ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2001 - Volume16 - Issue 3

RESUMO

A reconstrução faringoesofágica é um dos maiores desafios cirúrgicos da região cervical. Existem diversas opções terapêuticas descritas. Todas envolvem procedimentos de maior ou menor grau de complexidade técnica e altas taxas de complicações e de mortalidade. Este artigo descreve as técnicas utilizadas no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUC-RS em 10 reconstruções: o retalho miocutâneo peitoral maior e o retalho microcirúrgico de jejuno. São discutidas as indicações, complicações, vantagens e desvantagens de cada método.

Palavras-chave: Reconstrução faringoesofágica; retalho peitoral maior e jejuno microcirúrgico; jejuno livre; reconstrução cervical

ABSTRACT

Pharyngoesophageal reconstruction is one of the major challenges of neck surgery. Many treatment options have been described. All of them involve procedures of greater or lesser technical complexity and high rates of complications and mortality. The present study describes the techniques performed at the Service of Plastic Surgery of the PUC-RS São Lucas Hospital in 10 reconstructions: myocutaneous pectoralis major flap and microsurgical jejunal flap. Indications, complications, advantages and disadvantages of each method are discussed.

Keywords: Pharyngoesophageal reconstruction; microsurgical jejunum and pectoralis major flap; free jejunum; cervical reconstruction


INTRODUÇÃO

As neoplasias malignas cervicais compreendem aproximadamente 4% de todos os tumores malignos, sendo o epidermóide a lesão mais freqüente. Tais lesões relacionam-se com o uso de fumo e álcool(1), sexo masculino e idade acima dos 50 anos. O principal tratamento é a ressecção cirúrgica, podendo ser complementado com radioterapia e quimioterapia neoadjuvantes. As possibilidades de reconstrução mais utilizadas são interposições de alça de jejuno, cólon, estômago, retalhos miocutâneos de grande peitoral e retalhos fasciocutâneos da região deltopeitoral, cervical, antebraquial e lateral da coxa.

Realizamos em nosso serviço 10 reconstruções faringoesofágicas para defeitos circunferenciais extensos, utilizando o retalho de jejuno microcirúrgico e o peitoral maior.

O objetivo deste trabalho é apresentar duas técnicas de reconstrução de esôfago cervical e faringe com uso de alça de jejuno microcirúrgico e retalho miocutâneo de grande peitoral, suas vantagens, desvantagens, bem como discutir suas indicações e complicações.


TÉCNICA CIRÚRGICA

Retalho Miocutâneo de Peitoral Maior

Marca-se sobre o peitoral um quadrilátero com dimensões proporcionais à perda faringoesofágica. Incisa-se o retalho com pele e músculo, desinserindo-o do esterno e das costelas em sentido cranial, formando um retalho miocutâneo vascularizado pelo ramo torácico da artéria toracoacromial e veias comitantes, e inervado pelo nervo peitoral lateral. O retalho pode ser levado para a região cervical pelas vias infra ou supraclavicular. Já na região cervical, tubuliza-se o retalho, suturando-se suas bordas. Em seguida, procedem-se as anastomoses proximal e distal. Fixa-se o músculo às estruturas cervicais. Colocam-se drenos de aspiração e cobre-se a área com retalhos cervicais ou da vizinhança. A região peitoral é fechada primariamente ou com enxerto de pele (Figs. 1 e 2).


Fig. 1 - Região cervical preparada para receber o retalho peitoral maior. Evidenciam-se os cotos faríngeo e esofágico.


Fig. 2 - Retalho miocutâneo de peitoral maior tubulizado.



Retalho Microcirúrgico de Jejuno

Através de incisão mediana supra-umbilical, identifica-se e resseca-se um segmento jejunal de 15-20 cm, distante 45 a 60 cm do ângulo de Treitz(2,3), com uma única arcada vascular verificada por transiluminação(2,3,4). Realiza-se a enteroanastomose e fecha-se o abdome. Repara-se a artéria e veia receptoras na região cervical. Realizamos a anastomose esofágica, para fixar o retalho, antes da anastomose microcirúrgica. Em posição isoperistáltica, realiza-se a microanastomose arterial e venosa, nessa ordem. Depois, procede-se a anastomose faríngea. Colocam-se drenos de aspiração no pescoço em sistema fechado. A cobertura cutânea é feita com retalhos cutâneos locais, miocutâneos ou com enxertos de pele(2) (Figs. 3 e 4).


Fig. 3 - Alça de jejuno preparada para transposição, com sua arcada vascular delimitada.


Fig. 4 - Visualização da viabilidade da alça de jejuno mantida apenas pelo pedículo.



PÓS-OPERATÓRIO E COMPLICAÇÕES

Os cuidados pós-operatórios são: repouso cervical, cabeceira elevada, inspeção dos drenos, cuidados com a traqueostomia. Um faringoesofagograma baritado diluído é solicitado com 15 dias de pós-operatório. Iniciamos a dieta por sonda nasoenteral no 1º e 3º dias PO para peitoral e jejuno, respectivamente. Usamos antibiótico profilático por 24 horas (cefalotina). A viabilidade dos retalhos é monitorada pela evolução clínica e condições gerais do paciente.

As complicações mais comuns são fístula salivar (80% em algumas séries)(2,3,4), estenose, necrose do retalho e infecção.


DISCUSSÃO

Procedimentos como próteses, enxertos locais, retalhos cervicais já foram utilizados mas ficaram em desuso devido a maiores índices de complicações. O retalho deltopeitoral ainda é utilizado, mas também apresenta maior índice de complicações e maior tempo de hospitalização. Transposições de vísceras abdominais (estômago, cólon) apresentam morbidade maior, estando reservadas para casos selecionados (por exemplo: esofagectomia total, esofagite cáustica)(2). O retalho antebraquial também foi utilizado por alguns autores, com bons resultados(5).

O retalho de jejuno tem como vantagens: maior semelhança anatômica com o tubo digestivo, melhor resultado estético, menor incidência de estenoses e fístulas, não apresenta limitação no esvaziamento cervical. As desvantagens são: necessidade de laparotomia, enterectomia, maior tempo cirúrgico.

Procedemos a anastomose do retalho com o esôfago antes das anastomoses vasculares com o intuito de obter melhor estabilização do retalho, importante para o procedimento microcirúrgico. Não utilizamos drogas sistêmicas ou locais em nenhum momento da reconstrução.

As vantagens do retalho miocutâneo peitoral são: ausência de laparotomia, ótimo suprimento sangüíneo, melhor preenchimento do mediastino(6). Foi observada melhor recuperação vocal nos retalhos com cobertura cutânea em relação aos que possuem mucosa(5). As desvantagens são: incidência maior de estenoses e fístulas, necessidade de coto esofágico maior e menor lubrificação do tubo. O início da dieta é controverso, podendo ser precoce (1º dia) ou tardio (7º, 10º ou 12º dias)(2,3,7). Para o grande peitoral, iniciamos dieta por sonda nasoenteral no 1º dia pós-operatório. Para o jejuno, após o início da peristalse intestinal, em torno do 3º dia.

Realizamos um exame contrastado com, no mínimo, 15 dias de pós-operatório e, na evidência de boa permeabilidade e ausência de fístulas, retiramos a sonda, iniciando dieta progressiva hídrica, líquida e pastosa, conforme aceitação. Avaliamos a viabilidade dos retalhos pelo estado geral do paciente e pelas condições locais da região cervical (Figs. 5,6,7 e 8).


Fig. 5 -30°PO- Retalho peitoral maior. Ausência de fístulas e bom fluxo no exame contrastado.


Fig. 6 - Visão do exame mais a baixo.


Fig. 7 -30°PO- Retalho de jejuno microcirurgico. Ausência de fístulas e bom fluxo no exame contrastado.


Fig. 8 - Visão do exame mais abaixo.



Apesar da evolução técnica, a sobrevida geral ainda é baixa e o prognóstico depende do estadiamento. A maioria das lesões pertence a estágios avançados(2,8). A mortalidade geral é de 30% em 5 anos e nos estágios avançados é maior que 90%, com sobrevida de 20% em 1 ano(8,9). Nesse contexto, a cirurgia objetiva melhorar a qualidade de vida. Há controvérsia sobre a técnica de escolha, e a indicação deve ser individualizada. Ambas as técnicas descritas apresentam como vantagens a possibilidade de ressecção e reconstrução em tempo único e simultâneo, menor índice de complicações, menor tempo de internação e utilização de tecidos não irradiados. A indicação do uso dessas técnicas nos nossos pacientes ocorreu devido às características e localização dos defeitos cervicais após as ressecções dos tumores. Até o presente momento (follow-up mínimo de 9 meses), nenhuma das reconstruções realizadas apresentou quaisquer complicações (estenose, fístula, infecção, necrose), proporcionando o retorno da alimentação via oral e representando uma melhora significativa na qualidade de vida desses pacientes, com conforto e dignidade.


BIBLIOGRAFIA

1. Stelnicki EJ, Jones TR. Surgery of the head and neck. In: Doherty GM, Baumann DS, Creswell LL, editors - The Washington manual of surgery. 34th ed. Little Brown, ed. 1997. p.460-7.

2. Castro FM. Reconstrução do trânsito alimentar após faringolaringectomias. In: Brandão LG, Ferraz AR, editores - Cirurgia de cabeça e pescoço. 2a ed. Ed. Roca, 1989. p.295-318.

3. Jones NF. Free jejunal transfer. In: Myers EN, Carrau RL, Cass SP, editors. Operative otolaryngology, head and neck surgery. W.B.Saunders, ed. 1997. p.758-62.

4. Siewert JR, Hölscher AH. Jejunal interposition in esophageal replacement. In: Nyhus LM, Baker RJ, Fisher JE, editors. Mastery of Surgery. 2nd ed. Little Brown, ed. 1992. p.802-12.

5. Anthony JP, Singer MI, Deschler DG, et al. Long-term functional results after pharyngoesophageal reconstruction with the radial forearm free flap. Am J Surg. 1994;168:441-5.

6. Yamamoto Y, Minakawa H, Fukuda S, et al. Reconstruction following total laryngopharyngoesophagectomy and extensive resection of the superior mediastinum. Plast. Recontr. Surg. 1997;99:506-10.

7. Ely JF. Faringostomias. In: Ely JF. Cirurgia plástica. 2nd ed. Ed. Guanabara-Koogan, 1980. p.487-92.

8. Brandão LG, Ferraz AR. Tumores malignos da hipofaringe. In: Brandão LG, Ferraz AR, editores. Cirurgia de cabeça e pescoço. 1a ed. Ed. Roca, 1989. p.374-6.

9. Ballanger J, Colins SL. Neck, pharynx, oropharynx and nasopharynx, maxilla and mandible. In: Ballanger J, Snow JB, editors. Otorhinolaryngology, head and neck surgery. 15th ed. William & Wilkins, ed. 1996. p. 322-58.










I. Professor da Faculdade de Medicina da PUCRS. Especialista em Cirurgia da Mão pela AMB e Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva.
II. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas-PUCRS.
III. Professor Regente da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da PUCRS. Especialista em Cirurgia Plástica pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Endereço para correspondência:
Jefferson Luis Braga Silva
Av. Ipiranga, 6690 - Hospital São Lucas da PUCRS
Centro Clínico - Sala 216
Porto Alegre - RS - 90610-000
Fone: (51) 315-6277
e-mail: jeffmao@zaz.com.br

 

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