ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Lipoma Gigante de Coxa - Relato de Caso
Giant Lipoma of the Thigh: Case Report
Case Reports -
Year2001 -
Volume16 -
Issue
3
Eduardo MordjikianI, Elizabeth LeãoII
RESUMO
É relatado um caso de lipoma gigante de coxa com 20 anos de evolução, enfatizando-se sua localização, dimensões e o tratamento cirúrgico empregado.
Palavras-chave:
Lipomas; membros inferiores; tratamento cirúrgico
ABSTRACT
This paper reports the case of a 77-year-old patient who had a giant thigh lipoma for 20 years, emphasizing its location, size, and the surgical management.t.
Keywords:
Lipoma; lower limbs; surgical treatment
INTRODUÇÃO
O lipoma é o tumor de partes moles mais freqüente, podendo ocorrer em qualquer local onde existe tecido adiposo(1). Incide mais em mulheres, localizando-se principalmente em tronco, membros superiores e região cervical; são raros os tumores extensos(2).
Normalmente são identificados como tumorações visíveis, de consistência amolecida; não produzem sintomas importantes. Dependendo de sua dimensão e localização, podem acarretar dificuldade funcional ou sintomas compressivos, o que ocorre, por exemplo, em casos de tumores localizados em membros inferiores ou próximos às vísceras(1,2).
No presente trabalho, é relatado o caso de uma paciente de 77 anos de idade com lipoma gigante de coxa, enfatizando-se sua localização, dimensões, abordagem cirúrgica e evolução pós-operatória.
RELATO DO CASO
M.E.S.D., 77 anos, sexo feminino, branca, viúva, auxiliar de enfermagem aposentada, natural e procedente de São Paulo, refere que há 20 anos surgiu um nódulo de 3 cm de diâmetro em região anterior de coxa esquerda, com consistência amolecida, móvel à palpação, indolor e sem saída de secreções; não sentia dificuldade para a deambulação.
Refere aumento progressivo da lesão e da coxa esquerda nos últimos anos, ainda sem queixa de dor. Há seis meses, contudo, a paciente procurou assistência médica com queixa de dores moderadas a intensas em membro inferior esquerdo, principalmente durante a deambulação, e dificuldades para a flexão, adução e abdução da coxa. Há antecedentes de hipertensão arterial controlada com medicamentos e realização de histerectomia há 30 anos.
Ao exame físico, apresentava aumento muito acentuado do membro inferior esquerdo, com diâmetro da coxa de 60 cm (Figs. 1a - c) e tumoração de consistência levemente endurecida à palpação, de superfície lisa, móvel em relação aos planos profundos, indolor, localizada em região anterior da coxa. A paciente apresentava dificuldade de abdução, adução e flexão passiva e ativa de coxa. Exames laboratoriais e complementares (eletrocardiograma e raios X de tórax) estavam normais. O exame de raios X simples do membro acometido mostrou massa tumoral extensa, de baixa densidade radiológica, sem calcificações em seu interior. A ressonância nuclear magnética revelou extensa massa tumoral intermuscular em região anterior de coxa esquerda e pequena porção em região posterior, circundando o fêmur. O tumor apresentava cápsula bem delimitada, não aderida a planos profundos, sugestiva de um extenso lipoma (Figs. 2a - c).
Fig. 1a - Pré-operatório; vista frontal.
Fig. 1 b - Pré-operatório; vista lateral.
Fig. lc - Pré-operatório; coxa esquerda com diametro de 60 cm.
Fig. 2a - Demonstração do tumor pela ressonância nuclear magnética; vista frontal.
Fig. 2b - Demonstração do tumor pela ressonância nuclear magnética; vista frontal ampliada.
Fig. 2c - Demonstração do tumor pela ressonância nuclear magnética; vista lateral.
A paciente foi encaminhada para cirurgia, para a qual se utilizou anestesia peridural com sedação. Por meio de incisão na face medial da coxa esquerda (Fig. 3), abaixo do tecido celular subcutâneo, foi identificada massa tumoral extensa, encapsulada, multilobulada, com características morfológicas benignas, confirmando as imagens da ressonância nuclear magnética, situada imediatamente abaixo do músculo sartorius, deslocando posteriormente o músculo rectus femoris, com compressão dos músculos vastus lateralis, vastus medialis, adductor longus e gracilis. O tumor apresentava localização incomum: intermuscular. A massa tumoral também apresentava extensão posterior circundando o fêmur.
Fig. 3 - Intra-operatório. Marcação da incisão em face medial de coxa esguerda.
O tumor foi retirado em quase toda a sua totalidade, permanecendo apenas pequena porção situada posteriormente ao fêmur, em seu terço superior alto, local de difícil acesso cirúrgico, cuja retirada poderia oferecer risco maior à paciente. A decisão da equipe médica de não prolongar a ressecção cirúrgica fundamentou-se nas características benignas do tumor e no risco cirúrgico para a paciente (Figs. 4 - 7).
Fig. 4 - Presença de extenso tumor (seta grossa), em localização intermuscular, situado inferiormente ao musculo sartório) (seta fina), com deslocamento do músculo retofemoral (asterisco) e grácil (triângulo).
Fig. 5 - Extenso tumor bem encapsulado, multilobulado, com aspecto sugestivo de lipoma (músculo sartório atrás dos afastadores) .
Fig. 6 - Intra-operatório demonstrando a retirada do extenso tumor.
Fig. 7 - Espaço resultante após a retirada do tumor (músculo sartório afastado). Note o músculo retofemoral atrofiado (seta) e exposição do terço médio do fêmur (asterisco).
Não houve necessidade de retirada de qualquer tecido muscular, visto que os músculos não estavam comprometidos nem infiltrados pelo tumor, estando apenas atrofiados e deslocados de sua posição anatômica normal.
O excesso de pele decorrente da "expansão tumoral" foi ressecado, e a incisão foi fechada sem tensão, nos planos subdérmico e intradérmico (Figs. 8 - 10).
Fig. 8 - Marcação do excesso de pele a ser ressecado resultante da "expansáo tumooral".
Fig. 9 - Área cruenta resultante da ressecção do excesso de pele.
Fig. 10 - Sutura final.
A peça cirúrgica foi encaminhada para estudo anatomopatológico, que confirmou o diagnóstico de lipoma. A massa tumoral retirada pesava 2.500 g, com 40 cm de comprimento e 20 cm de largura (Fig. 11).
Fig. 11 - Peça operatória. Note a extensão do lipoma gigante e o excesso de pele ressecado.
A paciente não apresentou complicações durante e após o procedimento cirúrgico. Recebeu alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório. Foi observada melhora estética e funcional importante no membro acometido trinta dias após o procedimento cirúrgico. A paciente não apresentou sinais ou sintomas de recidiva do tumor, decorridos seis meses da cirurgia (Fig. 12).
Fig. l2 - Pós-operatório de 6 meses. a) Vista frontal. b) Vista lateral.
DISCUSSÃO
Os lipomas são tumores mesenquimais comuns, benignos, geralmente solitários, moles e bem encapsulados, que podem aparecer em qualquer região do corpo, inclusive em órgãos internos(3,4). Variam o tamanho e não pesam mais do que alguns gramas. Aparecem preferencialmente no adulto jovem e no sexo feminino. Geralmente são subcutâneos; podem, todavia, apresentar localização intermuscular, intramuscular e intra-articular(5). Normalmente são assintomáticos.
Os lipomas gigantes, por sua vez, são tumores benignos raros do tecido adiposo(2,4-7), que aparecem com maior freqüência na região cervical, tórax e membros inferiores (região inguinal e coxa). Normalmente são tumores solitários, com muitos anos de evolução, assintomáticos, exceto quando provocam compressão de tecidos vizinhos, como músculos e nervos(6,8). Quando acometem os membros inferiores, a dificuldade de deambulação decorre do tamanho e peso excessivo do tumor(7).
Mediante suspeita diagnóstica clínica, vários métodos de imagem, como ultra-som, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, podem oferecer informações adicionais úteis para o diagnóstico e planejamento cirúrgico. Entretanto, apenas o exame anatomopatológico pode fornecer confirmação diagnóstica definitiva(2,5,9,10).
Alguns autores(6) recomendam a realização da eletromiografia, tanto no pré como no pós-operatório, para avaliar eventuais alterações na condução elétrica do nervo ciático e na atividade elétrica dos tecidos musculares do membro acometido, visto que, pela extensão desses tumores, pode existir compressão e comprometimento dessas estruturas. A eletromiografia, nesses casos, é útil para o planejamento cirúrgico e seguimento pós-operatório da recuperação funcional do membro acometido.
O diagnóstico diferencial dos lipomas é feito principalmente com os cistos (de inclusão, sebáceos, pilonidais), xantomas e outras lesões papulo-nodulares (neuromas, nódulos reumatóides, etc.). No caso dos lipomas gigantes, o diagnóstico diferencial é feito principalmente com os tumores de partes moles (nervos, vasos, tendões, músculos) e tumores ósseos. Deve-se sempre afastar a possibilidade de tumores malignos, como por exemplo os sarcomas(5).
Os sarcomas de partes moles (os rabdomiossarcomas, por exemplo) são geralmente assintomáticos (a dor está associada a tumores extensos), mal delimitados, com metástases precoces; são irregulares e difusos à ressonância nuclear magnética. Por outro lado, os osteossarcomas são normalmente dolorosos e com edema no local afetado; à radiografia convencional, apresentam imagens típicas de lesão óssea destrutiva, calcificações e reação periostal; mostram-se hipervas-cularizados à angiografia(11). A transformação maligna (lipossarcoma) é rara e deve ser suspeitada nos casos de tumores com crescimento rápido, recorrência ou presença de ulcerações de pele(4,5).
O tratamento dos lipomas depende de sua localização. Deve-se sempre confirmar a ausência de neoplasias, o que levaria a uma série de planejamentos e condutas cirúrgicas variadas, dependendo de cada caso em particular.
Em relação aos lipomas gigantes localizados nos membros inferiores, geralmente é indicada a exérese cirúrgica total, quando possível, nos tumores localizados no subcutâneo ou nos de localização intermuscular ou intramuscular, pois, geralmente, existem alterações funcionais e/ou vasculares(2,5). Quando existe invasão e comprometimento muscular, além da retirada do tumor, pode ser necessária a retirada de parte de tecido muscular. Em localização intermuscular, é possível a retirada do tumor sem comprometer os tecidos musculares vizinhos, como foi relatado no caso em questão.
A amputação do membro acometido é incomum, sendo indicada naqueles casos em que há invasão importante da musculatura, com necessidade de ressecções extensas e conseqüente impotência funcional(5).
Relatamos um caso de lipoma extenso de membro inferior esquerdo, com peso de 2.500 g, e que, como em outros casos descritos na literatura(2,4,5,6,7), levou à impotência funcional e a sintomas dolorosos no membro acometido. A ressonância nuclear magnética foi útil para o diagnóstico, para a localização atípica do tumor (intermuscular) e para o planejamento cirúrgico. O tumor foi ressecado em sua quase totalidade, não tendo sido necessária a ressecção de tecidos musculares, pois não estavam comprometidos. A paciente apresentou melhora da deambulação em torno do primeiro mês pós-operatório. Sinais ou sintomas de recidivas do tumor não foram observados decorridos seis meses do tratamento, ocasião em que se evidenciou melhora estética e funcional importante do membro acometido.
Os lipomas gigantes de membros inferiores são tumores raros que geralmente produzem deformidades estéticas, compressão tecidual adjacente ao tumor e déficit funcional no membro acometido. O diagnóstico e tratamento cirúrgico adequados desses tumores restituem ao paciente melhora estética e funcional do membro acometido.
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I. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Membro do Colégio Internacional de Cirurgiões. Pós-graduado pelo Serviço de Cirurgia Plástica do Professor Ivo Pitanguy. Cirurgião Plástico do Conjunto Hospitalar do Mandaqui.
II. Professora Assistente Doutora pela Universidade de São Paulo. Responsável pelo Ambulatório de Patologia Oncológica do Ciclo Gravídico-puerperal do Hospital Pérola Byington. Sócia Fundadora da Sociedade de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia. Membro da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Membro da Sociedade de Ginecologia do Estado de São Paulo. Membro do Colégio Internacional de Cirurgiões.
Endereço para correspondência:
Eduardo Mordjikian
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