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CONSENTIMENTO INFORMADO E CIRURGIA PLÁSTICA
CONSENTIMENTO INFORMADO E CIRURGIA PLÁSTICA
Debate -
Year2007 -
Volume22 -
Issue
3
Carlos Alberto Jaimovich, Miguel Kfouri Neto, Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, Antonio Gonçalves Pinheiro, Dênis Calazans Loma
INTRODUÇÃO
Um dos maiores problemas, dentre os tantos que nos afetam para o bom exercício da Cirurgia Plástica nos dias de hoje, é o espectro permanente de nos depararmos a qualquer momento com uma demanda ou processo judicial causado por insatisfação de algum de nossos pacientes. Neste contexto, assume especial importância o assim chamado TERMO DE CONSENTIMENTO, tão valorizado nos meios jurídicos quando se trata de atividade médica em qualquer nível. Para lançar luz sobre este tema, recebi a honrosa incumbência de selecionar e convidar personalidades de reconhecida capacidade, amplo e profundo conhecimento sobre tão polêmico assunto, a quem desde já agradeço pela pronta aceitação e esclarecedora participação neste Painel de Debates. São eles:
Desembargador Miguel Kfouri Neto - Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Titular da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e autor das obras "Responsabilidade Civil do Médico" e "Culpa Médica e Ônus da Prova". Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida - Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa e autor da obra "Direito e Medicina - Um Estudo Interdisciplinar". Dr. Antônio Gonçalves Pinheiro - Cirurgião Plástico, Membro Titular da SBCP, Conselheiro do Conselho Federal de Medicina, Ex-Vice-Presidente do CFM e Coordenador de diversas áreas no CFM. Dr. Dênis Calazans Loma - Cirurgião Plástico, Membro Titular da SBCP, Coordenador do DEPRO - Departamento de Defesa Profissional da SBCP-Nacional.
1) Em que se baseia a necessidade ou a obrigatoriedade de o cirurgião plástico obter de seu paciente um "Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido"? É uma exigência ética? É uma exigência legal?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: O consentimento informado insere-se no âmbito dos direitos humanos fundamentais. A vida e a integridade física são bens constitucionalmente protegidos. O paciente deve possuir liberdade de escolha, dentre as possíveis opções de tratamento. E essa autonomia decorre do correto adimplemento do dever de informar. Antes de consentir, o paciente há de ser esclarecido quanto aos riscos inerentes à terapia, aos resultados normais e anormais, bem como sobre a existência de alternativas viáveis. O dever de informar fundamenta-se na boa-fé, princípio basilar de toda e qualquer relação contratual; no dever de respeito à dignidade do ser humano e à integridade psicofísica da pessoa; na autodeterminação e na autonomia da vontade do paciente. O Código Civil de 2002 possui norma cogente: "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica". Este dispositivo legal há de ser interpretado por analogia - e encontra aplicação ampla na relação médico-paciente, excetuadas situações de urgência. Noutros países, como a Itália, há norma legal que obriga o médico a proporcionar ao paciente informação idônea sobre diagnóstico, prognóstico, perspectivas, eventuais alternativas diagnóstico-terapêuticas e conseqüências previsíveis das decisões tomadas. O art. 46 do Código de Ética Médica veda ao médico efetuar qualquer procedimento "sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou seu representante legal, salvo em iminente perigo de vida". No art. 48, o Código de Ética dispõe que "o médico não pode limitar o direito de o paciente decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar". Portanto, o cirurgião-plástico deve obter o consentimento livre e esclarecido não só como exigência ética, mas também para preservar a licitude do ato médico.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: A saúde e integridade física são atributos da dignidade humana e, portanto, se consubstanciam em direitos da personalidade, o que implica concluir que todo ser humano tem o direito de disposição sobre o próprio corpo, decorrendo daí a inarredável necessidade de todo médico (e não só os cirurgiões plásticos) prestar informações ao seu paciente, para que este possa tomar uma decisão esclarecida a respeito do procedimento sugerido. A obrigatoriedade da informação decorre da imperativa necessidade de observância do princípio da autonomia, o que equivale dizer que a vontade do paciente deve ser respeitada, uma vez que se consubstancia em direito personalíssimo do mesmo ter autonomia para decidir se efetivamente deseja se submeter ao tratamento indicado ou à intervenção cirúrgica, depois de informado quanto ao procedimento proposto e os riscos dele decorrentes. O consentimento do paciente, depois de devidamente informado, se apresenta, pois, como corolário do respeito à dignidade, sendo, portanto, não só uma exigência ética (arts. 48,56 e 59 do Código de Ética Médica), como também uma exigência legal, isto porque não se pode olvidar que a relação médico-paciente traduz uma relação jurídica de natureza contratual, sendo o dever de informação uma faceta da boa-fé exigível em todos os contratos, dever esse que ganha relevantes contornos quanto aos riscos, notadamente por ser de natureza consumerista, o que hoje comumente já se chama de 'contrato médico' (art.6°,III do CDC).
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: A elaboração de documento com finalidade de Consentimento Informado Livre e Esclarecido, conforme proposto neste painel, deve antes de ser considerado uma obrigatoriedade, ser uma forma de abordagem ética da atividade médica frente aos deveres previstos no Código de Ética Médica, referentes aos artigos 46 e 59:
Arf. 46: Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida.
Arf. 59: Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.
Dr. Dênis Cazans Loma: É absolutamente inegável a amplitude dos direitos humanos, "nestes tempos de mundo globalizado". Neste bojo de direitos, estão os deveres de outrem, balizando os limites da civilidade e respeito mútuo, para uma vida em sociedade. A Medicina, ainda que com o rótulo de "ciência e arte", não se exclui deste tratamento na relação médico-paciente. Não basta que o paciente aceite uma proposta terapêutica pura e simplesmente, por expressa confiança no profissional (Ética). Há a exigência legal (Código Civil Brasileiro; Código de Ética Médica; Resoluções do Conselho Federal de Medicina), para que esta autorização seja expressa formalmente, ao indivíduo capaz civilmente e apto para entender e considerar razoável um tratamento proposto ou uma conduta, isenta de coação, influência ou indução.
2) É obrigatória a obtenção do Consentimento Informado pelo cirurgião plástico em toda e qualquer cirurgia eletiva, mesmo nas mais simples? Mesmo em hospitais públicos? Deve ser um documento escrito? Por quê?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: O consentimento deverá ser documentado e registrado, pena de o profissional verse impossibilitado de provar a efetiva obtenção do assentimento do enfermo - fato que também poderá redundar em conseqüências gravosas, no âmbito da responsabilidade civil. Quanto mais complexo ou arriscado o ato, maiores cuidados deverão ser adotados, para se documentar a aquiescência do paciente. É fundamental e indispensável que o cirurgião plástico obtenha o consentimento informado de seu paciente. Quanto menos urgente for a cirurgia, mais extenso o dever de informar. Incumbe ao cirurgião indicar os riscos possíveis, a melhoria esperada, prestar informação completa e veraz sobre a natureza, os riscos envolvidos e os eventuais desdobramentos da cirurgia - em especial os indesejados. Tal obrigação se aplica tanto ao atendimento em hospitais públicos quanto particulares. Recomenda-se que o consentimento seja documentado, por escrito. Isto porque o ônus da prova de haver prestado as informações necessárias e obtido o consentimento recai sobre o médico. Não há exigência legal de documento escrito. Portanto, o consentimento verbal não é inválido. O médico poderá demonstrar a existência do consentimento por outros meios - como a prova testemunhal ou anotações no prontuário, por exemplo.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: Prestar informação e obter do paciente o respectivo consentimento é uma obrigação do médico que se impõe sempre, notadamente quando eletiva é a cirurgia, independentemente de sua complexidade. O dever de informar e obter o respectivo consentimento decorre da imperativa observância da autonomia da vontade do paciente, razão pela qual o adimplemento de tal obrigação também é exigível no serviço público de saúde, pois a obtenção do consentimento se impõe em respeito aos direitos da personalidade do paciente, direitos esses que, em síntese apertada, podem ser conceituados como atributos da dignidade, daí o porquê de ser irrelevante que a cirurgia venha a ser realizada em hospital público ou privado, que seja graciosa ou onerosa. A informação e a conseqüente outorga de consentimento são exigências de natureza ética e legal que se impõem independentemente da natureza do serviço médico prestado (público ou privado), sendo de todo recomendável que por escrito seja dado aludido consentimento, documentando, assim, a informação prestada, notadamente quanto aos riscos do ato médico e das conseqüências dos medicamentos que forem prescritos, sendo relevante registrar que a 'documentação' da informação, em que pese não obrigatória, se revela como prova do adimplemento da obrigação de informar e da ciência, por parte do paciente, quanto aos riscos do procedimento a que se submeteu.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: Não há, hoje, obrigatoriedade de que o Consentimento Informado seja feito através de documento próprio ou apartado do prontuário médico hospitalar ou do formulário de atendimento em consultório. Tem sido prática dos médicos a anotação das informações dadas aos pacientes sobre doenças, exames e tratamentos (técnicas) propostos. Estas informações devem ser em linguagem acessível ao paciente e sem conotação de superioridade ou imposição de conteúdo. Uma vez adotado como conduta do profissional que estas informações sejam transcritas e/ou fornecidas aos pacientes, não é correto discriminá-los quanto à extensão presumida de seu tratamento ou local público ou privado onde são assistidos.
Dr. Dênis Cazans Loma: Independentemente do porte do procedimento médico, da especialidade médica, da categoria pelo qual o paciente acessou o médico e sobretudo o status do paciente, o consentimento deve ser expresso de maneira formal (preferencialmente individualizado, porém sempre redigido como documento adequado), para que não restem dúvidas e questionamentos futuros. É bem verdade que o teor de tal documento deva ser proporcional à realidade e ao cotidiano habitual de cada ato médico, local, grau de instrução do paciente e razoabilidade. Salvo uso de documento formal, na impossibilidade temporal em face do estado de risco (urgência e emergência).
3) A simples ausência de um Termo de Consentimento escrito pode caracterizar uma atitude negligente do cirurgião? Sua ausência é suficiente para acarretar o dever de indenizar em caso de resultado insatisfatório?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: O consentimento, por escrito, é meio de prova, mas não é requisito essencial para a validade do ato. A ausência do termo de consentimento informado configura omissão do cirurgião, mas não é suficiente, por si só, para impor ao médico dever de indenizar, quando o resultado não corresponde ao esperado. Basta imaginar a hipótese de o resultado não ter sido atingido devido ao comportamento da própria vítima - que descura dos mais simples cuidados, no pós-operatório. Reconhece-se, todavia, o dever de reparar o dano decorrente da pura e simples omissão em se obter o consentimento livre e esclarecido. Na Itália, médico realizou cirurgia estética, para retirar 5 kg de adiposidade da região glútea de mulher com 38 anos. Resultaram cicatrizes inestéticas, com extensão de 1,52m e sulcos, não ocultáveis por trajes de banho normais, resultados qualificados como graves e desagradáveis. O Tribunal afirmou que a informação, na cirurgia estética, deve ser detalhada e absolutamente clara. A cirurgia foi praticada com esmero, as extensas cicatrizes eram inevitáveis, devido às características da intervenção - mas como a paciente não havia sido informada previamente dessas conseqüências, isto caracteriza dano ressarcível.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: Não existe uma imposição legal de ser por escrito o consentimento informado, sendo certo, no entanto, que não se pode olvidar que o consentimento informado representa uma manifestação expressa da autonomia do paciente, sendo recomendável, pois, que seja efetivamente dado por escrito, a fim de se evitar maiores discussões a respeito da outorga ou não de tal consentimento e se o mesmo foi dado de modo suficiente ou não. Assim, a simples ausência de um termo de consentimento por escrito, por si só, não traduz negligência do médico, sendo certo que a ausência de tal documento pode ser um fator complicador no que se refere à prova do dever de informação, pois o que a lei e a ética exigem é que a informação seja dada e o consentimento obtido, o que, em tese, poderá ser provado por qualquer meio de prova em Direito admitido, sendo a documental, no entanto, indubitavelmente, a mais contundente. Tem-se, pois, que, se por um lado não há exigência legal de que o consentimento seja dado por escrito, por outro, há que se provar que efetivamente a obrigação de informar foi adimplida, e a inexistência de tal prova poderá ensejar a responsabilização do médico, pois como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 436.827, do qual foi relator o Min. Ruy Rosado de Aguiar, a despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar nos casos mais graves - negligência no exercício profissional.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: Entendemos que a não confecção de documento apartado do prontuário médico/ ambulatorial não deve ser analisada fora do contexto dos demais documentos médicos (exames, intercorrências anotadas e até perícias) para avaliação de indenização. O documento de Consentimento Informado não pode ser superestimado. No conjunto da relação médico-paciente, mesmo em casos de conflito, deve ser considerado como uma evidência do conhecimento da informação e do consentimento do fazer, o que não impedirá apurações em busca de outras ocorrências e responsabilidades.
Dr. Dênis Cazans Loma: Atualmente, nenhum médico (independente da especialidade) pode abster-se de conhecer minimamente os direitos e deveres profissionais de seus pacientes. O Direito Médico deveria ser obrigatoriedade nas escolas médicas e Sociedades de Classe. Tal atitude mostraria, claramente, os deveres jurídicos dos médicos (informação; diligência e não sobrepor limites). Muito além desta legalidade que reveste a relação médico-paciente, está o direito do ser humano decidir seu próprio destino. Portanto, o médico está legalmente obrigado a informar (dentro da razoabilidade acima descrita). Atribuir a negligência à ausência de um "termo de consentimento", parece-me atitude extremista numa ótica pontual. Há que se quantificar tal resultado insatisfatório (livre de todo e qualquer subjetivismo), antes de classificar exclusivamente como negligência. No mesmo norte fica o dever de indenizar, já que o julgamento compete tão somente ao julgador, nos seus mais diversos convencimentos sobre a questão.
4) O dever de obtenção do Consentimento Informado é mais amplo na Cirurgia Plástica do que nas demais especialidades médicas? A sua presença no prontuário do paciente protege ou isenta o cirurgião de um processo na Justiça?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: Mesmo os doutrinadores que reconhecem ser a obrigação do cirurgião plástico de meio, não de resultado, afirmam - em uníssono - recair sobre tal especialista uma obrigação mais rigorosa, quanto à obtenção do consentimento informado. O cirurgião deve explicar a técnica a ser utilizada, a necessidade ou não de retoques, os cuidados que o paciente deve adotar antes e depois da cirurgia. A prova de haver o cirurgião esclarecido de forma ampla o paciente não isentará de responsabilidade o médico que agir com imperícia, imprudência ou negligência. Entretanto, além de fazer com que o julgador delimite o alcance da obrigação contraída pelo cirurgião, evitará - aí sim - o dever de indenizar que, muitas vezes, é reclamado pela simples infração ao de ver de obter o consentimento. O Tribunal de Justiça de São Paulo (in RT 638/90) julgou apelação manifestada contra sentença que condenara o cirurgião plástico a reparar os danos causados à paciente, consistentes em deiscência de sutura e cicatrizes do tipo quelóide. Asseverou o relator: "No tocante a quelóides, não existe a comprovação de que o médico advertiu a cliente (que, sendo a autora de raça amarela, apresenta maiores problemas com quelóides) dos perigos da cicatrização". Mas, neste caso, além da inexistência de prova do consentimento, reconheceu o Tribunal existir, também, culpa do médico.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: O dever de informar e obter o respectivo consentimento do paciente é uma exigência ética e legal imposta a todos os médicos, independentemente de sua especialidade, sendo certo, no entanto, que não se pode ignorar que, em relação aos cirurgiões plásticos, notadamente quando embelezadora for a finalidade da cirurgia, entendem os nossos tribunais que a obrigação contraída pelo facultativo é de resultado, ou seja, obriga-se o médico a alcançar o resultado prometido ao seu paciente, ao contrário das outras especialidades em que a obrigação é de meio, ou seja, obriga-se o facultativo a fazer tudo o que está ao seu alcance para obter o resultado desejado pelo paciente sem, no entanto, se comprometer com tal resultado. Em assim sendo, em sede de cirurgia plástica embelezadora o termo de consentimento informado ganha especial relevância, por ser a via hábil a demonstrar que o médico esclareceu satisfatoriamente quanto ao ato cirúrgico e aos resultados que dele se pode esperar, obtendo a anuência de seu paciente, inclusive quanto aos riscos decorrentes. Importante assinalar, no entanto, que o termo de consentimento informado, não obstante ser um meio de prova favorável ao médico, não o isenta de um eventual processo, pois a obtenção do consentimento não se consubstancia, em absoluto, em excludente de responsabilidade, uma vez que o médico continua obrigado a cumprir os demais deveres que decorrem do contrato médico.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: Em nossa visão, a Cirurgia Plástica evidenciou-se nesta questão muito mais no campo da cirurgia estética, frente ao desmedido uso da publicidade com efetiva promessa de resultados, quando generaliza conceitos e técnicas, sem a observância do diagnóstico e do planejamento individualizado e cuidadoso. Mesmo com a presença do termo de Consentimento Informado, há possibilidade de reclamação quanto ao resultado cirúrgico. A avaliação pré-operatória das expectativas de cada paciente deve ser rotineira e realizada com bastante atenção pelo médico, após os esclarecimentos técnicos do procedimento. A simples assinatura do paciente, muitas vezes já refém das informações exageradas de um sistema de concorrência publicitária pernicioso, não pode ser tomada como suficiente, rápida e unilateralmente para encerrar esta interação.
Dr. Dênis Cazans Loma: Um conceito viciado e errôneo é conceituar a cirurgia plástica como uma especialidade diferente das tantas na Medicina. Felizmente, a exemplo do que ocorreu na França há anos, o Brasil parece começar compreender a descabida pretensão de atribuir à cirurgia plástica uma ciência que carrega a obrigação final de um resultado "certo, preciso e perfeito" (teoria de fins). Afinal, o corpo humano, matéria prima do trabalho médico, guarda reações diversas e incertas em qualquer especialidade médica. Portanto, diferir o documento de consentimento da cirurgia plástica das demais especialidades médicas é um desalinho ético, moral e legal. Da mesma forma, é acreditar que o "Termo de Consentimento" seja um mandato ilimitado de proteção do médico em uma lide judicial. Ele compõe tão somente, o prontuário médico, que carrega outros tantos documentos que, quando presentes e corretamente preenchidos, mostram a boa fé do médico, e inegavelmente funcionam como eficazes meios de prova para a "defesa" do profissional.
5) Uma boa relação ou interação entre o profissional e seu paciente não é melhor, mais segura e eficaz, substituindo a necessidade de se obter o Termo de Consentimento? O Termo de Consentimento pode esfriar e comprometer uma boa relação médico-paciente? Como proceder?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: O modo mais eficaz de o profissional da medicina evitar demanda judicial consiste em investir no bom relacionamento médico-paciente. A empatia gera relação embasada sobretudo na confiança - e isso se torna o grande facilitador da atuação do cirurgião plástico. O paciente, nessas condições, concorda com o segundo tempo cirúrgico, acredita nas explicações do seu médico, colabora mesmo diante de um quadro de dificuldades inesperadas. Mas um simples termo de consentimento, em linguagem clara, adequada à cultura do paciente, sem grandes rebuscamentos técnicos, é essencial. O médico deve demonstrar que aquele documento é uma prova de boa-fé e confiança recíprocas.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: A humanidade experimentou, no decorrer deste último século, uma surpreendente evolução das Ciências Médicas, com avanços tecnológicos outrora inimagináveis, o que afetou diretamente a relação médico-paciente, por tornar "essencialmente tecnológico" o tratamento e, conseqüentemente, impessoal, distanciando, assim, o médico de seu paciente. Com efeito, não é por acaso que vários são os litígios instaurados em razão de um precário relacionamento entre o médico e seu paciente, face ao descaso no atendimento, às omissões, à frieza operacional, à incúria e ao total desrespeito, não sendo raras as reclamações dos pacientes quanto ao abandono dos seus médicos quando constatada alguma falha. Nesse contexto, há que se buscar, pois, em prol da dignidade humana, uma harmonia entre o avanço tecnológico e o alto sentido humanístico da medicina, sendo imperativa, por conseguinte, a necessidade de se reinserir no atendimento médico-hospitalar um fator de vital importância, qual seja, a sensibilidade humana, redirecionando o aparato tecnológico para o seu devido papel, o de servir ao homem. E para se alcançar tal objetivo há que se resgatar o verdadeiro sentido da relação médico-paciente, calcada na confiança depositada pelo paciente nas mãos de seu médico, confiança essa que, em nosso sentir, não fica comprometida com o termo de consentimento, quando oportuno e adequadamente solicitado, notadamente se esclarecido ao paciente que tal consentimento se impõe em defesa de sua própria dignidade.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: A base secular da atividade médica tem sido a boa relação médico-paciente. Descuidar-se desta sólida construção de confiança para proteger-se documentalmente é, isoladamente, uma atitude que pode prejudicar e tornar fria esta tão íntima interação. Assim sendo, cabe ao médico, nesse momento, fazer ver ao seu paciente que um possível documento de Consentimento Informado tem o condão de aproximá-los para a obtenção de um resultado possível, com a efetiva participação de ambas as partes, inclusive com condutas expressas que ele, paciente, deverá observar no pós-operatório.
Dr. Dênis Cazans Loma: O vínculo estabelecido entre o médico e o paciente apenas leva a crer um contrato de prestação de serviços, entendendo-se que houve uma delegação de poderes para aquilo que ordinariamente possa ser feito. Representa, portanto, um pacto entre a consciência e a necessidade. A formalização de um documento, a que se pode rotular diferentemente entre tantas terminologias, é uma obrigatoriedade legal. O "esfriamento, endurecimento e/ou comprometimento" da relação médico-paciente já ocorreu desde o momento em que o Código de Defesa do Consumidor instituiu o médico como mero prestador de serviços e o paciente como consumidor, ignorando por completo as nuances da arte médica e, sobretudo, a realidade da Medicina e dos médicos brasileiros.
6) Em que o Termo de Consentimento contribuiu ou tem contribuído para o aprimoramento da relação médico-paciente, da própria Medicina ou das instituições jurídicas no Brasil?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: Já tivemos ocasião de afirmar que, nos dias atuais, o tema da informação reflete uma mudança prospectiva na análise das relações entre os profissionais, instituições da área da saúde e pacientes. A informação parte de um pressuposto inafastável: que o paciente possa, com liberdade, ausente qualquer coação, com absoluta consciência, receber todos os dados necessários e úteis, para exprimir seu consentimento em relação ao tratamento recomendado. O consentimento informado assume enorme importância jurídica também no Brasil - onde os profissionais e administradores de hospitais têm evoluído de uma posição lá do seu tanto cética, em relação ao dever de informar clara e minuciosamente aos doentes, sem exceção, para uma adesão irrestrita ao dever de obtenção do consentimento esclarecido. Por isso, fala-se de um modelo interativo, em que se busca adequado intercâmbio: o profissional conhece a enfermidade; o paciente, suas próprias necessidades. O dever de obtenção do consentimento informado tem feito com que os médicos, de modo geral, dêem maior importância ao diálogo com o paciente, prestando-lhe todos os esclarecimentos necessários. Especificamente no âmbito da cirurgia plástica, se o paciente afirma, por escrito, ter sido corretamente informado do alcance da cirurgia, dos riscos, eventuais complicações, inconvenientes previsíveis - e da incerteza do resultado, que muitas vezes dependerá das condições peculiares de quem se submete ao ato cirúrgico - o Judiciário poderá avaliar de forma mais realista se houve ou não culpa do cirurgião plástico. Por conseguinte, proferir-se-á decisão justa adequada à realidade dos fatos.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: Como já exposto, o termo de consentimento informado, em nosso sentir, quando oportuno e adequadamente solicitado, após rigorosa observância do dever de informação, se consubstancia em fator de agregação de valores positivos na relação médico-paciente, notadamente se exposto ao paciente que tal procedimento exterioriza respeito ao seu direito fundamental de saber o que passa com o seu corpo e de anuir com o tratamento sugerido. Neste passo, se esclarecido ao paciente que o termo de consentimento se impõe em prol de sua própria dignidade, não há como a relação médico-paciente se abalar por conta da solicitação de tal termo, notadamente se o facultativo expuser de maneira clara e objetiva, em linguagem acessível ao paciente, o que se faz necessário para se alcançar o resultado pelo mesmo desejado, notadamente quando em causa estiver cirurgias plásticas eletivas, com o escopo de embelezamento. Em nosso pensar, portanto, o termo de consentimento, se encarado em sua verdadeira acepção, ou seja, como instrumento de defesa da dignidade do paciente, e não como simples documento de defesa do médico, contribuirá significativamente para o aprimoramento da relação médico-paciente e para o fortalecimento dos institutos jurídicos de proteção à autonomia da vontade e, conseqüentemente, de proteção à própria dignidade.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: Não possuímos dados específicos para avaliar de que forma um Termo de Consentimento Informado, como documento isolado, tenha contribuído para aprimorar a relação médico-paciente no Brasil. Entendemos que este tipo de documento, num contexto da realidade atual de algumas especialidades no país, deva ser, antes de tudo, uma avaliação também de outros atores envolvidos na prestação de serviço na área médica, tais como: clínicas, hospitais e indústrias de equipamentos, órteses e próteses, que, em análise mais precisa, podem influenciar em resultados e, portanto, também envolvidos nesta ampla questão.
Dr. Dênis Cazans Loma: A atividade médica guarda um significado ainda muito profundo junto à sociedade. Sensibilidade emocional, confiança, credibilidade, esperança e profissionalismo asseguram, em meio a tantas tormentas atualmente, a verdadeira relação médico-paciente. Ainda que todo este romantismo da Medicina tenha sido sensivelmente abalado pelos ordenamentos jurídicos e legais, há uma outra faceta que impõe aos médicos o fiel cumprimento daqueles, até como meio de proteção. Falta à sociedade, em geral, uma visão mais ampla sobre a questão. Pessoalmente, acredito que o termo de consentimento atende (legalmente) muito mais aos médicos e juristas, do que à população de maneira geral. Tomo por base minha experiência profissional na utilização dos documentos informados, com prática de 10 anos, tendo um único caso de recusa de tratamento em face do teor (...completo) do termo usado.
7) Na prática, qual a importância que o Poder Judiciário e o Conselho Federal de Medicina atribuem aos Termos de Consentimento Informado? Qual deve ser o teor de um Termo de Consentimento para que se cumpra o papel esperado na relação médico-paciente sob o ponto de vista ético e jurídico?
Desembargador Miguel Kfouri Neto: Quanto ao Poder Judiciário, no Brasil, a doutrina do consentimento informado no âmbito da responsabilidade civil do médico ainda não ostenta a importância que já adquiriu noutros países. Mesmo os advogados raramente têm fundamentado as demandas de reparação de danos - exceção feita aos casos de laqueadura tubária e vasectomia - somente na ausência de consentimento. Sempre afirmam, também, ter havido culpa do profissional. Por outro lado, pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, pela qual se impõe o dever de provar à parte que se encontre em melhores condições de fazê-lo, exigir-se-á do médico que traga aos autos os documentos relacionados à obtenção do consentimento, após os devidos esclarecimentos ao paciente. O termo de consentimento informado deve esclarecer a finalidade da intervenção, os riscos envolvidos e o melhoramento que se espera. O médico deve redigir documento em linguagem clara, simples, fiel, inteligível e acessível, que facilite a compreensão e concordância do paciente. Deve-se conceder tempo ao paciente, para que ele examine o documento - e só depois de compreendê-lo plenamente, venha a assiná-lo. Nesse documento, em síntese, o paciente deve afirmar que foi corretamente informado do alcance da cirurgia e eventuais complicações, riscos e inconvenientes previsíveis, que podem se refletir sobre o resultado esperado. Ainda que o médico não cometa nenhuma falha profissional, poderá incorrer em responsabilidade por haver descumprido o dever de informar - sobretudo, como já dito, em cirurgias estéticas e sem necessidade terapêutica imediata.
Dr. Álvaro Henrique Teixeira de Almeida: Em que pese haver muita resistência no meio médico quanto ao termo de consentimento informado, fato é que, juridicamente, apresenta-se o mesmo como meio de prova quanto ao adimplemento da obrigação de informar e obter o consentimento do paciente para determinado tratamento ou intervenção cirúrgica, nunca sendo demais repetir que, no entanto, a existência de tal termo, por si só, não exime o facultativo de responsabilidade em decorrência da inobservância de suas demais obrigações. Quanto ao teor do termo de consentimento, a jurisprudência e doutrina brasileira ainda trabalham na formação de um conteúdo mínimo a respeito das informações que obrigatoriamente devem ser transmitidas para viabilizar a obtenção de um consentimento válido, sendo inquestionável, no entanto, a necessidade de esclarecimentos a respeito dos riscos normais e previsíveis decorrentes do procedimento eleito, bem como aqueles oriundos da própria condição pessoal do paciente, ou seja, os chamados riscos personalizados, valendo aqui mencionar brilhante lição de Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo (Os Requisitos e Limites do Consentimento Informado, in Direito e Medicina - Um Estudo Interdisciplinar, Ed. Lúmen Juris) que, estudando a doutrina estrangeira, apontou, como informações mínimas que devem conter em um termo de consentimento, afora as relativas aos riscos, as pertinentes aos benefícios esperados, à provável duração da incapacidade, às relativas às necessidades posteriores à alta, aos possíveis procedimentos alternativos, aos custos do tratamento, etc.
Dr. Antonio Gonçalves Pinheiro: Conforme citado anteriormente, o médico tem dever ético de observar o contido nos artigos gerais do Código de Ética Médica e especificamente em relação aos artigos 46 e 59, não havendo hoje, no entanto, previsão de documento exclusivo para este fim. Muitas Sociedades de Especialidades, clínicas, hospitais, serviços especializados e alguns médicos isoladamente têm usado documentos com as mais diversas denominações para informar o paciente e dele receber consentimento para o(s) tratamento(s) a serem executados. Em nossa visão, estes documentos, quando utilizados e para sua melhor valoração, devem observar considerações, tais como: clareza acessível ao nível de conhecimento do paciente, riscos e complicações inerentes ao ato médico e a participação responsável do paciente nos cuidados pósoperatórios. Também é aconselhável a possibilidade de que guarde espaço para questionamentos ou outra manifestação livre e espontânea do paciente, o qual, de maneira muito clara, conferiria ao formulário um maior conceito de compreensão e efetiva participação.
Dr. Dênis Cazans Loma: É indiscutível a legitimidade e obrigatoriedade do uso dos "termos de consentimento informado". Não faltam leis por ordem jurídica, para a utilização de tais documentos. Por outro lado, o Código de Ética Médica, em seu artigo 46, estabelece a pétrea obrigação da informação ao paciente, acerca de tratamento médico. O Conselho Federal de Medicina, em inúmeras Resoluções versando sobre o assunto, estabelece a ilicitude na ausência dos termos de consentimento informado. No mesmo sentido caminha um sem número de pareceres-consulta dos Conselhos Regionais de Medicina acerca da questão. O que parece restar a esclarecer é "o que escrever em tais termos?", e de que forma apresentá-los aos pacientes. É sabido, mediante estudos científicos, que os pacientes não assimilam nem 40% das informações que lhe são passadas em uma consulta médica, portanto, restam outros supostos 60% de informações que poderão ser questionadas pelos pacientes, nos casos de insucesso de tratamento. Aqui se prende a necessidade de formalizar um contrato que estabeleça limites para o que se quer e o que se pode na Medicina (Cirurgia Plástica). A elaboração de um termo de consentimento deve reservar o caráter individual de cada tratamento proposto, assim como cada uma das partes, guardando uma linguagem acessível e compreensível, sobre o tratamento terapêutico, riscos e desconfortos, benefícios, alternativas, falibilidades, obrigações das partes e, muitas vezes, até celebração contratual de eventuais pagamentos. A regra é simples: honestidade, clareza e razoabilidade, sem nunca perder de vista a magia e romantismo que cerca a relação médicopaciente, afinal o bem do paciente é o objetivo maior da Medicina.
COMENTÁRIOS DO COORDENADOR
Como se pôde observar, o ponto central da boa interação médico-paciente está calcado na transparência, empatia e confiança. Estas, entretanto, são características que secularmente acompanham o bom exercício da Medicina. O que houve então com o advento dos "novos tempos"? Com base em tudo o que foi apresentado, de modo tão claro e objetivo, ficou bem estabelecido que uma boa relação médico-paciente é a principal chave para se evitar os tão desgastantes processos judiciais, nos quais o cirurgião, vencendo ou sendo vencido, será sempre o grande perdedor. Na atualidade, não basta ter boas intenções ou uma boa conduta ético-profissional: tornou-se imperioso PROVAR que elas existiram durante todo o tempo em que um paciente esteve sob os nossos cuidados. Deste modo, o Termo de Consentimento, seja com que nome seja ele batizado, torna-se um documento imprescindível para que se possa provar que o paciente recebeu e entendeu todas as explicações referentes ao seu tratamento e que, mesmo com todos os riscos inerentes a ele, sopesando as suas vantagens e desvantagens, está decidido a se submeter àquele tratamento pretendido. Mas nem com um prontuário exemplar, nem com um Termo de Consentimento adequado, estará o cirurgião livre do risco de um processo ou de uma eventual condenação. Resta-nos fazer valer todos os princípios que regem a nossa profissão e procurar, sem cessar, estar sempre acessível e disponível para os nossos pacientes, mitigando- lhes a ansiedade, dando-lhes a certeza de que trabalhamos sempre em seu benefício, numa parceria que deve ser inabalável. Devemos nos proteger de todas as maneiras possíveis, sem contudo perder a sensibilidade, o sentimento e a vocação que nos trouxe a escolher a Medicina e a Cirurgia Plástica como motivos de vida.
COORDENADOR:
DR. CARLOS ALBERTO JAIMOVICH
DEBATEDORES:
DESEMBARGADOR DR. MIGUEL KFOURI NETO (PR),
DR. ÁLVARO HENRIQUE TEIXEIRA DE ALMEIDA (RJ),
DR. ANTONIO GONÇALVES PINHEIRO (PA),
DR. DÊNIS CALAZANS LOMA (SP)
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