ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1997 - Volume12 - Issue 1

RESUMO

O autor apresenta sua experiência pessoal, com uma nova forma de retalho para a confecção da neopapila nas reconstruções mamárias. A casuística apresentada consta de 50 casos, com observação por quatro anos de pós-operatório. O princípio da técnica baseia-se no fato de que o desenho do retalho tem a dimensão horizontal predominante sobre a vertical, na proporção de 3:1, sendo que o terço central do eixo maior corresponde ao pediculo vascular dérmico, garantindo maior viabilidade ao mesmo. A forma trapezóide do retalho determina ao final do fechamento uma estrutura cônica ou cilíndrica para a neopapila, dependendo da maneira como o desenhamos e como o suturamos. As principais vantagens desse retalho estão no fato de que a área doadora pode ser fechada primariamente por avanço, e o retalho depois de ser modelado pode ser implantado sobre um leito dérmico onde também será enxertada a futura aréola, constituindo-se, assim, num reforço vascular. Essa plataforma dérmica serve de contenção para a neopapila, impedindo seu desabamento. Quando o fechamento do retalho é feito borda a borda, observamos perda de altura de mais ou menos 30% em seis meses. Porém, se a sutura é feita em torsão, essa perda é bastante reduzida e o resultado mais significativo e definitivo. Por essas observações recomendamos seja feita uma hipercorreção em relação ao lado oposto. Até o momento, tivemos apenas dois casos de necrose total e um parcial, o que corresponde a aproximadamente 0,5% de complicações. As indicações se estendem a todas as formas de reconstruções, incluindo as peles que tenham sido irradiadas. A desvantagem estética é que a pele de cor mais clara pode ser perfeitamente eliminada através da enxertia imediata de pele igual à da neo-aréola ou da pigmentação.

Palavras-chave: Papila, Mama, Complexo Aréolo-papilar, Reconstrução Mamária

ABSTRACT

The author reports his experience witlr a newjlap for railoring a neo-nipple in breast reconstructions. Aseries of 50 cases with a four year post-operative follow-up is presented. The teclrnique is based on the foct that tire design of tire jlap is predaminalllly horizolllal with a 3: I ratio over the vertical size. The central 1/3 of the greater axis corresponds to tire dermal vascular pedicle, which ensures its greater viability. At closure, the trapezoidjlap determines a conical or cylindrical structure for the neo-nipple, depending on the design and hall' it is sutured. The main advantages oftlris jlap are tlrat tire donor site can be closed primarily by advancemelll and after fashioning, thejlap can be implanted on a dermal bed where thefuture areola will also be grafted. A vascular reinforcement is achieved through this procedure. This dermal platform serves to contain the neonipple. prevellling its collapse. When the jlap is closed margin to margin, a loss is observed in height of about 30% in six months. However, ifthe Slllure is made in a twisted manner, it is substantially reduced with a more significant and definitive result. Because ofthese observations, a hypercorrection compared 10 the opposite side is recommended. Up to the present, only two cases ofcomplete and one ofpartial necrosis have occurred, which corresponds to a complication rate of about 0.5%. It is indicated for all reconstructions, including for irradiated skins. The esthetic disadvantage ofa lighter colored skin can be eliminated by immediate grafting of skin like the neoareola or by pigmentation.

Keywords: Abdominal Flap, Breast Reconstruction, Tram-flap


INTRODUÇÃO

Há várias décadas, desde a primeira publicação de Berson(1), seguida por Adams(2) e Dufourmentel(3), inúmeros autores vêm descrevendo as mais variadas técnicas para reconstrução do complexo aréolo-papilar. As possibilidades do uso do complexo contralateral foram bem divulgadas por Millard(8) após observações do caso demonstrado por Kiskadden(4) em 1950, em que um complexo tinha sido transplantado com sucesso num caso de queimadura do braço de forma inadvertida. As tatuagens foram introduzidas por Epstein(5) em 1956. A idéia da divisão horizontal da papila por MilLard foi usada por Pitanguy(11) de forma sagital. O estudo das tonalidades cutâneas introduzido por Broadbent(14) em 1977 praticamente definiu a técnica de eleição para a aréola através da enxertia da raiz da coxa na maioria dos pacientes. Porém, o mesmo não aconteceu com a papila, cuja variedade de retalhos descritos é enorme. Existem na literatura retalhos com as mais variadas formas, tais como semilunar, cartilaginoso, rombóide, quadrangular, em ômega, enxerto de dedo, vertical de pedículo superior ou inferior, do músculo grande dorsal, em "T", em "S" e outros (3,7,12.20). O interessante dessas descrições é que os retalhos são fundamentalmente verticais, ou enxertados ou enrolados sobre si mesmos, com pedículo dérmico ou subcutâneo. Esses princípios, de modo geral, determinam que a vascularização usada nos retalhos seja de maior risco, daí a redução volumétrica acentuada que observamos nessas técnicas com o passar dos meses. Procuramos então modificar esse princípio vascular desenhando uma forma com a qual pudéssemos trazer maior volume de pele bem nutrida; o desenho trapezóide nos deu uma ampla capacidade de utilização desse princípio com segurança.


MATERIAL E MÉTODOS

Todos os casos clínicos utilizados para o desenvolvimento dessa técnica foram pacientes mastectomizadas e reconstruídas pelo retalho miocutâneo do reto-abdominal por expansores ou pelo retalho toraco-epigástrico lateral. Isso quer dizer que o trapezóide também foi aplicado nos casos de próteses imediatamente abaixo da pele. O tempo mínimo em que executamos o retalho trapezóide foi de três meses de pós-operatório do primeiro tempo da reconstrução mamária. A técnica consiste na marcação da neopapila na posição a mais simétrica possível com o lado oposto. O ideal é que a paciente esteja sentada ou semi-sentada, de preferência antes de se começar a cirurgia. Não devemos nos prender a marcações rígidas, tais como a fúrcula estemal, a linha médio-clavicular ou a linha médio-corporal. Isso se deve ao fato de não existir uniformidade na execução das mastectomias e, por conseqüência, nos resultados das reconstruções; não raro, as medidas não são exatas. O melhor parâmetro sob o ponto de vista estético e de simetria é o puramente visual. Ao determinarmos esse ponto da neopapila, não devemos, nesse momento, nos preocupar com a marcação da aréola. O ponto corresponde à base do pedículo a partir do qual estruturaremos nosso desenho trapezóide (Figs. 1 e 2). Toda a estrutura da figura geométrica é baseada numa medida que designamos "x" e que na maioria das vezes se aproxima de lcm. A base do trapezóide tem 3x, a altura tem no mínimo 1 x e é determinada sempre pela pegada bidigital da quantidade de pele que podemos usar, variando de caso para caso. O outro lado do trapezóide tem 2x.


Fig. 1 - Demarcação do exato local da futura papila em relação à contralateral.


Fig. 2 - Circunferência central papilar e trapezoide desenhado ao redor. Desenho dos inúmeros eixos possíveis na mama, fugindo-se das prováveis cicatrizes.



O desenho pode ser feito em qualquer eixo de direção na neomama, ou seja, o trapezóide pode ficar na vertical, na horizontal, na oblíqua, com o pedículo situado em qualquer posição, o que representa uma grande vantagem, pois com freqüência existem cicatrizes que atravessam a neomama e por isso, o desenho pode ser adaptado segundo cada caso, sem prejuízo da sua viabilidade (Fig, 3). O retalho é dermoadiposo, porém a porção central em relação ao pedículo deve possuir mais gordura do que as laterais para melhor modelagem e facilidade de fechamento (Fig. 4), que pode ser executado de duas formas: por aproximação direta dos bordos, o que dará uma forma final cônica, e por aproximação por torsão, em que uma das extremidades é suturada na base da outra e o restante adaptado naturalmente, borda a borda (Figs. 5 e 6). Essa última forma é cilíndrica. Em ambos os casos, existe uma boa quantidade de gordura no interior. A porção superior da neopapila, ou seja, o teto, deve ficar aberta sem suturas, pois isso determina através da epitelização secundária uma discreta invaginação. A região doadora é facilmente fechada por aproximação direta no subderma. Somente nesse momento é que marcamos a neo-aréola e a decorticamos ao redor da neopapila, que por sua vez ficará apoiada sobre essa plataforma dérmica, tomando-se o cuidado para não estrangular o pedículo. Todas as suturas são feitas com nylon 5-0 (Fig. 7). Tanto o leito dérmico quanto o trapezóide são enxertados com pele da raiz da coxa. Essa enxertia deve ser totalmente independente, com suturas individualizadas para que as direções de retração sejam diferentes. Quando se enxerta o trapezóide para obter a tonalidade escura, devemos proceder à sua decorticação ainda preso em seu leito original. Caso contrário, ele poderá ser pigmentado posteriormente (Figs. 8 e 9).


Fig. 3 - Detalhe do desenho do trapezóide: três porções na sua base e duas no lado oposto, todas com o mesmo tamanho.


Fig. 4 - Incisão dermogordurosa poupando a zona central do pedículo.


Fig. 5 - Intubação do retalho já solto, da maneira descrita no texto.


Fig. 6 - Avanço das bordas da área doadora formando uma plataforma onde o retalho será apoiado após docorticação para receber a neo-aréola.


Fig. 7 - Papila já formada e aréola enxertada vindo da raiz da coxa.


Fig. 8 - Resultado pós-operatório imediato de 15 dias.


Fig. 9 - Aspecto pré-operatório.



DISCUSSÃO

Existem várias técnicas para a confecção da neopapila. As principais são as que usam a papila oposta, os retalhos dermogordurosos enxertados em pedículo vertical de base superior ou inferior e os retalhos triangulares ou quadrangulares de pedículo central gorduroso. Até o momento, em nossa experiência, os resultados mais significativos sob o ponto de vista de definição estética e durabilidade eram obtidos com a papila oposta. Porém, por se tratar de enxerto composto, as perdas superficiais são mais freqüentes. Na maioria das vezes a papila oposta não tem projeção suficiente para ser considerada doadora. Os retalhos de pedículo dérmico único, enxertados, apresentam alguns problemas no que diz respeito tanto à sua estrutura quanto à área doadora. São retalhos cuja dimensão vertical predomina, o que leva a prejuízo circulatório, pois são desenhados dentro de outro retalho. Isso pode ser verificado pela absorção que sofrem com o passar do tempo, da mesma maneira que o índice de perda da enxertia é mais freqüente. Observamos também que esses retalhos encurtam e sofrem desvios ou caudal ou cefálico pela sua retração, na dependência do pedículo usado. No que diz respeito à área doadora, é freqüente a impossibilidade de seu fechamento direto, o que resulta na enxertia areolar sobre a gordura, fato que nitidamente dificulta a pega. Já os retalhos de pedículo central na gordura, à semelhança de Morton-Berson, com fechamento das aletas para elevação do cone central, são os mais problemáticos, pois freqüentemente sofrem e se perdem. Aqueles que inicialmente evoluem bem, reabsorvem muito, ficando com projeção insuficiente. A enxertia para aréola cai mais ainda sobre um leito gorduroso entremeado por pequenas faixas dérmicas, com muito desnivelamento.

Essas técnicas ficam mais prejudicadas ainda se na neomama houver cicatrizes próximas à projeção da neopapila. Para fugir dessas cicatrizes, a neopapila acaba descentralizando.

O retalho trapezóide, de muito fácil confecção, poderá ser sempre colocado na posição central da neomama, em perfeita simetria com o lado oposto, pois o que predomina é seu eixo horizontal. Teremos várias possibilidades para fugir de cicatrizes anteriores, protegendo desse modo o pedículo e sua circulação. A área doadora pode ser fechada em todos os casos, pois a predominância da horizontalidade do retalho (3:1) garante essa característica, associada ao fato das extremidades do retalho serem em ângulo agudo, o que permite fechamento fácil. Apesar da circulação do retalho ter sido prejudicada em três casos até agora (julgamos ter sido por erro técnico), observamos em quase todos um franco sangramento em toda a sua borda, e acreditamos que o fato de o retalho ficar apoiado sobre uma plataforma bem vascularizada lhe confere a longo prazo uma segunda fonte de vascularização, que deve ser uma das razões para sua manutenção anatômica satisfatória.

Além disso, essa plataforma dérmica impede que ele afunde, por preservar sua sustentação. Como na grande maioria das pacientes uma papila normal não ultrapassa a altura de 1 cm, esse tamanho, e até mais, é facilmente obtido pelo trapezóide.


Fig. 10 - Pós-operatório de 30 dias.


Fig. 11 - Pós-operatório de 30 dias visto de lado.


Fig. 12 - Aplicação do trapezáide em caso de próteses.


Fig. 13 - Tática do pinçamento para se avaliar a elasticidade existente.


Fig. 14 - Levantamento do retalho fugindo-se da cicatriz da mastectomia.


Fig. 15 - Retalho modelado em papila e sobre a plataforma dérmica.


Fig. 16 - Enxerto já colocado no leito para a nova aréola e a papila.


Fig. 17 - Resultado pós-operatório imediato.


Fig. 18 - Resultados ilustrativos dos casos com três anos de observação.



CONCLUSÃO

O retalho trapezóide vem acompanhado de uma série de vantagens sobre as demais técnicas usadas até o momento. Podemos enumerá-las da seguinte maneira:

- Grande viabilidade circulatória num pedículo único, em que o eixo horizontal é três vezes maior que o vertical, estabelecendo-se uma proporção mais favorável no meio da fibrose e de menor risco;

- Formato final cônico ou cilíndrico;

- O topo é discretamente invaginado pela cicatrização secundária;

- Pedículo secundário oriundo do leito dérmico;

- Possibilidade constante de centralização na neomama independentemente da existência de cicatrizes, pela versatilidade do desenho;

- Plataforma dérmica que impede o afundamento;

- A aréola pode ser enxertada num leito totalmente dérmico sem gordura, pelo fechamento da área doadora sempre;

- Perda pequena e aceitável da forma deixada inicialmente.

As desvantagens que podemos citar são aquelas relativas a:

- Coloração mais clara quando não enxertado, o que requer uma eventual pigmentação;

- Perda de 30% de seu volume quando fechado na forma cônica;

- Possibilidade da cicatriz deixada na área doadora do retalho ultrapassar os limites da enxertia para neo-aréola, mas que no entanto, não configurou nenhuma queixa objetiva até o momento;

- Pequenos desvios do eixo da neopapila por fixação inadequada e retração cicatricial.









I - Cirurgião Plástico e Mastologista do INCa; Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica; Membro Titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e Cirurgião Plástico e Mastologista do Hospital Israelita Albert Sabin


ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Mauricio Chveid
Praça da Cruz Vermelha, 23 Centro
Rio de Janeiro - Brasil CEP.: 20230-130

Instituto Nacional de Câncer do Rio de Janeiro - Serviço de Cirurgia Plástica Reconstrutora

 

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