INTRODUÇÃO
Pênis embutido é uma patologia rara, caracterizada pelo comprimento normal da haste
peniana, porém aderida a planos profundos ou encoberta pelos tecidos pré-púbicos.
Está associada a morbidade física e psicológica devido aos prejuízos na função sexual,
higiene e autoestima dos indivíduos acometidos1.
Sua etiologia pode ser congênita ou adquirida, sendo a primeira relacionada a alterações
genéticas da fáscia de Dartos e acometendo a população pediátrica. As causas adquiridas
incluem circuncisão radical, trauma local, infecção recorrente, linfedema periescrotal
e obesidade2.
O tratamento é considerado de difícil manejo por não apresentar consenso ou técnica
cirúrgica única3. O objetivo desse artigo é apresentar uma das técnicas que pode ser utilizada no
tratamento, consistindo em lipoaspiração superficial e dermolipectomia do tecido suprapúbico
associada à fixação da base do pênis em sínfise púbica e enxerto de pele parcial para
cobertura peniana.
Esse artigo foi registrado sob o CAAE 45028621.1.0000.5362 e aprovado pelo Comitê
de Ética da instituição proponente pelo parecer n° 4.644.902. Obtido o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido no uso das informações do prontuário médico e das imagens pelo
paciente e sua responsável legal.
RELATO DE CASO
Paciente masculino, 30 anos, portador de síndrome de Down, procurou atendimento médico
em conjunto com a responsável legal com queixa de dificuldade para urinar, realizar
higiene íntima e episódios recorrentes de infecção local. Ao exame físico, foi observada
obesidade, grande lipodistrofia e flacidez supralabial com impossibilidade de exposição
da haste peniana, estabelecendo o diagnóstico de pênis embutido associado a quadro
de fimose (Figura 1).
Figura 1 - Presença de pênis embutido associado à fimose.
Figura 1 - Presença de pênis embutido associado à fimose.
Após discussão entre as equipes, optou-se pela correção cirúrgica conjunta entre Cirurgia
Plástica e Urologia.
Dissecção e dermolipectomia
Paciente foi submetido ao procedimento, em 11 de maio de 2020, sob anestesia geral.
Realizada marcação em região suprapúbica trapezoide, estando a porção inferior da
incisão na linha média a 2cm da base do pênis, para que a pele dessa região possa
ser aproximada da sínfise púbica.
Realizou-se lipoaspiração superficial da área demarcada após infiltração com solução
vasoconstritora (1:1.000) e na sequência a dermolipectomia, com limite na fáscia profunda,
sem prejuízo na drenagem linfática local devido à preservação dos vasos linfáticos
profundos (Figura 2).
Figura 2 - Demarcação cirúrgica e realização da ressecção da área.
Figura 2 - Demarcação cirúrgica e realização da ressecção da área.
Fixação da base do pênis em púbis
Fixada a fáscia adjacente à base do pênis ao periósteo da sínfise púbica com três
pontos simples utilizando fio de polipropileno 2.0, com intuito de maior exposição
da haste peniana (Figura 3). Interposto dreno suctor 4.8 no local lipoaspirado e ressecado. Realizada síntese
da fáscia e pele em dois planos com nylon 3.0 pontos simples (Figura 4).
Figura 3 - Fixação da fáscia adjacente à base do pênis ao periósteo da sínfise púbica.
Figura 3 - Fixação da fáscia adjacente à base do pênis ao periósteo da sínfise púbica.
Figura 4 - Resultado após ressecção e fechamento da área demarcada.
Figura 4 - Resultado após ressecção e fechamento da área demarcada.
Correção da fimose
A abertura do prepúcio foi particularmente trabalhosa pelas aderências firmes com
a glande e difícil identificação dos planos, decorrente da fimose de longa data e
infecções locais recorrentes.
Optou-se por ressecção do prepúcio devido ao aspecto patológico e exposição da fáscia
de Buck (Figura 5). O anatomopatológico da peça ressecada evidenciou dermatite liquenoide.
Figura 5 - Exposição peniana.
Figura 5 - Exposição peniana.
Enxertia
Retirado enxerto de pele parcial de coxa direita com dermátomo elétrico, sendo o curativo
da área doadora realizado com gaze não aderente e compressas secas. Realizada fixação
proximal do enxerto na base do pênis junto à pele saudável e fixação distal do mesmo
próximo à glande. Sutura realizada com pontos simples de fio de poliglactina 4.0 (Figura 6).
Figura 6 - Posicionamento e fixação do enxerto de pele parcial.
Figura 6 - Posicionamento e fixação do enxerto de pele parcial.
Curativo
O curativo utilizado foi do tipo Brown. Foram deixados fios de sutura longos para
fixar o curativo levemente compressivo envolvendo toda a circunferência do pênis utilizando
gaze não aderente (Figura 7).
Figura 7 - Curativo com gazes não aderentes.
Figura 7 - Curativo com gazes não aderentes.
O paciente permaneceu com sondagem vesical de demora e o curativo foi retirado no
5° dia pósoperatório, recebendo alta após a primeira troca de curativo. Seguiu com
retornos ambulatoriais semanais, realizando curativos no domicílio e hidratação da
pele enxertada com ácidos graxos essenciais. Após 3 meses, observou-se boa integração
do enxerto, boa cicatrização da área doadora, adequada exposição peniana e melhora
da higienização local, além de diurese voluntária, jato satisfatório e ausência de
novos episódios infecciosos (Figura 8).
Figura 8 - Resultado cirúrgico - 3 meses pós-operatório.
Figura 8 - Resultado cirúrgico - 3 meses pós-operatório.
DISCUSSÃO
O pênis embutido está associado à perda da função sexual, ereções dolorosas, má higiene
e transtorno psicossocial. Relaciona-se à disfunção miccional devido ao aprisionamento
de urina pelo tecido redundante e fimose, gerando exposição cutânea crônica a urina
e dermatite, como relatado pelo paciente4-6. É importante que sejam afastados diagnósticos diferenciais como micropênis, visto
que o manejo das patologias é diferente7. No caso descrito, a diferenciação se deu pelo exame físico, no qual palpava-se a
haste peniana de comprimento normal, porém sem exposição adequada devido ao tecido
adiposo suprapúbico.
Múltiplas causas estão relacionadas ao desenvolvimento da doença no adulto, como trauma
local, linfedema congênito e circuncisão radical, todos estes envolvendo processo
cicatricial e fibrose. Ainda assim, a obesidade é a principal causa nesta população,
condição apresentada pelo paciente. O aumento de gordura, principalmente na região
suprapúbica, cria um ambiente propício para infecção bacteriana e fúngica, levando
a um ciclo de autoperpetuação de infecção e contração cicatricial, condições também
presentes no caso5,6,8,9.
Os diversos fatores envolvidos na fisiopatologia do pênis embutido devem ser avaliados
e abordados durante o tratamento. Não existindo um consenso, essa condição se torna
um desafio para o cirurgião. O objetivo principal é o retorno da função urinária e
sexual, e pode envolver atuação conjunta do cirurgião plástico e urologista. As várias
técnicas cirúrgicas descritas para reconstrução devem ser adaptadas para as condições
do paciente, sendo que muitos casos necessitam de combinação de procedimentos5.
A abordagem do tecido suprapúbico e abdome inferior baseia-se na localização, quantidade
e etiologia, sendo descritas as técnicas de lipectomia, paniculectomia e abdominoplastia5,10. Em pacientes com perda ponderal importante, em que o principal fator envolvido é
a flacidez de pele abdominal inferior, com consequente cobertura do pênis, são descritos
bons resultados cirúrgicos realizando-se abdominoplastia convencional ou em âncora11.
Na técnica apresentada optou-se por realizar lipoaspiração e dermolipectomia suprapúbica
devido à grande quantidade de tecido adiposo e flacidez, sem indicação de abdominoplastia
convencional devido à obesidade do paciente. Realizou-se lipoaspiração superficial
com preservação da fáscia profunda, conforme descrito por Saldanha, visando preservar
os vasos perfurantes e linfáticos, técnica comprovadamente associada a uma redução
da incidência de complicações como seroma, hematomas e necrose da pele, além de possibilitar
o tratamento de lipodistrofias em todas as regiões do abdome12,13.
Conforme a técnica apresentada por Figler et al.14, que serviu de base para o caso apresentado, associouse a fixação da base do pênis
em sínfise púbica visando melhor exposição da haste peniana e manutenção do resultado
a longo prazo. Inicialmente, nota-se uma retração da pele próxima a esta sutura de
fixação, que no pós-operatório libera-se gradualmente, mesmo sem condutas locais como
drenagens e massagens.
A viabilidade da pele da haste peniana determina o tipo de técnica para correção do
defeito: excisão e fechamento primário, zetaplastias, retalhos ou enxertos de pele5. Houve ressecção da pele doente do prepúcio e haste peniana devido às alterações
inflamatórias crônicas locais, com posterior necessidade de cobertura da área cruenta.
O enxerto de pele total é habitualmente a opção de escolha devido a menor contração
secundária e maior comprimento tardio da haste15,16.
É possível utilizar a pele do prepúcio ou a pele ressecada na dermolipectomia para
obtenção do enxerto, porém, no caso apresentado, a primeira apresentava inflamação
crônica e a segunda áreas de dermatite e foliculite. Optou-se, então, pelo enxerto
de pele parcial com área doadora em coxa. Os cuidados e mobilização pós-operatórios
foram uma preocupação da equipe, já que o paciente apresentava deficiência intelectual,
corroborando para a escolha do enxerto parcial por sua maior facilidade e menor tempo
de integração16.
A técnica utilizada demonstrou bons resultados estéticos e funcionais no acompanhamento
pósoperatório. Foi relatada importante melhora dos sintomas iniciais pelo paciente
e sua responsável legal, demonstrando resultado satisfatório com o procedimento realizado.
CONCLUSÃO
Devido ao aumento progressivo da incidência de obesidade, o pênis embutido tende a
tornar-se uma patologia cada vez mais comum. A intervenção cirúrgica é a base do tratamento,
e sua abordagem deve ser individualizada. A técnica apresentada mostrou-se de execução
factível e com resultados favoráveis em relação às queixas iniciais do paciente referentes
a higiene, micção e infecções. Portanto, é uma boa opção cirúrgica no tratamento do
pênis embutido.
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1. Hospital Municipal São José, Joinville, SC, Brasil
2. Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil
Autor correspondente: Djulia Adriani Frainer Rua Rio do Sul, 270, Joinville, SC, Brasil, CEP: 89202-201, E-mail: djuliafrainer@gmail.com
Artigo submetido: 16/04/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.