INTRODUÇÃO
O carcinoma espinocelular (CEC) é um tumor maligno dos queratonócitos epidérmicos
que
invade a derme, podendo gerar metástases. Possui maior incidência em indivíduos com
mais de 50 anos, sendo as principais etiologias: exposição solar e a agentes
carcinógenos1.
Os locais mais afetados são couro cabeludo, dorso das mãos, lábio inferior, orelhas,
face, mucosa bucal e genitália externa1.
As características clínicas da lesão apresentam-se desde pápulas ou placas
eritematosas com superfície escamosa ou crostosa a nódulos hiperceratosos, muitas
vezes com aparência verrucosa1.
O diagnóstico é confirmado por meio de biópsia, sendo então realizado o estadiamento
pela tabela TNM, podendo, além da ressecção tumoral, ocorrer esvaziamento ganglionar
e tratamento das metástases, caso necessário2.
O objetivo deste trabalho é descrever a sutura de Góes et al.3 como complemento ao retalho paraescapular4, utilizado reconstrutivamente pós-excisão de CEC.
RELATO DE CASO
Paciente, 50 anos, sexo masculino, branco e auxiliar de construção civil, procurou
atendimento devido a lesão ulcerada, com dimensões de 5,7 x 5,2cm no ombro esquerdo,
com aspecto de CEC, confirmado por biópsia (Figura 1).
Figura 1 - Lesão ulcerada com dimensão de 5,7 x 5,2cm.
Figura 1 - Lesão ulcerada com dimensão de 5,7 x 5,2cm.
Exames pré-operatórios (laboratoriais e cardiológicos) foram realizados, sendo
normais e com risco cirúrgico grau 1. Após demarcação da área tumoral com margens
de
segurança oncológicas, o paciente foi submetido a anestesia geral e posicionado em
decúbito lateral direito (Figura 2).
Figura 2 - Paciente em posicionamento cirúrgico.
Figura 2 - Paciente em posicionamento cirúrgico.
A lesão foi ressecada com margens oncológicas e enviada para exame anatomopatológico,
com resultado de carcinoma espinocelular invasivo grau 3 de diferenciação, invasão
até o tecido subcutâneo (Classe V), margens livres, sem acometimento angiolinfático
detectado e ausência de invasão perineural.
Foi demarcado retalho paraescapular4, com
dimensões de (21cm x 6,5cm), baseado na artéria paraescapular, ramo da artéria
axilar esquerda (Figura 3).
Figura 3 - Demarcação do retalho paraescapular.
Figura 3 - Demarcação do retalho paraescapular.
O retalho foi elevado e rodado para atingir a região de ombro esquerdo (Figuras 4 e 5), sendo realizada sutura do mesmo ao seu novo leito com nylon 3-0 e
nylon 4-0. Este cobriu totalmente a área da ressecção tumoral.
Figura 4 - Elevação e rotação do retalho paraescapular.
Figura 4 - Elevação e rotação do retalho paraescapular.
Figura 5 - Elevação e rotação do retalho paraescapular.
Figura 5 - Elevação e rotação do retalho paraescapular.
A área doadora do retalho foi reparada através de avanço dos retalhos locais e sutura
com nylon 3-0 e 2-0 (Figura 6).
Figura 6 - Reparo da região doadora com nylon 3-0 e 2-0.
Figura 6 - Reparo da região doadora com nylon 3-0 e 2-0.
Após 24 horas, houve deiscência de sutura na parte distal do retalho e sofrimento
da
extremidade deste, devido à congestão venosa (Figura 7).
Figura 7 - Deiscência em extremidade distal do retalho paraescapular.
Figura 7 - Deiscência em extremidade distal do retalho paraescapular.
Utilizou-se a tração cíclica e contínua das margens cutâneas3 para realizar o fechamento parcial da área cruenta e pequena
parte deixou-se para cicatrização por segunda intenção (Figura 8).
Figura 8 - Utilização da Sutura de Góes para fechamento parcial da
deiscência.
Figura 8 - Utilização da Sutura de Góes para fechamento parcial da
deiscência.
A extremidade distal do retalho paraescapular4
com a congestão venosa evoluiu para necrose seca de uma área maior que a inicial,
a
qual não necessitou de desbridamento (Figura 9).
Figura 9 - Necrose seca em extremidade distal do retalho paraescapular.
Figura 9 - Necrose seca em extremidade distal do retalho paraescapular.
Procedeu-se acompanhamento do paciente, sendo necessária realização de tratamento
radioterápico, com boa evolução e adequada cicatrização da ferida operatória (Figuras 10 e 11).
Figura 10 - Pós-operatório tardio após realização de radioterapia.
Figura 10 - Pós-operatório tardio após realização de radioterapia.
Figura 11 - Pós-operatório tardio após realização de radioterapia.
Figura 11 - Pós-operatório tardio após realização de radioterapia.
DISCUSSÃO
A literatura cita inúmeros métodos para cobertura do defeito relatado, entre eles:
enxerto de pele5, retalho miocutâneo do
músculo grande dorsal6, retalho miocutâneo do
trapézio7 e retalhos microcirúrgicos8. A preferência pelo retalho paraescapular4 é devido à maior capacidade de cobertura de
grandes áreas, além da preservação muscular em relação aos outros retalhos
miocutâneos, que geram grande perda funcional, necessitando de longos períodos para
compensação, caso dos retalhos grande dorsal6
e trapézio7.
O tratamento com microcirurgia8 é altamente
especializado, não havendo em nosso Serviço os devidos equipamentos, motivo pelo
qual ficamos impossibilitados de realizá-lo.
Devido à profissão do paciente (auxiliar de construção civil), o enxerto de pele5 fatalmente sofreria perda com a atividade
laboral, ocasionando mau prognóstico.
O retalho paraescapular4 é descrito na
literatura com comprimento de até 30cm. Considerando a altura de 1,82m do paciente,
o comprimento do retalho estava adequado para sua utilização, tendo como vantagem
a
garantia de cobertura espessa - resistente a traumas e sem mobilização de músculos,
possibilitando o retorno precoce do paciente às atividades.
O fechamento da ferida por tração cutânea, preconizado, em 2004, por Carlos Henrique
Fröner S. Góes e colaboradores3, foi realizado
em enfermaria no segundo dia de pós-operatório para corrigir a deiscência. Para
tanto, utilizou-se fio Prolene 2, com inserção em área posterior ao descolamento,
exteriorizando-a no interior da ferida, em direção à outra margem, sendo encapado
o
fio através da agulha com segmento de cateter. Por meio do retorno do fio de maneira
inversa, completouse um “U” bilateralmente. Tracionou-se os dois fios de cada margem
simultaneamente, aproximando as bordas com determinado ponto de tensão máxima. Por
meio de repetidas trações, promoveu-se maior relaxamento da pele e possibilidade de
fechamento parcial. Isso evitou a realização de novo procedimento em centro
cirúrgico, fato que ocasionaria grande estresse emocional ao paciente e maiores
custos à instituição mantenedora.
A sutura mostrou-se um método eficiente, promovendo fechamento parcial do defeito
(80% da área de deiscência), facilidade e tempo reduzido para realização. Além da
correção do defeito residual em tempo único.
CONCLUSÃO
A sutura proposta por Góes et al.3 mostrou-se
um complemento ao retalho paraescapular4 na
cobertura de ressecção de grandes áreas tumorais, tendo como vantagens o baixo custo
e fácil realização. Além disso, a tração cutânea promoveu uma correção satisfatória
de grandes deiscências em pós-operatório de retalho paraescapular4.
REFERÊNCIAS
1. Simis T, Simis DRC. Doenças da pele relacionadas à radiação solar.
Rev Fac Ciênc Méd (Sorocaba). 2006;8(1):1-8.
2. Silva RD, Dias MAI. Incidência do carcinoma basocelular e
espinocelular em usuários atendidos em um hospital de câncer. Rev Fam Ciclos
Vida Saúde Contexto Soc. 2017;5(2):228-34.
3. Góes CHFS, Kawasaki MC, Mélega JM. Fechamento de feridas por tração
cutânea intra-operatória: análise de 23 casos. Rev Bras Cir Plást.
2004;19(2):63-74.
4. Nassif TM, Vidal L, Bovet JL, Baudet J. The parascapular flap: a new
cutaneous microsurgical free flap. Plast Reconstr Surg.
1982;69(4):591-600.
5. Lofêgo Filho JA, Dadalti P, Souza DC, Souza PRC, Silva MAL, Takiya
CM. Skin grafts in cutaneous oncology. An Bras Dermatol.
2006;81(5):465-72.
6. Tavares-Filho JM, Franco D, Moreto L, Porchat C, Franco T.
Utilização do retalho miocutâneo de grande dorsal, com extensão adiposa, nas
reconstruções mamárias: uma opção para preenchimento do polo superior. Rev Bras
Cir Plást. 2015;30(3):423-8.
7. Sbalchiero JC, Graziosi GB. Retalho miocutâneo inferior pediculado
do músculo trapézio nas reconstruções após cirurgias oncológicas de cabeça e
pescoço, e tórax. Rev Bras Cir Plást. 2014;29(3):346-51.
8. Andrade FAG, Servant JM, Ferreira LM, Revol M, Traber H, Nascimento
Júnior C P, et al. Decúbito Dorsal no Retalho Microcirúrgico do Músculo Grande
Dorsal - Técnica de J. M. Servant. Rev Bras Cir Plást.
2000;15(2):35-46.
1. Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo
Abrão, Campo Grande, MS, Brasil
2. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Campo Grande, MS, Brasil
3. Associação Beneficente Santa Casa de Campo
Grande, Campo Grande, MS, Brasil
4. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Campo Grande, MS, Brasil
Autor correspondente: Franco Silva
Martinez Rua Petrópolis, 585, Caiçara, Campo Grande, MS, Brasil, CEP:
79090-234, E-mail: francosmartinez99@gmail.com
Artigo submetido: 19/11/2022.
Artigo aceito: 13/06/2023.
Conflitos de interesse: não há.