INTRODUÇÃO
O câncer de pele não melanoma é a neoplasia mais frequente no Brasil, com estimativa
de novos casos para o triênio 2020-2022 de 83.770 em homens e 93.160 em mulheres,
sendo o risco estimado na Região Norte de 21,28/100 mil habitantes homens e 39,24/100
mil habitantes mulheres1. Os dois subtipos mais frequentes são o Carcinoma Basocelular (CBC) e o Carcinoma
Espinocelular (CEC).
O tratamento por excisão cirúrgica é altamente eficaz para as neoplasias de pele não
melanoma, sendo a taxa de recorrência variável na literatura - entre 5 e 14% após
excisão de CBC2 e entre 3 e 23% para CEC primário3. A excisão completa do tumor, macroscopicamente e microscopicamente, é importante
fator prognóstico, uma vez que o comprometimento de margens está associado a uma maior
chance de recorrência4.
No tratamento cirúrgico do CBC, a taxa de resultados do anatomopatológico que mostra
margens comprometidas varia entre 5,5 e 12,5%2. Entretanto, observa-se na literatura uma discrepância na taxa de recorrência tumoral
em margens positivas, que varia de 10 a 67%2; logo, a necessidade de uma nova intervenção cirúrgica pode não ser mandatória, podendo-se
optar pelo seguimento clínico.
O CEC apresenta um padrão de maior agressividade quando comparado ao CBC. Cerca de
5% dos casos evoluem para quadros localmente avançados ou metastáticos, com crescimento
incontrolável e desfiguração substancial5. No tratamento cirúrgico excisional, o índice de cura fica em torno dos 92%, e cai
para 77% no caso de tumores recorrentes6.
OBJETIVO
Avaliar a incidência de CBC e CEC no Hospital de Amor Amazônia, em Porto Velho/RO,
bem como quantificar os casos, a presença de margens positivas em lesões excisadas,
índices de reabordagens cirúrgicas nesses casos e seus resultados.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo analítico retrospectivo realizado a partir de revisão
dos laudos histopatológicos de pacientes operados por carcinoma basocelular e/ou carcinoma
espinocelular no Hospital de Amor Amazônia de Porto Velho entre janeiro de 2016 e
dezembro de 2019. As variáveis analisadas foram sexo, idade, topografia da lesão,
data da excisão, tipo histológico, maior diâmetro, profundidade de invasão, presença
de ulceração, quantidade de lesões excisionadas e situação das margens de excisão.
Foram excluídas as biópsias incisionais e os casos de neoplasia de pele não CBC e
não CEC, totalizando-se 1127 lesões em 487 pacientes.
Para fins de análise estatística, os tipos histológicos foram divididos em CBC e CEC
e avaliados separadamente.
A análise estatística foi realizada com auxílio do software STATA9.2 e utilizado o teste de Qui- quadrado de Pearson para estudar a associação
do comprometimento de margens cirúrgicas ao exame anatomopatológico e a presença de
lesões positivas na reabordagem cirúrgica. O nível de significância adotado foi de
5% (p<0,05).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, com o número
67100417.3.0000.543, do Hospital de Câncer de Barretos.
RESULTADOS
Durante o estudo, foram analisados 487 pacientes, totalizando 1127 lesões de CBC e/ou
CEC. Dentre esses pacientes, 236 (48%) eram mulheres e 251 (52%) eram homens. A idade
dos estudados variou entre 29 e 102 anos, sendo a média de 66 anos. Dentre os 487
indivíduos, 321 (66%) apresentavam apenas CBC, 92 (19%) apenas CEC, 74 (15%) possuíam
CBC e CEC. Com relação às lesões, dentre as 1127 totais, 738 (65%) eram CBC e 389
(35%) eram CEC.
Em relação às margens nas 389 lesões de CEC, as margens profundas se apresentaram
comprometidas em 32 (8%), exíguas em 13 (3%), livres em 327 (84%) e não informadas
em 17 (4%). Nas margens laterais, 34 (9%) estavam comprometidas, 7 (2%) exíguas, 331
(85%) livres e 17 (4%) não informadas. Todos os casos de margens comprometidas ou
exíguas de CEC foram tratados novamente via exérese.
Os tipos histológicos e a gradação histopatológica encontrados no trabalho podem ser
vistos nos Quadros 1 e 2.
Quadro 1 - Padrões de CEC encontrados ao exame histopatológico.
Padrões histológicos do CEC |
Total de lesões |
Acantolítico |
4 |
Basaloide |
1 |
Ceratoacantoma |
18 |
Convencional |
4 |
Crateriforme |
1 |
In situ |
57 |
Infiltrativo |
59 |
Superficialmente invasivo |
19 |
Verrucoso |
3 |
Nodular |
1 |
Quadro 1 - Padrões de CEC encontrados ao exame histopatológico.
Quadro 2 - Gradação histopatológica do CEC.
Gradação histopatológica do CEC |
Total de lesões |
Bem diferenciado |
115 |
Moderadamente diferenciado |
184 |
Pouco diferenciado |
18 |
Não informado |
72 |
Quadro 2 - Gradação histopatológica do CEC.
Quanto ao CBC, das 738 lesões, as margens profundas estiveram comprometidas em 77
(10%), exíguas em 19 (3%), livres em 631 (86%) e não informadas em 11 (1%). Nas margens
laterais, 115 (16%) estavam comprometidas, 34 (5%) exíguas, 578 (78%) livres e 11
(1%) não informadas.
Considerando-se as margens exíguas e/ou comprometidas do CBC, sem diferenciá-las em
profundas ou laterais, obteve-se um total de 177 lesões. Dessas, 17 (9%) foram reabordadas,
observando-se 11 (64%) comprometidas e 6 (35%) livres de neoplasia. O intervalo de
tempo entre a primeira excisão e a reabordagem das margens foi variável, sendo 9 (52%)
de abordagem imediata, 2 (12%) com intervalo inferior a 30 dias de pós-operatório,
1 (6%) em um intervalo de 30 a 60 dias, e 5 (29%) com intervalo superior a 60 dias.
Os tipos histológicos encontrados estão ilustrados no Quadro 3.
Quadro 3 - Subtipos histopatológicos de CBC encontrados na amostra.
Subtipos Histológicos do CBC |
Total de lesões |
Infiltrativo |
1 |
Esclerodermiforme |
24 |
Superficial |
22 |
Nodular |
187 |
Micronodular |
30 |
Adenoide |
8 |
Mistos |
383 |
Áreas de diferenciação escamosa |
2 |
Basoescamoso |
3 |
Multicêntrico |
1 |
Sólido |
13 |
Não informado |
64 |
Quadro 3 - Subtipos histopatológicos de CBC encontrados na amostra.
Nos casos identificados de CBC com margens comprometidas optou-se preferencialmente
pelo acompanhamento clínico longitudinal. Em uma minoria realizou-se a reabordagem
cirúrgica das margens positivas (9%).
DISCUSSÃO
Em nosso estudo, observou-se o predomínio de casos no sexo masculino (52%), diferentemente
da estimativa casuística do INCA1, que estipulava aproximadamente 53% dos casos em mulheres no triênio 2020-2022. Com
relação à idade, a média foi de 66 anos, o que vai ao encontro das informações disponibilizadas
pelo INCA1, as quais mostram maior incidência a partir dos 40 anos de idade. Houve predomínio,
no CBC, de casos com apresentação mista (51%), ou seja, apresentando mais de um de
subtipo histológico. No entanto, separadamente, dentre os subtipos histológicos, o
mais frequente foi o subtipo histológico nodular (25%), assim como o encontrado no
estudo de Rossato et al.7. Quanto ao CEC, 47% tiveram padrão de moderada diferenciação.
Não há um consenso na literatura quanto à melhor terapêutica a ser adotada em casos
de margens comprometidas no CBC. No entanto, sabe-se que o CBC apresenta uma íntima
relação com o estroma peritumoral, sendo o desenvolvimento deste na constituição e
interação com os carcinomas basocelulares visto por Pinkus em 1962 e em 19678.
O tumor recidivado apresenta pior prognóstico que o primário, porque a relação do
tumor com seu estroma pode ser alterada em decorrência do tratamento primariamente
instituído, facilitando sua disseminação9. Além disso, pode apresentar exulcerações, displasia celular mais evidente, afrouxamento
dos cordões de células tumorais, fibrose do estroma e diminuição de reação inflamatória
peritumoral, aumentando a difusão de células neoplásicas10. Dessa forma, pode-se querer optar por uma abordagem mais invasiva.
Todavia, de acordo com Rodrigues et al.11, nas ampliações realizadas, somente um terço dos pacientes apresentará doença residual.
Em nosso estudo obtivemos um total de 64% dos casos reabordados com doença residual
na ampliação de margem, entretanto, acreditamos haver um viés pelo baixo número amostral
(17 pacientes reabordados) ou pela técnica cirúrgica usada na primeira excisão. Quando
comparamos o número de margens comprometidas, temos 177 casos, com reabordagem de
aproximadamente 9% dos casos, e se compararmos com o número total de lesões com margens
comprometidas temos apenas 6,3% de lesões com presença de tumor nas lesões excisadas,
o que se encontra abaixo dos indicadores existentes na literatura.
Num estudo sobre margens cirúrgicas de câncer de pele em nonagenários na Inglaterra,
realizado por Rollett et al.12, encontraram-se taxas de excisão incompletas em CBC de 24%, e com índices de reoperação
necessárias em apenas 21,7% dos casos. De acordo com a Associação Britânica de Dermatologia,
a conduta expectante é apropriada para CBCs com margens comprometidas quando somente
uma margem lateral é comprometida, de tipo histológico não agressivo, não recidivado
e envolvendo locais anatômicos de baixo risco11. Optamos pelo acompanhamento clínico dos CBCs com comprometimento de margem em 90%
dos casos, obtendo-se um bom prognóstico. Nas lesões em que se optou por ampliar as
margens, 35% se apresentaram livres da neoplasia, ou seja, não seria necessária a
reintervenção cirúrgica, o que nos remete a uma minoria dos casos.
Outro estudo realizado que preconiza margens maiores a depender do local e tamanho
da lesão, apresentou resultados de 5% de casos com margens comprometidas em 1669 excisões
realizadas, entretanto, não especifica quantos desses foram reabordados cirurgicamente.
O que podemos absorver desse estudo é que, mesmo com margens mais amplas, a presença
de margens comprometidas ainda existe e a retirada ou não segue o protocolo de cada
serviço13.
CONCLUSÃO
Diante dos dados apresentados e debatidos, observamos uma concordância epidemiológica
entre nosso estudo e os números apresentados pelo INCA1, no entanto, há um contraste na incidência do câncer de pele não melanoma, maior
entre os homens em nossa amostragem. Isso nos faz levantar hipóteses sobre possíveis
fatores predisponentes a essa condição, principalmente relacionados à exposição solar
e ao estilo de vida da população do estado de Rondônia.
Já em relação à terapêutica frente ao CBC, nossos resultados corroboram para uma abordagem
menos invasiva, mostrando bons resultados para o acompanhamento clínico das lesões.
Mesmo em lesões ampliadas cirurgicamente, o benefício da intervenção não é claro,
sendo realizado, por vezes, sem necessidade, como ocorreu em nosso âmbito de pesquisa,
com 94% de reabordagens dispensáveis.
Faz-se necessário frisar que o acompanhamento dos pacientes é fundamental para identificar
a recidiva de lesões, sendo esse o fator preponderante no diagnóstico precoce.
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13. Marchetti Cautela J, Mannocci A, Reggiani C, Persechino F, Ferrari F, Rossi E, et
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of non-melanoma skin cancer. PLoS One. 2018;13(9):e0204330.
1. Universidade Federal de Rondônia, Medicina, Porto Velho, Rondônia, Brasil
Autor correspondente: Rodolfo Luís Korte Departamento de Medicina da Universidade Federal de Rondônia. Rodovia BR 364, Km
9,5, Campus Universitário José Ribeiro Filho, Bloco 3A, 2º Andar, Sala 301, Porto
Velho, RO, Brasil. CEP: 76859-001 E-mail: rlkorte@uol.com.br
Artigo submetido: 21/11/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.