INTRODUÇÃO
As neoplasias cutâneas são frequentes na face e causam morbidade funcional e estética
aos pacientes, sendo o carcinoma basocelular (CBC) o tipo mais comum1. O câncer de pele melanoma e não melanoma acomete a região palpebral em 5 a 10% dos
casos2. A reconstrução da pálpebra inferior após exérese de neoplasia ou trauma é um desafio,
devido à pequena quantidade de tecido sobressalente.
A escolha do melhor retalho depende da localização, do tamanho e profundidade (se
há comprometimento tarsal, ou seja, da lamela posterior). Defeitos cirúrgicos superficiais
requerem somente a reconstrução da lamela anterior (pele e músculo), já defeitos de
espessura total necessitam que ambas as lamelas, anterior e posterior (tarso e conjuntiva),
sejam reconstruídas3,4. Objetiva-se, por meio deste artigo, descrever uma nova opção de técnica para reconstrução
de ferida operatória.
Para evitar a retração da área e prevenir a ocorrência de ectrópio, devido à tensão
vertical no local, os retalhos são preferências nos defeitos maiores que 33% da pálpebra
acometida. Os retalhos mais utilizados para reconstrução palpebral são: avanço com
ou sem cantotomia; transposição; Mustardé; McGregor; Fricke; Landolt-Hughes; Dutupuys-Dutemps-Hughes
(utiliza pele e mucosa da pálpebra superior); e Abbe3.
OBJETIVO
Este artigo traz uma nova proposta cirúrgica, para facilitar a reconstrução da pálpebra
inferior, quando ocorre acometimento da lamela anterior maior do que dois terços,
através do retalho de dupla transposição.
MÉTODO
Paciente feminina, 70 anos, com recidiva, após 9 anos da primeira cirurgia sem controle
de margens, de CBC na topografia da pálpebra inferior direita, deu entrada no Instituto
Azulay, no Rio de Janeiro, RJ . Ao exame clínico, observava surgimento há 6 meses
de lesão perolada, com exulcerações e 19x12mm de diâmetro (Figura 1). A dermatoscopia revelou presença de eritema, ulceração, folhas de bordo, alguns
ninhos ovoides e crisálides.
Figura 1 - Delimitação dermatoscópica do carcinoma basocelular em pálpebra inferior direita,
com tamanho de 19x12mm.
Figura 1 - Delimitação dermatoscópica do carcinoma basocelular em pálpebra inferior direita,
com tamanho de 19x12mm.
Em 19 de outubro de 2021, a paciente foi submetida a anestesia local com solução tumescente
modificada de Klein e excisão completa do tumor com congelação intraoperatória. Após
ampliação de margens cirúrgicas de um CBC infiltrativo, obteve-se um defeito maior
que 50% da lamela anterior (Figura 2).
Figura 2 - Após ampliação de margens cirúrgicas de um carcinoma basocelular infiltrativo, obteve-se
um defeito maior que 50% da lamela anterior.
Figura 2 - Após ampliação de margens cirúrgicas de um carcinoma basocelular infiltrativo, obteve-se
um defeito maior que 50% da lamela anterior.
Optou-se primeiramente pelo retalho de McGregor, com a finalidade de fechamento da
ferida, porém, devido à pouca mobilidade do tecido, não foi possível realizar o movimento
programado de avanço do retalho após interpolação dos triângulos da zetaplastia.
Sendo assim, o retalho de McGregor foi modificado. Após a incisão em formato de M
na região temporal – lateral ao defeito –, foram criados dois triângulos simétricos
com seu maior eixo do tamanho do maior raio da ferida (Figura 3). Realizou-se descolamento do tecido da região malar, temporal e transposição do
primeiro triângulo em direção à ferida para fechamento do defeito primário e, em seguida,
transposição do segundo triângulo para fechamento da área do primeiro triângulo. Por
fim, o espaço do segundo triângulo foi fechado primariamente. Sendo assim, o movimento
do primeiro triângulo foi uma combinação dos movimentos de transposição e rotação
para conseguir fazer o tecido deslocar até a ferida operatória.
Figura 3 - Modificação da Técnica do Retalho de McGregor. Realizados dois triângulos simétricos
com seu maior eixo do tamanho do maior raio da ferida. Transposto o primeiro triângulo
em direção à ferida para fechamento do defeito primário e, em seguida, transposição
do segundo triângulo para fechamento da área do primeiro triângulo.
Figura 3 - Modificação da Técnica do Retalho de McGregor. Realizados dois triângulos simétricos
com seu maior eixo do tamanho do maior raio da ferida. Transposto o primeiro triângulo
em direção à ferida para fechamento do defeito primário e, em seguida, transposição
do segundo triângulo para fechamento da área do primeiro triângulo.
Foram feitos pontos de Gilles, para fixação de cada ponta dos triângulos transpostos,
e pontos internos e externos com mononylon 5.0 (Figura 4).
Figura 4 - Pós-operatório imediato.
Figura 4 - Pós-operatório imediato.
RESULTADOS
A paciente não apresentou complicações importantes durante o período de pós-operatório.
São esperados edema da pálpebra, com dificuldade da abertura ocular e discreto hematoma
nos primeiros dias após a cirurgia, que costumam resolver-se em uma semana. Recebeu
antibioticoterapia profilática com cefadroxila. Os pontos foram retirados no 14º dia
de pós-operatório e, a partir do 21º, foi orientada massagem para drenagem do edema
residual e fotoproteção. As fotos foram tiradas no pós-operatório imediato, no 7º,
14º, 21º e 45º dia de pós-operatório (Figura 5).
Figura 5 - 45º dia pós-operatório, bom resultado estético e funcional.
Figura 5 - 45º dia pós-operatório, bom resultado estético e funcional.
O resultado foi satisfatório, com manutenção da estética e funcionalidade local, além
de propiciar uma cicatriz discreta e pouco perceptível.
DISCUSSÃO
A reconstrução palpebral é desafiadora, devido às características anatômicas e fisiológicas
dessa área. Baseia-se principalmente em dois fatores: espessura e extensão do defeito5. A pálpebra inferior e o canto medial são as regiões mais acometidas e esses tumores
cutâneos periorbitais podem ser de difícil manejo, sendo comumente tratados com excisão
cirúrgica6.
Apesar de haver muitas técnicas cirúrgicas disponíveis, não existe um método de escolha
preferencial. Entre as modalidades disponíveis, para fechamento da pálpebra inferior,
há os retalhos de transposição como Tripier, que consiste em um retalho de transposição
miocutâneo, o de Fricke, o de Kreibig e o retalho nasolabial com base superior. Entre
os retalhos de avanço, há o McGregor (que associa técnica de avanço com zetaplastia)
e o de Imre. Quanto aos de rotação, o de Mustardè é uma opção muito utilizada para
reparar defeitos extensos da lamela anterior da pálpebra inferior ou em combinação
com enxerto de cartilagem e mucosa para fechamento da lamela posterior7.
O retalho de transposição com zetaplastia é uma possibilidade de fechamento para vários
defeitos cirúrgicos localizados na face, pois permite um completo redirecionamento
do vetor de tensão através de ilhas de pele sã. Por essas características, é indicado
para fechamento de defeitos próximos às margens livres como asa nasal, lábios, hélice
e pálpebras8.
Em 1973, McGregor publicou a zetaplastia periorbital lateral associada ao movimento
de avanço, sendo uma excelente alternativa dentro do arsenal terapêutico reconstrutivo6,9. Neste caso, a zetaplastia é realizada na extremidade lateral da incisão, sendo a
largura do defeito correspondente ao ramo central do Z. O ramo descendente lateral
e o ramo ascendente do Z têm o mesmo comprimento do ramo central e formam um ângulo
de 60 graus com o mesmo. A cantotomia lateral é realizada para permitir o avanço do
retalho e cobertura do defeito da pálpebra. Após interpolação dos retalhos, eventuais
excessos de pele são aparados6,9. Diferentemente disso, ao invés de realizar o movimento de avanço após a interpolação
dos triângulos da zetaplastia, nesta paciente, realizamos uma incisão em M e houve
combinação do movimento de transposição e rotação do primeiro triângulo (Figura 6), com posterior transposição do segundo triângulo. Nos demais trabalhos encontrados
na literatura, a construção de retalho de transposição duplo, triplo ou até mesmo
quádruplo é feita em ângulos opostos e equidistante ao maior diâmetro do defeito cirúrgico,
porém nesse caso haveria risco de ectrópio, sendo realizada técnica diferente das
já publicadas.
Figura 6 - Desenho compara a técnica já descrita de McGregor (A) e o retalho modificado (B) com
transposição e rotação do primeiro lóbulo (ilustrado por estrela, círculo) para fechamento
do defeito primário e transposição do segundo lóbulo (3) para fechamento do defeito
secundário.
Figura 6 - Desenho compara a técnica já descrita de McGregor (A) e o retalho modificado (B) com
transposição e rotação do primeiro lóbulo (ilustrado por estrela, círculo) para fechamento
do defeito primário e transposição do segundo lóbulo (3) para fechamento do defeito
secundário.
Dessa maneira, esse relato demonstra uma técnica de um duplo retalho de transposição,
na qual seu desenho foi inspirado no retalho de McGregor, diferenciando-se das demais
técnicas descritas.
REFERÊNCIAS
1. Rodrigues EW, Moreira MR, Menegazzo PB. Análise do Tratamento do Carcinoma Basocelular.
Rev Bras Cir Plást. 2014;29(4):504-10.
2. Kanski JJ, Bowling BB. Pálpebras. In: Kanski JJ, Bowling BB. Oftalmologia Clínica:
uma abordagem sistemática. 8ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. p. 15-20.
3. Benez MDV, Sforza D, Mann D, Silva SCM. Reconstrução de pálpebra inferior com retalho
cutâneo e enxerto de mucosa oral. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(2):17882.
4. Lima DA . Reconstrução total de pálpebra inferior com associação dos retalhos de Hughes
e Destro. Rev Bras Cir Plást. 2018;33(3):364-73.
5. Vieira R, Pinho A, Brinca A. Reparo da pálpebra inferior por fechamento direto com
cantopexia lateral e elevação da fáscia suborbicular dos olhos: uma técnica simples
para evitar o ectrópio pós-operatório. Surg Cosmet Dermatol. 2018;10(4):346-8.
6. Almeida ACM, Alves JCRR, Pereira NA, Jamil LC, Portugal EH, Fonseca RPL, et al. Retalho
de McGregor: uma alternativa para reconstrução de pálpebra inferior e região periorbital.
Rev Bras Cir Plást. 2018;33(2):229-35.
7. Vieira R, Goulão J. Algoritmo para reparo das pálpebras. Surg Cosmet Dermatol. 2019;11(2):91-6.
8. Stolf HO, Abbade LPF. Principais tipos e indicações de Retalhos. In: Gadelha AR, Costa
IMC, eds. Cirurgia dermatológica em consultório. São Paulo: Atheneu; 2017.
9. McGregor IA. Eyelid reconstruction following subtotal resection of upper or lower
lid. Br J Plast Surg. 1973;26(4):346-54.
1. Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay, Cirurgia Dermatológica, Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Autor correspondente: Lissiê Lunardi Sbroglio Bastian Departamento de Cirurgia Dermatológica, Instituto de Dermatologia Professor Ruben
David. Azulay. Rua Santa Luzia, 206, Centro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20020-022
E-mail: lissiesbroglio@gmail.com
Artigo submetido: 13/12/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.