ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Hérnia de Spiegel após Abdominoplastia
Spiegelian Hernia Secondary to Abdominoplasty
Articles -
Year1997 -
Volume12 -
Issue
1
Vitor Hugo Moreira GuimarãesI, Carlos Fabian Idrovo AndradeI, Guido Monteiro da Cunha MagalhãesII, Sebastião Nelson Edy GuerraIII
RESUMO
Os autores, após análise de 690 hernioplastias no período entre 1960 e 1994, encontraram três casos de Hérnia de Spiegel, todos diagnosticados em pacientes que já haviam se submetido a abdominoplastia prévia. Com isso, sugerem que a plicatura da linha semilunar de Spiegel associada à abdominoplastia clássica possa contribuir como método preventivo no aparecimento da hérnia, uma vez que a plicatura reforça um ponto débil da parede ântero-lateral do abdome.
Palavras-chave:
Hérnia, Plicatura da Linha Semilunar de Spiegel, Abdominoplastia
ABSTRACT
After analyzing 690 hernioplasties performed during the period between 1960 and 1994, the authors found three cases of Spiegel's hernia, all diagnosed in patients that had undergone prior abdominoplasty. They suggest that plication of Spiegel's "linea semilunaris" associated with classical abdominoplasry may comribllle to the prevention ofSpiegeliall Hernia, since this plication reinforces a weak point in the anterolateral abdominal wall.
Keywords:
Hernia, Spiegel's Linea Semilunaris Plication, Abdominoplasty
INTRODUÇÃO
A Hérnia de Spiegel pode ser encontrada com os nomes de Spiegel, Spigel, Spigelius, Hérnia da linha semilunar ou Hérnia Ventrolateral Espontânea do Abdome.
A linha semilunar de Spiegel foi nomeada entre 1578/ 1625 por Adrian Van Der Spiegel, professor de anatomia e cirurgia da Universidade de Pádua, sendo definida como a linha que faz a transição entre o músculo oblíquo interno e transverso do abdome, estendendo-se da 8º ou 9º cartilagem do abdome, costal até o tubérculo púbico, traduzindo uma curva lateral convexa, que lhe valeu o nome de semilunar. A parte da aponeurose que fica entre a linha semilunar e a borda lateral do músculo reto abdominal é chamada de faixa ou zona de Spiegel (Fig.1).
Fig. 1 - Anatomia da parede abdominal mostrando a Faixa de Spiegel.
A protrusão de um saco de peritônio, de um órgão ou de gordura pré-peritoneal da sua posição normal através de um orificio congênito ou adquirido na faixa de Spiegel, caracteriza a hérnia, descrita originalmente por La Chausse em 1746 segundo Olson e cols (6). Localiza-se geralmente entre as diferentes camadas musculares da parede abdominal, por isso chamada de interparietal, intersticial, intramuscular ou intramural.
Sir Astley Cooper (1804) lançou a teoria de que orificios neurovasculares na faixa de Spiegel poderiam aumentar de diâmetro, permitindo a herniação, hipótese desconsiderada após trabalho publicado por Zimmerman e cols (11), que, após 500 dissecções anatômicas, verificaram a raridade dos vasos sangüíneos passando através do defeito.
A teoria mais aceita com relação à formação da Hérnia de Spiegel se baseia no fato de que a parede ântero-lateral do abdome é formada, de cada lado, por dois músculos na parte anterior (reto abdominal e piramidal) e por três músculos na parte ântero-lateral (oblíquo externo, oblíquo interno e transverso do abdome). Cada um desses últimos três músculos é envolvido por suas fáscias, que se unem medialmente para formar a bainha dos retos abdominais. Acima da linha arqueada ou linha semicircular de Douglas, a aponeurose do oblíquo interno se divide em duas lâminas: uma juntamente com a aponeurose do oblíquo externo passa por cima dos retos abdominais enquanto a outra lâmina, juntamente com a aponeurose do transverso do abdome e a fáscia transversalis, formam a porção posterior da bainha dos retos abdominais. Abaixo da linha semicircular as três aponeuroses se unem, passando apenas anteriormente aos retos abdominais, que ficam separados do peritônio apenas pela fáscia transversalis e tecido conjuntivo frouxo, tornando-se débil ou mesmo ausente a lâmina posterior da bainha do reto.
Nesse ponto débil, ocorrem a maioria das Hérnias de Spiegel(7).
MATERIAL E MÉTODOS
Nosso trabalho tem como objetivo relacionar o aparecimento da Hérnia de Spiegel a pacientes pós-operados de abdominoplastia e sugerir a plicatura da linha de Spiegel como método preventivo.
Foram examinados os casos de cirurgias realizadas em pacientes com abdominoplastias prévias no serviço, entre 1960 e 1994, sendo registrados 16 casos, como se verifica no quadro abaixo.
Cirurgias realizadas após abdominoplastias
Os três casos de Hérnia de Spiegel somam um percentual de 18,75% , realizados em pacientes do sexo feminino.
Examinou-se um total de 690 hernioplastias realizadas ao longo do período referido.
A seguir, é descrito um caso de Hernioplastia de Spiegel acompanhado segundo documentação fotográfica anexa.
Paciente MGS, 76 quilos, branca, submetida a abdominoplastia há 15 meses. Há dois meses iniciou com dor lombar e na fossa ilíaca à esquerda. Ao exame fisico, observado abdome globoso, operado (abdominoplastia), com protrusão difusa no flanco e fossa ilíaca à esquerda, lateral ao músculo reto abdominal. Realizados exames laboratoriais, ultra-som, TC, que foram inconclusivos. Suspeitado pelo cirurgião geral e cirurgião plástico diagnóstico clínico de Hérnia de Spiegel. Levada à cirurgia, foi confirmado o diagnóstico e feita correção da hérnia e da deformidade dermogordurosa provocada pela mesma (Fig.2 a 9).
Fig. 2 - Paciente com Hérnia de Spiegel, visão de perfil.
Fig. 3 - Paciente com Hérnia de Spiegel, visão de frente.
Fig. 4 - Hérnia de Spiegel dissecada.
Fig. 5 - Ressecado excesso de peritônio.
Fig. 6- Conteúdo herniário isolado. Omento maior.
Fig. 7 - Exposição para realizar hernioplastia.
Fig. 8 - Hernioplastia com jaquetão.
Fig. 9. - Hernioplastia de Spiegel realizada mais reforço contralateral da linha de Spiegel.
RESULTADOS
Com os dados disponíveis dos 690 casos de hernioplastias examinados apenas três correspondem à Hernioplastia de Spiegel, o que coincide com os três casos realizados após abdominoplastias, perfazendo um total de 100% dos casos de Hernioplastia de Spiegel realizados após abdominoplastia prévia, o que nos levou a correlacionar intimamente o resultado.
Estudos prospectivos estão sendo desenvolvidos em pacientes submetidos à abdominoplastia com plicatura da linha semilunar de Spiegel (Fig.l0 e 11) associada a plicatura da linha média, com o intuito de verificar o aparecimento ou não dessa hérnia após abdominoplastias.
Fig. 10 - Abdominoplastia com plicatura da linha média mais plicatura da Linha de Spiegel.
Fig. 11 - Abdominoplastia com plicaturas completas.
DISCUSSÃO
Embora existam poucas publicações a respeito, a Hérnia de Spiegel não é extremamente rara e seu diagnóstico efetuado sem muita clareza. Os casos relatados têm sido quase sempre descritos em adultos (porém, já foram descritos em crianças e velhos), predominando entre a quinta e a sexta décadas de vida, podendo ser uni ou bilaterais; quanto ao sexo, obedece mais ou menos à relação 1:1 (1,4,6,10).
Em nossa estatística, todos os pacientes são do sexo feminino, talvez pelo fato de a abdominoplastia ser realizada com maior freqüência pelas mulheres. Não existe preferência com relação ao lado da parede abdominal mais freqüente, porém, sua localização mais evidente é abaixo da cicatriz umbilical, sendo rara na parte cranial do abdome(9). Isso se justifica porque na posição ereta, a pressão intra-abdominal é maior abaixo da cicatriz umbilical pela força da gravidade que os órgãos impõem. Com relação à etiologia da Hérnia de Spiegel, em adição aos defeitos anatômicos congênitos, fatores que aumentam a pressão intra-abdominal são os principais, dentre eles: obesidade, gravidez repetida, ascite, tosse crônica, esforço muscular, pessoas que tiveram considerável perda de peso por dieta ou doença, constipação, comida flatulenta e de difícil digestão e tumor intra-abdominal. Aqui gostaríamos de incluir a abdominoplastia como causa da hérnia, baseados em nossa casuística apresentada e pelo grande número da pressão intra-abdominal provocado por esta cirurgia, tanto pela ressecção dermogordurosa como pela plicatura da linha média abdominal convencional. O caso apresentado anteriormente vem ao encontro da sintomatologia típica, que se constitui de dor intermitente precipitada por exercícios, parecendo uma neuralgia, localizada na faixa de Spiegel, sendo identificada pelo paciente no local acima. Se o paciente observou previamente a presença de edema local, pode-se tornar de valia no diagnóstico que às vezes se torna difícil pela falta da dor. De acordo com o conteúdo do saco herniário que pode ser omento e intestino na sua maioria, a sintomatologia pode variar um pouco. Nosso paciente possuía massa palpável na região da linha de Spiegel, não significando isso o mais comum, pois o exame pode ser dificultado pelo fato da hérnia se localizar interparietalmente em muitos casos. As manobras de valsalva podem facilitar a palpação do orificio herniário que varia de 0,5 a 2,0 cm, sendo descritos orifícios de até 6 ou 8 cm de diâmetro(9). O diagnóstico pode ser facilitado por radiologia contrastada, mapeamento ultrasonográfico e tomografia computadorizada, porém, como no caso apresentado, a exploração cirúrgica sela o diagnóstico.
CONCLUSÃO
A abdominoplastia clássica, devido ao grande aumento da pressão intra-abdominal, pode levar à formação de hérnia na linha semilunar de Spiegel, que tem um tratamento eminentemente cirúrgico, simples, porém leva o paciente a um ato cirúrgico desnecessário, com dispêndios elevados.
Em concordância com o exposto, sugerimos a plicatura da linha semilunar de Spiegel como tratamento preventivo à formação da Hérnia de Spiegel, uma vez que reforçamos o ponto débil da parede abdominal ântero-lateral.
I - Médico Residente do Centro de Formação e Treinamento em Cirurgia Plástica do Hospital Mater Dei e da Clínica de Cirurgia Plástica Sebastião Nelson Ltda.
II - Cirurgião Geral Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Ex-professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Cirurgião Geral dos Hospitais Mater Dei e Socor.
III - Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional de Minas Gerais, Preceptor do Centro de Formação e Treinamento em Cirurgia Plástica do Hospital Mater Dei, Presidente da Comissão Organizadora do 31º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, Membro Titular da SBCP/MG.
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Trabalho realizado no Hospital Mater Dei1, equipe de cirurgia geral do Dr. Guido Monteiro da Cunha Magalhães e na Clínica de Cirurgia Plástica Sebastião Nelson Ltda2.
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