INTRODUÇÃO
A obesidade e o sobrepeso vêm aumentando no Brasil e no mundo. Essas comorbidades
são consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia mundial ocasionada,
principalmente, pela alimentação inadequada e o sedentarismo1. No Brasil, em 2018, cerca de 55,7% da população adulta estava com excesso de peso
e 19,8% era obesa2. Neste contexto, a procura por cirurgias bariátricas tem aumentado e isso foi ainda
mais expressivo no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Entre os anos de 2001 e 2014, foram realizadas 49.425 cirurgias bariátricas pelo SUS.
A cirurgia bariátrica é considerada a forma mais efetiva de tratamento em longo prazo
para controle da obesidade, resultando em uma importante perda de peso. Cerca de um
ano após a realização da cirurgia bariátrica, os pacientes podem perder cerca 45%
do seu peso inicial, o que leva à remanescência de um excesso de pele considerável,
que resulta em uma flacidez acentuada3.
O abdome é um dos locais mais afetados pela perda de peso pós-bariátrica e pode causar
incômodos aos pacientes, como dificuldades de higiene pessoal, de interação social
ou até prejuízos na vida íntima, diminuição da autoestima e distorções no contorno
corporal. Estes impactos podem ser corrigidos ou minimizados por meio de cirurgias
plásticas que, além da vantagem estética, melhoram significativamente a qualidade
de vida dos pacientes4.
Nos últimos anos, a procura pela cirurgia plástica pós-bariátrica cresceu, com destaque
para a dermolipectomia abdominal – também conhecida como abdominoplastia. Estudo aponta
uma frequência de 76,97% abdominoplastias e 42,46% de mamoplastias em um hospital
público do Distrito Federal5. E o tempo médio entre a cirurgia bariátrica e a cirurgia plástica foi de 42 meses.
Tais cirurgias visam à minimização das consequências secundárias à cirurgia bariátrica
e demonstram um impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes. Tendo em vista
a alta prevalência da obesidade e a procura de cirurgia plástica pós-bariatrica, denota-se
a importância dessa temática para a área médica e seu impacto no SUS.
OBJETIVO
Portanto, o objetivo do presente estudo é descrever a frequência das cirurgias plásticas
pós-bariátricas realizadas pelo SUS no período de 1 de janeiro de 2015 a 21 de outubro
de 2020.
MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal, observacional e descritivo, como
indivíduos que se submeteram a cirurgias pós-bariátricas pelo SUS, no período que
compreende 1 de janeiro de 2015 a 21 de outubro de 2020, realizado na cidade de Lauro
de Freitas, Bahia, seguindo os princípios de Helsinque. Os dados foram obtidos pelo
Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Departamento de Informática do Sistema
Único de Saúde (DATASUS).
A coleta foi realizada no dia 22/10/2020 através do TABWIN, programa para análise
local de base de dados do Sinan Net, que permite a importação de tabulações efetuadas
na Internet (geradas pelo aplicativo TABNET, desenvolvido pelo DATASUS e usado na
página Informações de Saúde deste site), utilizando os procedimentos dermolipectomia
abdominal, braquial e crural pós-cirurgia bariátrica e mamoplastia pós-cirurgia bariátrica,
do período de 2015 a 2020, analisado as notificações compulsórias através das variáveis
de raça, sexo, tentativa de suicídio, idade detalhada, ocupação, medicamentos e município.
As análises de dados serão apresentadas por tabelas e gráficos organizados com o uso
do software Microsoft Excel 2019. Neste estudo foram analisados dados dos 27 estados do território
nacional e utilizou-se as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, procedimento realizado,
grau de instrução. A análise de correlação de Pearson foi realizada por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS inc., Chicago, IL, EUA) versão
14 para Windows. Para as inferências estatísticas, foi adotado um p<0,05.
RESULTADOS
Dentro do período analisado, foram realizados no total 6307 procedimentos pelo SUS.
A Figura 1 demonstra um aumento de procedimentos até 2019; em 2015 apresentavase um total de
1088 cirurgias e em 2019 houve um acréscimo 25,09%, totalizando 1361 procedimentos.
Houve correlação linear positiva (r 0,894), significativa (p=0,041), quando comparamos os anos de 2015 a 2019 (Figura 1).
Figura 1 - Correlação entre as variáveis número de procedimentos e ano, em pacientes submetidos
a dermolipectomia e mamoplastia após cirurgia bariátrica entre os anos de 2015 e 2019.
Figura 1 - Correlação entre as variáveis número de procedimentos e ano, em pacientes submetidos
a dermolipectomia e mamoplastia após cirurgia bariátrica entre os anos de 2015 e 2019.
Na Tabela 1 a raça branca apresentou maior prevalência em todos os anos analisados, seguida pelas
raças parda e preta, respectivamente. Todavia, existe um número elevado de pessoas
que não souberam informar sobre a sua raça, nesse período em estudo. A dermolipectomia
abdominal é o procedimento mais frequente (53,7%), em seguida, a mamoplastia (22,3%).
Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos a dermolipectomia e mamoplastia após cirurgia
bariátrica entre os anos de 2015 e 2020.
Variáveis |
Número absoluto (%) |
Cor/raça |
Branca |
3842 (60,9%) |
Parda |
1637 (21,6%) |
Preta |
206 (3,2%) |
Amarela |
54 (0,8%) |
Indígena |
1 (0,01%) |
Sem informação |
567 (8,9%) |
Total |
6307 (100%) |
Procedimentos realizados |
Dermolipectomia abdominal |
3391 (53,7%) |
Dermolipectomia braquial |
735 (11,6%) |
Dermolipectomia crural |
771 (12,2%) |
Mamoplastia |
1410 (22,3%) |
Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos a dermolipectomia e mamoplastia após cirurgia
bariátrica entre os anos de 2015 e 2020.
A Tabela 2 apresenta a frequência de cirurgias plásticas de acordo com a região entre as faixas
etárias estudadas. A Região Sudeste do país apresentou maiores números de cirurgias
pós-bariátricas, na população adulta entre 40 e 59 anos, assim como uma maior frequência
na população geral nas cirurgias (Figura 2).
Tabela 2 - Número absoluto e porcentagem de procedimentos de acordo a região do Brasil segundo
a faixa etária, entre os anos de 2015 e 2019.
Região |
10-14 anos |
20 -39 anos |
40 - 59 anos |
Acima de 60 |
Região Norte |
1 (20%) |
35 (1,5%) |
33 (0,9%) |
2 (0,4%) |
Região Nordeste |
1 (20%) |
334 (15,1%) |
381 (10,6%) |
46 (9,0%) |
Região Sudeste |
3 (60%) |
1088 (49,2%) |
1851 (51,7%) |
300 (58,7%) |
Região Sul |
0 (0%) |
626 (28,3%) |
1087 (30,3%) |
146 (28,5%) |
Região Centro-Oeste |
0 (0%) |
128 (5,7%) |
227 (6,3%) |
17 (3,3%) |
Total |
5 (100%) |
2211 (100%) |
3579 (100%) |
511 (100%) |
Tabela 2 - Número absoluto e porcentagem de procedimentos de acordo a região do Brasil segundo
a faixa etária, entre os anos de 2015 e 2019.
Figura 2 - Número absoluto de procedimentos de acordo com a região do Brasil entre os anos de
2015 e 2019.
Figura 2 - Número absoluto de procedimentos de acordo com a região do Brasil entre os anos de
2015 e 2019.
Em 2020 foram analisados dados disponíveis pelo TabWin até o dia 22 de outubro. Até
o momento da redação desse artigo, não houve atualização desses dados no sistema,
sendo um total parcial de 355 procedimentos realizados.
A Figura 3 apresenta a frequência de dermolipectomia abdominal por sexo segundo ano de processamento;
5941 eram mulheres e 366 eram homens. Em todos os anos analisados no presente estudo,
ocorre mais execução do procedimento no sexo feminino.
Figura 3 - Frequência por sexo segundo ao ano de processamento em pacientes submetidos a dermolipectomia
e mamoplastia após cirurgia bariátrica entre os anos de 2015 e 2020.
Figura 3 - Frequência por sexo segundo ao ano de processamento em pacientes submetidos a dermolipectomia
e mamoplastia após cirurgia bariátrica entre os anos de 2015 e 2020.
DISCUSSÃO
O presente estudo evidenciou um aumento na frequência de cirurgias plásticas após
cirurgias bariátricas realizadas pelo Sistema Único de Saúde. Quando avaliadas as
cinco regiões do Brasil, é notável uma grande diferença numérica de cirurgias realizadas
entre o Sul e Sudeste comparadas às demais regiões. Isso se deve tanto a fatores de
tamanho populacional como também por essas regiões serem grandes centros de referência
tecnológico, de especialistas das diversas áreas da saúde e hospitalares. Os estados
que representam a Região Sudeste e a Região Sul possuem uma maior concentração de
médicos especialistas em cirurgias plásticas cadastrados na Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica (SBCP). Era um total de 60,4% dos cirurgiões cadastrados na Região
Sudeste e 16,8% pela Região Sul no ano de 20146.
Analisando esses dados, percebemos que a raça branca apresenta maior preocupação estética
e funcional com relação às outras raças após cirurgia bariátrica. Está hipótese surge
a partir da maior frequência de indivíduos da raça branca realizando procedimentos
cirúrgicos após a cirurgia bariátrica, corroborando com outros estudos3,7. Com a intervenção cirúrgica, estes indivíduos podem adquirir um maior nível de satisfação
e melhora da qualidade de vida, uma vez que a retirada do excedente cutâneo e de pele
flácida reduz as repercussões psicossociais que afetavam o estilo de vida desses pacientes5. O presente estudo evidencia que, a cada dez cirurgias plásticas, sete são realizadas
em pacientes da cor ou raça branca (70%). Somente 20% em pessoas pardas, 7% em pretas
e 3% em amarelas. Menções a indígenas não atingiram 1%.
De acordo com análise realizada da frequência por faixa etária de dermolipectomia,
observa-se que há maior frequência do procedimento na população adulta (40-59 anos),
seguida por adultos jovens, com faixa etária entre 20 e 39 anos, corroborando com
estudo anterior5. Com relação às cirurgias bariátricas, em média, os pacientes têm 41,4 anos, índice
de massa corporal 48,6kg/m, 21% são homens, 61% hipertensos, 22% diabéticos e 31%
têm apneia do sono3. É um dado de importante correlação com nosso estudo.
Contudo, quando analisamos a frequência da cirurgia plástica pela variável sexo, pode-se
perceber uma maior prevalência do sexo feminino, corroborando com a literatura4,7,8. Esse fato, provavelmente, pode ser teorizado devido ao preconceito dos homens para
a aceitação de cirurgia plástica, além de a flacidez abdominal ser mais acentuada
em algumas mulheres, fazendo-as buscarem essa intervenção, além do padrão de beleza
imposto pela sociedade ser mais direcionado para mulheres9.
Em pacientes pós-cirurgia bariátrica, a consequência da grande perda ponderal é a
flacidez de pele, que pode estar presente em diversas regiões do corpo, sendo frequente
no abdome e nas mamas10,11. O estudo de Fernandez et al.9 demonstrou uma média elevada da circunferência abdominal e da medida da cintura em
pacientes obesos (valor de circunferência da cintura acima de 80 centímetros), o que
pode gerar um grande acúmulo de pele após a cirurgia bariátrica9. O acúmulo de pele e flacidez nestas regiões pode justificar a maior frequência da
dermolipectomia abdominal e da mamoplastia observada no presente estudo.
Desta forma, demonstra-se a importância do presente estudo para descrição do cenário
da cirurgia plástica pós-bariátrica no Sistema Único de Saúde. Por tratar-se de um
estudo descritivo ecológico, possui limitações quanto à obtenção dos dados e as subnotificações
existentes nas fontes de registros de dados. Portanto, incentiva-se a realização de
estudos transversais multicêntricos para obtenção de maiores informações sobre o perfil
populacional que busca este procedimento, assim como, determinar os impactos para
a saúde pública.
CONCLUSÃO
As cirurgias plásticas pós-bariátricas são mais frequentes entre mulheres, brancas,
entre a faixa etária de 35 a 44 anos. Como centro da tecnologia e urbanismo no Brasil,
o Sudeste consequentemente apresentou os maiores números de cirurgias pós-bariátricas,
provavelmente pelo ritmo de vida, a tecnologia, recursos humanos disponíveis e facilidade
de acesso ao serviço de saúde nessa região.
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1. União Metropolitana para o Desenvolvimento da Educação e Cultura, Lauro de Freitas,
BA, Brasil
Autor correspondente: Amanda Queiroz Lemos União Metropolitana para o Desenvolvimento da Educação e Cultura (UNIME). Av. Luis
Tarquínio Pontes, 600, Lauro de Freitas, BA, Brasil. CEP: 42700-000 E-mail: aq.lemos@hotmail.com
Artigo submetido: 28/10/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.