ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Reconstrução de Perdas de Substância Digitais Distais
Reconstruction of Fingertip Pulp Loss
Articles -
Year2001 -
Volume16 -
Issue
2
Jefferson Luis Braga da SilvaI, Mauro LeonardisII, Carlos Renato KuyvenII, Pedro D. E. MartinsIII
RESUMO
As perdas de substâncias digitais distais volares apresentam-se com freqüência nos traumas da mão.
De janeiro de 1994 a julho de 1998, 86 retalhos homodigitais (22 Tranquilli; 20 Hueston; 40 Ilha Unipediculado e 4 Kuttler) foram realizados para reparar perdas de substância distais volares, excluindo o polegar. A idade média foi de 28 anos (extremos 18 - 58) e o tempo de seguimento médio pós-operatório foi de 12 meses.
Analisamos o avançamento obtido, a sensibilidade e a intolerância ao frio de cada retalho utilizado. Tranquilli (0,4 cm/ 8 mm/ 6); Kuttler (0,3 cm/ 10 mm/ 3); Hueston (1,0 cm/ 9mm/ 5); Ilha Unipediculado (1,5 cm/ 8 mm/ 6). O retalho em ilha unipediculado mostrou-se nitidamente superior em todos os aspectos analisados.
Consideramos que a utilização de retalhos homodigitais constitui a alternativa de primeira escolha na reconstrução da extremidade digital.
Palavras-chave:
Trauma de mão; perdas digitais distais; retalhos homodigitais
ABSTRACT
The loss of volar fingertip pulp is frequent in hand trauma. Eighty-six homodigital flaps (22 Tranquilli; 20 Hueston; 40 Single Pedicle Island and 4 Kuttler) were performed from January 1994 to July 1998) to repair volar fingertip substance loss, except for the thumb. The mean age was 28 years (ranging from 18 -58) and the average post-operative follow-up period was 12 months. We analyzed advancements, sensitivity and cold intolerance for each flap used: Tranquilli (0.4 cm / 8 mm / 6); Kuttler (0.3 cm / 10 mm / 3); Hueston (1.0 cm / 9mm / 5); Single Pedicle Island (1.5 cm / 8 mm/ 6). The single pedicle island flap was demonstrated to be clearly better in all aspects analyzed. We consider the utilization of homodigital flaps the first choice alternative for reconstructing fingertips.
Keywords:
Hand trauma; fingertip loss; homodigital flaps
INTRODUÇÃO
As perdas de substância (PDS) digitais distais volares são freqüentes nos traumatismos da mão. Essas lesões ocasionam um duplo problema terapêutico: a necessidade de oferecer uma cobertura tegumentar de boa qualidade e restaurar a sensibilidade funcional. Vários tipos de cobertura cutânea foram descritos(1,2,3). A indicação cirúrgica dependerá do dígito envolvido, tipo e extensão da lesão.
As técnicas (Tranquilli-Leali, Hueston, Ilha Unipediculado e Kuttler), com suas indicações, vantagens e desvantagens, serão analisadas descritiva e retrospectivamente em uma série de 86 retalhos homodigitais para PDS digitais distais volares.
MÉTODO
Entre janeiro de 1994 e julho de 1998, 86 retalhos homodigitais foram realizados no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas - PUCRS e Clínica SOS-Mão em Porto Alegre - RS. A idade média foi 28 anos (extremos de 18 - 58). O tempo de seguimento médio pós-operatório foi de 12 meses (6 - 40).
Retalho de Tranquilli-Leali (22 casos: 18 masc., 4 fem. / 8 indicador; 6 médio; 4 anular; 2 mínimo)
Descrito inicialmente por Tranquilli-Leali em 1935 4, foi posteriormente popularizado por Atasoy(1). Indicado para as lesões distais transversais e oblíquas. O avançamento médio foi de 0,5 cm. O retalho apresenta forma triangular palmar sobre a falange distal, com o vértice à altura da prega de flexão da articulação interfalangiana distal (IFD). A dissecção é realizada por descolamento e avançamento, fixando-se o retalho por meio de uma agulha hipodérmica ou pontos de fio não absorvível.
Retalho de Hueston (20 casos: 10 masc., 10 fem. / 8 indicador; 6 médio; 6 anular)
Descrito por Hueston(5), permite a cobertura de PDS transversais e oblíquas. É um retalho em "L", com incisão longitudinal na borda lateral do dígito, seguida por incisão transversa à altura da prega de flexão, permitindo a rotação e cobertura da lesão. A zona doadora, em forma de triângulo, poderá ser coberta por enxerto de pele ou cicatrização dirigida.
Retalho em Ilha Unipediculado (40 casos: 25 masc., 15 fem. / 15 indicador; 10 médio; 10 anular; 5 mínimo)
A idéia original de um retalho unipediculado foi de Littler(6), porém heterodigital. Joshi, em 1974(7), descreveu um retalho em ilha dorsolateral para cobertura de PDS da polpa digital. Demarca-se uma ilha de pele volar proximal e contígua à PDS. Faz-se a identificação e dissecção do pedículo por incisão de Brunner(8) até a prega proximal da articulação metacarpofalângica (MF). O ganho obtido poderá chegar a 2 cm. A área doadora é coberta por enxerto de pele parcial ou total. O procedimento finaliza com imobilização em posição "intrinsic plus" (MF fletida de 45º a 70º, IFP e IFD em extensão) (Figs. 1 a 5).
Fig. 1 - Perda de substância, polpa dominante, dedo anular, feminina, 7 anos.
Fig. 2 -Retalho em ilha dissecado.
Fig. 3 -Retalho em ilha em posição distal.
Fig. 4 -Resultado estético.
Fig. 5 -Resultado funcional.
Retalho de Kuttler (4 casos: 2 masc., 2 fem., / 2 anular; 2 mínimo)
Descrito em 1947(9), consiste em dois retalhos triangulares laterais e simétricos, suturados na linha média, para amputações transversais. A incisão dos retalhos não deve estender-se além da prega de flexão distal da articulação IFD. O deslocamento com posterior tração avançará os retalhos sobre a parte amputada, com a sutura sendo realizada na linha média. O defeito na área doadora é fechado bilateralmente em forma de "Y".
RESULTADOS
Nessa série de 86 retalhos homodigitais foi realizada uma análise descritiva. Analisamos três parâmetros (Quadro I): avançamento em centímetros, incluindo avançamento máximo e a média, sensibilidade por discriminação estática de 2 pontos (valores mínimos e a média) e intolerância ao frio referida pelo paciente.
O retalho em ilha obteve o maior avançamento, a melhor sensibilidade e o menor percentual de intolerância ao frio. Contrariamente, o retalho de Kuttler obteve o menor avançamento e a pior sensibilidade. Não se observou diferença estatisticamente significativa referente à idade no parâmetro sensibilidade. A intolerância ao frio foi considerada como um desconforto maior que o usual pela exposição ao frio e referida como funcionalmente significativa em 50% dos casos que apresentaram essa queixa (10/20). Os pacientes referiam prejuízo na realização de suas atividades em temperaturas mais baixas, situação freqüente na região Sul do país. Não se observou melhora dessa queixa com o seguimento médio pós-operatório de 12 meses.
DISCUSSÃO
Devido à importância das PDS digitais-distais, a cobertura cutânea deverá adequar-se ao paciente, dígito, tipo e extensão da lesão.
Vários tipos de cobertura cutânea já foram descritos, variando desde a cicatrização dirigida(10), enxertia cutânea, retalhos homo ou heterodigitais(11) e até técnicas microcirúrgicas.
A enxertia cutânea deverá ser reservada a PDS em zona 1, em polpa não dominante. Apresenta como desvantagens a retração cicatricial, aderência a estruturas subjacentes e pobre qualidade sensitiva.
As reconstruções microcirúrgicas necessitam de um rigoroso critério na sua indicação.
Os retalhos tipo "dedo-cruzado" ou tenariano têm o inconveniente de necessitar de dois procedimentos cirúrgicos e serem deficientes em termos de sensibilidade discriminativa(6). Cronin(12) preconizou a neurorrafia primária entre um nervo digital seccionado da polpa e um ramo sensitivo dorsal do dedo doador, quando se tratar de um retalho tipo dedo cruzado para polpa digital.
Os retalhos homodigitais oferecem uma cobertura cutânea de boa qualidade e sensível(11), aspectos fundamentais para o sucesso de reconstruções de perdas digitais volares distais.
O retalho descrito por Tranquilli-Leali(4) apresenta a inconveniência de possuir um moderado avanço, o que limita sua indicação. Indicado preferencialmente em zona 2, transversal ou nas PDS oblíquas e assimétricas.
O retalho proposto por Kuttler(9) também foi indicado para PDS em zona 2, mas seu emprego em defeitos assimétricos é impossível. Ele apresenta várias desvantagens que justificam o fato de ser pouco utilizado. A necrose parcial ou total poderá ser causada por sutura sob tensão. Há relatos de hipersensibilidade na linha de sutura e insensibilidade no retalho(3).
O retalho de Hueston é indicado para cobertura de pequenas PDS transversais e oblíquas distais. Apesar de a descrição original indicá-lo para perdas volares, seu princípio pode ser aplicado para PDS dorsais. É referida uma sensibilidade de boa qualidade, mas com um arco de rotação limitado(5). O defeito triangular secundário à rotação do retalho pode ser preenchido por enxertia de pele parcial ou total.
O retalho em Ilha Unipediculado neurovascular homodigital proporciona sensibilidade à polpa reconstruída. Há possibilidade de ser incluída pele dorsal(7). Poderá ser utilizado para PDS em zona 2 ou 3. O dígito deverá ser imobilizado em posição "intrinsic plus" por 10 dias (Figs. 6 a 10).
Fig. 6 -Perda de substância, dedo anular, masculino, 6 anos.
Fig. 7 -Retalho dissecado e avançado distalmente.
Fig. 8 -Resultado final estético.
Fig. 9 -Perda de substância, exposição da falange distal, dedo indicador, mão dominante, masculino, 60 anos.
Fig. 10 -Resultado final, comparativamente ao dedo contralateral.
A indicação de um retalho dependerá da topografia da lesão (polpa dominante, perda transversal ou oblíqua), condições gerais (idade e profissão) e regionais (lesão associada no mesmo dígito ou lesão pluridigital).
Em conclusão, o emprego de retalhos homodigitais constitui a alternativa de primeira escolha para a cobertura de lesões digitais distais.
BIBLIOGRAFIA
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I. Professor da Faculdade de Medicina da PUCRS. Especialista em Cirurgia da Mão pela AMB e Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva.
II. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas-PUCRS.
III. Regente da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da PUCRS. Especialista em Cirurgia Plástica pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Endereço para correspondência:
Jefferson Luis Braga Silva
Av. Ipiranga, 6690 - Hospital São Lucas da PUCRS - Centro Clínico - sl. 216
Porto Alegre - RS - 90610-000
Fone: (51) 315-6277
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