INTRODUÇÃO
Pacientes submetidas a cirurgia de mama correm maior risco de serem incapazes de amamentar.
A produção de leite não é esperada quando todos os tecidos mamários são removidos
– como é o caso das mastectomias. Este breve relato descreve um caso raro de uma mulher
que conseguiu amamentar após mastectomia radical, retalho de latíssimo do dorso e
reconstrução com implante.
A produção e secreção de leite dependem da presença e funcionamento adequado do tecido
da glândula mamária1. As pacientes submetidas a mastectomia radical têm o tecido produtor de leite removido,
impossibilitando a amamentação2.
Apresentamos o caso de uma paciente com câncer de mama submetida a reconstrução mamária
tardia com retalho de latíssimo do dorso (RLD) e implante após mastectomia radical
modificada (MRM). Posteriormente, a paciente engravidou e apresentou secreção láctea
via complexo areolopapilar (CAP) reconstruído. O isolamento da pandemia de COVID-19
impossibilitou a análise laboratorial da secreção, não sendo possível confirmar que
se tratava de leite.
RELATO DE CASO
Mulher de 28 anos, nulípara, não fumante e sem comorbidades, procurou-nos para reconstrução
tardia da mama direita. Aos 25 anos, ela foi diagnosticada com carcinoma ductal invasivo
na mama direita, Grau 3, cT3N2aM0, CS-IIIA (imuno-histoquímica: Ki67+; escore HER2
3+; RE-; RP-).
Ela recebeu quatro ciclos de quimioterapia neoadjuvante com adriamicina e ciclofosfamida
durante dois meses. Quatro ciclos adicionais de consolidação de paclitaxel e trastuzumabe
foram realizados. Após a quimioterapia, ela foi submetida a MRM, linfadenectomia axilar
e reconstrução mamária imediata com expansor de tecido. O exame anatomopatológico
revelou carcinoma invasivo grau II com margens claras, sem invasão angiolinfática,
focos de carcinoma in situ e sem infiltração papilar. Cinco linfonodos foram examinados e todos estavam normais.
Não houve menção ao tamanho do tumor; apenas o estadiamento final foi mencionado (ypT1bN0M0).
Logo após o término da expansão, a paciente recebeu quimioterapia de manutenção com
trastuzumabe (completando 18 doses) e radioterapia adjuvante. Ela recebeu radioterapia
externa com um acelerador linear de 6MV usando uma técnica 3D. A dose adjuvante prescrita
foi de 50,4Gy na mama direita e fossa supraclavicular (frações de 180cGy). O tratamento
foi interrompido no último dia devido a radiodermatite após a administração de uma
dose total de 48,6Gy. Segundo o laudo, ela evoluiu com o agravamento da radiodermatite;
o expansor extrudiu e foi, portanto, removido.
Ela nos procurou após 18 meses de mastectomia para reconstrução mamária tardia (Figura 1). Foi realizado um procedimento RLD com a colocação de um implante texturizado de
320ml (Silimed™, Natural, projeção extra-alta).
Figura 1 - Aspecto pré-operatório.
Figura 1 - Aspecto pré-operatório.
Ela ficou satisfeita com o resultado um ano após a cirurgia e não desejou procedimentos
de simetrização das mamas (Figura 2). Em seguida, foi realizada a reconstrução do CAP. A aréola foi reconstruída com
enxerto de pele total da coxa medial e a papila foi reconstruída com enxerto da porção
caudal da papila contralateral. A paciente residia em outra cidade e não retornou
para acompanhamento após a retirada das suturas.
Figura 2 - Pós-operatório de um ano após reconstrução mamária tardia com retalho de latíssimo
do dorso associado a implante de projeção extra-alta de 320ml.
Figura 2 - Pós-operatório de um ano após reconstrução mamária tardia com retalho de latíssimo
do dorso associado a implante de projeção extra-alta de 320ml.
Ela entrou em contato conosco seis meses depois para nos informar que havia engravidado.
Após o nascimento da criança, em fevereiro de 2020, ela voltou a nos contatar para
relatar que o bebê mamava normalmente na mama esquerda, apesar da retirada da papila
caudal, e que a mama direita produzia secreção láctea em pequena quantidade (Figuras 3 e 4, Vídeo 1).
Figura 3 - 18 meses após reconstrução do complexo areolopapilar; um mês após o parto. Fluxo de
leite através de ambos os mamilos.
Figura 3 - 18 meses após reconstrução do complexo areolopapilar; um mês após o parto. Fluxo de
leite através de ambos os mamilos.
Figura 4 - Close do mamilo direito mostrando o fluxo de leite através do complexo areolopapilar
reconstruído.
Figura 4 - Close do mamilo direito mostrando o fluxo de leite através do complexo areolopapilar
reconstruído.
Vídeo 1 - Saída de leite através do complexo areolopapilar.
Vídeo 1 - Saída de leite através do complexo areolopapilar.
Devido ao isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19, a paciente não pôde
retornar para exames de imagem. A paciente relatou amamentação contínua por cinco
meses até julho de 2020.
DISCUSSÃO
A amamentação é inversamente proporcional à quantidade de tecido removido após a redução
da mama2,3. Quando todo o tecido mamário é removido, a produção de leite não é esperada2.
Madeira et al.4 descreveram uma paciente com síndrome de Poland submetida a RLD e reconstrução com
implante. Cinco anos depois, ela engravidou e amamentou com sucesso. No entanto, essa
paciente pode ter exibido restos rudimentares de tecido mamário conectado ao CAP4. Por outro lado, nossa paciente foi submetida a mastectomia radical, radioterapia
e reconstrução do CAP sobre a ilha cutânea do RLD.
Sakai & Sakai5 descreveram uma técnica de compartilhamento de mamilo que consiste em colher a camada
externa do mamilo doador e enrolar esse tecido em forma de espiral antes de enxertá-lo.
Esperase que essa técnica viabilize a amamentação, pois visa preservar a anatomia
da doadora. No nosso caso, no entanto, a porção caudal da papila foi utilizada, reduzindo
a probabilidade de amamentação. No entanto, alguns ductos podem ter sido deixados
sem corte, permitindo a ejeção do leite.
A sucção do CAP pelo bebê estimula suas terminações nervosas a secretar prolactina
e ocitocina, induzindo assim a produção e ejeção do leite1. Podese supor que o fragmento de papila contralateral enxertado na mama reconstruída
produziu secreção láctea em resposta a estímulos hormonais, pois é a única estrutura
saindo do tecido mamário. Isso, no entanto, contradiz o entendimento atual da fisiologia
da lactação. Devido à raridade dessa situação, os cirurgiões devem estar abertos a
teorias alternativas, incluindo morfologia da construção, bioeletricidade e campo
morfogenético6,7.
CONCLUSÃO
MRM, irradiação, reconstrução total da mama com RLD em conjunto com o implante e reconstrução
do CAP sobre a ilha cutânea do RLD tornam improvável a produção de secreção láctea.
Pesquisas adicionais são necessárias para elucidar essa ocorrência incomum.
REFERÊNCIAS
1. Karimi FZ, Sadeghi R, Maleki-Saghooni N, Khadivzadeh T. The effect of mother-infant
skin to skin contact on success and duration of first breastfeeding: A systematic
review and meta-analysis. Taiwan J Obstet Gynecol. 2019;58(1):1-9. DOI: 10.1016/j.tjog.2018.11.002
2. Kraut RY, Brown E, Korownyk C, Katz LS, Vandermeer B, Babenko O, et al. The impact
of breast reduction surgery on breastfeeding: Systematic review of observational studies.
PLoS One. 2017;12(10):e0186591. DOI: 10.1371/journal.pone.0186591
3. Alipour S. Local Complications of Breast Surgery during Pregnancy and Lactation. Adv
Exp Med Biol. 2020;1252:101-5. DOI: 10.1007/978-3-030-41596-9_13
4. Madeira EB, de França JC, de Sousa Almeida Filho B, Araújo AL, Vieira SC. Normal Breastfeeding
after Breast Reconstruction in a Patient with Poland’s Syndrome. Breast Care (Basel).
2011;6(6):479-81. DOI: 10.1159/000335223
5. Sakai S, Sakai S. New nipple-sharing technique without damaging breastfeeding functionality
of donor site, and spiral graft to Reconstructed Breast area. Ann Breast Cancer Res.
2021;5(1):1018. DOI: 10.47739/2641-7685/1018
6. Levin M, Martyniuk CJ. The bioelectric code: An ancient computational medium for dynamic
control of growth and form. Biosystems. 2018;164:76-93. DOI: 10.1016/j.biosystems.2017.08.009
7. Tamborini M. Challenging the Adaptationist Paradigm: Morphogenesis, Constraints, and
Constructions. J Hist Biol. 2020;53(2):269-94. DOI: 10.1007/s10739-020-09604-7
1. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
2. Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, MG, Brasil.
Autor correspondente: Daniela Francescato Veiga Av. Prefeito Tuany Toledo, 470, Fatima, Pouso Alegre, MG, Brasil CEP: 37550-000 E-mail:
danielafveiga@gmail.com
Artigo submetido: 29/03/2022.
Artigo aceito: 15/03/2023.
Conflitos de interesse: não há.