INTRODUÇÃO
O impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes submetidos a colocação de implantes
mamários, principalmente nas mastoplastias de aumento, é consagrado, conhecendo-se
seus riscos e limites1. Dados estatísticos publicados pela Associação Internacional de Cirurgia Plástica
Estética (ISAPS) indicam que 211.287 operações de aumento mamário com implantes de
silicone foram realizadas no Brasil em 2019. De acordo com o censo 2018 da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o aumento mamário é a cirurgia estética mais
realizada no Brasil, correspondendo a 18,8% de todas as cirurgias plásticas2,3. Muito semelhante aos dados brasileiros, a American Society of Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS) divulgou 280.692 cirurgias de implante mamário em 20194. Atualmente, a prevalência estimada de mulheres com próteses mamárias de silicone
em todo o mundo é de 50 milhões5.
Não houve, não há e não haverá implante mamário de silicone com durabilidade infinita,
a não ser que se altere a reação biológica de corpo estranho6. Algumas pacientes precisam reoperar as mamas devido a contratura capsular, ruptura
do implante ou desejo de alterar o volume implantado e a indicação dessas novas cirurgias,
cientificamente, é um consenso7. Silicone não é considerado um material inerte, visto que diversos efeitos imunológicos
já foram usualmente relatados à possível migração do gel de silicone através da ruptura
do elastômero ou até mesmo com sua membrana intacta - o chamado gel bleed8.
A doença do implante mamário (BII) é uma situação em que uma ampla variedade de sintomas
sistêmicos são autorreportados pelas pacientes. A patogênese desta constelação de
sintomas e critérios diagnósticos permanece sendo objeto de estudo e, apesar de ainda
não encontrar-se cadastrada no Código Internacional de Doenças, é alvo de pesquisa
no órgão regulatório norte-americano (FDA)9. Em um número crescente de casos, pacientes têm optado por ter seus implantes removidos
em um esforço para tratar esses sintomas10.
Pela estatística da American Society of Plastic Surgeons (ASPS), nos Estados Unidos da América, nos últimos anos, ocorreram cerca de 20 mil
explantes por ano relacionados à reconstrução mamária e ao redor de 30 mil explantes
relacionados à cirurgia estética mamária11. Não há dúvida de que o paciente tem autonomia para definir o que permanecerá em
seu corpo, contudo, faltam evidências acerca do impacto da retirada dos implantes
na sintomatologia dos pacientes para que ocorra um aconselhamento médico embasado
em evidências.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é analisar o histórico de sintomas e verificar as impressões
dos pacientes submetidos a cirurgia de explante mamário em três momentos distintos:
antes de colocar os implantes mamários, enquanto estavam com os implantes e após a
cirurgia de explante.
MÉTODOS
Essa pesquisa foi delineada como um estudo observacional longitudinal multicêntrico
utilizando um questionário de participação voluntária. O protocolo dessa pesquisa
foi aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e está registrado sob o número
40784420.8.0000.5336.
Pacientes operadas pelos pesquisadores atuantes em cinco hospitais diferentes foram
convidadas a participar do estudo através de correio eletrônico enviado em março de
2021. Nesse convite estava incluído o Termo de Consentimento Informado e o questionário
com seis seções para autopreenchimento, de participação voluntária, onde constavam
questões diretas, perguntas de múltipla escolha e escalas numéricas de satisfação
corporal (zero correspondendo a insatisfação total e dez a satisfação total)12 utilizando o Google Workspaces (Google Inc., California, EUA).
Foram critérios de inclusão: realização de cirurgia de explante mamário com algum
dos médicos pesquisadores entre janeiro de 2010 e setembro de 2020 e idade entre 21
e 69 anos até a cirurgia de explante. Foram critérios de exclusão: populações vulneráveis,
cirurgia de colocação de novo implante mamário após o explante e usuários de drogas
ilícitas.
Os dados obtidos foram exportados para o programa IBM SPSS v. 20.0 (IBM, Nova York,
EUA) para análise estatística. Foram descritas as variáveis categóricas por frequências
e percentuais. A simetria das variáveis foi verificada pelo teste de Kolmogorov Smirnov.
As variáveis quantitativas com distribuição normal foram descritas pela média e o
desvio padrão e as com distribuição não normal pela mediana e o intervalo interquartil.
Foram comparados os sintomas entre os tempos avaliados pelo teste de McNemar. A escala
de autossatisfação corporal foi comparada entre os tempos pelo teste de Friedman.
Para comparar a autossatisfação corporal entre pacientes que fizeram mastopexia ou
lipoenxertia junto com o explante e aqueles que só fizeram o explante, foi utilizado
o teste de Mann Whitney. Foi considerado um nível de significância de 5% representado
por p<0,05.
RESULTADOS
O convite de participação do estudo foi enviado para 283 pacientes e foram recebidas
174 respostas. Após a retirada de questionários incompletos, o total foi de 156 pacientes
(55,1% dos enviados). A Tabela 1 mostra as características demográficas dos participantes que responderam à pesquisa.
A média de idade ao colocar o primeiro implante foi de 27 anos e a mediana de tempo
em que permaneceram com o silicone foi de 10,5 anos. 24,3% das pacientes fizeram ao
menos uma cirurgia de troca de implantes.
Tabela 1 - Características da amostra (n=156).
Características |
Medidas descritivas |
Gênero, n (%) Feminino |
155 (99,4) |
Cisgênero |
1 (0,6) |
Idade atual (anos), média±DP |
39,5±8,7 |
Idade ao colocar o primeiro silicone (anos), média±DP
|
27,0±7,0 |
Idade ao fazer o explante (anos), média±DP |
38,2±8,7 |
Cor da pele branca, n(%) |
133 (85,8) |
Índice de Massa Corporal atual (cm|kg2), média±DP
|
23,05±3,09 |
Tabela 1 - Características da amostra (n=156).
Na Tabela 2 podemos observar a relação entre os implantes de silicone e sintomatologia dos pacientes.
91,7% das pacientes tinham ao menos um sintoma de BII enquanto estavam com silicone.
Todos os sintomas de BII tiveram um aumento estatisticamente significativo comparando
os momentos antes do implante e enquanto estavam com os implantes. Após o explante,
houve uma diminuição significativa de todos os sintomas de BII, com exceção da febre
recorrente. Só dois sintomas não voltaram, com significância estatística, à frequência
de antes do implante, boca seca (p=0,065) e síndrome do intestino irritável (p=0,096).
Tabela 2 - Frequência dos sintomas antes do implante, durante o implante e depois do explante.
Sintomas |
Antes Implante |
Durante Implante |
Depois Explante |
p Antes Durante |
p Durante Depois |
p Antes Depois |
Mastalgia |
1 (0,6) |
100 (64,1) |
26 (16,7) |
<0,001 |
<0,001 |
<0,001 |
Artrite |
- |
24 (15,4) |
7 (4,5) |
- |
|
- |
Artralgia |
5 (3,2) |
69 (44,2) |
26 (16,7) |
<0,001 |
<0,001 |
<0,001 |
Fadiga crônica |
5 (3,2) |
95 (60,9) |
15 (9,6) |
<0,001 |
<0,001 |
0,031 |
Dificuldade para dormir |
8 (5,1) |
94 (60,3) |
21 (13,5) |
<0,001 |
<0,001 |
0,004 |
Sono insuficiente |
9 (5,8) |
100 (64,1) |
26 (16,7) |
<0,001 |
<0,001 |
<0,001 |
Manifestações neurológicas associadas com desmielinização |
- |
11 (7,1) |
2 (1,3) |
- |
0,004 |
- |
Dificuldades de raciocínio |
3 (1,9) |
89 (57,1) |
13 (8,3) |
<0,001 |
<0,001 |
0,013 |
Perda de memória |
3 (1,9) |
90 (57,7) |
17 (10,9) |
<0,001 |
<0,001 |
0,003 |
Febre recorrente |
- |
7 (4,5) |
3 (1,9) |
- |
0,125 |
- |
Boca seca |
2 (1,3) |
80 (51,3) |
9 (5,8) |
<0,001 |
<0,001 |
0,065 |
Síndrome do intestino irritável |
8 (5,1) |
55 (35,3) |
16 (10,3) |
<0,001 |
<0,001 |
0,096 |
Queda de cabelo |
9 (5,8) |
106 (67,9) |
29 (18,6) |
<0,001 |
<0,001 |
<0,001 |
Esclerose |
- |
1 (0,6) |
- |
- |
- |
- |
Tabela 2 - Frequência dos sintomas antes do implante, durante o implante e depois do explante.
A Figura 1 mostra que, antes de colocar o implante, 2,6% das pacientes tinham pelo menos três
sintomas, enquanto estavam com os implantes passaram a ser 84,0% e depois da retirada
permaneceram com três ou mais sintomas 17,9% das pacientes; houve diferença significativa
entre antes e durante o uso de implantes (p<0,001), durante e depois (p<0,001) e antes e depois (p<0,001). 84% das pacientes apresentavam três ou mais sintomas de BII e 66,1% destes
obtiveram melhora de sua sintomatologia após o explante (Figura 1).
Figura 1 - Frequência de presença de 3 ou mais sintomas antes, com o implante e após o explante.
Figura 1 - (*#& símbolos diferentes representam diferenças estatísticas com p<0,001).
Figura 1 - Frequência de presença de 3 ou mais sintomas antes, com o implante e após o explante.
Figura 1 - (*#& símbolos diferentes representam diferenças estatísticas com p<0,001).
A Tabela 3 nos mostra que, em relação a câncer, diabetes, epilepsia, trombose venosa profunda,
embolia pulmonar, HIV, hepatite, hipertensão, doença de Chron ou nefropatias, não
encontramos alterações nas frequências observadas antes do implante, enquanto estavam
com o silicone e após o explante. Ao analisarmos doenças autoimunes, 9,7% das pacientes
apresentavam alguma doença autoimune antes, 35,3% enquanto estavam com os implantes
e 23,2% após o explante; houve diferença significativa entre antes e com o silicone
(p<0,001), com o silicone e depois do explante (p<0,001) e antes de colocar silicone e após o explante (p=0,001).
Tabela 3 - Frequência das doenças antes do implante, durante o implante e depois do explante.
Sintomas |
Antes Implante |
Durante Implante |
Depois Explante |
p Antes Durante |
p Durante Depois |
p Antes Depois |
Diabetes |
- |
3 (1,9) |
1 (0,6) |
- |
0,500 |
- |
Epilepsia |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
Cancer |
1 (0,6) |
2 (1,3)) |
1 (0,6) |
1,000 |
1,000 |
1,000 |
Hipotireoidismo |
7 (4,5) |
31 (19,9) |
27 (17,3) |
<0,001 |
0,344 |
<0,001 |
Trombose venosa |
- |
2 (1,3) |
- |
- |
- |
- |
Embolia pulmonar |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
HIV |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
Hepatite |
1 (0,6) |
- |
- |
- |
- |
- |
Pressão alta |
- |
6 (3,8) |
2 (1,3) |
- |
0,125 |
- |
Doença de Chron |
1 (0,6) |
5 (3,2) |
5 (3,2) |
0,219 |
1,000 |
0,125 |
Asma |
10 (6,4) |
4 (2,6) |
3 (1,9) |
0,109 |
1,000 |
0,039 |
Doença nos rins |
- |
1 (0,6) |
1 (0,6) |
- |
1,000 |
- |
Doença de pele |
8(5,1) |
48 (30,8) |
13 (8,3) |
<0,001 |
<0,001 |
0,267 |
Tabela 3 - Frequência das doenças antes do implante, durante o implante e depois do explante.
A Tabela 4 ilustra as impressões dos pacientes em relação à aparência corporal. Antes da colocação
de silicone a mediana de autossatisfação corporal era de 7, enquanto estavam com os
implantes a mediana tornou-se 9 e após a cirurgia de explante a mediana se manteve
em 9. A satisfação das pacientes em relação ao seu corpo antes da colocação foi significativamente
menor do que a satisfação enquanto estavam com os implantes (p<0,001) e após o explante (p<0,001); não houve diferença na satisfação estética das pacientes enquanto estavam
com o silicone e após o explante.
Tabela 4 - Impressões dos pacientes em relação à aparência corporal.
Antes de colocar |
Enquanto estiveram com implante |
Depois do explante |
p |
Auto satisfação corporal, 7 (5 a 8)a mediana (IIQ)
|
9 (8 a 9)b |
9 (8 a 9)b |
<0,001 |
Tabela 4 - Impressões dos pacientes em relação à aparência corporal.
A mediana das pacientes que fizeram mastopexia em relação à satisfação com seu corpo
foi de 9 (intervalo interquartil de 8 a 10) e nas que não fizeram a mediana foi também
de 9 (intervalo interquartil de 8 a 10), não havendo diferença estatisticamente significativa
(p=0,220). A mediana das pacientes que fizeram lipoenxertia foi de 9 (intervalo interquartil
de 8 a 10) e nas que não fizeram a mediana foi também de 9 (intervalo interquartil
de 8 a 10), não havendo diferença estatisticamente significativa entre realizar somente
o explante ou associar com mastopexia ou lipoenxertia (p=0,186). Das pacientes avaliadas, 1,3% pensariam em colocar silicone novamente, 6,4%
recomendariam que uma amiga colocasse silicone e 97,4% aconselhariam que uma amiga
fizesse o explante.
Das pacientes avaliadas, 83,3% relataram arrependimento de ter feito a cirurgia de
implante, enquanto que 0,6% arrependeram-se de ter realizado a cirurgia de explante.
O aconselhamento do médico que colocou o silicone ajudou na decisão de realizar o
explante em 32,9% das pacientes, enquanto grupos de apoio em redes sociais auxiliaram
na decisão de 87,2% e notícias em jornais, revistas ou sites contribuíram para a decisão
de 46,5%.
DISCUSSÃO
Uma realidade emergente que a Cirurgia Plástica enfrenta é a preocupação dos pacientes
de que seus implantes de silicone sejam a causa de sintomas referidos pelo termo BII,
ou ainda que, mesmo sem sintomas, poderiam desenvolver doenças ao longo do tempo.
As queixas dos pacientes sobre BII devem ser levadas a sério, e pacientes sintomáticos
podem optar pela remoção do implante, sendo informados de que o explante não será
necessariamente curativo para quaisquer sintomas sistêmicos13. Nosso estudo demonstrou que a cirurgia de explante mamário cursa com uma expressiva
taxa de redução de alguns sintomas de BII.
Peters et al., em 1997, ao estudarem 100 pacientes de explante mamário consecutivos,
observaram que a motivação para o explante em 76% dos casos era por suspeita de problemas
de saúde relacionados ao silicone14. Nossa pesquisa demonstrou resultados similares, visto que as principais motivações
para explante foram sintomas de BII (26,9%), estética (26,3%), diagnóstico de alguma
doença autoimune (16,0%) e Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes (ASIA) (16,0%).
Uma teoria com grande aceitação propõe um efeito adjuvante do silicone no desenvolvimento
de doenças autoimunes em pacientes geneticamente predispostos. No entanto, a vasta
gama de sintomas que ocorrem em pacientes que desenvolvem essas patologias levanta
dúvidas sobre a relação entre os efeitos adjuvantes que um implante de silicone pode
ter com uma doença autoimune específica ou uma mistura dessas doenças15. A falta de consenso sobre este tema deixa uma importante lacuna no conhecimento
atual, contudo, o expressivo número de 16% de pacientes em nosso estudo optarem pela
retirada dos implantes após terem o diagnóstico médico de síndrome ASIA desperta atenção.
Na coorte da Faculdade de Baylor em 1994, foram estudados 100 pacientes diagnosticados
com doença mamária adjuvante após implante mamário de silicone ou injeções de silicone16. Esse conjunto de sintomas descritos em 1994 são idênticos aos citados atualmente
como BII. Nesta pesquisa 96 pacientes foram submetidos ao explante mamário e a média
de idade dos pacientes no explante foi de 44 anos. Graf et al., em 2019, estudando
26 pacientes que desejavam retirar os implantes de silicone, a maioria por desejo
de seios menores sem implantes, observaram uma média de idade de 59 anos17. Em nosso estudo encontramos uma população mais jovem, com a média de idade de 38
anos no momento do explante.
Maijers et al., em 2013, ao estudarem 52 pacientes submetidos a explante mamário,
observaram, em 69% deles, redução significativa nos sintomas de BII18. Esses dados estão de acordo com o nosso estudo, que encontrou 66,1% de redução em
pacientes apresentando três ou mais sintomas de BII.
de Boer et al., em 2017, demonstraram que o explante é útil para melhorar as queixas
relacionadas ao silicone em 75% dos pacientes, enquanto que em pacientes que desenvolveram
doenças autoimunes, a melhora só é observada quando o explante é combinado com terapia
imunossupressora19.
Ainda assim, não conhecemos todos os gatilhos das doenças autoimunes, inclusive no
que diz respeito às questões individuais e ímpares de cada paciente, sendo o adjuvante
um dos motivos para o desenvolvimento da doença. Realizar o explante seria uma tentativa
de retirar o gatilho que mantém a doença autoimune em atividade ou que poderia ativar
outras bases autoimunes, gerando novas doenças. Várias pacientes apresentam, além
das próteses de mama, dispositivos intrauterinos, preenchedores, tatuagens, implantes
dentários, e todos esses podem ser responsáveis tanto pelo gatilho inicial quanto
pela manutenção da doença. Não há como definir qual deles foi o precursor.
O estudo da coorte de Maastricht em 2017 consistiu em 100 pacientes com diagnóstico
de síndrome de ASIA após colocação de implantes mamários de silicone, 54 destes pacientes
foram submetidos a cirurgia de explante20. Destes, 50% apresentaram melhora dos sintomas da síndrome de ASIA após o explante.
Em sete pacientes, entretanto, a melhora foi observada apenas temporariamente, com
recidiva das queixas após algumas semanas. Nosso estudo mostrou-se compatível, visto
que encontramos melhora dos sintomas da BII de 66,1%.
Wee et al., em 2017 e 2018, estudaram 752 pacientes submetidas a explante mamário,
e observaram que pacientes com implantes mamários portadores de sintomas da BII obtiveram
melhora significativa, imediata e sustentada em 11 sintomas comuns após a cirurgia
e que essa melhora foi mantida além do período pós-operatório imediato21. Isso demonstra que os dados que obtivemos entre a cirurgia de explante e o momento
de aplicação do questionário (mediana de 14 meses) refletem uma tendência já observada
em outros estudos.
Miranda, em 2020, ao estudar 15 pacientes submetidas a explante descreveu que os sintomas
mais comuns como mialgia, artralgia, fadiga crônica, pele e cabelos secos tiveram
melhora em mais de 80% dos pacientes e de 100% das pacientes com sintomas de distúrbio
cognitivo, febre e prurido22. Em nosso estudo observamos melhora nos sintomas de artralgia em 62%, de fadiga crônica
em 84%, distúrbios cognitivos 85% e febre em 57%.
Miseré & van der Hulst, em 2020, ao estudarem 197 pacientes submetidos a explante
mamário, descreveram que um em cada nove explantes foi realizado por pacientes com
sintomas da BII23. Cerca de 60% desses pacientes experimentaram uma melhora em suas queixas após a
remoção do implante. Em nosso estudo 84% dos pacientes apresentavam três ou mais sintomas
de BII e obtiveram uma taxa de melhora de sua sintomatologia de 66,1% após o explante.
Um dos maiores receios ao indicarmos a cirurgia de explante reside na possibilidade
de arrependimento da paciente. O pesar seria tanto pela questão estética de não se
aceitar bem com mamas pequenas quanto por retrações e aderências que poderiam surgir
após o explante acompanhadas pela ausência de melhora dos sintomas de BII. Existe
grande discussão sobre o resultado estético das cirurgias de explante mamário, muitos
cirurgiões creem que o aspecto corporal após a intervenção é frustrante e desarmônico.
Na opinião das pacientes em nosso estudo, isso não ocorreu. O arrependimento de ter
feito a cirurgia de explante foi de apenas 0,6%. Pudemos observar, com significância
estatística, que as pacientes consideraram-se mais bonitas após a colocação dos implantes
e que esta percepção de satisfação corporal permaneceu após a retirada destes. Não
encontramos diferença na autoavaliação corporal ao compararmos as pacientes enquanto
estavam com os implantes e após a cirurgia de explante. Escalas visuais de satisfação
corporal são amplamente utilizadas para avaliação de resultados em Cirurgia Plástica12.
Esses dados obtidos em nossa pesquisa são de vital importância para entendermos que,
nem sempre, o ideal estético do cirurgião é idêntico ao da paciente e que devemos
abrir nossas mentes para entendermos as particularidades das mulheres que buscam o
explante mamário. Igualmente, não houve diferença estatisticamente significativa em
termos de satisfação quando comparamos a cirurgia de explante isolado, ou explante
com mastopexia, ou explante associado a lipoenxertia. Acreditamos que esse achado
demonstra que as indicações de cirurgias associadas foram corretamente realizadas,
pesquisas futuras deverão focar nas indicações de cirurgias associadas ao explante
mamário.
Nossos dados mostraram uma taxa de arrependimento de ter feito a cirurgia de implante
de 83,3%. Esses dados precisam ser cautelosamente interpretados, visto que estão em
conflito com a literatura, que costuma relatar elevado grau de satisfação com o resultado
obtido após o procedimento de aumento mamário com implantes de silicone24,25.
Grupos de apoio em redes sociais auxiliaram na decisão de realizar o explante em 87,2%
das pacientes participantes da nossa pesquisa, enquanto que notícias em jornais, revistas
ou sites contribuíram para a decisão de 46,5%. A literatura nos mostra que cerca de
98% das mulheres diagnosticadas com BII utilizam redes de apoio online (grupos de
Facebook e Instagram) e 62% destas referem que a participação nos grupos as tornou
mais alertas a respeito do diagnóstico e com medo do desenvolvimento dos sintomas5.
À luz das preocupações das mulheres portadoras de implantes de silicone, e de uma
pesquisa de longo prazo estudando quase 100.000 indivíduos com implantes mamários
que demonstrou taxas mais altas de doenças autoimunes em pessoas com implantes mamários,
devemos abordar com empatia as preocupações de nossas pacientes e reconhecer a realidade
potencial dos sintomas de BII26,27.
Observamos que o aconselhamento do médico que colocou o silicone ajudou na decisão
de realizar o explante em somente 32,9% das pacientes. É importante que a nossa resposta
ofereça uma assistência real a quem necessita de orientação e cuidados. Embora nosso
primeiro impulso possa, às vezes, ser o de desencorajar uma paciente a remover o implante,
devemos lembrar que as mulheres têm tanta autonomia de ter seus implantes removidos
quanto tinham de ter o silicone implantado em seu corpo.
A remoção do implante, como qualquer cirurgia plástica, deve ser abordada com base
nas melhores e mais recentes evidências científicas e com um entendimento completo
dos riscos e benefícios. Acreditamos que uma paciente com qualquer tipo de queixa
relacionada aos seus implantes deve primeiro retornar ao cirurgião que fez o implante,
esperando que este encontre-se preparado para examinar e ajudar cada paciente a chegar
a uma decisão apropriada às suas necessidades e crenças individuais28.
Muitas vezes, o médico que faz o diagnóstico de BII não é o cirurgião plástico, pois
a paciente não correlaciona os sintomas com os implantes e inicia a busca por outros
médicos como reumatologistas e neurologistas29. Ainda considerando que procure pelo seu cirurgião, sabemos que é um assunto que
não está difundido amplamente com escores de diagnóstico, fazendo com que a paciente
se sinta desamparada, pois profissionais que desconhecem a doença podem descredibilizar
as queixas e afirmar que as causas seriam psicossomáticas30. Por isso, é essencial ouvir as preocupações da paciente e dedicar tempo para explicar
os riscos e benefícios potenciais das várias opções. No final, se o cirurgião prefere
não realizar o explante e a paciente segue desejando essa cirurgia, o encaminhamento
para um colega com experiência nessa cirurgia pode ser a melhor alternativa28.
No modelo de pesquisa que empregamos as taxas de resposta foram calculadas dividindo
o número de respostas utilizáveis pelo número total elegível na amostra escolhida31. Charles-de-Sá et al., em 2019, consideraram como adequada uma taxa de resposta em
torno de 10% afirmando que esse valor estaria bem acima da taxa média de resposta
de um questionário da SBCP32. Nosso estudo obteve uma taxa de respostas válidas de 55,1%, nos permitindo afirmar
que os resultados obtidos refletem significativamente a realidade da amostra selecionada.
A validade interna de nossos dados é muito consistente, contudo, a validade externa
de nossos achados não é apropriada para a população portadora de implantes mamários
de silicone, visto que a principal limitação do nosso estudo encontra-se na seleção
da amostra composta por 91,7% de pacientes que apresentavam ao menos um sintoma da
BII enquanto estavam com os implantes mamários. Sendo assim, a generalização de nossos
resultados para a população em geral é desencorajada.
Nossos dados são estritamente relacionados a pacientes que desejavam espontaneamente
a realização do explante, nossa pesquisa não foi delineada para aferir prevalência
ou incidência de sintomas da BII ou da síndrome de ASIA. Essa relação deverá ser futuramente
estudada através de pesquisas epidemiológicas com delineamentos diferentes do nosso,
idealmente coortes de bases populacionais envolvendo pessoas com implantes mamários
e pessoas que nunca colocaram silicone.
Nossos pacientes apresentaram uma mudança estatisticamente significativa em relação
aos sintomas de BII, entretanto, nem todos os pacientes obtiveram melhora. Portanto,
ao conversar com nossos pacientes, devemos deixar claro que não há garantia de que
os sintomas melhorarão com a remoção do implante. Por outro lado, diversos estudos
demonstraram melhora dos sintomas em alguns pacientes sem evidências laboratoriais
de doença autoimune10.
O que acontece para não termos esse parâmetro tão preciso de melhora é que há pacientes
que fazem o explante sem uma avaliação clínica precisa précirúrgica. Nesse momento,
alguns diagnósticos não são realizados e, no pós-operatório do explante, os sintomas
dessa doença não diagnosticada ou não tratada irão se manifestar. Também há o viés
de que, a partir do momento em que a prótese atuou como um gatilho, pode ter desencadeado
outra doença autoimune.
Grande parte das doenças autoimunes, após o disparo do gatilho, não têm cura, podendo
alternar momentos de melhora com agravamento das manifestações clínicas, visto que
a remissão não depende apenas do explante. Hipovitaminoses, doenças crônicas descompensadas,
questões emocionais como o momento da pandemia, podem também interferir nessa avaliação
de alguma forma. Os critérios diagnósticos de BII são vagos e inespecíficos, como
resultado, o fenômeno é difícil de identificar e tratar33.
Precisamos enfatizar que a ciência médica está sempre evoluindo e que existem muitas
doenças e condições que permanecem mal compreendidas apesar de anos de pesquisa. Permanecer
atualizado no campo de implantes mamários significa ter conhecimento sobre os interesses
e solicitações dos pacientes, bem como das informações trazidas pela mídia e estudar
não somente a literatura publicada, mas também as razões da escassez de evidências
do mais elevado grau29.
Não paramos de procurar soluções para os diversos questionamentos legítimos que estão
sendo levantados, nem vamos parar até que as respostas sejam encontradas. No momento,
entretanto, precisamos ajudar nossos pacientes a compreender suas opções atuais e
os riscos e benefícios potenciais de cada curso de ação, incluindo a possibilidade
de não fazer nada28. Devemos confiar na melhor evidência científica disponível para determinar o mais
adequado aconselhamento para nossas pacientes considerando os sintomas físicos e o
impacto das incertezas. Não podemos deixar de valorizar as motivações de nossos pacientes,
devemos buscar decifrar o enigma da BII e garantir que nossos pacientes saibam que
nunca vamos parar de buscar a melhor evidência científica possível e a excelência
no atendimento médico.
CONCLUSÃO
Algumas pacientes submetidas a cirurgia de implante mamário apresentam sintomas descritos
como BII após colocarem o silicone e a maior parte desta sintomatologia desaparece
com a retirada dos implantes mamários. A autossatisfação corporal aumenta com a colocação
de implantes mamários e permanece elevada após a retirada destes. Pacientes que fazem
a cirurgia do explante costumam estar arrependidas de terem colocado silicone, muito
satisfeitas com a decisão de removê-los e igualmente satisfeitas com o resultado da
cirurgia de explante mamário. Grupos de apoio em redes sociais foram importantes na
tomada de decisão destes pacientes.
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1. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
2. Sistema de Saúde Mãe de Deus, Porto Alegre, RS, Brasil
3. Hospital Erasto Gaertner, Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia, Curitiba,
PR, Brasil
4. Hospital Vale Paraibano de Cirurgias, Taubaté, SP, Brasil
5. Universidade Federal de Santa Catarina, Hospital Universitário, Florianópolis,
SC, Brasil
Autor correspondente: Denis Souto Valente, R. Antônio Carlos Berta 475 - 702, Porto Alegre, RS, Brasil, CEP: 91340-020, E-mail:
denisvalentedr@gmail.com
Artigo submetido: 11/05/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.