INTRODUÇÃO
Devido a uma melhoria generalizada nos cuidados de saúde, os últimos 30 anos
apresentaramnos uma redução significativa na taxa de mortalidade de pacientes
queimados1,2. Vários fatores são responsáveis por esta mudança, tais como uma
melhor compreensão da fisiopatologia das queimaduras graves, o desenvolvimento
generalizado de unidades de cuidados intensivos e novas estratégias terapêuticas
adaptadas ao paciente, nomeadamente, reanimação agressiva com fluidos, controle
rigoroso da infecção e intervenção cirúrgica precoce com cuidadoso desbridamento e
enxerto de pele para superar a perda de poder de avaliação da mortalidade por
queimaduras.
Portanto, para avaliar a qualidade e a eficiência dos cuidados clínicos, é importante
avaliar outros desfechos, como o tempo de internação3, cujo aumento está irrefutavelmente associado a consequências
adversas. Uma permanência mais longa em uma unidade de queimados ou unidade de
terapia intensiva tem sido associada a maior morbidade física (e psicológica),
atraso no retorno ao trabalho, diminuição da produtividade, menor qualidade de vida
relacionada à saúde e uma incidência cada vez maior de sintomas
psicopatológicos4,5.
Pacientes queimados são particularmente suscetíveis a infecções. Um tempo de
permanência prolongado aumenta o risco de infecção nosocomial, o que por sua vez
aumenta o tempo de permanência em uma unidade de queimados, em média, 18 dias. Além
disso, foi comprovado que o aumento do tempo de internação está diretamente
relacionado ao desenvolvimento de resistência aos antibióticos. As infecções mais
comuns neste contexto são causadas por microrganismos agressivos como
Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus
resistente à meticilina. A infecção por esse microrganismo está associada ao aumento
da mortalidade e morbidade por todas as causas.
Por último, um aumento do tempo de permanência está associado a um aumento do custo
social e econômico. Em Portugal, o custo médio da estadia numa Unidade de Queimados
em 2013 foi de 8032 euros6,7. Os seguintes fatores têm sido associados a
uma permanência mais prolongada: idade8,9, sexo masculino9, percentual de área queimada8,9, profundidade da
queimadura10, presença de lesão nas vias
aéreas9, comorbidades ou lesão traumática
associada11, necessidade de procedimento
cirúrgico8,10 e presença de infecção ou sepse10.
Neste estudo retrospectivo, os autores pretendem estabelecer quais são os fatores
relevantes para o tempo de permanência numa Unidade de Queimados em Portugal, para
identificar medidas e intervenções específicas que possam permitir a redução do
tempo de internamento e, consequentemente, da morbilidade e mortalidade a ele
associadas.
MÉTODO
Neste estudo retrospectivo foram avaliados todos os pacientes internados na Unidade
de Cuidados Especiais de Queimados do Hospital Universitário Lisboa Central, em
Lisboa, Portugal, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2020. Foram
coletados 745 pacientes. Os pacientes foram excluídos do estudo devido à alta
precoce para outra unidade por motivos médicos ou logísticos10; alta contra ordem médica3 ou admitidos sem quadro de queimadura (necrólise epidérmica
tóxica)2.
Os dados dos 711 pacientes resultantes foram coletados quanto à idade, sexo,
condições médicas prévias, data de admissão e alta da unidade de queimados,
mecanismo da queimadura, agente da queimadura, área da queimadura, profundidade da
queimadura, lesões traumáticas associadas, necessidade de ventilação, necessidade
de
fasciotomia ou escarotomia, lesão das vias aéreas, necessidade e momento da
intervenção cirúrgica, infecção e local da infecção, parâmetros laboratoriais e
resultado clínico. A análise estatística foi realizada utilizando SPSS para Windows.
Um valor de p<0,05 foi considerado significativo. (Tabela 1).
Tabela 1 - População de unidade de queimadura.
|
n=711 |
Sexo |
|
Masculino |
398
(56%)
|
Feminino |
313
(44%)
|
Idade (média, anos) |
54 |
Idade mínima |
17 |
Idade máxima |
95 |
Grupo
de idade
|
|
Menos
de 20 anos
|
21
(3%)
|
21-40
anos
|
202
(28%)
|
41-60
anos
|
238
(34%)
|
61-80
anos
|
159
(22%)
|
81-100
anos
|
91
(13%)
|
Duração da estadia (média, dias) |
29 |
Estadia mínima (dias) |
1 |
Estadia máxima (dias) |
254 |
Duração da estadia |
|
Menos
de 7 dias
|
80
(11%)
|
Menos
de 30 dias
|
468
(66%)
|
Menos
de 60 dias
|
644
(91%)
|
Menos
de 120 dias
|
702
(99%)
|
Mais
de 120 dias
|
9
(1%)
|
Dias na Unidade de Queimados >
Porcentagem de queimaduras
|
|
Sim |
578 (81%) |
Não |
133 (19%) |
Comorbidades médicas |
|
Sim |
353
(50%)
|
Não |
358
(50%)
|
Agente da queimadura |
|
Térmico |
623 (88%) |
Elétrico |
70 (10%) |
Químico |
18 (2%) |
Agente
da queimadura
|
|
Fogo |
359
(51%)
|
Líquido |
227
(32%)
|
Elétrico |
70
(10%)
|
Contato |
37
(5%)
|
Químico |
18
(2%)
|
Superfície queimada (média,
porcentagem)
|
14 |
Mínimo |
0 |
Máximo |
91 |
Superfície queimada |
|
Menos
do que 10%
|
396
(56%)
|
11-20% |
186
(26%)
|
21-30% |
59
(8%)
|
31-40% |
29
(4%)
|
41-50% |
16
(2%)
|
51-60% |
8
(1%)
|
61-70% |
4
(1%)
|
71-80% |
5
(1%)
|
81-90% |
7
(1%)
|
Mais
de 90%
|
1
(0%)
|
Superfície queimada |
|
Menos do que 10% |
396 (56%) |
Menos de 20% |
582 (82%) |
Menos de 30% |
641 (90%) |
Menos de 40% |
670 (94%) |
Menos de 50% |
686 (97%) |
Menos de 60% |
694 (98%) |
Menos de 70% |
698 (98%) |
Menos de 80% |
703 (99%) |
Menos de 90% |
710 (100%) |
Mais de 90% |
1 (0%) |
Queimaduras de terceiro grau |
|
Sim |
379
(53%)
|
Não |
332
(47%)
|
Ventilação mecânica |
|
Sim |
208 (29%) |
Não |
503 (71%) |
Duração da ventilação mecânica (média, dias) – n=208 |
12 |
Mínimo |
1 |
Máximo |
67 |
Ventilação mecânica > 12 dias –
n=208
|
|
Sim |
58 (28%) |
Não |
150 (72%) |
Lesão
inalatória
|
|
Sim |
112
(16%)
|
Não |
599
(84%)
|
Trauma associado |
|
Sim |
49 (7%) |
Não |
662 (93%) |
Escarotomias |
|
Sim |
118
(17%)
|
Não |
593
(83%)
|
Intervenção cirúrgica |
|
Sim |
505 (71%) |
Não |
206 (29%) |
Número
de Intervenções Cirúrgicas (média) – n=505
|
2 |
Mínimo |
1 |
Máximo |
17 |
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica
(média, dias) - n=505
|
9 |
Mínimo |
1 |
Máximo |
36 |
Tempo
da 1ª Intervenção Cirúrgica (dias) - n=505
|
|
Primeiros 5 dias |
131
(26%)
|
Primeiros 10 dias |
327
(65%)
|
Primeiros 15 dias |
435
(86%)
|
Primeiros 20 dias |
479
(95%)
|
Depois
de 20 dias
|
27
(5%)
|
Infecção documentada |
|
Sim |
328 (46%) |
Não |
383 (54%) |
Infeção nosocomial |
|
Sim |
261
(37%)
|
Não |
450
(63%)
|
Número de infecções documentadas
(média) – n=711
|
2 |
Mínimo |
0 |
Máximo |
13 |
Número
de infecções – n=328
|
|
1-2
infecções
|
231
(71%)
|
3-4
Infecções
|
57
(17%)
|
5-6
Infecções
|
23
(7%)
|
Mais
de 6 infecções
|
17
(5%)
|
Infecção mucocutânea |
|
Sim |
151 (21%) |
Não |
560 (79%) |
Infecção respiratória |
|
Sim |
61
(9%)
|
Não |
650
(91%)
|
Infecção do trato urinário |
|
Sim |
172 (24%) |
Não |
539 (76%) |
Infecção sistêmica |
|
Sim |
132
(19%)
|
Não |
579
(81%)
|
Hemoglobina mínima (média, g/dl) |
11,9 |
Anemia
(Hb < 8g/dl)
|
|
Sim |
30
(4%)
|
Não |
681
(96%)
|
Doença renal (Creatinina >
1,2mg/dl)
|
|
Sim |
89 (13%) |
Não |
622 (87%) |
Valor
mínimo de proteína total (média, g/l)
|
50,7 |
Hipoproteinemia (proteína total <
60g/l)
|
|
Sim |
557 (78%) |
Não |
154 (22%) |
Hipoalbuminemia (Albumina < 35g/l) |
|
Sim |
569
(80%)
|
Não |
142
(20%)
|
ABSI (média) |
6 |
Mínimo |
2 |
Máximo |
17 |
Ameaça à vida
|
56
(8%)
|
Muito baixa (ABSI 2-3)
|
243
(34%)
|
Moderada (ABSI 4-5) Moderadamente Grave (ABSI
6-7)
|
254
(36%)
|
Séria (ABSI 8-9)
|
111
(16%)
|
Severa (ABSI 10-11)
|
22
(3%)
|
Máxima (ABSI 12 ou Superior)
|
25
(3%)
|
Mortalidade > 50% ABSI (>
10)
|
|
Sim |
47 (7%) |
Não |
664 (93%) |
Escore de Baux (média)
|
67 |
Mínimo |
21 |
Máximo |
169 |
Escore de Baux
Modificado (média)
|
70 |
Mínimo |
23 |
Máximo |
189 |
Mortalidade > 50% Escore de
Baux Modificado (≥ 140)
|
|
Sim |
14 (2%) |
Não |
697 (98%) |
Morte |
|
Sim |
43
(6%)
|
Não |
668
(94%)
|
Tabela 1 - População de unidade de queimadura.
RESULTADOS
Análise Populacional
Após aplicação dos critérios de exclusão, foram incluídos 711 pacientes. Havia
398 pacientes do sexo masculino (56%; Tabela 1). A idade variou entre 17 e 95 anos, com média de 54 anos. A
duração da estadia foi, em média, de 29 dias (mínimo de 1 dia; máximo de 254
dias). Cerca de metade dos pacientes tinha uma comorbidade médica. A queimadura
térmica foi o mecanismo mais comum (88%), sendo o fogo o agente causador mais
comum (51%). A superfície corporal afetada variou entre 0 e 91% na admissão, com
média de 14%, 53% dos pacientes apresentaram queimaduras de terceiro grau na
admissão, 7% apresentaram trauma associado, 29% dos pacientes necessitaram de
ventilação mecânica, com média duração da ventilação de 12 dias, e 16%
apresentaram lesão de vias aéreas à broncoscopia, 17% dos pacientes necessitaram
de escarotomia ou fasciotomia na admissão, 71% dos pacientes foram operados, com
média de 2 procedimentos por paciente. A cirurgia foi realizada entre o 1º e o
36º dia de internação, com tempo médio para cirurgia de 9 dias.
Na admissão, todos os pacientes foram submetidos a swab nasal de
MRSA, swab de região perineal e swab de pele
sã e queimadura. Culturas adicionais foram coletadas se a situação clínica assim
o justificasse. Um ou mais agentes microbiológicos foram cultivados em 46% dos
pacientes e em 37% dos pacientes era de origem nosocomial. A média de culturas
positivas foi 2. A infecção mais frequente foi no trato urinário. Em termos de
anomalias laboratoriais, a alteração mais frequente foi a hipoproteinemia (79%)
e a hipoalbuminemia (80%). A pontuação média do Abbreviated Burn Severity Index
(ABSI) foi 6. A pontuação média de Baux modificada foi 70. A taxa média de
mortalidade foi de 6%.
Duração da estadia
O tempo de permanência na unidade de queimados foi em média de 29 dias. O mínimo
foi 1 dia e o máximo, 254 dias. Os seguintes fatores estiveram associados ao
aumento do tempo de internação: sexo feminino (p-valor 0,048);
idade (p-valor 0,002); e presença de comorbidades
(p-valor 0,015). (Tabela 2).
Tabela 2 - Análise dos fatores que influenciam o Tempo de Permanência. (T –
teste-t; A – ANOVA unidirecional; S – classificação de
Spearman).
|
Média Estatística |
Valor p |
Sexo |
|
|
Masculino |
27 |
0,048 T |
Feminino |
31 |
|
Idade |
|
0,002 S |
Faixa etária – anos |
|
|
<20 |
16 |
|
21-40 |
25 |
0,007 A |
41-60 |
30 |
|
61-80 |
33 |
|
81-100 |
31 |
|
Comorbidades Médicas |
|
|
Sim |
31 |
0,015 T |
Não |
27 |
|
Mecanismo de queima |
|
|
Térmico |
30 |
0,000 A |
Elétrico |
20 |
|
Químico |
17 |
|
Queimadura Térmica |
|
|
Sim |
30 |
0,000 T |
Não |
19 |
|
Queimadura Elétrica |
|
|
Sim |
20 |
0,001 T |
Não |
30 |
|
Queimadura Química |
|
|
Sim |
17 |
0,048 T |
Não |
29 |
|
Lesão de Fogo |
|
|
Sim |
35 |
0,000 T |
Não |
23 |
|
Lesão por Líquido Quente |
|
|
Sim |
24 |
0,000 T |
Não |
31 |
|
Lesão por queimadura de contato |
|
|
Sim |
23 |
0,167 T |
Não |
29 |
|
Agente de queimaduras |
|
|
Fogo |
35 |
|
Líquido Quente |
24 |
0,000 A |
Elétrico |
20 |
|
Queimadura de Contato |
23 |
|
Químico |
17 |
|
Área de superfície corporal |
|
0,000 S |
Área de superfície corporal
(%)
|
|
|
<10% |
20 |
|
11-20% |
32 |
|
21-30% |
45 |
|
31-40% |
48 |
|
41-50% |
71 |
0,000 A |
51-60% |
94 |
|
61-70% |
40 |
|
71-80% |
32 |
|
81-90% |
61 |
|
> 90% |
5 |
|
Área de superfície corporal até 10% |
|
|
Sim |
20 |
0,000 T |
Não |
40 |
|
Área de superfície corporal de 10 a
20%
|
|
|
Sim |
24 |
0,000 T |
Não |
52 |
|
Área de superfície corporal de 20 a 30% |
|
|
Sim |
26 |
0,000 T |
Não |
58 |
|
Área de superfície corporal de 30 a
40%
|
|
|
Sim |
27 |
0,000 T |
Não |
64 |
|
Área de superfície corporal de 50 a 60% |
|
|
Sim |
28 |
0,000 T |
Não |
60 |
|
Área de superfície corporal de 50 a
60%
|
|
|
Sim |
29 |
0,012 T |
Não |
44 |
|
Área de superfície corporal de 60 a 70% |
|
|
Sim |
29 |
0,018 T |
Não |
45 |
|
Área de superfície corporal de 70 a
80%
|
|
|
Sim |
29 |
0,005 T |
Não |
54 |
|
Área de superfície corporal de 80 a 90% |
|
|
Sim |
29 |
0,344 T |
Não |
5 |
|
Queimadura de 3º Grau |
|
|
Sim |
37 |
0,000 T |
Não |
20 |
|
Necessidade de Ventilação Mecânica |
|
|
Sim |
36 |
0,000 T |
Não |
26 |
|
Duração da Ventilação Mecânica –
n=208
|
|
0,000 S |
Duração da Ventilação Mecânica > 12 dias |
|
|
Sim |
57 |
0,000 T |
Não |
28 |
|
Lesão Inalatória |
|
|
Sim |
43 |
0,000 T |
Não |
26 |
|
Trauma Associado |
|
|
Sim |
34 |
0,125 T |
Não |
29 |
|
Necessidade de escarotomia |
|
|
Sim |
50 |
0,000 T |
Não |
25 |
|
Necessidade de intervenção cirúrgica |
|
|
Sim |
36 |
0,000 T |
Não |
13 |
|
Número de Intervenções Cirúrgicas –
n=505
|
|
0,000 S |
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica - n=505 |
|
0,000 S |
Tempo da 1ª Intervenção Cirúrgica -
n=505
|
|
|
Primeiros 5 dias |
27 |
|
Primeiros 10 dias |
37 |
|
Primeiros 15 dias |
35 |
|
Primeiros 20 dias |
40 |
|
Depois de 20 dias |
61 |
|
Primeiros 5 dias |
|
|
Sim |
27 |
0,000 T |
Não |
39 |
|
Primeiros 10 dias |
|
|
Sim |
33 |
0,003 T |
Não |
40 |
|
Primeiros 15 dias |
|
|
Sim |
34 |
0,000 T |
Não |
48 |
|
Primeiros 20 dias |
|
|
Sim |
34 |
0,000 T |
Não |
61 |
|
Infecção documentada |
|
|
Sim |
40 |
0,000 T |
Não |
20 |
|
Infeção nosocomial |
|
|
Sim |
46 |
0,000 T |
Não |
19 |
|
Número de infecções documentadas – n=328 |
|
0,000S |
Número de infecções documentadas –
n=328
|
|
|
1-2 infecções |
30 |
|
3-4 Infecções |
52 |
0,000 A |
5-6 Infecções |
60 |
|
Mais de 6 infecções |
107 |
|
Infecções mucocutâneas |
|
|
Sim |
41 |
0,000 T |
Não |
26 |
|
Infecção respiratória |
|
|
Sim |
50 |
0,000 T |
Não |
27 |
|
Infecção urinária |
|
|
Sim |
50 |
0,000 T |
Não |
22 |
|
Infecção sistêmica |
|
|
Sim |
51 |
0,000 T |
Não |
24 |
|
Valor mínimo de hemoglobina (g/dl) |
|
0,000 S |
Anemia (Hb < 8g/dl) |
|
|
Sim |
43 |
0,002 T |
Não |
28 |
|
Valor Máximo de Creatinina (mg/dl) |
|
0,002 S |
Doença Renal Aguda (Creatinina
>1,2mg/dl)
|
|
|
Sim |
38 |
0,000 T |
Não |
28 |
|
Valor Mínimo de Proteína (g/l) |
|
0,000 S |
Hipoproteinemia (proteína total
<60g/l)
|
|
|
Sim |
32 |
0,000 T |
Não |
19 |
|
Valor mínimo de albumina (g/l) |
|
0,000 S |
Hipoalbuminemia (Albumina
<35g/l)
|
|
|
Sim |
32 |
0.000 T |
Não |
16 |
|
Ameaça à vida
|
|
|
Muito baixa (ABSI 2-3)
|
12 |
|
Moderada (ABSI 4-5)
|
20 |
|
Moderadamente grave (ABSI 6-7)
|
29 |
0,000 A |
Séria (ABSI 8-9)
|
42 |
|
Severa (ABSI 10-11)
|
73 |
|
Máxima (ABSI 12 ou Superior)
|
42 |
|
Mortalidade > 50% segundo ABSI
(>10)
|
|
|
Sim |
63 |
0,000 T |
Não |
27 |
|
Escore de Baux
|
|
0,000S |
Escore de Baux Modificado
|
|
0,000S |
Mortalidade > 50% segundo Escore Baux
Modificado (≥140)
|
|
|
Sim |
55 |
0,000 T |
Não |
29 |
|
Morte |
|
|
Sim |
33 |
0,283 T |
Não |
29 |
|
Tabela 2 - Análise dos fatores que influenciam o Tempo de Permanência. (T –
teste-t; A – ANOVA unidirecional; S – classificação de
Spearman).
Em relação às lesões, os seguintes fatores estiveram associados ao aumento do
tempo de internação: queimaduras térmicas (p-valor 0,000),
principalmente se o agente térmico for fogo (p-valor 0,000);
queimaduras de terceiro grau (p-valor 0,000); necessidade de
ventilação mecânica (p-valor 0,000); lesão de via aérea
estabelecida (p-valor 0,000); necessidade de fasciotomias ou
escarotomias descompressivas (p-valor 0,000) e percentual de
área corporal (p-valor 0,000). É importante a comparação entre
pacientes extubados precocemente (primeiros 12 dias) e não extubados
precocemente, que tiveram um tempo de internação significativamente (valor de
p 0,000) maior (média de 28 vs. 57
dias).
A presença de traumatismo associado não se associou significativamente ao aumento
do tempo de internação (p-valor 0,125) (Tabela 2).
O desbridamento adequado com ou sem enxerto é a base do tratamento de
queimaduras. Na nossa amostra, a necessidade de cirurgia esteve
significativamente associada ao aumento do tempo de internamento
(p-valor 0,000), assim como o momento da cirurgia
(p-valor 0,000). Os pacientes submetidos a cirurgia nos
primeiros 5 dias tiveram tempo médio de permanência de 27 dias, porém, quando a
cirurgia foi realizada após o 20º dia, o tempo médio de permanência foi de 61
dias.
A presença de infecção (valor-p 0,000), o número de infecções
(valor-p 0,000) e a presença de microrganismo nosocomial
(valor p 0,000) correlacionaram-se positivamente com o tempo de
internação (Tabela 2). A presença de
anemia (p-valor 0,002); insuficiência renal (valor
p 0,000), hipoproteinemia (valor p 0,000)
e hipoalbuminemia (valor p 0,000) também foram positivamente
correlacionadas com um aumento no tempo de internação.
Os índices clássicos de prognóstico de queimaduras, como o Abbreviated Burn
Severity Index e o Modified Baux Score, apresentaram forte correlação com o
tempo de internação (p-valor 0,000).
DISCUSSÃO
A evolução dos cuidados com queimaduras levou a um aumento da taxa de sobrevivência
dos pacientes queimados, o que tornou alguns índices clássicos desatualizados em
termos de prognóstico. Por outro lado, o tempo de internamento é uma variável
objetiva, fácil de medir e comparar e que ganha cada vez mais relevância como
métrica na avaliação da qualidade dos cuidados de saúde em pacientes queimados. Um
tempo de permanência mais prolongado em uma unidade de queimados está associado a
um
maior número de infecções, maior morbidade, maior mortalidade e custos. Portanto,
é
relevante compreender quais fatores contribuem para o aumento desta métrica, para
acessar potenciais ações para enfrentar este problema.
Em nosso estudo, o tempo médio de internação foi de 29 dias, variando de 1 a 254
dias. Comparado com a literatura atual12,
esse valor é superior. Porém, em nossa unidade, esses dados representam apenas os
pacientes internados na Unidade de Tratamento de Queimados, que é equivalente a uma
unidade de terapia intensiva e, portanto, a maioria dos pacientes queimados são
graves e não são passíveis de cuidados de enfermaria padrão, nos quais a maioria dos
estudos publicados se concentra.
Da mesma forma que outros estudos, alguns fatores associados ao aumento do tempo de
internação foram idade, comorbidades e fatores relacionados à gravidade da
queimadura, como área de pele queimada, profundidade da queimadura e necessidade de
escarotomia descompressiva ou fasciotomia. A lesão inalatória é, na literatura
atual, o fator de maior impacto nos pacientes queimados. Em nossa coorte, a presença
de lesão de vias aéreas com ou sem necessidade de ventilação mecânica foi associada
ao aumento do tempo de internação. Da mesma forma, a extubação precoce foi associada
a uma diminuição do tempo de internação.
Ao contrário da literatura atual, na nossa coorte o sexo feminino foi associado a
um
aumento estatisticamente significativo do tempo de internação. Isto pode ser devido
à idade mais avançada das mulheres em relação aos homens, levando a mais queimaduras
em idades avançadas, em que existe uma condição mais frágil e dependente.
O momento do desbridamento cirúrgico é um tema controverso no atendimento ao paciente
queimado13,14,15. Tradicionalmente,
uma abordagem conservadora com trocas seriadas de curativos permite que o tecido
necrótico se separe do leito saudável da ferida que mais tarde seria enxertado de
pele. Contudo, se esta abordagem fosse prolongada, a libertação constante de fatores
pró-inflamatórios resultaria num estado inflamatório sistêmico, o que agravaria o
desequilíbrio metabólico, imunológico e sistêmico, levando à falência de múltiplos
órgãos e à morte. Além disso, um atraso maior no desbridamento cirúrgico muitas
vezes levaria à infecção das áreas queimadas, agravando o risco de morte, e a
problemas cicatriciais nefastos, como cicatrizes hipertróficas ou contraturas
articulares, que podem prejudicar a qualidade de vida do paciente.
A presença dessas cicatrizes, em áreas delicadas esteticamente funcionais, pode
exigir procedimentos adicionais para correção. Janzekovic16 descreveu o desbridamento tangencial em 1970 e alterou o
paradigma do atendimento cirúrgico ao paciente queimado. Ele propôs uma intervenção
mais precoce com desbridamento mecânico agressivo e enxerto de pele11 para reduzir o tempo de exposição da ferida,
reduzindo o estresse metabólico, a taxa de infecção e, portanto, as complicações e
a
taxa de mortalidade. Além disso, o tempo de internação e, consequentemente, os
custos são reduzidos13. Isto foi
particularmente verdadeiro em pacientes sem lesão das vias aéreas14.
Alguns autores ainda defendem uma abordagem mais tardia, alegando que uma maior perda
sanguínea e, consequentemente, uma maior necessidade de transfusão leva a maior
sofrimento metabólico e hemodinâmico. Além disso, alguns autores defendem que a
profundidade precoce da queimadura é difícil de determinar, tornando a distinção
entre quais áreas cicatrizarão espontaneamente e quais necessitarão de desbridamento
e enxertia uma decisão difícil nos primeiros dias, mesmo para cirurgiões experientes
em queimaduras.
Essa dificuldade decorre da heterogeneidade de uma queimadura, onde é comum que um
paciente apresente lesões com diferentes prognósticos em continuidade e muitas vezes
em padrão manchado; e o fato de que as queimaduras são uma lesão em evolução. A zona
de estase apresenta uma área potencialmente reversível, e a fluidoterapia adequada
e
a prevenção de infecções podem melhorar muito o resultado desta área15. Em suma, aqueles que defendem uma abordagem
tardia sugerem que adiar a abordagem cirúrgica por alguns dias irá permitir uma
avaliação mais precisa e evitar intervenções desnecessárias.
Em nossa coorte, que replica a literatura atual, observamos uma relação diretamente
proporcional entre o momento cirúrgico da primeira intervenção e o tempo de
internação (Figura 1). Os pacientes que foram
submetidos a uma intervenção mais precoce tiveram menor tempo de internação. Isto
abre um caminho para melhores cuidados com queimaduras – uma abordagem mais precoce
pode proporcionar um período de internamento mais curto, o que pode levar a uma
diminuição do risco de infecção, especialmente infecção nosocomial, e a uma redução
de custos. Esta abordagem demonstrou superar os benefícios de uma intervenção
cirúrgica tardia17,18.
Figura 1 - Relação entre o primeiro dia de intervenção cirúrgica e o tempo total
de internação.
Figura 1 - Relação entre o primeiro dia de intervenção cirúrgica e o tempo total
de internação.
Em nossa coorte, vários fatores foram associados a um atraso na primeira intervenção
cirúrgica, como pacientes que são criticamente instáveis para tolerar um
procedimento cirúrgico, pacientes que têm múltiplas áreas pequenas que cicatrizam
favoravelmente com trocas de curativos, falta de tempo na sala de cirurgia e
necessidade de atrasar a cirurgia devido ao uso de anticoagulantes orais.
Pacientes queimados são suscetíveis a infecções, especialmente por organismos
nosocomiais multirresistentes. Em nossa coorte, 46% dos pacientes foram
diagnosticados com pelo menos uma infecção. O tempo médio de internação em pacientes
que tiveram infecção foi de 40 dias, o que contrasta com 20 dias em pacientes que
nunca tiveram um microrganismo identificado nas culturas de admissão ou necessitaram
de qualquer investigação séptica adicional. Esta diferença é ainda maior quando as
infecções nosocomiais (definida como infecção que se desenvolve nas primeiras 48
horas após a admissão), em que o tempo médio de internação foi de 46 dias.
Curiosamente, esse aumento no tempo de internação foi independente do sistema afetado
(mucocutâneo, urinário, hematológico ou brônquico). Aí, a prevenção de infecções é
uma área na qual melhorias significativas podem traduzir-se na redução do tempo de
internamento, promovendo a causa para o desenvolvimento de estratégias específicas
para o controle e prevenção de infecções.
Alguns resultados laboratoriais refletem um agravamento do estado clínico e estão
também associados a um aumento do tempo de internamento. Hemoglobina baixa (definida
como valor laboratorial de hemoglobina inferior a 8,0g/dL); insuficiência renal
(definida por creatinina sorológica acima de 1,2mg/ dL); hipoproteinemia (definida
por proteína sorológica inferior a 60g/L) e hipoalbuminemia (definida por albumina
sorológica inferior a 35g/L) foram todas estatisticamente significativas para prever
um aumento no tempo de internação.
Os índices de prognóstico clássicos, como o Índice Abreviado de Gravidade da
Queimadura e o Escore de Baux Modificado, incluem fatores conhecidos que influenciam
a morbidade, como área
superficial queimada e lesão das vias aéreas. Como dito anteriormente, esses fatores
também apresentam forte correlação com o tempo de permanência.
A mortalidade intra-hospitalar em Portugal permanece comparativamente elevada
(7,7%)7 quando comparada com outros países
do sul da Europa, mas está diminuindo constantemente. Em nossa coorte, a mortalidade
foi de 6%. As taxas de mortalidade por queimaduras são normalmente calculadas com
base na população geral que sofreu queimaduras. Este grupo é heterogêneo e inclui
pequenas áreas de queimaduras, graus de queimaduras menos graves e reflete
principalmente pacientes que são tratados em sua maioria com troca de curativos em
ambulatório ou com curta permanência em enfermaria. A taxa de mortalidade em nossa
coorte reflete apenas pacientes internados em Unidade de Cuidados Especiais para
Pacientes Queimados.
Como nota final, o autor gostaria de reconhecer algumas limitações do estudo.
Primeiro, o estudo tem desenho retrospectivo, o que não permite a randomização dos
pacientes. Em segundo lugar, alguns fatores possivelmente importantes não foram
avaliados, como a necessidade de transfusão, o padrão de resistência dos
microrganismos e qual terapia antibiótica foi realizada. Escalas de resultados
funcionais e estéticos não foram acessadas. Estudos multicêntricos maiores podem
permitir uma melhor estratificação dos pacientes de acordo com a área de superfície
queimada ou comorbidades do paciente, o que pode ser capaz de combater a
heterogeneidade desta população específica de pacientes e permitir uma conclusão
mais prática e aplicável diariamente.
CONCLUSÃO
Este estudo permite afirmar que variáveis relacionadas à maior gravidade da
queimadura, como área queimada, necessidade de ventilação mecânica, necessidade de
fasciotomia ou escarotomia, lesão de vias aéreas e presença de queimaduras de
terceiro grau têm efeito significativo no tempo de internação. Contudo, na opinião
do autor, a conclusão mais relevante deste estudo retrospectivo é a confirmação de
que existem fatores modificáveis – como o tempo até a primeira intervenção e o
número de infeções documentadas – que podem efetivamente reduzir o tempo de
internamento. Estas duas áreas devem ser o foco do atendimento ao paciente para
melhorar os resultados relacionados à saúde.
A conclusão do nosso estudo está de acordo com a literatura médica atual.
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Autor correspondente: Miguel João Ribeiro
Matias Rua General Norton de Matos, 35, 5º, Esquerdo, Barreiro,
Portugal. CEP: 2830-345 E-mail:
miguelmatias@campus.ul.pt
Artigo submetido: 11/06/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.