INTRODUÇÃO
A busca de um substituto anatômico para a mama, para fins de correção de problemas
estéticos, hipoplasias ou hipotrofias, tem longa história de insucessos até a chegada
do silicone. Desde o início de seu uso, na década de 1960, muitas complicações surgiram
e sempre foram o pesadelo de qualquer cirurgião, como contratura capsular, rotura
e calcificação da cápsula, além do extravasamento de silicone para as estruturas circunjacentes,
gerando manifestações locais1.
Várias alterações foram tentadas na cápsula e no silicone, no sentido de buscar evitar
tais complicações, como espessura e textura da cápsula, a cobertura de poliuretano,
na década de 19702, e o gel coeso, na década de 19903. Desde então, houve ampliação da aplicabilidade dos implantes de silicone em cirurgias
de aumento e redução da mama, bem como correção de ptose4,5,6, fato corroborado pelo aumento exponencial do número de trabalhos acerca do assunto7.
Não encontramos na literatura atual um relato da passagem de materiais do organismo
para o interior de implantes.
OBJETIVO
O presente estudo busca, por meio de identificação por espectrofotometria de infravermelho
(FTIR), aliada a observação e análise clínica criteriosa, realizadas ao longo de mais
de 20 anos, de 1500 pares de implantes mamários removidos cirurgicamente, relatar
a passagem de substâncias orgânicas para o interior de implantes mamários sem que
os mesmos apresentem danos, fissuras ou violação qualquer de sua cápsula.
MÉTODO
O presente trabalho analisou clinicamente uma amostra de 1500 pares de implantes mamários,
removidos cirurgicamente no período de 1998 a 2018, apresentando alterações em volume,
forma e coloração entre unidades de um mesmo par (Figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10). Dentre esses, seis pares foram enviados para análise por identificação química
qualitativa comparativa por espectrofotometria de infravermelho (FTIR), antes e depois
do preparo da amostra por extração com solvente acetona.
Figura 1 - Primeiro implante encontrado, há mais de 20 anos, com substância em seu interior.
Figura 1 - Primeiro implante encontrado, há mais de 20 anos, com substância em seu interior.
Figura 2 - Paciente com aumento de volume do seio esquerdo após 3 anos de implantação.
Figura 2 - Paciente com aumento de volume do seio esquerdo após 3 anos de implantação.
Figura 3 - Par de implantes submusculares texturizados, explantados com 3 anos de uso. Observa-se
à esquerda apresentando coloração amarelada e aumento de 30ml. Sempre que o implante
apresentar alteração em sua coloração original, existe gordura em seu interior.
Figura 3 - Par de implantes submusculares texturizados, explantados com 3 anos de uso. Observa-se
à esquerda apresentando coloração amarelada e aumento de 30ml. Sempre que o implante
apresentar alteração em sua coloração original, existe gordura em seu interior.
Figura 4 - A: Prótese original 255cc poliuretano e 300cc com aumento de volume por substâncias
no seu interior. B: Mesmas próteses invertidas. C: Transoperatório da explantação.
Figura 4 - A: Prótese original 255cc poliuretano e 300cc com aumento de volume por substâncias
no seu interior. B: Mesmas próteses invertidas. C: Transoperatório da explantação.
Figura 5 - Paciente com aumento de volume em mama esquerda, após 8 anos de implantação. Duas
gestações no período.
Figura 5 - Paciente com aumento de volume em mama esquerda, após 8 anos de implantação. Duas
gestações no período.
Figura 6 - Implante Silimed® 215cc poliuretano. Por transiluminação, observase a substância no
interior da prótese.
Figura 6 - Implante Silimed® 215cc poliuretano. Por transiluminação, observase a substância no
interior da prótese.
Figura 7 - Implante Silimed® 215cc poliuretano. Aumento para 300cc após 8 anos de uso.
Figura 7 - Implante Silimed® 215cc poliuretano. Aumento para 300cc após 8 anos de uso.
Figura 8 - Implante Menthor 225cc, 5 anos de uso, em transiluminação.
Figura 8 - Implante Menthor 225cc, 5 anos de uso, em transiluminação.
Figura 9 - Implante Pherthese 280cc apresentando heterogenicidade em seu interior.
Figura 9 - Implante Pherthese 280cc apresentando heterogenicidade em seu interior.
Figura 10 - Implante Silimed® 355cc, retirado após 4 anos de uso.
Figura 10 - Implante Silimed® 355cc, retirado após 4 anos de uso.
Foram analisados três materiais, sendo eles um implante após anos de uso, explantado
cirurgicamente, apresentando alterações macroscópicas em seu interior, sem que houvesse
violação da cápsula. Uma segunda amostra foi realizada em implante semelhante, porém
sem uso. O terceiro material foi uma amostra de tecido gorduroso mamário removido
da própria paciente durante o ato cirúrgico. A análise comparativa foi realizada entre
todos os materiais e a referência, além de todas as amostras terem sido comparadas
entre si. Houve ainda a avaliação de outros materiais encontrados no interior, que
se apresentavam diferentes do silicone.
RESULTADOS
Foram encontrados materiais compatíveis com gordura (fatty acid esther), proteína animal (hidrolized animal protein) e hemoglobina (protein of hemoglobin) no interior do implante, alterado após anos de uso, sem que houvesse fissuras ou
vazamentos na cápsula externa. A amostra de gordura de mama foi compatível com o material
encontrado no interior do implante alterado, bem como com a referência do laboratório.
Enquanto isso, no implante sem uso, o único material encontrado foi o polydimethylsilone, evidenciado no interior de ambas as amostras, independentemente do uso, como esperado.
DISCUSSÃO
Apesar da evolução dos implantes mamários, com mudanças no gel do seu conteúdo e no
elastômero (envoltório), as complicações como contratura capsular, ruptura e microextravasamento
ainda persistem7. A literatura apresenta muitos estudos de migração do silicone para tecidos mamários
contíguos e para tecido linfático adjacente, mas não encontra-se publicação alguma
sobre migração de tecido orgânico do corpo da paciente para o interior da prótese
mamária de silicone2,3.
Na prática clínica diária (clínica privada) com dedicação a um grande número de cirurgias
mamárias realizaram-se aproximadamente 1500 casos de troca de pares de implantes mamários
de silicone, a grande maioria por contratura capsular, ruptura da prótese de silicone
e insatisfação estética das pacientes.
Nesta casuística de 20 anos (1998 a 2018) chamaram atenção algumas amostras que se
encontravam com dimensão e peso acima do normal (observação a olho nu) e também com
alteração da coloração do seu conteúdo, predominando tons amarelados, porém sem sinais
de danos, fissuras ou violação qualquer do envoltório do implante.
Desta maneira, sem muitos recursos naquele momento, realizou-se a observação através
de transiluminação, o que não trazia análise técnica e nem veracidade, porém aguçava
ainda mais a curiosidade. Prosseguiu-se com estudo dos seis pares que foram enviados
para análise por identificação química qualitativa comparativa por espectrofotometria
de infravermelho (FTIR).
Foram encontrados materiais compatíveis com gordura (fatty acid esther), proteína animal (hidrolized animal protein) e hemoglobina (protein of hemoglobin) no interior dos implantes. A fim de corroborar que o tecido gorduroso encontrado
no interior do implante poderia ser mesmo humano e da mesma paciente, foi ressecada
uma pequena amostra de gordura de mama, que serviu como parâmetro e foi compatível
com o material encontrado no interior do implante alterado, bem como com a referência
do laboratório.
Isso demonstra a migração de componentes orgânicos para dentro da prótese de silicone,
podendo comprovar que as possíveis microfissuras permitem não só a passagem de conteúdo
de dentro para fora como também no sentido contrário, de fora para dentro.
CONCLUSÃO
O implante de mama apresenta interação com o organismo, ocorrendo passagem de substâncias,
principalmente lipídicas (fatty acid), mas também proteínas animais e hemoglobina, para o interior do mesmo, sem que haja
dano ou qualquer tipo de violação na cápsula que o envolve. Esse processo pode trazer
danos ao paciente na medida em que leva a respostas inflamatórias e aumento do volume
do seio, muitas vezes unilateralmente, gerando assimetria da mama, confundido clinicamente
com pseudocontratura mamária, além de possível aumento da incidência de contratura
capsular, não apresentando diferença entre a implantação submuscular ou subglandular.
As alterações são normalmente notáveis clinicamente após o quarto ano de cirurgia,
aparentando caráter progressivo.
A alteração evidenciada no material do interior dos dois implantes, que se diferem
somente pelo uso, nos indica a ocorrência de passagem de materiais orgânicos através
de cápsula intacta, em um fluxo ainda não relatado na literatura, do corpo humano
para o implante inorgânico.
REFERÊNCIAS
1. Berson M. Derma-fat transplant used in building up the breasts. Surgery. 1945;15:451-6.
2. Miró AL. Próteses mamárias revestidas com poliuretano: avaliação de 14 anos de experiência.
Rev Bras Cir Plást. 2009;24(3):296-303.
3. Wagenführ Júnior J. Análise histopatológica comparativa das cápsulas dos implantes
de espumas de silicone e poliuretano em ratos. Rev Bras Cir Plást. 2007;22(1):19-23.
4. Daniel MJB. Inclusão de Prótese de Mama em Duplo Espaço - Prêmio Georges Arié 2004.
Rev Bras Cir Plást. 2005;20(2):82-7.
5. Saldanha OR, Maloof RG, Dutra RT, Luz OAL, Saldanha Filho O, Saldanha CB. Mamaplastia
redutora com implante de silicone. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):317-24.
6. Almeida ARH, Araújo GKM, Mafra AVC, Pimenta PS, Fabrini HS. Mastoplastia de aumento
com inclusão de implante de silicone associado a mastopexia com abordagem inicial
periareolar (safety pocket). Rev Bras Cir Plást. 2012;27(4):569-75.
7. Roncatti C, Batista KT, Roncatti Filho C. Escolha da técnica de mastoplastia de aumento:
uma ferramenta na prevenção de litígio médico. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):253-9.
1. Clínica Dr. Milton Daniel, Cirurgia Plástica, Curitiba, PR, Brasil
2. Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Medicina, Curitiba, PR, Brasil
3. Hospital do Trabalhador, Cirurgia Geral, Curitiba, PR, Brasil
Autor correspondente: Lincoln Graça Neto Av. Visconde de Guarapuava, 4742, Batel, Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80240-010 E-mail:
lgracaneto@hotmail.com
Artigo submetido: 26/02/2019.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.