ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Sarcoma de Células Claras na Axila (Melanoma Maligno de Partes Moles)
Clear Cell Sarcoma of the Axilla (Soft Tissue Malignant Melanoma)
Articles -
Year1997 -
Volume12 -
Issue
1
Américo MarquesI, Etizabeth BrendaII, Osvaldo Gianotti FilhoIII, Heitor Carvalho GomesIV, Jorge M. AndrewsV
ABSTRACT
A case of clear cell sarcoma of the axilla (malignanl melanoma of soft lissues) is reporled. The lumor was ressecled and the inilial diagnosis was liposarcoma. Two monlhs after operalion another nodule was Jound in Ihe patient lumbar region. Ressection of Ihis second nodule was done. The diagnosis of clear cell sarcoma was very difficull by uncomom clinical piclure and Ihe tumor's rarity. Rapid evolulion 10 generalized melltaslalis occurred. The lilerature was reviewed and the main points of clinical and histological findings were presented.
Keywords:
Sarcoma, Malignant Melanoma, Soft Tissues
INTRODUÇÃO
O "sarcoma de células claras dos tendões e aponeuroses", neoplasia rara, clinica e patologicamente distinta, foi descrito por Enzinger(3) em 1965. A escolha dessa denominação deveu-se à incerteza quanto à histogênese do tumor. Na época, o autor reconheceu a semelhança histológica com o melanomamaligno, mas a evolução dos 21 pacientes estudados parecia distinguir essas duas entidades.
Em 1983, Chung e Enzinger(2) realizaram abrangente estudo retrospectivo de 141 casos de sarcoma de células claras dos tendões e aponeuroses. Propuseram a adoção do termo "melanoma maligno de partes moles" em função do achado de melanina intracelular em 2/3 dos casos, o que confirmaria a histogênese a partir de células migradas da crista neural durante a vida embrionária. Essas células manteriam a capacidade original de produzir melanina.
Até o presente momento, foram descritos na literatura menos de 180 casos desse tumor.
O sarcoma de células claras é neoplasia maligna epitelióide que atinge preferencialmente adultos jovens, com idade média de 30 anos. A distribuição por sexo mostrou-se semelhante(2,4).
O tumor origina-se de tendões, aponeuroses e estruturas faciais das extremidades, com predileção pelos pés e joelhos, apesar de já ter sido descrito em outras localizações menos típicas, como parede abdominal, dorso, pescoço, faringe(6), pênis(5,9) e períneo (11).
Tipicamente, a neoplasia apresenta-se como massa arredondada ou multilobulada, firme, intimamente aderida ao tecido conjuntivo denso circunvizinho, indolor ou pouco dolorosa e de crescimento lento(2).
A pele suprajacente apresenta-se livre de envolvimento pelo tumor e não são encontradas lesões cutâneas pigmentadas, mesmo nos sarcomas de células claras que contêm melanina (1). A superfície de corte, o aspecto branco-acinzentado de carne-de-peixe é predominante, sendo que em aproximadamente 1/4 dos casos, áreas pigmentadas de coloração marrom ou preta estão presentes(2).
À microscopia óptica costumam aparecer ninhos ou feixes de células fusiformes ou poligonais com citoplasma granular eosinofílico, núcleos vesiculares com nucléolos proeminentes e algumas células gigantes multinucleadas. Esses ninhos ou feixes de células tumorais são separados por septos fibrosos de espessura variável. Grânulos intracitoplasmáticos contendo melanina estão presentes em 3/4 dos casos, podendo ser demonstrados pelas preparações de Fontana ou Warthin-Starry. Figuras de mitose costuman ser raras(2).
À microscopia eletrônica encontram-se ninhos de células delineados por septos delicados de colágeno. Podem estar presentes corpúsculos citoplasmáticos com características de melanossomos em vários estágios de desenvolvimento(1).
A imuno-histoquímica presta-se a estabelecer o diagnóstico diferencial com sarcomas epitelióides de partes moles e metástases de adenocarcinoma de células claras. Dentre os vários reagentes conhecidos, destacam-se HMB-45, vimentina, antígeno de membrana epitelial (EMA), proteína S-1OO, citoqueratinas AE 1 - AE 3 e CAM 5.2. Os sarcomas de células claras apresentam positividade para os três primeiros, enquanto os sarcomas epitelióides e as metástases de adenocarcinoma de células claras revelam positividade para os dois últimos. Como o melanoma maligno possui imunofenótipo idêntico ao do sarcoma de células claras, a pesquisa de melanoma cutâneo ou visceral oculto é mandatória(10).
A recorrência após o tratamento primário é muito alta, chegando a 80% em alguns relatos. Novas recorrências durante o período de sobrevida são comuns, demandando repetidos atos operatórios(6).
Apesar de todas as tentativas terapêuticas e do pálido avanço diagnóstico, a sobrevida média em quatro anos dos portadores de sarcoma de células claras situa-se em tomo de 55%(8).
A dificuldade de diagnosticar e a raridade da patologia justificaram o relato do presente artigo.
RELATO DO CASO
Paciente JARF, masculino, branco, 34 anos, foi admitido para tratamento com queixa de tumoração indolor na axila direita há 40 dias. Negava antecedente pessoal relacionado. Como antecedente familiar referia que o pai havia sido submetido a ressecção de melanoma maligno cutâneo na face.
Ao exame físico apresentava-se eutrófico e à inspeção da axila direita observava-se abaulamento difuso, sem características inflamatórias, com pele suprajacente normal.
À palpação notava-se no tecido celular subcutâneo nódulo de 4 cm no maior eixo, firme elástico, de evidente mobilidade em relação à pele, planos musculares e gradeado costal. Não havia outras nodulações palpáveis na axila. O restante do exame físico era normal.
A primeira impressão diagnóstica foi de linfoma, tendo sido proposta avalia histopatológica.
Nessa ocasião, o paciente procurou outro serviço, sendo submetido à exérese do nódulo. Um mês após a cirurgia, retomou trazendo diagnóstico histopatológico de metástase linfonodal de adenocarcinoma de células claras. O referido exame sugeria pesquisa de tumor primário em rins, pulmões, glândulas salivares e tireóide.
Foram realizados tomografia computadorizada de abdome e tórax, urografia excretora, ultra-som pélvico-abdominal, mapeamento de tireóide, avaliação clínica do segmento de cabeça e pescoço e exame proctológico. Os exames clínico-laboratoriais não detectaram qualquer anormalidade.
Nesse momento, lâminas e bloco de parafina foram encaminhados a dois outros anátomo-patologistas. Um deles manteve o diagnóstico de metástase de adenocarcinoma de células claras e o outro diagnosticou lipossarcoma, com base no achado imuno-histoquímico de HMB/45 (melanoma), antígeno de membrana epitelial (EMA) e citoqueratina (AE 1 - AE 3) negativos e vimentina positiva. O diagnóstico de lipossarcoma foi confirmado em reunião de patologistas do Departamento de Patologia da Fundação Antônio Prudente, em São Paulo.
A negativa dos exames laboratoriais reforçou o diagnóstico de lipossarcoma. Face a esta conclusão, o paciente foi submetido a ampliação de margens cirúrgicas com linfadenectomia axilar radical.
A avaliação da peça operatória revelou lipossarcoma residual na sua porção central, com margem profunda livre e ausência de metástase em 26 linfonodos examinados.
Dois meses após a linfadenectomia detectou-se lesão nodular subcutânea na região lombar esquerda, contralateral à axila operada. Essa nova lesão foi ressecada e o patologista que havia dado o diagnóstico de lipossarcoma reafirmou-o neste material, assinalando tratar-se de lipossarcoma multicêntrico.
Lâminas e blocos de parafina de ambas as lesões foram enviadas ao Departamento de Patologia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center de Nova York e do Royal Marsden Hospital de Londres. Lá, a imunohistoquímica foi positiva para vimentina e proteína S-100 e negativa para citoqueratina CAM 5.2 e EMA. Os achados divergiam quanto a HMB-45, que foi dado como positivo no exame realizado no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center. Ambos os serviços referiram o diagnóstico de "melanoma maligno de partes moles, o chamado "sarcoma de células claras". O laudo do Royal Marsden Hospital fez ainda a ressalva "On morphological grounds the appearances are consistent with the so called clear cell sarcoma (melanoma of soft parts); although the clinical picture is unusual for this. The immunohistochemical projile and morphology are not wholly inconsistent with metastasis from a renal cell tumour wich should be excluded by other means ".
O paciente consultou a Clínica Médica do Memorial Hospital, que nada indicou como terapêutica, deixando a cargo do paciente a opção de utilizar um imunoestimulador, sugerindo a leucocitina, cujo uso foi descartado.
O estado geral do paciente apresentou-se bem até oito meses a partir da percepção de seu nódulo, quando então, no período de uma semana, instalou-se quadro ascítico com intensa metastatização hepática seguido de morte em três semanas.
DISCUSSÃO
O sarcoma de células claras constitui entidade rara e de mau prognóstico. Em trabalho recente, baseado no estudo de 17 casos, foi observada morte pela neoplasia em dez pacientes, com sobrevida média de 49 meses. Fatores como idade, sexo, raça, localização da lesão, duração dos sintomas, terapia inicial, índice metódico, necrose tumoral, proporção de células epitelióides e pleomorfismo nuclear não puderam ser relacionados à sobrevida(7). Metástases linfonodais foram encontradas apenas nos doentes com tumores maiores que 5 cm. As menores sobrevidas, relatadas nos doentes portadores de metástases linfonodal ou a distância no momento do diagnóstico inicial, situaram-se abaixo de oito meses(7).
No caso aqui relatado, a sobrevida também foi extremamente curta. Aspectos ligados à raridade do tumor parecem ter acentuado a rápida disseminação da neoplasia no presente relato. O primeiro deles pode ter sido a espera entre a exérese do nódulo e a posterior ressecção com margem de segurança, tempo em que foi feita pesquisa clínico-laboratorial sob o diagnóstico de metástase linfonodal de adenocarcinoma de células claras. A axila, sede do tumor primário, por ser topografia singular, acredita-se ter sido também fator de agravo ao prognóstico do sarcoma de células claras, retardando o diagnóstico.
A disseminação do sarcoma de células claras do tecido celular subcutêneo da axila, neste caso, diferiu da descrita originalmente para o mesmo tumor nos tendões e aponeuroses. Nessas topografias a propagação ocorre por contigüidade, marcando suas recorrências locais e metástases linfonodais. Disseminação a distância atinge preferencialmente pulmões e ossos (2,3).
Apesar de os sarcomas em geral darem metástases linfonodais em apenas 5 a 20% dos casos, a linfadenectomia axilar foi praticada ainda quando da suposição diagnóstica de lipossarcoma do primeiro nódulo retirado.
Esse procedimento foi posto em prática pela insegurança de radicalidade da cirurgia anterior e pelo fato de estar-se frente a tumor sediado em rica rede linfática.
O presente caso teve três diagnósticos histopatológicos: metástase linfonodal de adenocarcinoma de células claras, lipossarcoma e sarcoma de células claras, sendo que cada um deles foi suposto por pelo menos dois laboratórios de anatomia patológica, o que condiz com grande parte da literatura sobre o assunto, que descreve o tumor como raro, de diagnóstico difícil e passível de ser confundido com outros tipos de tumores, preferencialmente sarcomas (2,3,8,l0,11).
A avaliação imuno-histoquímica do sarcoma de células claras mostra que a vimentina, apesar de não-específica, costuma ser positiva na maioria dos casos. HMB- 45, específico, pode apresentar falsos negativos. EMA e citoqueratina apresentam-se invariavelmente negativos nos portadores do tumor em questão (l0).
O achado de positividade para proteína S-lOO na avaliação processada no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center e no Royal Marsden Hospital favoreceu o diagnóstico de sarcoma de células claras. Apesar de não ser específica, essa proteína usualmente apresenta-se positiva em mais da metade dos casos(10). O achado de HMB-45 positivo reforçou essa hipótese diagnóstica.
O tratamento do sarcoma de células claras não pôde até o momento ser bem estabelecido. A rádio e a quimiossensibilidade ainda necessitam de melhor definição. O pequeno número de casos descritos, com diferentes formas de apresentação e propostas de tratamento, não permite senão especulações sobre a melhor terapêutica. No entanto, o consenso geral tem apregoado a cirurgia como a melhor forma de abordagem da patologia.
Neste caso, a ressecção ampliada foi suficiente para o tratamento local na axila, porém, a recorrência em outra topografia dois meses após e a maciça metastatização hepática posterior caracterizaram a elevada agressividade do tumor em questão.
Finalmente, é preciso lembrar que o achado imuno-histoquímico do sarcoma de células claras (melanoma maligno de partes moles) é idêntico ao da metástase de melanoma maligno cutâneo, devendo o diagnóstico diferencial ser feito com base nos dados clínicos do paciente.
Somente a divulgação da patologia permitirá no futuro um maior índice diagnóstico e, talvez com isso, melhor proposta terapêutica.
I - Professor Assistente de Cirurgia Plástica na Univ. Fed. S. Paulo - EPM
II - Estudante de Pós-graduação em Cirurgia Técnica e Cirurgia Experimental na Univ. Fed. S. Paulo - EPM
III - Professor Assistente de Patologia na Universidade Fed. S. Paulo - EPM
IV - Estudante de Pós-graduação em Cirurgia Plástica na Univ.Fed. S. Paulo - EPM
V - Professor e Chefe da Divisão de Cirurgia Plástica na Univ.Fed. S. Paulo - EPM
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Américo Marques, M.D
Av. República do Líbano, 894
CEP: 04502 - São Paulo, Brazil
Tel. (011) 887-8649 - Fax (011) 820-1155
Estudo realizado na Divisão de Cirurgia Plástica da Univesidade Federal de São Paulo - EPM Chefe de Departamento, Prof. Jorge M. Andrews.
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