um aumento da taxa de sobrevivência dos pacientes queimados, o que tornou alguns índices clássicos desatualizados em termos de prognóstico. Por outro lado, o tempo de internamento é uma variável objetiva, fácil de medir e comparar e que ganha cada vez mais relevância como métrica na avaliação da qualidade dos cuidados de saúde em pacientes queimados. Um tempo de permanência mais prolongado em uma unidade de queimados está associado a um maior número de infecções, maior morbidade, maior mortalidade e custos. Portanto, é relevante compreender quais fatores contribuem para o aumento desta métrica, para acessar potenciais ações para enfrentar este problema.

Em nosso estudo, o tempo médio de internação foi de 29 dias, variando de 1 a 254 dias. Comparado com a literatura atual12, esse valor é superior. Porém, em nossa unidade, esses dados representam apenas os pacientes internados na Unidade de Tratamento de Queimados, que é equivalente a uma unidade de terapia intensiva e, portanto, a maioria dos pacientes queimados são graves e não são passíveis de cuidados de enfermaria padrão, nos quais a maioria dos estudos publicados se concentra.

Da mesma forma que outros estudos, alguns fatores associados ao aumento do tempo de internação foram idade, comorbidades e fatores relacionados à gravidade da queimadura, como área de pele queimada, profundidade da queimadura e necessidade de escarotomia descompressiva ou fasciotomia. A lesão inalatória é, na literatura atual, o fator de maior impacto nos pacientes queimados. Em nossa coorte, a presença de lesão de vias aéreas com ou sem necessidade de ventilação mecânica foi associada ao aumento do tempo de internação. Da mesma forma, a extubação precoce foi associada a uma diminuição do tempo de internação.

Ao contrário da literatura atual, na nossa coorte o sexo feminino foi associado a um aumento estatisticamente significativo do tempo de internação. Isto pode ser devido à idade mais avançada das mulheres em relação aos homens, levando a mais queimaduras em idades avançadas, em que existe uma condição mais frágil e dependente.

O momento do desbridamento cirúrgico é um tema controverso no atendimento ao paciente queimado13,14,15. Tradicionalmente, uma abordagem conservadora com trocas seriadas de curativos permite que o tecido necrótico se separe do leito saudável da ferida que mais tarde seria enxertado de pele. Contudo, se esta abordagem fosse prolongada, a libertação constante de fatores pró-inflamatórios resultaria num estado inflamatório sistêmico, o que agravaria o desequilíbrio metabólico, imunológico e sistêmico, levando à falência de múltiplos órgãos e à morte. Além disso, um atraso maior no desbridamento cirúrgico muitas vezes levaria à infecção das áreas queimadas, agravando o risco de morte, e a problemas cicatriciais nefastos, como cicatrizes hipertróficas ou contraturas articulares, que podem prejudicar a qualidade de vida do paciente.

A presença dessas cicatrizes, em áreas delicadas esteticamente funcionais, pode exigir procedimentos adicionais para correção. Janzekovic16 descreveu o desbridamento tangencial em 1970 e alterou o paradigma do atendimento cirúrgico ao paciente queimado. Ele propôs uma intervenção mais precoce com desbridamento mecânico agressivo e enxerto de pele11 para reduzir o tempo de exposição da ferida, reduzindo o estresse metabólico, a taxa de infecção e, portanto, as complicações e a taxa de mortalidade. Além disso, o tempo de internação e, consequentemente, os custos são reduzidos13. Isto foi particularmente verdadeiro em pacientes sem lesão das vias aéreas14.

Alguns autores ainda defendem uma abordagem mais tardia, alegando que uma maior perda sanguínea e, consequentemente, uma maior necessidade de transfusão leva a maior sofrimento metabólico e hemodinâmico. Além disso, alguns autores defendem que a profundidade precoce da queimadura é difícil de determinar, tornando a distinção entre quais áreas cicatrizarão espontaneamente e quais necessitarão de desbridamento e enxertia uma decisão difícil nos primeiros dias, mesmo para cirurgiões experientes em queimaduras.

Essa dificuldade decorre da heterogeneidade de uma queimadura, onde é comum que um paciente apresente lesões com diferentes prognósticos em continuidade e muitas vezes em padrão manchado; e o fato de que as queimaduras são uma lesão em evolução. A zona de estase apresenta uma área potencialmente reversível, e a fluidoterapia adequada e a prevenção de infecções podem melhorar muito o resultado desta área15. Em suma, aqueles que defendem uma abordagem tardia sugerem que adiar a abordagem cirúrgica por alguns dias irá permitir uma avaliação mais precisa e evitar intervenções desnecessárias.

Em nossa coorte, que replica a literatura atual, observamos uma relação diretamente proporcional entre o momento cirúrgico da primeira intervenção e o tempo de internação (Figura 1). Os pacientes que foram submetidos a uma intervenção mais precoce tiveram menor tempo de internação. Isto abre um caminho para melhores cuidados com queimaduras – uma abordagem mais precoce pode proporcionar um período de internamento mais curto, o que pode levar a uma diminuição do risco de infecção, especialmente infecção nosocomial, e a uma redução de custos. Esta abordagem demonstrou superar os benefícios de uma intervenção cirúrgica tardia17,18.

Figura 1 - Relação entre o primeiro dia de intervenção cirúrgica e o tempo total de internação.

Em nossa coorte, vários fatores foram associados a um atraso na primeira intervenção cirúrgica, como pacientes que são criticamente instáveis para tolerar um procedimento cirúrgico, pacientes que têm múltiplas áreas pequenas que cicatrizam favoravelmente com trocas de curativos, falta de tempo na sala de cirurgia e necessidade de atrasar a cirurgia devido ao uso de anticoagulantes orais.

Pacientes queimados são suscetíveis a infecções, especialmente por organismos nosocomiais multirresistentes. Em nossa coorte, 46% dos pacientes foram diagnosticados com pelo menos uma infecção. O tempo médio de internação em pacientes que tiveram infecção foi de 40 dias, o que contrasta com 20 dias em pacientes que nunca tiveram um microrganismo identificado nas culturas de admissão ou necessitaram de qualquer investigação séptica adicional. Esta diferença é ainda maior quando as infecções nosocomiais (definida como infecção que se desenvolve nas primeiras 48 horas após a admissão), em que o tempo médio de internação foi de 46 dias.

Curiosamente, esse aumento no tempo de internação foi independente do sistema afetado (mucocutâneo, urinário, hematológico ou brônquico). Aí, a prevenção de infecções é uma área na qual melhorias significativas podem traduzir-se na redução do tempo de internamento, promovendo a causa para o desenvolvimento de estratégias específicas para o controle e prevenção de infecções.

Alguns resultados laboratoriais refletem um agravamento do estado clínico e estão também associados a um aumento do tempo de internamento. Hemoglobina baixa (definida como valor laboratorial de hemoglobina inferior a 8,0g/dL); insuficiência renal (definida por creatinina sorológica acima de 1,2mg/ dL); hipoproteinemia (definida por proteína sorológica inferior a 60g/L) e hipoalbuminemia (definida por albumina sorológica inferior a 35g/L) foram todas estatisticamente significativas para prever um aumento no tempo de internação.

Os índices de prognóstico clássicos, como o Índice Abreviado de Gravidade da Queimadura e o Escore de Baux Modificado, incluem fatores conhecidos que influenciam a morbidade, como área

superficial queimada e lesão das vias aéreas. Como dito anteriormente, esses fatores também apresentam forte correlação com o tempo de permanência.

A mortalidade intra-hospitalar em Portugal permanece comparativamente elevada (7,7%)7 quando comparada com outros países do sul da Europa, mas está diminuindo constantemente. Em nossa coorte, a mortalidade foi de 6%. As taxas de mortalidade por queimaduras são normalmente calculadas com base na população geral que sofreu queimaduras. Este grupo é heterogêneo e inclui pequenas áreas de queimaduras, graus de queimaduras menos graves e reflete principalmente pacientes que são tratados em sua maioria com troca de curativos em ambulatório ou com curta permanência em enfermaria. A taxa de mortalidade em nossa coorte reflete apenas pacientes internados em Unidade de Cuidados Especiais para Pacientes Queimados.

Como nota final, o autor gostaria de reconhecer algumas limitações do estudo. Primeiro, o estudo tem desenho retrospectivo, o que não permite a randomização dos pacientes. Em segundo lugar, alguns fatores possivelmente importantes não foram avaliados, como a necessidade de transfusão, o padrão de resistência dos microrganismos e qual terapia antibiótica foi realizada. Escalas de resultados funcionais e estéticos não foram acessadas. Estudos multicêntricos maiores podem permitir uma melhor estratificação dos pacientes de acordo com a área de superfície queimada ou comorbidades do paciente, o que pode ser capaz de combater a heterogeneidade desta população específica de pacientes e permitir uma conclusão mais prática e aplicável diariamente.

CONCLUSÃO

Este estudo permite afirmar que variáveis relacionadas à maior gravidade da queimadura, como área queimada, necessidade de ventilação mecânica, necessidade de fasciotomia ou escarotomia, lesão de vias aéreas e presença de queimaduras de terceiro grau têm efeito significativo no tempo de internação. Contudo, na opinião do autor, a conclusão mais relevante deste estudo retrospectivo é a confirmação de que existem fatores modificáveis – como o tempo até a primeira intervenção e o número de infeções documentadas – que podem efetivamente reduzir o tempo de internamento. Estas duas áreas devem ser o foco do atendimento ao paciente para melhorar os resultados relacionados à saúde.

A conclusão do nosso estudo está de acordo com a literatura médica atual.

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1. Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Plastic Surgery - Lisboa - Lisboa - Portugal
2. Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Cirurgia Plástica - Lisboa - Lisboa - Portugal
3. Hospital Garcia de Orta, Cirurgia Plastica - Lisboa - Lisboa - Portugal

Instituição: Centro HospitalarUniversitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.

Autor correspondente: Miguel João Ribeiro Matias Rua General Norton de Matos, 35, 5º, Esquerdo, Barreiro, Portugal. CEP: 2830-345 E-mail: miguelmatias@campus.ul.pt

Artigo submetido: 11/06/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.

Conflitos de interesse: não há.

 

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