INTRODUÇÃO
A avaliação pré-operatória é um procedimento que antecede um processo operatório e
seus principais objetivos são trazer segurança e reduzir morbidade para o paciente
relacionada à anestesia e à cirurgia1,2; além de reduzir da ansiedade do paciente antes da cirurgia, diminuir o número de
cancelamento de cirurgias, amenizar os custos decorrentes de exames e consultas especializadas
no período pré-operatório e reduzir o tempo, custos e intercorrências do período operatório
e pós-operatório3,4.
Dentre os exames disponíveis, os mais requisitados são: hemograma, teste de coagulação,
eletrocardiograma (ECG), radiografia de tórax, ureia/creatinina, eletrólitos, glicemia
e teste de função hepática2,5. Esses exames visam identificar, diagnosticar ou avaliar doenças e disfunções presentes
e ajudar a elaborar um plano anestésico e cirúrgico que traga segurança e qualidade
cirúrgica para o paciente4,6.
A requisição dos exames pré-operatórios (EPO) deve ser feita de forma seletiva5 e levar em conta principalmente a cirurgia a ser realizada, os dados da anamnese
e do exame físico obtidos na consulta pré-operatória, como já preconizam os protocolos
de requisição de exames pré-operatórios7,8. Porém, alguns profissionais solicitam uma bateria de exames, sem nenhuma indicação
clínica, com o objetivo de diagnosticar doenças não identificadas anteriormente na
anamnese e exame físico, seja para ter uma maior segurança na tomada de decisões e/ou
garantir segurança judiciária1,2,4. Além disso, alguns médicos não se sentem seguros ou não têm conhecimento dos guidelines propostos e a requisição de exames traz uma maior satisfação aos pacientes, incentivando
os médicos a solicitarem mais testes9.
No entanto, alguns estudos mostram que esses EPO não possuem uma utilidade prática
e podem ser até prejudiciais ao paciente2,4,10. A bateria de exames laboratoriais pode não trazer resultados relevantes para o planejamento
e realização de uma cirurgia2,4,10. Alguns resultados podem revelar anormalidades sem importância clínica11 e ainda possuem baixo valor preditivo em pacientes saudáveis12. Esses testes ainda podem levar a resultados falso-positivos, motivando novas investigações
e assim expor o paciente a novos riscos e estresse, causando maior morbidade, adiamento
da cirurgia e custos adicionais à preparação perioperatória2,6,11,12. Além disso, a solicitação indiscriminada de exames acaba resultando em um custo
significativo e desnecessário para o sistema de saúde4.
Alguns autores estimam que entre 60% e 70% dos EPO são solicitados de maneira equivocada,
sem adequada indicação clínica13 e que entre 30% e 60% dos resultados anormais inesperados encontrados em EPO não
são investigados, prática que pode levar a riscos legais para o médico, contrariando
o pensamento que a solicitação de mais exames leva a uma maior proteção jurídica14.
São escassos os estudos que abordam a frequência de anormalidades dos EPO no manejo
pré-operatório do paciente, principalmente enfocando pacientes de cirurgia plástica
estética. Apesar da cirurgia plástica estética ser considerada uma cirurgia eletiva,
ela possui algumas diferenças para as demais cirurgias: é um tipo de procedimento
que apenas aceita pacientes que estejam saudáveis e que possui um risco menor comparado
com grande parte das demais cirurgias eletivas15.
OBJETIVO
Esse estudo visou identificar a frequência das anormalidades dos EPO em pacientes
encaminhados para cirurgia em um hospital de cirurgia plástica e classificar quais
são as anormalidades presentes no EPO. Adicionalmente, associar os dados obtidos com
sexo e idade dos pacientes, tipo de cirurgia prevista e verificar se a cirurgia foi
cancelada, adiada ou realizada.
MÉTODO
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto Presbiteriano
Mackenzie (CAAE: 35523420.1.0000.0103). O estudo tem desenho retrospectivo e foi realizado
com a análise de prontuários de pacientes de cirurgia plástica no período de 1 de
janeiro a 31 de dezembro de 2019 de um hospital de cirurgia plástica da cidade de
Curitiba-PR.
Foram incluídos pacientes acima de 18 anos e de ambos os sexos, que realizaram as
cirurgias de lipoaspiração, abdominoplastia, mamoplastia, ritidoplastia, rinoplastia
e blefaroplastia. O paciente primeiramente foi atendido pelo cirurgião plástico e
em seguida foi encaminhado para consulta pré-anestésica com médico anestesista e avaliado
por um médico cardiologista. Foram excluídos casos de prontuários incompletos.
O protocolo do hospital prevê a solicitação dos seguintes exames de rotina no pré-operatório
para todos os pacientes: hemograma completo, coagulograma, eletrocardiograma, ureia/creatinina
e glicemia. Há ainda outros exames que podem ser solicitados de forma seletiva, de
acordo com o perfil do paciente e os achados da consulta pré-operatória, com o objetivo
de se realizar uma avaliação mais aprofundada do paciente. No hospital estudado, a
solicitação dos EPO e dos demais exames que sejam necessários, em geral, é feita pelos
médicos anestesistas e/ou cardiologistas.
Para avaliar o risco cirúrgico, foi utilizado a classificação ASA (American Society of Anesthesiologists16. As variáveis coletadas foram: idade, sexo e comorbidades, dados sobre quais EPO,
resultado, conduta ante exame anormal e o seu desfecho, cirurgia prevista e o status da cirurgia.
Análise estatística
Os dados coletados foram planilhados com auxílio do programa Excel. A estatística
descritiva foi feita com o auxílio do programa Graph Pad Prism 5.0. As variáveis contínuas
foram expressas como média ± desvio-padrão. As variáveis categóricas foram expressas
em porcentagens e comparadas com o teste do Qui-quadrado, conforme apropriado. Valores
de p menores que 5% foram considerados estatisticamente significativos.
RESULTADOS
Durante o período do estudo, foram atendidos 1336 pacientes de cirurgia plástica.
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão elencados, 358 casos não foram
classificados para o estudo, totalizando-se 978 casos elegíveis.
A média de idade dos pacientes foi de 46,5 anos, idade mínima de 18 anos e máxima
de 85 anos. Para as pacientes do sexo feminino, a média de idade foi de 46,5 anos,
já entre os pacientes do sexo masculino a média de idade resultante foi de 47,4 anos.
A Tabela 1 disponibiliza os dados demográficos dos pacientes relacionando com a presença ou
não de algum exame anormal. Todos os pacientes realizaram pelo menos um exame pré-operatório,
sendo que 499 (51%) tiveram pelo menos algum exame anormal. A maioria deles pertence
ao sexo feminino (n=916; 93,7%). Pacientes com ASA 2 (n=532; 54,4%) e pacientes com
comorbidades (n=539; 55,1%) foram mais frequentes e a cirurgia mais realizada foi
a mamoplastia (n=441; 45%).
Tabela 1 - Dados clínicos e demográficos dos pacientes e presença de anormalidades nos exames
realizados.
Dados |
Exame Normal |
Exame Anormal |
Total |
Sexoa |
F |
463 (50,5%) |
453 (49,5%) |
916 (93,7%) |
M |
16 (25,8%) |
46 (74,2%) |
62 (6,3%) |
ASAb |
1 |
353 (79,1%) |
93 (20,9%) |
446 (45,6%) |
2 |
86 (16,2%) |
446 (83,8%) |
532 (54,4%) |
Comorbidade |
Sem |
261 (59,5%) |
178 (40,5%) |
439 (44,9%) |
Com |
218 (40,4%) |
321 (59,6%) |
539 (55,1%) |
Cirurgia |
Mamoplastia |
259 (58,7%) |
182 (41,3%) |
441 (45%) |
Lipoaspiração |
159 (55,6%) |
127 (44,4%) |
286 (29,2%) |
Ritidoplastia |
77 (33,3%) |
154 (66,7%) |
231 (23,5%) |
Blefaroplastia |
75 (39,1%) |
117 (60,9%) |
192 (19,5%) |
Abdominoplastia |
92 (55,8%) |
73 (44,2%) |
165 (16,8%) |
Rinoplastia |
39 (47%) |
44 (53%) |
83 (8,4%) |
Idade |
18-29 |
74 (52,9%) |
66 (47,1%) |
140 (14,3%) |
30-39 |
123 (67,2%) |
60 (32,8%) |
183 (18,7%) |
40-49 |
130 (57,5%) |
96 (42,5%) |
226 (23,1%) |
50-59 |
94 (40,7%) |
137 (59,3%) |
231 (23,6%) |
60-69 |
47 (29,4%) |
113 (70,6%) |
160 (16,4%) |
70+ |
11 (28,9%) |
27 (71,1%) |
38 (3,9%) |
Total |
479 (49%) |
499 (51%) |
978 (100%) |
Tabela 1 - Dados clínicos e demográficos dos pacientes e presença de anormalidades nos exames
realizados.
Pacientes do sexo masculino apresentaram maior frequência de anormalidade de exames
(74,2%), enquanto 49,5% das mulheres apresentaram anormalidade de exames (p<0,0001). As anormalidades foram mais frequentes em pacientes de ASA 2 (83,8%) (p<0,0001), pacientes com comorbidades (59,6%), pacientes de cirurgia de ritidoplastia
(66,7%) e blefaroplastia (60,9%), em pacientes com idade entre 60 e 69 anos (70,6%)
e pacientes com mais de 70 anos (71,1%). A média das idades dos pacientes de ritidoplastia
e a blefaroplastia foi, respectivamente, 57,7 e 54,8 anos, as maiores dentre as cirurgias.
A Tabela 2 disponibiliza os exames separados por categoria e a quantidade de anormalidades encontradas.
Para favorecer a análise, os exames foram subdivididos em 11 categorias: hemograma
(hemoglobina, hematócrito, leucócito e eritrócito); coagulograma (plaqueta, TAP, KPTT,
tempo de coagulação, tempo de sangramento e fibrinogênio); cardíaco (ecocardiograma,
teste ergométrico e ecocardiografia); renal (ureia e creatinina); glicemia; tireoide
(TSH, T4); hepático (TGO, TGP e gama GT); lipidograma (colesterol total, triglicerídeos,
HDL, LDL); beta-hCG e HIV; raio X de tórax e outros (exames pouco frequentes).
Tabela 2 - Número de exames normais e anormais por tipo de exame nos pacientes estudados.
Exames |
Normal |
Anormal |
Total |
Hemograma (Hb, hematócrito, leucócitos) |
3378 (97%) |
103 (3%) |
3481 |
Coagulograma (plaquetas, TAP, KPTT, TC, TS e fibrinogênio) |
3106 (96,9%) |
100 (3,1%) |
3206 |
Cardíaco (ecocardiograma, teste ergométrico e ecocardiografia) |
1160 (85,9%) |
191 (14,1%) |
1351 |
Renal (ureia e creatinina) |
1189 (95,7%) |
53 (4,3%) |
1242 |
Glicemia |
801 (88,3%) |
106 (11,7%) |
907 |
Tireoide (TSH; T4) |
513 (93,4%) |
36 (6,6%) |
549 |
Hepático (TGO, TGP e gama GT) |
480 (95,8%) |
21 (4,2%) |
501 |
Lipidograma (colesterol total, triglicerídeos, HDL, LDL) |
342 (76,2%) |
107 (23,8%) |
449 |
Beta-hCG e HIV |
220 (100%) |
0 (0%) |
220 |
Raio X de Tórax |
99 (99%) |
1 (1%) |
100 |
Outros |
61 (70,9%) |
25 (29,1%) |
86 |
Total |
11349 (93,9%) |
743 (6,1%) |
12092 |
Tabela 2 - Número de exames normais e anormais por tipo de exame nos pacientes estudados.
No total foram analisados 12.092 exames, resultando em uma média de 12,3 exames por
paciente. Os exames da categoria hemograma e coagulograma foram os mais realizados
(55,3% do total de exames). Apenas 6,1% dos exames (n=743) apresentaram anormalidades.
Os exames do lipidograma foram os que mais tiveram frequência de anormalidade (23,8%),
porém correspondia a 6,4% de pacientes com essa anormalidade, dado que um mesmo paciente
tinha mais de um exame anormal.
A Tabela 3 disponibiliza os tipos de comorbidades presentes nos pacientes e os exames de controle
realizados no período pré-operatório para essas comorbidades, de acordo com as diretrizes
das sociedades brasileiras17,18,19,20. Para todos os pacientes com hipertensão arterial sistêmica, foi realizado o exame
de controle (pressão arterial) no exame físico. As comorbidades relacionadas à tireoide
foram as mais encontradas (n=180; 18,4%), sendo 178 casos de hipotireoidismo e 2 casos
de hipertireoidismo. Dentre os pacientes com diabetes (n=41), 97,5% (40/41) realizaram
somente o exame da glicemia, apontando hiperglicemia em 70% (28/40) desses. A dosagem
de hemoglobina glicada (Hba1c) foi feita em 8 pacientes. Desses, apenas um estava
com resultado fora dos limites recomendados, porém a sua cirurgia foi realizada sem
adiamentos.
Tabela 3 - Presença de comorbidades previamente diagnosticadas e anormalidades nos exames realizados.
Comorbidades |
Nº de pacientes |
Exame de controle |
Exames realizados |
Valores fora da recomendação |
Tireoide |
180 (18,4%) |
TSHa |
95 (52,7%) |
16 (16,8%) |
HAS |
145 (14,8%) |
Pressão arterialb |
145 (100%) |
26 (17,9%) |
Dislipidemia |
139 (14,2%) |
LDLc |
20 (14,3%) |
6 (30%) |
Transtorno mental |
132 (13,4%) |
- |
- |
- |
Pulmonar |
44 (4,4%) |
- |
- |
- |
Diabetes |
41 (4,1%) |
Glicemiad |
40 (97,5%) |
28 (70%) |
Labirintite |
29 (2,9%) |
- |
- |
- |
Hipotensão |
27 (2,7%) |
- |
- |
- |
Coagulopatia |
14 (1,4%) |
Coagulograma |
14 (100%) |
1 (7,1%) |
Cardiopatia |
13 (1,3%) |
Cardíaco |
12 (92,3%) |
6 (50%) |
Obesidade |
9 (0,9%) |
- |
- |
- |
Outras |
80 (8,1%) |
- |
- |
- |
Tabela 3 - Presença de comorbidades previamente diagnosticadas e anormalidades nos exames realizados.
A Tabela 4 apresenta quais foram as mudanças de condutas tomadas no período pré-operatório,
a partir da realização e liberação dos resultados dos EPO. Em 57/978 (5,8%) dos casos
houve algum tipo de mudança de conduta pré-operatória, sendo que 19/57 (33,3%) deles
estavam relacionados à resolução de uma infecção do trato urinário (ITU) ou das vias
aéreas superiores (IVAS). Em 18/57 (31,5%) casos houve a solicitação adicional de
exames, com o objetivo de ampliar a investigação. Em 14 casos a investigação não levou
a nenhuma outra conduta, em dois casos resultou em introdução de um tratamento e em
outros dois, em um novo diagnóstico para o paciente. Para 23/57 casos (40,3%), não
foi preciso mudar a data prevista de cirurgia para a realização da conduta, já em
33 casos (57,9%) foi necessário o adiamento da data da cirurgia. Houve apenas um caso
(1,8%) de cancelamento de cirurgia devido à agudização de hérnia de disco. Assim,
no nosso estudo, para 96,5% dos pacientes a realização dos EPO não modificou o planejamento
da cirurgia.
Tabela 4 - Ocorrência de eventos pré-operatórios e conduta observada nos casos estudados (n=978).
Conduta / Status |
Não adiado |
Adiado |
Cancelado |
Total |
Resolução de Infecção (ITU/IVAS) |
14 |
5 |
0 |
19 (33,3%) |
Realização de exames adicionais sem outra conduta adicional |
2 |
12 |
0 |
14 (24,6%) |
Ajuste ou prescrição de medicamento |
3 |
8 |
0 |
11 (19,3%) |
Diagnóstico de nova doença |
2 |
2 |
0 |
4 (7%) |
Encaminhamento para médico especialista |
2 |
1 |
0 |
3 (5,3%) |
Realização de exames adicionais resultando em novo tratamento |
0 |
2 |
0 |
2 (3,5%) |
Realização de exames adicionais resultando em novo diagnóstico |
0 |
2 |
0 |
2 (3,5%) |
Agudização de doença anterior |
0 |
1 |
1 |
2 (3,5%) |
Total |
23 |
33 |
1 |
57/978 (5,8%) |
Tabela 4 - Ocorrência de eventos pré-operatórios e conduta observada nos casos estudados (n=978).
Anormalidades em apenas 6 tipos de EPO resultaram em mudança de conduta pré-operatória,
33/57 condutas (57,9%) foram realizadas apenas com os dados de anamnese e exame físico,
ou seja, não foi necessário nenhum dado de outro exame. Dentre os exames em geral,
o que mais contribuiu com mudanças de conduta foi o exame cardíaco (n= 13; 22,8%)
(Figura 1).
Figura 1 - Categorias de exames que foram responsáveis por alteração de conduta pré-operatória.
Figura 1 - Categorias de exames que foram responsáveis por alteração de conduta pré-operatória.
DISCUSSÃO
A solicitação de EPO de rotina, quais exames solicitar e como os resultados dos EPO
podem impactar na decisão de tomada de conduta para o período operatório e pós-operatório
em cirurgias eletivas ainda é controverso. Nosso estudo apresenta dados de pacientes
brasileiros e difere dos demais estudos ao descrever as anormalidades mais frequentes
dos EPO de rotina solicitados para uma população de pacientes considerados de menor
risco, quando comparado a outros tipos de cirurgia.
O aparecimento de resultados anormais é comum nos exames de rotina12, e a grande maioria desses resultados não tem importância clínica e não tem o poder
de predizer qualquer tipo de complicação ou risco operatório ou pós-operatório12. A aparição de um resultado anormal no EPO (que pode se tratar de um resultado falso-positivo)
induz o médico a realizar uma investigação dessa anormalidade, levando ao adiamento
da cirurgia e expondo o paciente a mais exames desnecessários e estresse12. Por outro lado, deve-se levar em conta que as cirurgias estéticas que não envolvem
tratamento de uma doença ativa devem ser realizadas com o máximo de segurança e, sendo
puramente eletivas, podem ser adiadas quando o médico responsável julgar necessário.
A realização de EPO de rotina em pacientes saudáveis de cirurgias consideradas pouco
invasivas, como a cirurgia plástica estética15, acaba sendo mais controversa, já que se trata de um procedimento de baixo risco
e com poucas complicações21,22. De acordo com os guidelines da American Society of Anesthesiologists (ASA) (2012)7 e da National Institute for Health And Care Excellence (NICE) (2016)8, a solicitação de exames para pacientes saudáveis (ASA 1 e ASA 2), que realizam cirurgias
pouco invasivas, deve ser mínimo.
Os exames devem se basear nos achados da consulta clínica que necessitam de uma investigação
mais profunda e que podem indicar um risco real ao paciente no período perioperatório,
para que assim se possa realizar um manejo correto para esse paciente7,8. A avaliação clínica, que consiste na anamnese e exame físico, é considerada a parte
mais importante da avaliação pré-operatória. Os dados obtidos nela como idade, história
clínica, cirurgia a ser realizada, classificação ASA e até a capacidade de exercício
físico são considerados os melhores preditores de morbidade perioperatória12.
Existe uma preferência para que anestesiologistas façam a avaliação pré-operatória
e, segundo alguns estudos, os anestesiologistas se mostraram mais eficientes em solicitar
os EPO, realizando um número menor de exames e mantendo a qualidade da avaliação,
por conseguinte, economizando mais na realização dos EPO23,24.
No nosso estudo, a média de EPO realizados por paciente foi de 12,3 exames. Pelo desenho
do estudo, não foi possível ter acesso à história clínica de cada paciente, por isso,
não foi possível definir com exatidão se a taxa de EPO está fora das recomendações
das diretrizes. Porém, observou-se que o número de exames está maior do que seria
o recomendável. No estudo de Mantha et al.25 os pacientes receberam uma média de 10,9 EPO por paciente e no estudo de Reazaul
Karim et al.26 houve uma média de 7,1 EPO por paciente.
Considerando que o nosso estudo individualizou cada exame dentro do hemograma e coagulograma,
é possível dizer que o número de EPO realizados no presente estudo está dentro da
faixa identificada por esses outros dois autores, que estudaram EPO de rotina em outras
cirurgias eletivas. Segundo o estudo de Srivastava & Kumar27, 30% a 60% dos EPO requisitados estão acima das recomendações propostas e 60% a 75%
dos pacientes de cirurgia ambulatorial não necessitariam realizar EPO, se houver uma
adequada avaliação clínica.
Comparando os achados com outros estudos da literatura que também abordam a solicitação
de EPO de rotina em pacientes de cirurgias eletivas, o número de pacientes com anormalidades
de exames em nosso estudo está dentro do esperado (51%). Os estudos de Fischer et
al.22 e Benarroch-Gampel & Riall28 encontraram respectivamente uma taxa de anormalidade de 36,7% e 61,6%.
Em relação aos exames com maior porcentagem de anormalidade, os que foram realizados
de modo mais seletivo (categoria “Outros”) apresentaram maior anormalidade, seguidos
pelo lipidograma, avaliação cardíaca e glicemia. Porém, a anormalidade que predominou
foi o de avaliação cardíaca (18,4%). Santos et al.1 encontraram que a anormalidade de ECG foi a mais frequente entre os pacientes (36,8%),
concordando com o nosso estudo no tipo de exame. Já nas pesquisas de Fischer et al.22 e Reazaul Karim et al.26 os exames com mais anormalidades foram os de hemograma, exame que teve baixa frequência
de anormalidades em nosso estudo.
Em relação à idade no geral, a taxa de exames anormais ser maior na faixa dos “60-69”
anos e “70+” anos era esperado, pois idosos normalmente possuem mais anormalidades
de exames e ainda possuem mais comorbidades que as outras faixas etárias22. Os pacientes do sexo masculino apresentaram uma taxa de EPO anormais significativamente
maior do que as mulheres, principalmente anormalidade na glicemia e ECG. Esse achado
não foi descrito em nenhum outro estudo. Não houve diferença entre idade e número
de pacientes com comorbidades em cada grupo, possivelmente outros fatores como hábitos
de vida influenciaram.
A realização de EPO de rotina em geral não provoca mudanças de conduta para o período
perioperatório e alguns autores indicam que apenas entre 0% e 9% desses exames induziram
uma mudança de manejo em cirurgias eletivas28. Em nosso estudo, 5,7% dos pacientes tiveram algum tipo de anormalidade de conduta
pré-operatória, porém em apenas 2,4% do total de pacientes a mudança foi devido a
alguma anormalidade de EPO. Apenas 24/12.092 exames solicitados (0,1%) foram responsáveis
por alterar a conduta pré-operatória.
Cabe ressaltar que houve 14 casos de “realização de exames adicionais sem outra conduta
adicional”, mostrando que ocorreu uma investigação mais profunda a partir de uma suspeita
encontrada pelo médico, porém que não levou a nenhum resultado positivo,11/14 casos
ocorreram por um resultado anormal de exame, o que pode indicar exames falso-positivos.
Portanto, observouse que apenas 13/24 EPO que conduziram uma mudança de conduta foram
benéficos para o paciente. No estudo realizado por Mantha et al.25 17 EPO com indicação de solicitação e 8 exames sem indicação provocaram mudança de
conduta pré-operatória, apenas 4 exames dos considerados sem indicação (0,2% do total
de exames realizados) ocasionaram uma conduta benéfica para o paciente, que foi o
tratamento ou aconselhamento da diabetes.
Nosso estudo também proporciona uma avaliação de como está o controle de comorbidades
dos pacientes. É importante que os valores dos exames de controle das comorbidades
estejam dentro do aceitável, já que, se anormais, podem aumentar as chances de morbidade
perioperatória, principalmente diabetes e hipertensão29,30. Foi encontrado que 70% dos pacientes estavam fora das recomendações da Sociedade
Brasileira de Diabetes20. A frequência de dislipidemia também foi relevante, mas ressalta-se que o lipidograma
não é citado em nenhuma diretriz e sua solicitação não é necessária como EPO.
As comorbidades mais frequentemente encontradas em nossos pacientes foram doença tireoidiana,
hipertensão, dislipidemia, transtorno mental, doença pulmonar e diabetes. Em outros
estudos com pacientes de diversas cirurgias eletivas as mais frequentes foram: hipertensão,
diabetes, dislipidemia e doença pulmonar1,5,22,31. Ressalta-se que transtornos mentais não chegam a ser mencionados por esses autores
em seus estudos, porém em se tratando de cirurgia plástica estética, é importante
mencionar tal assunto. A frequência de depressão em pacientes de cirurgia plástica
pode até 5 vezes maior que na população em geral32.
O estudo apresenta algumas limitações relacionadas ao seu delineamento. O estudo retrospectivo
foi feito em base de dados, o que não possibilitou acesso à história clínica dos pacientes.
Dessa forma, o estudo não pôde investigar se houve alguma recomendação ou conduta
realizada após a alta hospitalar devido a um EPO anormal. Para avaliação dos dados
encontrados, deve-se considerar que a ampla maioria dos casos era de mulheres que
realizaram cirurgia plástica eletiva. Dessa forma, a frequência de algumas comorbidades
e outros achados está relacionada com a amostra estudada. Adicionalmente, não foi
possível identificar qual médico era o requerente do EPO anormal.
CONCLUSÃO
Foi encontrada anormalidade em 6,1% do total de exames solicitados e 51% dos pacientes
apresentaram pelo menos um EPO anormal. A frequência de EPO anormais foi significativamente
maior em homens, em pessoas mais idosas e nas cirurgias em pacientes com maior média
de idade. Anormalidades nos exames cardíacos foram as mais frequentemente encontradas.
A realização de EPO mudou a conduta pré-operatória para 3,4% dos pacientes, causando
principalmente adiamento da cirurgia plástica. Deve-se atentar para as comorbidades
dos pacientes, pois 70% dos diabéticos estudados estavam com a glicemia acima do recomendável.
No âmbito da cirurgia plástica, é possível que exista receio sobre a questão jurídica
e que tal fato possa aumentar o número de solicitação de exames como forma de proteção
médica. No entanto, salienta-se que exames sem uma indicação própria são desencorajados
pela literatura e por sociedades. Por outro lado, deve-se priorizar a segurança do
paciente, dado que é uma cirurgia eletiva e pode ser adiada.
Para estudos futuros, sugere-se estudar com maior profundidade as indicações de cada
exame realizado e obter dados detalhados sobre a consulta pré-operatória, dado que
o tema ainda é escasso na literatura. Adicionalmente, realizar estudos correlacionando
os exames com os períodos pré e pós-operatório na área da cirurgia plástica estética.
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1. Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
2. Hospital Lipoplastic, Curitiba, PR, Brasil
Autor correspondente: Renato Nisihara Rua Padre Anchieta, 2770, Curitiba, PR, Brasil CEP: 80730-000 E-mail: renatonisihara@gmail.com
Artigo submetido: 15/12/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.