ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2001 - Volume16 - Issue 3

RESUMO

Neste trabalho é discutido um retalho biplanar, formado por um retalho cutâneo e outro muscular, com pedículo comum musculocutâneo, para adequada ressecção do excesso de pele e de músculo nas blefaroplastias inferiores. O retalho biplanar permite retirar diferentes quantidades de pele e de músculo, de acordo com a participação de cada um deles na deformidade palpebral, assegurando um adequado aporte vascular, através de seu pedículo comum musculocutâneo. A cantopexia muscular junto ao canto lateral do olho recupera a cinta muscular da pálpebra inferior, promovendo maior sustentação ao canto lateral do olho e à pálpebra inferior. A fixação do retalho muscular que compõe o retalho biplanar eleva os tecidos cutâneo e muscular em um único bloco, permitindo a correção adequada dos excedentes de cada um desses tecidos, com menor risco de esclera aparente ou ectrópio.

Palavras-chave: Retalho biplanar; blefaroplastia inferior; cantopexia

ABSTRACT

A byplanar flap, composed by cutaneous and muscular flaps with common musculocutaneous pedicle, is proposed to an adequate resection of the cutaneous and muscle excess in lower blepharoplasty. The byplanar flap allows to resect different quantities of the skin and muscle, in accordance to the palpebral deformity. It provides an appropriate vascular support, either for the cutaneous and for the muscular flap, through its common pedicle. The byplanar flap in association with the lateral canthopexy promotes the recovery of the lower eyelid muscular sling with the lateral canthus and lower eyelid support. The resection and fixation of the muscular portion of the biplanar flap elevate the skin and muscle flaps together, providing the adequate correction ofthe excess of both tissues, decreasing the occurrence of scleral show or ectropion.

Keywords: Biplanar flap; lower blepharoplasty; canthopexy


INTRODUÇÃO

A pele palpebral, o músculo orbicular do olho e a gordura intra-orbitária são os elementos anatômicos envolvidos na formação do contorno palpebral. A harmonia e o equilíbrio entre eles são os responsáveis pela definição do perfil palpebral jovem. No processo de envelhecimento palpebral, ocorre a perda progressiva da elasticidade da pele e do músculo orbicular, tendo como conseqüência a redundância de ambos. As alterações cutâneas determinam a presença de linhas e pregas localizadas ao longo da extensão palpebral. Por sua vez, a alteração no músculo orbicular provoca a perda da capacidade de contenção da gordura intra-orbitária, dando origem às bolsas adiposas palpebrais. Esclera aparente, ectrópio ou lagoftalmo estão relacionados a diferentes graus de flacidez muscular. Essas alterações podem ocorrer isoladamente ou, como é mais freqüente, em conjunto, sendo responsáveis pela perda do contorno palpebral jovem. A correção do excesso de pele e de músculo, decorrentes do processo de envelhecimento palpebral, deve ser feita de acordo com a participação de cada um desses elementos na deformidade palpebral(1). A diferença entre os coeficientes de elasticidade da pele e do músculo determina uma disparidade entre o excesso desses elementos anatômicos, dificultando sua correção. Segundo Mustardé(2), a dificuldade em determinar a quantidade exata de pele e músculo a ser ressecada pode levar à formação de deformidades palpebrais secundárias. As variadas técnicas para correção das deformidades da pálpebra inferior estão diretamente relacionadas com as alterações anatômicas presentes. Os retalhos cutâneos estão indicados para corrigir a flacidez da pele, manifestada pelas pregas palpebrais e rugas ao redor do canto lateral do olho(3). A correção da hipertrofia isolada do músculo orbicular, junto à borda ciliar, é realizada apenas pela ressecção da porção hipertrófica do músculo(4). A cantopexia lateral pode ser associada ao procedimento para garantir a sua sustentação(5). O acesso transconjuntival está indicado na correção das bolsas adiposas, quando estas não estão acompanhadas por redundância de pele(6). Os retalhos musculocutâneos são utilizados quando a flacidez cutânea está acompanhada por grande flacidez muscular(7). Klatsky(8) propõe a dissecção de um retalho cutâneo e de outro retalho muscular separadamente, para tratamento individualizado de cada um desses elementos anatômicos.

Neste trabalho será discutido um retalho biplanar, formado por um retalho cutâneo e outro muscular, com pedículo comum musculocutâneo, para adequada ressecção do excesso de pele e de músculo nas blefaroplastias inferiores.


MÉTODO

A blefaroplastia inferior foi realizada através de incisão ao longo de toda a reborda palpebral, estendendo-se 1,5 cm lateralmente para fora do canto lateral do olho e localizada 2 mm abaixo da borda ciliar. A incisão foi transfixante cutâneo-muscular até atingir o septo orbitário, em ângulo de 45º com a pele, deixando uma delgada camada muscular junto à margem da incisão cutânea. Em seguida, um retalho musculocutâneo foi dissecado do septo orbitário, desde a margem da incisão infraciliar até a reborda orbitária inferior, expondo amplamente as bolsas adiposas presentes (Fig. 1). O septo orbitário foi aberto sobre as bolsas, sendo o excesso de gordura adequadamente exposto. O excesso de gordura foi pinçado na sua base, junto ao septo orbitário, e a ligadura do pedículo feita com fio inabsorvível. O septo orbitário não foi suturado. Após a correção do excesso de gordura, a pele foi liberada do músculo orbicular, desde a margem livre do retalho até a metade do seu comprimento total (Fig. 2). Essa manobra deu origem a um retalho biplanar, composto por um retalho cutâneo e outro muscular, com pedículo comum musculocutâneo. O segmento muscular do retalho biplanar foi tracionado para cima, na direção do eixo crânio-caudal, até obter-se uma discreta tensão ao longo de toda a sua extensão. O excesso de músculo foi retirado deixando uma extensão triangular na sua porção lateral (Figs. 3 e 4). A cantopexia foi realizada fixando a extensão triangular da porção lateral do retalho muscular no periósteo da reborda lateral da órbita, através de túnel criado sob a rafe lateral do músculo orbicular. O restante do retalho muscular foi suturado à camada muscular da margem da incisão infraciliar, trazendo consigo o retalho cutâneo. Com a fixação do segmento muscular, o retalho biplanar foi elevado na direção do eixo craniocaudal, definindo o excesso do segmento cutâneo. Dessa forma, o excesso de pele pôde ser ressecado mais adequadamente, com menor risco de esclera aparente ou ectrópio. A sutura da pele foi realizada de forma contínua e do tipo borda grega. Fita adesiva microporosa foi colocada em toda a extensão da pálpebra inferior, pelo período de quinze dias com troca a cada cinco dias.


Fig. 1 - Retalho musculocutâneo dissecado do septo orbitário, desde a incisão subciliar até o rebordo orbitário inferior.


Fig. 2 - A pele foi dissecada do músculo orbicular desde a margem do retalho musculocutâneo até a metade do seu comprimento total, dando origem ao retalho biplanar.


Fig. 3 - A ressecção do excesso muscular é realizada ao longo de toda a extensão do retalho.


Fig. 4 - Extensão triangular da porção lateral do retalho muscular que será fixada no periósteo da porção lateral da reborda orbirária.


Fig. 5a - Tumor de pele localizado próximo ao canto lateral do olho.


Fig. 5b - O retalho biplanar associado à cantopexia possibilitou a remoção do tumor com 3 mm de margem de segurança, evitando a formação de esclera aparente ou ectropio.


Fig. 6a - Bolsas palpebrais inferiores de grande expressividade causadas por flacidez muscular.


Fig 6b - Pós-operatorio de 1 ano mostrando a recuperação do contorno palpebral.


Fig. 7a - Assimetria palpebral inferior caracterizada por moderada bolsa palpebral à direita e excesso de pele com discreta bolsa à esquerda.


Fig. 7b - Recuperação do contorno palpebral após blefaroplastia inferior com retalho biplanar.



RESULTADOS

Cinqüenta e oito pacientes, sendo 46 do sexo feminino e 12 do sexo masculino, com idade entre 34 e 61 anos, foram submetidos à blefaroplastia inferior com retalho biplanar, conforme discutido no método proposto. A alteração do contorno palpebral mais freqüente encontrada nessa série de pacientes foi caracterizada pelo excesso de pele acompanhado por moderada flacidez muscular e bolsas adiposas, tendo sido observada em 50 dos pacientes analisados. Outro tipo de alteração observado foi a flacidez da margem ciliar acompanhada por esclera aparente em ambas as pálpebras, presente em 7 dos 58 pacientes. Apenas um dos pacientes analisados apresentou lagoftalmo unilateral, de intensidade moderada, decorrente de blefaroplastia inferior com retalho musculocutâneo realizada previamente. Onze dos 58 pacientes foram submetidos a cirurgias anteriores, sendo 8 à blefaroplastia isolada e 3 à blefaroplastia associada à cirurgia frontal com incisão coronal. A Tabela I apresenta demonstrativo geral das condições pré-operatórias dos pacientes analisados. A blefaroplastia com retalho biplanar foi associada à cantopexia lateral do retalho muscular em 37 pacientes, em 10 foi associada à ritidoplastia frontofacial e em 11 foi realizada apenas a blefaroplastia com retalho biplanar. Não foram observadas diferenças significativas de contornos entre as pálpebras inferiores dos pacientes submetidos a blefaroplastia com retalho biplanar. Em 103 pálpebras, de 51 pacientes houve recuperação do contorno do arcus marginalis com melhor definição do contorno da pálpebra inferior, com maior suporte para a margem ciliar e recuperação da cinta muscular da pálpebra inferior. A persistência de bolsa adiposa foi observada em 4 pálpebras de 2 pacientes analisados. Redundância cutânea após a blefaroplastia inferior com retalho biplanar foi observada em 8 pálpebras, de 4 pacientes analisados, e esclera aparente em apenas uma pálpebra, correspondendo ao paciente com lagoftalmo pós-cirúrgico prévio. A quantidade de gordura intra-orbital removida em cada uma das pálpebras foi proporcional ao volume das bolsas adiposas no pré-operatório. A recorrência de bolsas adiposas foi observada em 4 pálpebras de 3 pacientes analisados. A Tabela II apresenta demonstrativo dos resultados obtidos após a blefaroplastia inferior com retalho biplanar, expressado pelo número de pálpebras analisadas. Os resultados foram analisados através da avaliação qualitativa de fotografias padronizadas no pré-operatório e no pós-operatório de seis meses e um ano. Os resultados obtidos seis meses após a blefaroplastia com retalho biplanar foram mantidos um ano após a cirurgia.






COMENTÁRIOS

A recuperação do contorno palpebral jovem é o objetivo das blefaroplastias, sendo alcançado pela correção das alterações de cada um dos elementos anatômicos que compõem a pálpebra. Várias são as técnicas propostas para esse fim, porém, nem todas estão adequadas para corrigir, separadamente, as diferenças quantitativas entre a flacidez da pele e do músculo(9). O retalho biplanar conforme proposto no método descrito permite retirar diferentes quantidades de pele e de músculo, de acordo com a participação de cada um deles na deformidade palpebral. Esse tipo de retalho assegura um adequado aporte vascular, tanto para o retalho cutâneo quanto para o retalho muscular, através do seu pedículo comum musculocutâneo. A retirada do excesso do músculo, associada à fixação do retalho muscular no periósteo através da cantopexia muscular junto ao canto lateral do olho, recupera a cinta muscular da pálpebra inferior, promovendo maior sustentação ao canto lateral do olho e à pálpebra inferior. A fixação do retalho muscular que compõe o retalho biplanar eleva os tecidos cutâneo e muscular em um único bloco, permitindo a correção adequada dos excedentes de cada um desses tecidos. Da mesma forma, a fixação muscular evita o deslizamento inferior da pálpebra, diminuindo a presença de esclera aparente ou de ectrópio, assim como fornece a tensão necessária para a correção do relaxamento da margem ciliar. A gordura intra-orbital herniada é facilmente corrigida pela exposição das bolsas adiposas junto ao septo orbital, após o deslocamento do retalho musculocutâneo. Estudos realizados por Netcher(10) revelaram não haver diferenças estatísticas entre os resultados obtidos pela via transconjuntival e pela via transcutânea infraciliar, quando as alterações do contorno não estão acompanhadas por excesso de pele. Nessas situações a via transcutânea infraciliar tem indicação preferencial.


BIBLIOGRAFIA

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5. JELKS GW, GLAT PM, JELKS EB, LONGAKER MT. The inferior retimacular lateral cantoplasty: a new technique. Plast. Reconstr. Surg. 1997;100:1262-70.

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7. HINDERER UT. Correction of the weakness of lower eyelid and lateral canthus. Clin. Plast. Surg. 1993;20:331-49.

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9. ADAMSON JE, Mc CRAW JB, CARRAWAY JH. Use muscle flap in lower-lid blepharoplasty. Plast. Reconstr. Surg. 1979;63:359-63.

10. NETSHER DT, PATRINELY JR, PELTIER M, POLSEN C, THORBY J. Transconjuntival versus transcutaneous lower eyelid blepharoplasty: a prospective study. Plast. Reconstr. Surg. 1995;96:1053-60.










I. Mestrado e Doutorado em Cirurgia Plástica pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Regente da ACA - Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.
II. Assistente da ACA - Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.
III. Estagiários da ACA - Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.

Endereço para correspondência:
Antonio Carlos Abramo
R. Afonso de Freitas, 641
São Paulo - SP - 04006-052

Trabalho realizado no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo pela "ACA - Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica", serviço credenciado pela SBCP e AMB.

 

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