INTRODUÇÃO
A beleza do nariz não é definida exclusivamente por medidas, mas sim por proporção,
equilíbrio e harmonia com a face1. Dentre os objetivos da rinoplastia, estão as proporções estéticas inseridas no contexto
de um nariz funcional, o qual melhora a qualidade respiratória e seja naturalmente
belo. Essa complexidade faz com que a rinoplastia seja uma das cirurgias mais desafiadoras
dentro da cirurgia plástica2,3.
Dentro do equilíbrio facial, o nariz possui pontos craniométricos, e estes quando
correlacionados são aplicados à antropometria. É a relação destes pontos entre si
que determina distâncias e ângulos que representam os índices de proporção da face.
Dentre eles, destacam-se: glabella (G); radix (R); nasion (N); pronasale (PRN); rhinion (Rh); subnasale (SN); alare (AL); alar curvature point (AC); labrale superius (LS); e gnathion (GN)4.
A partir dos pontos craniométricos do nariz formam-se as relações craniométricas,
responsáveis por definir o comprimento, a largura, a inclinação e os ângulos do nariz.
A união dos pontos craniométricos supracitados também formará os ângulos nasofrontal,
nasolabial, nasomentual e nasofacial4,5.
A conformação anatômica do nariz influencia diretamente na disposição dos ângulos
nasais, e isso se associa às características estéticas e funcionais. Quando os pontos
e relações craniométricas estão em uma configuração ideal, a face terá proporções
adequadas e simetria. Todavia, essas proporções devem estar relacionadas à boa funcionalidade
nasal, e as principais estruturas responsáveis pela função do nariz são as válvulas
nasais externas e internas6.
A importância funcional das válvulas nasais ficou evidenciada quando Constantian,
em 1994, encontrou um aumento de 4,9 vezes do fluxo aéreo quando a reconstrução das
válvulas nasais foi associada ao tratamento do desvio septal. Entretanto, a septoplastia
isolada aumentou somente 1,1 vez o fluxo aéreo7.
Outro dado relevante do referido autor foi que a reconstrução isolada das válvulas
nasais externa versus interna refletiu num aumento do fluxo aéreo nasal de 2,6 vezes versus 2,0 vezes, respectivamente. Com isso, ficou evidente que a válvula nasal externa
é a estrutura mais importante para o adequado funcionamento nasal7.
OBJETIVO
Definir qual o posicionamento anatômico ideal das cartilagens laterais inferiores
(CLI) associado à otimização da válvula nasal externa.
MÉTODO
O estudo foi realizado por meio de uma revisão de literatura narrativa nas seguintes
bases de dados: SciELO, LILACS e Medline. Os descritores utilizados foram: “cartilagens
nasais”; “obstrução nasal” e “rinoplastia”, sendo selecionados 15 artigos essenciais
para o entendimento do assunto. A revisão foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (UNIFESP/HSP) e aprovada sob
protocolo número 5890190419.
Essa revisão apresenta a contextualização entre as cartilagens laterais inferiores
e a válvula nasal externa.
REVISÃO DE LITERATURA
A estética e a funcionalidade nasal estão diretamente relacionadas ao posicionamento
das CLI, uma vez que essas estruturas anatômicas são o principal elemento estrutural
da parede lateral da válvula nasal externa8.
As CLI são formadas pelos ramos medial, intermédio e lateral, tendo como ponto de
maior projeção o dômus. O ramo medial é o pilar sobre o qual a ponta nasal repousa,
e é o componente primário da columela. Esta última, é responsável pela correlação
visual do comprimento da narina na vista basal9.
Por outro lado, o ramo lateral é o principal componente da asa nasal, influenciando
na forma, no tamanho e na posição desta9. Com isso, algumas situações devem sempre servir de alerta para o diagnóstico da
insuficiência nasal valvular externa, como boxy tip, ponta bulbosa, retração das asas nasais, sulco alar profundo e deformidade em parênteses2,5,8,10,11. O mau posicionamento das CLI não é apenas uma configuração estética, mas também
reflete na inadequada funcionalidade da válvula nasal externa2,8.
Somente em 1994 a importância das válvulas nasais na função respiratória foi pesquisada
em profundidade. Anteriormente a esta data, muitos cirurgiões acreditavam que o caminho
do ar era definido, somente, pelo septo nasal e pelos cornetos nasais inferiores.
Logo, se o paciente apresentava desvio de septo e/ou hipertrofia de corneto inferior,
isso bastava para justificar a insuficiência respiratória nasal7,12.
A respiração envolve mudanças de pressão, e a cavidade nasal precisa ser estável a
essa variação exercida pela inspiração, seja ela forçada ou não. A importância da
válvula nasal externa provém no fato dela ser o primeiro local em que o fluxo aéreo
encontra resistência10. Ou seja, uma disfunção valvular externa resulta em um turbilhonamento do ar com
prejuízo na respiração12.
Quando o paciente faz inspiração profunda, fisiologicamente deve ocorrer uma dilatação
da válvula nasal externa para que o fluxo aéreo nasal seja laminar e possa adentrar
nos seios paranasais. A causa do colapso alar ou insuficiência valvular externa durante
a inspiração profunda é uma CLI com baixa resistência, hipoplásica ou mau posicionada10. Deformidades anatômicas do ramo lateral também podem potencialmente contribuir para
a insuficiência dessa válvula6,13.
Constantian, em 1994, foi responsável por um estudo pioneiro, evidenciando que, quando
reconstruída a válvula nasal externa isoladamente, o fluxo aéreo nasal aumentou em
2,6 vezes. Em comparação, na septoplastia isolada o fluxo aéreo aumentou apenas 1,1
vez. Contudo, quando Constantian associou a correção da válvula nasal externa, válvula
nasal interna e septoplastia, o fluxo respiratório melhorou 4,9 vezes, ficando evidenciado
que a válvula nasal externa isoladamente é responsável por mais da metade do fluxo
aéreo nasal7,12.
Ainda, para o mesmo autor, foi possível classificar no pré-operatório o posicionamento
das CLI como adequado ou inadequado, a partir de uma reta traçada entre o ramo lateral
dessas cartilagens até a pupila do paciente2,7,14.
Quando essa reta se projeta medialmente à pupila, o ângulo formado entre o ramo lateral
da CLI e a margem da asa nasal é maior que 45°, sendo considerado inadequado. Isso
acontece porque a ponta nasal e a asa do nariz ficam sem suporte cartilaginoso adequado
para manter a estabilidade da válvula nasal externa durante a inspiração. Por outro
lado, o posicionamento da CLI é considerado adequado quando a reta traçada entre o
dômus ao local de inserção da cartilagem lateral inferior na abertura piriforme coincide
com a pupila, ou é lateral a ela2,7,14 (Figura 1).
Figura 1 - Classificação do ângulo formado entre o ramo lateral da cartilagem lateral inferior
e a margem da asa nasal.
Figura 1 - Legenda: Verde: ângulo menor ou igual do que 45º (adequado); Vermelho: ângulo maior
do que 45º (inadequado).
Figura 1 - Classificação do ângulo formado entre o ramo lateral da cartilagem lateral inferior
e a margem da asa nasal.
Figura 1 - Legenda: Verde: ângulo menor ou igual do que 45º (adequado); Vermelho: ângulo maior
do que 45º (inadequado).
Toriumi & Asher, em seus estudos, classificaram no intraoperatório o posicionamento
das CLI tomando como referência o ângulo formado entre o ramo lateral dessa cartilagem
com o plano sagital mediano e utilizaram para essa medição um instrumento denominado
goniômetro de dedo5.
Classificaram como inadequado quando o ângulo é igual ou inferior a 30°, situação
em que a parede lateral da válvula nasal externa fica sem estabilidade adequada, predispondo
à insuficiência desta válvula. Por outro lado, consideraram o ângulo como adequado
quando ele foi igual ou maior do que 45° 5,13 (Figura 2).
Figura 2 - Classificação do ângulo formado entre o ramo lateral da cartilagem lateral inferior
com o plano sagital mediano.
Figura 2 - Legenda: Verde: ângulo maior do que 45º (adequado); Vermelho: ângulo menor ou igual
a 30º (inadequado).
Figura 2 - Classificação do ângulo formado entre o ramo lateral da cartilagem lateral inferior
com o plano sagital mediano.
Figura 2 - Legenda: Verde: ângulo maior do que 45º (adequado); Vermelho: ângulo menor ou igual
a 30º (inadequado).
Em 2020, Silva aprimorou a classificação de Toriumi e expôs o conceito do ângulo de
divergência, o qual é formado entre os ramos laterais das CLI, como parâmetro de classificação
do posicionamento das CLI no intraoperatório15.
Importante salientar que, nessa classificação o referido autor utilizou a somatória
bilateral do ângulo da classificação de Toriumi, ou seja, o posicionamento das CLI
foi definido como inadequado quando o ângulo de divergência foi menor do que 60°,
e adequado, quando o valor foi igual ou maior que 90° 15 (Figuras 3 e 4).
Figura 3 - Ângulo de divergência menor do que 60º.
Figura 3 - Ângulo de divergência menor do que 60º.
Figura 4 - Ângulo de divergência maior ou igual a 90º.
Figura 4 - Ângulo de divergência maior ou igual a 90º.
Para mensurar o ângulo de divergência foi desenvolvido, em 2018, o rinogoniômetro.
Esse dispositivo possui registro de patente na Indústria Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) sob o número de processo BR 10 2018 073213 7. É um instrumento cirúrgico inovador,
criado especificamente para essa finalidade, permitindo a mensuração de ângulos no
intraoperatório com precisão, incluindo o ângulo de divergência15 (Figura 5).
Figura 5 - Rinogoniômetro.
Figura 5 - Rinogoniômetro.
O posicionamento das CLI é muito importante, pois, quando elas estão mau posicionadas
possuindo um ângulo de divergência abaixo de 60°, Silva concorda com Toriumi5,13 em realizar a transposição dessas cartilagens utilizando o lateral crural strut graft11. Situação em que, se for realizada a medição do ângulo de divergência pela análise
computadorizada, a diferença entre essa e o rinogoniômetro é de apenas 0,79°, o que
não interfere na conduta do cirurgião e confere praticidade e segurança em uma manobra
cirúrgica tão delicada15.
CONCLUSÃO
A válvula nasal externa foi associada a um melhor funcionamento quando as cartilagens
laterais inferiores estão bem posicionadas, podendo possuir três medidas dependendo
das referências anatômicas utilizadas:
- O ângulo formado entre a borda lateral da CLI e a margem alar é próximo de 45° ou
menos;
- O ângulo formado entre as CLI e o plano sagital mediano é próximo de 45°;
- O ângulo de divergência formado entre as CLI é próximo a 90°.
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DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000008587
1. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2. Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil
Autor correspondente: Eduardo Nascimento Silva Avenida Doutor Francisco Búrzio, 991, Ponta Grossa, PR, Brasil, CEP: 84010-200, E-mail:
dr_eduardosilva@yahoo.com.br
Artigo submetido: 18/07/2020.
Artigo aceito: 06/03/2022.
Conflitos de interesse: não há.