ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Cirurgia Plástica: Uma Abordagem Antroposófica
Plastic Surgery: An Anthroposophic Approach
Articles -
Year2004 -
Volume19 -
Issue
1
Lydia Masako FerreiraI
A imagem corporal se desenvolve em comparação com outras pessoas. Uma deformidade física coloca o homem na posição de "diferente", com conotação de desvantagem diante dos outros.
Existem soluções sociais, psicológicas e soluções cirúrgicas para tratar o problema. Como solução social, existem países como, por exemplo, os Estados Unidos, que fundam e organizam clubes dos "diferentes" para torná-los "iguais". O Clube dos Colostomizados é um exemplo - ele foi organizado para que todos os sócios se sintam "iguais". Um lábio leporino encontra na solução cirúrgica o melhor para conduzi-lo à semelhança dos outros. Porém, é preciso lembrar que o princípio antroposófico intrínseco da evolução do ser humano é a própria diversificação individual, e este sempre será soberano a qualquer tipo de correção operatória ou de qualquer "Clube dos Iguais".
Pelo estudo da Antropologia, sabemos que em certas tribos dilata-se o lábio inferior até um tamanho agigantado para ser "diferente" e considerado como belo e bom. Da mesma forma, indivíduos de algumas tribos africanas provocam propositalmente cicatrizes queloideanas ornamentais no corpo. Margaret Mead e outros demonstraram a importância dos padrões culturais nas concepções e ideologias do bom e do ruim em diferentes populações. A conotação estética adquire um valor relativo por interferência de fatores sociológicos, mesmo entre os "iguais".
Assim, os olhos arredondados e clássicos são operados para ficarem amendoados e "diferentes", porém com a conotação do belo. No passado, as mulheres discretamente gordas, mas cheias de corpo, eram consideradas belas, e hoje, no entanto, é comum a valorização das mulheres magras e jovens.
Além dos aspectos Sociais, temos os aspectos psicológicos que interferem intensamente nessas situações. Assim, um rapaz que apresente ginecomastia e/ou mamilo saliente recorre à solução cirúrgica para retirar o problema.
As deformidades podem surgir de maneira súbita e inesperada ou surgir lenta e progressivamente na consciência do sujeito. O primeiro caso ocorre nos acidentes traumáticos, como queimaduras e suas cicatrizes. O segundo caso surge no desenvolvimento biológico do sujeito, bem como no desenvolvimento da consciência de seus traços fisionômicos particulares. Como exemplo temos um lábio leporino, uma deformidade do nariz, etc. Essas situações levam à busca de uma reparação por meio da Cirurgia Plástica.
De uma maneira geral, o principal motivo consciente ou inconsciente que leva o indivíduo a se operar é a necessidade de melhorar a auto-estima, o afeto e a aprovação de outras pessoas.
Ao observar um paciente que se apresenta com uma queixa de ter uma deformidade, a visão antroposófica busca também entender outras particularidades pessoais daquele indivíduo, como os aspectos culturais gerais do paciente e da região do corpo onde se propõe a reparação, e a separação entre a deformidade objetiva e a deformidade subjetiva.
Assim, por exemplo, a pele com uma pequena cicatriz no antebraço pode ser vivenciada como um grande problema. Embora haja uma base objetiva, não é o suficiente para produzir tanta angústia e compulsão à reparação, e freqüentemente há uma disparidade muito grande entre a realidade e as projeções que o paciente faz sobre ela.
Que a Cirurgia Plástica oferece óbvios e dramáticos benefícios, é inegável. No entanto, é importante que os pacientes e os colegas entendam não só os benefícios como as limitações.
Nenhuma cirurgia plástica pode levar à perfeição e não existe garantia de resultados do que o paciente tem como expectativa. A expectativa deve ser realística.
A Cirurgia Plástica pode modelar o corpo, mas não a vida. Embora a melhora da aparência após a cirurgia possa elevar a auto-estima, a Cirurgia Plástica não resolve os problemas emocionais, familiares, profissionais ...
Os sentimentos de insegurança, ansiedade, dificuldades sexuais, sentimento de inadequação social e baixa auto-estima e outras alterações podem ser identificados e acompanhados por um profissional da área.
E os cirurgiões plásticos, embora recebam pacientes com problemas aparentemente orgânicos e com orientação cirúrgica, não podem perder de vista os componentes psicossociais, pois, muitas vezes, a necessidade de reparação se origina desses fatores. A indicação cirúrgica objetiva ponderação, no sentido de uma indicação prudente, precisa e adequada.
Além disso, o paciente deve estar preparado para enfrentar o trauma cirúrgico, ter de tolerar desconfortos, a cicatriz resultante e as limitações individuais.
E no período pré-operatório, na fase de euforia, o paciente muitas vezes não absorve as explanações a respeito da cirurgia e as orientações pós-operatórias. Nesse sentido, o Termo de Consentimento Livre e Informado auxiliará a compreensão da cirurgia e da evolução pós-cirúrgica e melhorará a relação médico-paciente. Também a documentação fotográfica poderá ser um instrumento de estimado valor, nos casos em que o paciente sofrer de "amnésia" de sua imagem corporal anterior à operação devido àquela euforia.
Finalizando, concluo que a Cirurgia Plástica apresenta a função nobre e básica da reparação, atenta aos aspectos biopsicossociais do paciente, mediante uma relação médico-paciente humanística.
I - Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Professora Livre Docente, Titular e Chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da UNIFESP / EPM.
Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP / EPM)
Endereço para correspondência:
Lydia Masako Ferreira
Disciplina de Cirurgia Plástica - Deptº de Cirurgia Universidade Federal de São Paulo
R. Napoleão de Barros, 715 - 4º andar
São Paulo - SP 04024-900
Fone: (11) 5576-4118
e-mail: lydia.dcir@epm.br
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