INTRODUÇÃO
As intervenções cirúrgicas podem predispor a complicações, não somente relacionadas
ao ato operatório, como também, ao procedimento anestésico e efeitos colaterais
farmacológicos1.
A retenção urinária pós-operatória é uma intercorrência frequente de diversos
pacientes e pode incorrer em danos permanentes à bexiga, uma vez que compromete sua
anatomia e predispõe a problemas de motilidade e atonia2,3,4,5. Além disso, esse
quadro favorece a ocorrência de infecções urinárias de repetição, uma vez que o
esvaziamento incompleto da bexiga e o consequente volume de urina residual pós-
miccional facilita a proliferação bacteriana1.
Os fatores de risco para sua incidência incluem: tipo anestesia, tipo de cirurgia
(principalmente anorretais), sexo masculino, idosos, terapia de hidratação
endovenosa, uso de medicamentos anticolinérgicos, analgésicos e opioides, e perda
da
privacidade4,6.
Previamente, o diagnóstico dessa condição era suspeitado pelos sintomas clínicos
(incapacidade de urinar e dor) e exame físico (bexiga palpável e distendida), e
confirmado através da cateterização vesical. Mais recentemente, o uso do ultrassom
portátil com mensuração do volume da bexiga permitiu um diagnóstico mais precoce,
além de ser um método rápido, eficaz e não invasivo5.
Uma vez que a lesão está estabelecida, os exames complementares urodinâmicos são
fundamentais para avaliar objetivamente os distúrbios vesicais e escolher o
tratamento mais adequado7.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente com quadro de retenção
urinária no pós-operatório de lipoabdominoplastia.
RELATO DE CASO
Paciente de 27 anos, sexo feminino, sem comorbidades ou uso de medicamentos
contínuos. Ex-tabagista, com histórico cirúrgico de um parto cesárea.
No pré-operatório, apresentava índice de massa corporal (IMC) de 27,8kg/m2
e exames dentro dos parâmetros de normalidade, classificada como ASA II (Figura 1).
Figura 1 - Pré-operatório. A: Vista frontal; B: Vista
oblíqua; C: Vista em perfil.
Figura 1 - Pré-operatório. A: Vista frontal; B: Vista
oblíqua; C: Vista em perfil.
Deu entrada em ambiente hospitalar assintomática. Foi submetida a anestesia geral
associada a raquianestesia, e antibioticoprofilaxia com cefazolina 2g. Além disso,
realizada cateterização vesical de demora. Foi submetida a lipoabdominoplastia com
duração de quatro horas e não houve intercorrência cirúrgica ou anestésica neste
período.
No pós-operatório imediato, paciente evoluiu bem, sem queixas. Foram prescritos
hidratação, antibioticoterapia, analgésicos, opioides e antieméticos, além das
medidas profiláticas para tromboembolismo venoso (TEV).
No primeiro dia de pós-operatório, urinou espontaneamente após retirada da sonda
vesical de demora e relatou apenas náuseas e dor leve em região lipoaspirada.
Apresentou boa evolução cirúrgica, sem evidência de complicações. Recebeu alta
hospitalar com indicação de antibioticoterapia (cefalosporina de primeira geração)
por sete dias, analgésico, opioide (500mg de paracetamol associado a 30mg de codeína
de oito em oito horas se dor forte) e profilaxia antitrombótica com enoxaparina
40mg/dia subcutânea por sete dias.
No segundo dia de pós-operatório evoluiu com queixa de disúria, polaciúria e tenesmo
vesical. Realizou exame de urina 1, que evidenciou apenas presença de nitrito e
hematúria leve (hemácias 10.000/ml). Foi prescrita fenazopiridina e escalonado
antibiótico levofloxacino 750mg/dia por sete dias.
Retornou no quarto dia de pós-operatório ao consultório para avaliação médica.
Relatou melhora dos sintomas após dois dias da nova terapêutica, com esvaziamento
vesical satisfatório e sem disúria. Na ocasião, também foi realizada troca de
curativo e retirada do dreno.
No 10º dia de pós-operatório procurou o hospital com queixa de retenção urinária.
Na
ocasião, referia ainda estar em uso de 500mg de paracetamol associado a 30mg de
codeína de oito em oito horas. Ao exame físico, apresentava globo vesical palpável
e
doloroso em região suprapúbica. Realizou ultrassonografia de abdome total e parede
abdominal, que evidenciou presença de bexigoma. Foi submetida a sondagem vesical de
alívio, com drenagem imediata de 2500ml de urina e melhora álgica imediata.
Em interconsulta com a Urologia, foi orientada a manter sondagem vesical de demora
com exercício de oclusão da sonda a cada quatro horas, com boa resposta. A
ressonância magnética de coluna lombar excluiu possíveis complicações traumáticas
relacionadas à raquianestesia e a tomografia computadorizada de abdome excluiu
possíveis complicações traumáticas relacionadas à lipoabdominoplastia.
Recebeu alta no dia seguinte, com acompanhamento urológico e solicitação de estudo
urodinâmico via ambulatorial. O estudo revelou ausência de contração detrusora,
sensibilidade vesical reduzida e complacência e capacidade vesical preservadas. A
equipe de Urologia orientou, então, sondagem vesical de alívio intermitente (a cada
oito horas) e treinamento vesical com fisioterapia.
Manteve acompanhamento ambulatorial com a equipe da Cirurgia Plástica (Figura 2) e Urologia, com redução progressiva do
uso do cateter vesical de alívio e retirada completa em oito meses de seguimento,
após recuperação da capacidade miccional.
Figura 2 - Pós-operatório de 3 meses. A: Vista frontal;
B: Vista oblíqua; C: Vista em
perfil.
Figura 2 - Pós-operatório de 3 meses. A: Vista frontal;
B: Vista oblíqua; C: Vista em
perfil.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (parecer número
5.922.090). As imagens da paciente nesta publicação têm consentimento informado.
DISCUSSÃO
O objetivo da cirurgia plástica estética é melhorar o aspecto físico do corpo do
indivíduo que se sente desconfortável com certa característica da sua aparência.
Porém, como os demais procedimentos cirúrgicos, está sujeita a complicações.
Entre as queixas relatadas no período pós-operatório, a dor parece ser a mais
frequente, segundo alguns autores8,9. As principais estratégias para controle desse
sintoma envolvem a utilização de analgésicos comuns, anticolinérgicos, anti-
inflamatórios e opioides. Todas essas medicações podem interferir pontualmente nas
vias da micção, uma vez que este é um mecanismo complexo e envolve muitas conexões
neurais.
Os opioides são grandes contribuintes no desenvolvimento da retenção urinária
pós-cirúrgica. Isso ocorre devido a seus efeitos colaterais, que incluem o
relaxamento do músculo detrusor, com um aumento correspondente na capacidade máxima
da bexiga4. Eles também podem aumentar o tônus
e a amplitude de contrações do esfíncter urinário e reduzir as contrações do
ureter10. Como já bem estabelecido na
literatura, a cateterização urinária de alívio pode ser usada para prevenir
complicações permanentes ao trato urinário, uma vez que um único episódio de
hiperdistensão da bexiga pode resultar em morbidade significativa4.
No entanto, o diagnóstico precoce de retenção urinária no pós-operatório da
lipoabdominoplastia ainda possui alguns obstáculos. A plicatura da diástase do
músculo reto, associada à lipoaspiração e ao uso de cinta abdominal compressiva,
dificultam a identificação do possível bexigoma. Além disso, no pós-operatório
imediato, é esperado edema da área operatória, dor local ou até mesmo a ocorrência
de seroma, o que prejudica ainda mais o diagnóstico clínico.
O ultrassom portátil parece ser um método eficaz para a identificação desta
complicação no ambiente intra-hospitalar5.
Após a alta, orientações objetivas e uso racional de opioides parecem ajudar na
prevenção, mas, em alguns casos, ainda são medidas insuficientes.
O presente relato demonstrou boa evolução de uma paciente que desenvolveu retenção
urinária no pós-operatório de lipoabdominoplastia. Diante do quadro clínico, após
investigação etiológica, a principal hipótese diagnóstica foi de ser secundária ao
uso de opioide.
CONCLUSÃO
A retenção urinária é uma complicação relativamente frequente em pacientes
pós-cirúrgicos. Alguns indivíduos, no primeiro momento, podem se apresentar
oligossintomáticos e os sintomas pós-operatórios podem mascarar ainda mais esta
condição, o que atrasa o diagnóstico e predispõe a consequências permanentes.
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10. Rocha LCA. Retenção urinária aguda. Rev Assoc Med
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1. Serviço de Cirurgia Plástica Osvaldo Saldanha,
Santos, SP, Brasil
2. Universidade Santo Amaro, São Paulo, SP,
Brasil
Autor correspondente: Taisa Szolomicki
Av. Ana Costa, 146, Cj 1201-04, Gonzaga, Santos, SP, Brasil. CEP: 11060-000
E-mail: tszolomicki@hotmail.com
Artigo submetido: 03/07/2022.
Artigo aceito: 26/05/2023.
Conflitos de interesse: não há.