INTRODUÇÃO
Com o aumento da expectativa de vida, a população idosa do Brasil cresceu. Diante
disso, a frequência de acidentes com queimadura nessa faixa etária também elevou-se,
devido a fatores de risco como lentificação da marcha, dificuldades cognitivas, transtornos
psiquiátricos, comorbidades crônicas e polifarmácia. Esses fatores, muitas vezes,
limitantes colaboram para algumas restrições que podem favorecer a ocorrência de sequelas
funcionais, psicológicas e estéticas que, consequentemente, influenciam diretamente
no prognóstico e no aumento da taxa de mortalidade1.
Além disso, é importante ressaltar, ainda, que lesões por queimadura podem ocorrer
devido a agentes químicos, térmicos, radioativos e elétricos. Grande parte dos acidentes
envolvendo queimadura ocorre em casa, sendo em sua maioria preveníveis e facilitados
por negligência nas atividades domiciliares diárias2.
O crescimento da população idosa interfere também no aumento na necessidade de cuidados
médicos hospitalares nessa faixa etária, pois estes permanecem mais tempo internados,
apresentando um pior prognóstico, o que resulta no aumento da mortalidade, dados que
vão ao encontro do atual estudo2.
Segundo Padua et al.1, a maioria dos casos de queimadura ocorre em regiões de baixa renda que provavelmente
não apresentam infraestrutura adequada que possa colaborar para a diminuição do tempo
de permanência hospitalar e, consequentemente, diminuição da taxa de mortalidade.
OBJETIVOS
Esse estudo objetiva analisar a taxa de mortalidade e a média de permanência hospitalar
dos pacientes idosos (≥ 60 anos) vítimas de queimaduras, para que, assim, se possa
responsabilizar os devidos setores de saúde pública e comunitária a intervir de maneira
adequada, rápida e eficaz.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e documental de abordagem quantitativa, cujas informações
epidemiológicas de morbimortalidade hospitalar e dos indicadores de saúde para o período
de janeiro de 2010 a dezembro de 2019 foram obtidas através do Sistema de Declaração
de Morbidade Hospitalar do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)3.
As informações de morbimortalidade hospitalar foram pesquisadas de acordo com o interesse
nos resultados: Queimaduras e Corrosões (Cód. CID-10: T20-T32). Para esse grupo, foram
especificadas as seguintes categorias de análise: sexo, faixa etária, média de permanência
(em dias), taxa de mortalidade e local de residência.
Os gráficos das figuras foram confeccionados a partir do programa Pages (Apple)®.
RESULTADOS
Na Figura 1 têm-se os dados referentes a mortalidade por queimaduras e corrosões em idosos no
período de 2010 a 2019, totalizando uma taxa de 9%. Não houve alteração significante
na taxa de mortalidade em idosos neste intervalo de tempo, assim como nos indivíduos
com menos de 60 anos, que apresentaram uma taxa geral de 2,87% para o período estudado.
Figura 1 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por ano de
processamento.
Figura 1 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por ano de
processamento.
Em relação ao gênero, a taxa de mortalidade para as mulheres foi de 8,77% e de 9,18%
para os homens no intervalo de tempo estudado. A Figura 2 mostra taxas inconstantes tanto para os homens quanto para as mulheres, não apresentarando
crescimento ou decréscimo significativo.
Figura 2 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por gênero
e ano de processamento.
Figura 2 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por gênero
e ano de processamento.
A Figura 3 mostra a taxa de mortalidade por faixa etária para o período estudado. Neste intervalo
de tempo, houve aumento de 30,91% na taxa para a faixa etária acima de 80 anos (crescendo
de 14,75% em 2010 para 19,31% em 2019). Já para as faixas etárias entre 60 e 79 anos
não foram observadas variações significativas.
Figura 3 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por faixa
etária e ano de processamento.
Figura 3 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por faixa
etária e ano de processamento.
Em relação à distribuição dos casos notificados, a Figura 4 mostra a taxa de mortalidade por região do país por ano de processamento. A Região
Sudeste apresentou a maior mortalidade (11,21%), seguida da Região Nordeste (9,55%),
Sul (7,68%), Norte (7,52%) e Centro-Oeste (4,03%). A Região Norte registrou a maior
taxa de crescimento da mortalidade, indo de 1,35% em 2010 para 15,48% em 2019 (crescimento
de 1046,6%).
Figura 4 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por região
e ano de processamento.
Figura 4 - Taxa de mortalidade (%) por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por região
e ano de processamento.
No que diz respeito à média de permanência hospitalar, a média de internação para
o Brasil como um todo entre 2010 e 2019 foi de 8,5 dias. Neste período, houve redução
da média de dias (diminuição de 0,5 dia), indo de 8,6 dias em 2010 para 8,1 dias em
2019. A Figura 5 e a Tabela 1 mostram a evolução da média de permanência hospitalar por ano no Brasil durante o
período estudado e a média por regiões brasileiras.
Figura 5 - Média de permanência hospitalar por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por
ano de processamento.
Figura 5 - Média de permanência hospitalar por queimaduras e corrosões em idosos no Brasil por
ano de processamento.
Tabela 1 - Média de permanência hospitalar (em dias) por queimaduras e corrosões em idosos por
regiões do Brasil relativa ao período de 2010 a 2019.
|
Média de permanência hospitalar (em dias) |
Norte |
9,7 |
Nordeste |
7,6 |
Sudeste |
10,4 |
Sul |
7,9 |
Centro-Oeste |
5,7 |
Tabela 1 - Média de permanência hospitalar (em dias) por queimaduras e corrosões em idosos por
regiões do Brasil relativa ao período de 2010 a 2019.
DISCUSSÃO
Na Figura 1, observou-se que não houve uma variação significativa da taxa de mortalidade entre
os idosos que sofreram queimaduras entre 2010 e 2019. Em relação à taxa de mortalidade
no período estudado, nos idosos (9%) ela foi superior do que na população geral (2,87%),
principalmente tendo em vista que as fragilidades inerentes à terceira idade contribuem
para que, independentemente do tratamento implementado às queimaduras no serviço de
saúde, o idoso esteja sujeito a um maior risco de mortalidade em relação a indivíduos
menores que 60 anos acometidos de queimaduras, principalmente quando outras doenças
crônicas estiverem presentes, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, doenças
cardiovasculares, artrite, entre outras condições4, uma vez que a presença de mais comorbidades está intimamente relacionada com um
desfecho menos favorável ao indivíduo.
Ademais, como observado na Figura 3, a faixa etária dos idosos acima de 80 anos apresentou maior taxa de mortalidade
em relação às demais. Devido às comorbidades supracitadas, quanto maior a idade, maior
será a mortalidade do idoso vítima de queimaduras. A respeito disso, a National Burn Repository, nos Estados Unidos, aponta que, para um índice de 50-59,9% de superfície corporal
queimada, a taxa de mortalidade de um idoso acima de 80 anos é aproximadamente 28
vezes maior se comparada a um idoso de 60 a 69 anos, pois as complicações como infecção
do trato urinário, pneumonia, parada cardíaca, falência respiratória, entre outras,
tornam-se mais frequentes, durante o tratamento, com o aumento da idade5.
Considerando as doenças físicas e mentais de cada idoso, deve-se implementar um tratamento
cada vez mais particularizado, com o intuito de controlar a hemostasia do paciente
e impedir grandes perdas volêmicas, o que é dificultado devido às comorbidades prévias
do indivíduo. Além disso, o próprio envelhecimento da pele, o qual culmina em um menor
poder regenerativo e uma diminuição da função de barreira da epiderme, a torna mais
fina e frágil, além de mais susceptível a lesões6.
Em relação ao gênero, observou-se na Figura 2 que o sexo masculino é o que apresenta maior mortalidade decorrente de queimaduras,
porém a diferença para o sexo feminino é discreta. Ambos, quando idosos, estão sujeitos
a um maior risco de mortalidade por queimaduras, e o principal local de ocorrência
é o ambiente doméstico, principalmente a cozinha, local onde estão propensos a sofrer
escaldaduras, com água, café e sopas superaquecidas7.
Observou-se na Figura 4 a prevalência da taxa de mortalidade nos estados da Região Sudeste, seguida pela
Região Nordeste, e, então, pela Região Sul, em seguida pela Centro-Oeste e, por fim,
a Região Norte. A predominância da mortalidade por queimaduras na Região Sudeste se
dá devido ao maior índice de desenvolvimento socioeconômico e de saúde da região em
relação às outras, resultando em uma maior expectativa de vida para a população idosa
e em um aumento percentual dessa faixa etária8.
Nesse contexto, sabe-se que os idosos têm se tornado mais ativos, bem como têm passado
a morarem mais sozinhos, independentemente da diminuição gradativa e natural das capacidades
funcionais, limitando-os física e cognitivamente. Desse modo, essa faixa etária se
torna mais exposta a riscos de acidentes como as queimaduras ao executarem tarefas
domésticas ou laborais.
Percebe-se, ainda, um aumento progressivo da mortalidade na Região Norte ao longo
do período avaliado. Existem diversos fatores que influenciam nessa variação, como
a falta de informação e o nível sociocultural da população, para a qual, quando vive
em ambientes de pobreza e superlotados, aumenta o risco de queimaduras. Outro quesito
importante é a existência de apenas um centro de referência em queimaduras na região
norte, o Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), localizado no Pará
e que recebe pacientes tanto do território paraense quanto de outros estados da região9. Desse modo, diversos pacientes são sujeitos a um intervalo prolongado até o atendimento
especializado, aumentando o risco de um desfecho negativo ao caso, situação agravada
pelo fato de o transporte terrestre ser o mais utilizado em detrimento do suporte
aeromédico.
Ademais, a taxa de mortalidade de cada região está intimamente relacionada com a capacidade
e a infraestrutura para diminuir os índices de ocorrência e a gravidade das queimaduras10.
Por fim, ao se analisar os dados presentes na Figura 5, nota-se que não existe uma variação relevante na média de permanência hospitalar
no período avaliado, tal qual foi descrito ao se avaliar a taxa de mortalidade. Esse
dado vai ao encontro da literatura, a qual demonstra que, quanto maior a média de
permanência do idoso em hospitais, maior será a taxa de mortalidade destes11.
Uma das observações descritas é a de pacientes que sofreram queimaduras necessitam
passar por debridamento da ferida, o qual reduz o risco de infecção e, consequentemente,
o tempo de permanência hospitalar. Além disso, é importante ressaltar que um maior
tempo em internação aumenta os riscos de contrair uma infecção decorrente à exposição
intrahospitalar. Isso pode ser mais bastante prejudicial, especialmente ao paciente
idoso, o qual, devido a alterações do envelhecimento, maior presença de comorbidades,
polifarmácia, entre outros fatores, tornase mais vulnerável a apresentar evolução
negativa.
CONCLUSÃO
Diante disso, é possível comprovar elevada taxa de mortalidade por queimaduras em
idosos, tornando-se mais expressiva à medida que o grupo etário envelhece. Além disso,
pode-se determinar a relevância do período de internação relativo à população idosa
no que se refere ao desfecho positivo de quadros de queimaduras. Esse reflexo se apoia
nos dados de que uma conduta adequada diminui o período referente ao internamento,
reduzindo, por sua vez, a exposição a patógenos relativos ao ambiente hospitalar.
Dessa forma, nota-se a importância da particularização do tratamento e do preparo
adequado dos profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar dos idosos a fim
de promover resoluções mais positivas nos quadros desses pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Padua GAC, Nascimento JM, Quadrado ALD, Perrone RP, Silva Junior SC. Epidemiologia
dos pacientes vítimas de queimaduras internados no Serviço de Cirurgia Plástica e
Queimados da Santa Casa de Misericórdia de Santos. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(4):550-5.
2. Silva RV, Reis CMS, Novaes MRCG. Fatores de risco e métodos de prevenção de queimaduras
em idosos. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(3):461-7.
3. http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet
4. Comini ACM, Lança PM, Antunes RB, Oliveira Júnior FF, Prearo SV, Vidal MA, et al.
Perfil epidemiológico dos pacientes idosos queimados internados em unidade de tratamento
de queimados do Noroeste paulista. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):76-80.
5. Lima GL, Santos Júnior RA, Silva RLM, Cintra BB, Borges KS. Características dos idosos
vítimas de queimaduras no Hospital de Urgências de Sergipe. Rev Bras Queimaduras.
2017;16(2):100-5.
6. American Burn Association (ABA). National Burn Repository 2017 Report. Chicago: ABA;
2018. 141 p.
7. Freitas LDO, Waldman BF. O processo de envelhecimento da pele do idoso: diagnósticos
e intervenções de enfermagem. Estud Interdiscip Envelhec. 2011;16(Supl):485-97. DOI:
https://doi.org/10.22456/2316-2171.17924
8. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram
queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.
9. Marinho LP, Andrade MC, Goes Junior AMO. Perfil epidemiológico de vítimas de queimadura
internadas em hospital de trauma na região Norte do Brasil. Rev Bras Queimaduras.
2018;17(1):28-33.
10. Serra MCVF, Sasak AL, Cruz PFS, Santos AR, Paradela EMP, Macieira L. Perfil epidemiológico
de idosos vítimas de queimaduras do Centro de Tratamento de Queimados Dr. Oscar Plaisant
do Hospital Federal do Andaraí - Rio de Janeiro-RJ. Rev Bras Queimaduras. 2014;13(2):90-4.
11. Moura NR, Schramm SMO. Lesões por queimaduras em idosos em um hospital de referência.
Rev Bras Queimaduras. 2019;18(2):78-83.
1. Universidade de Fortaleza, Curso de Medicina, Fortaleza, CE, Brasil
Autor correspondente: Arthur Antunes Coimbra Pinheiro Pacífico, Rua Mariana Furtado Leite, 1250 - apto 1201 - torre 1, Eng. Luciano Cavalcante,
Fortaleza, CE, Brasil CEP: 60811-030, E-mail: arthurcoimbra@edu.unifor.br
Artigo submetido: 14/04/2021.
Artigo aceito: 13/12/2021.
Conflitos de interesse: não há.