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Case Report - Year2022 - Volume37 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP0019

RESUMO

Introdução: As anomalias craniofaciais são identificadas usualmente pela sua aparência. Ao longo do tempo, diversas escalas e classificações foram propostas a partir de aspectos clínicos e anatômicos. Em 1976, Tessier fez uma associação entre os tecidos moles e o ósseo subjacente. Com esse conceito, criou um sistema numeral a partir da órbita em sentido horário de 0 - que chamou de linha zero, uma linha vertical da face - a 14. Rara e com múltiplas apresentações, sua condução segue um desafio mesmo para profissionais mais experientes.
Relato de Caso: Paciente feminina, submetida a rinoplastia aberta estruturada aos 15 anos de idade para correção de nariz bífido, utilizando cartilagem costal e técnica de tongue-in-groove.
Discussão: O nariz bífido é uma das principais apresentações da fissura 0. A rinoplastia aberta estruturada já foi aplicada em outros trabalhos com grande sucesso, sendo a técnica tongue-in-groove especialmente útil para projeção e rotação da ponta nasal.
Conclusão: As anomalias craniofaciais variam em suas apresentações e cabe ao cirurgião plástico identificar os problemas e propor soluções terapêuticas que amenizem essas alterações. Seu tratamento irá necessitar de uma avaliação pré-operatória completa, planejamento cirúrgico cuidadoso e técnica cirúrgica meticulosa.

Palavras-chave: Nariz; Rinoplastia; Cartilagem costal; Anormalidades congênitas; Anormalidades craniofaciais

ABSTRACT

Introduction: Craniofacial anomalies are usually identified by their appearance. Over time, several scales and classifications were proposed based on clinical and anatomical aspects. In 1976, Tessier made an association between soft tissue and underlying bone. With this concept, he created a numeral system starting from the clockwise orbit of 0 - which he called the zero line, a vertical line of the face - to 14. Rare and with multiple presentations, its conduction is a challenge even for more experienced professionals.

Case Report: Female patient who underwent open structured rhinoplasty at the age of 15 to correct a bifid nose, using costal cartilage and the tongue-in-groove technique.

Discussion: Bifid nose is one of the main presentations of cleft 0. Structured open rhinoplasty has already been successfully applied in other studies, and the tongue-in-groove technique is especially useful for the projection and rotation of the nasal tip. Conclusion: Craniofacial anomalies vary in their presentations, and it is up to the plastic surgeon to identify the problems and propose therapeutic solutions that alleviate these changes. Their treatment will require a thorough preoperative assessment, careful surgical planning, and meticulous surgical technique.

Keywords: Nose; Rhinoplasty; Costal cartilage; Congenital abnormalities; Craniofacial abnormalities.


INTRODUÇÃO

As fendas craniomaxilofaciais são malformações raras, mas com potencial desfigurante. A incidência é estimada em 1,4-4,9% para cada 100.000 nascidos vivos. Tessier desenvolveu um sistema de classificação, com base em linhas faciais, partindo de 0 a 141.

A fenda número 0 apresenta característica singular devido à possibilidade de haver tecido normal, em excesso ou até deficiente, além da possibilidade de associação com outras fissuras, como a cranial número 14, gerando um espectro amplo de fenótipos. A variabilidade de apresentações se expressa desde simples entalhe labial ou discreto nariz bífido, até uma completa divisão das estruturas da linha média da face2.

Quando há o acometimento da ponta nasal, é importante que haja uma melhora de suporte, ganhando projeção e, quando necessário, também maior rotação. Com esta finalidade, a técnica de tongue-in-groove é um arsenal para criar uma conexão entre o septo e crura medial, que pode ser muito útil em determinadas apresentações das fissuras medianas3.

OBJETIVO

Este artigo tem por objetivo apresentar um relato de abordagem de nariz bífido em paciente com fissura 0-14 de Tessier.

RELATO DE CASO

A.J.P.O., 15 anos, feminina, em acompanhamento desde os 8 anos de idade no ambulatório de Cirurgia Plástica, com queixa de nariz de estrutura alargada, associado a episódios de bullying na escola. Não apresentava outras queixas, como hiperteleorbitismo. Não apresentava outras comorbidades.

O planejamento cirúrgico envolveu avaliação radiológica com realização de tomografia computadorizada em cortes finos e com reconstrução 3D, e o momento ideal foi planejado para após a pacie­nte completar as fases da puberdade e desenvolvime­nto ósseo.

Foi submetida a procedimento em tempo único, em 9 de dezembro de 2019, com duração de 4 horas, sob anestesia geral no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (HC FMB UNESP).

Paciente em decúbito dorsal horizontal, sob intubação orotraqueal. Foi realizada marcação de incisão subcostal de 4 cm em sulco inframamário direito com verde brilhante e infiltração com solução contendo lidocaína a 2%, soro fisiológico 0,9% e adrenalina 1:200.000. Este local foi incisionado, seguido por dissecção até identificação do 6º arco costal e abertura do pericôndrio para coleta de cartilagem de 5cm de comprimento. O fechamento foi feito por planos e com curativo oclusivo.

O acesso nasal foi feito com incisão transcolumelar em “W” e infracartilaginosas após prévia infiltração local, com adrenalina 1:100.000 e ropivacaína a 0,75% adicionados ao soro fisiológico 0,9%. O retalho de cobertura foi levantado após dissecção cuidadosa com exposição do arcabouço osteocartilaginoso onde notava-se: osso nasal com duplo contorno, em asa de gaivota; ausência de septo cartilaginoso convencional; cartilagens triangulares distantes; e cartilagens alares distantes com ligamentos espessos e de curvatura não habitual.

As cruras mediais foram separadas e as cartilagens ósseas do dorso nasal afastadas, permitindo três osteotomias de cada lado, sendo a primeira paramediana próxima ao centro; a segunda, oblíqua de lateral para medial, que retirou fatia triangular que continha defeito ósseo bilateral; e a terceira, baixa-alta completada por pressão digital. Após hemostasia, seguiu-se o implante de spreader grafts medindo 40 mm x 4 mm de cada lado utilizando fio de polipropileno 5-0.

Fechamento feito em 5 camadas: septo (resquício osteofibroso), dois enxertos e duas triangulares com três pontos. Após, realizada a sutura das cruras mediais das alares com strut columelar de cartilagem medindo 25 mm x 3 mm. Fixado também com fio de polipropileno 5-0, assim como o strut com spreader de tongue-in-groove. Feita, então, a transecção de margens cefálicas das cartilagens alares mantendo 6 mm de extensão, seguida por suturas transdomais e interdomal com fio de polipropileno 5-0, mantendo formato de diamante no neodomo nasal.

Sequencialmente, realizado enxerto de cartila­gem tipo escudo para projeção e camuflagem da ponta nasal, bem como enxerto de cartilagem amassada em dorso, recoberto por pericôndrio. Por fim, feita a síntese das incisões transcolumelar e intracartilaginosas com mononylon 6-0 e catgut 4-0, respectivamente, com implante de splint nasal bilateral fixado por fio de mononylon 3-0. O curativo foi feito com micropore, aquaplast e tampão nasal.

Recebeu alta 24 horas após o procedimento, com a retirada do tampão nasal, prescrição de anti-inflamatório não esteroidal por 5 dias, amoxicilina com clavulanato por 7 dias e solução nasal com soro fisiológico diariamente. O splint nasal e o aquaplast, bem como os pontos inabsorvíveis externos foram retirados no 8º dia de pós-operatório.

O retorno ambulatorial ocorreu no 4º, 8º, 30º dia, 6º e 15º mês de pós-operatório. Estava assintomática e satisfeita com resultado estético e funcional, com ganho de projeção nasal e ausência do aspecto bífido (Figura 1). As imagens radiológicas e de pré, intra e pós-operatório estão a seguir (Figuras 2 and 5).

Figura 1 - Direita para esquerda: fotos de pré-operatório, 6º mês de pós e 15º mês pós-operatório em vista anterior.

Figura 2 - Direita para esquerda: foto de pré-operatório, 6º mês de pós e 15º mês pós-operatório em vista de perfil esquerdo.

Figura 3 - Direita para esquerda: foto e tomografia computadorizada em pré-operatório e 6º mês pós-operatório.

Figura 4 - Enxertos de cartilagem no intraoperatório (à direita). Aspecto da incisão em região inframamária direita após 6 meses (à esquerda).

Figura 5 - Aspecto do dorso nasal no intraoperatório (à direita). Aspecto de strut com spreader de tongue-in-groove (ao centro). Cartilagem tipo “escudo” para camuflagem de ponta nasal (à esquerda).

DISCUSSÃO

A fissura 0 de Tessier não tem seu mecanismo de desenvolvimento plenamente compreendido, mas reconhece-se seu surgimento na terceira semana de gestação4. Resulta em falha de fusão dos dois processos nasais mediais, e quando ocorre é frequente a presença de nariz bífido. Eventualmente, este erro na embriogênese pode causar desde a agenesia ou até duplicação dessas estruturas na linha média. Enquanto isso, a fissura 14 se caracteriza por alteração cranial, sendo a presença de hiper ou hipoteleorbitismo marcantes5.

Em nosso relato, a paciente apresenta, além de aspecto de nariz bífido, hipertelorbitismo. Porém, a paciente não apresentou esta queixa durante o seguimento e optamos por abordagem exclusiva do nariz6.

O tratamento do nariz bífido é buscado há tempos7, sendo que em artigos prévios há relato de abordagem aberta, ressecando os tecidos que estavam em excesso e com enxertos de cartilagem associados4. Devido à rara incidência, os estudos são escassos, mesmo sendo a fissura craniofacial mais comum. A grande variação fenotípica da face nesta síndrome também está presente no nariz: columela curta e larga, septo nasal duplicado ou ausente, dorso plano, ponta nasal também variável. As séries de casos mostram que essa diversidade também altera a padronização do tratamento, que deve ser individualizada8.

A técnica escolhida para rinoplastia foi a aberta estrutura, sendo a reconstrução da ponta nasal a etapa mais desafiadora. Optou-se por técnica tongue-in-groove para uma projeção e rotação da ponta previsíveis e permanentes, baseado em bons resultados prévios descritos9.

O tratamento ainda se mostra de sucesso quando em tempo único na maioria das séries, obviamente variando a depender do número de procedimentos associados para correção de defeitos comitentes, especialmente os labiais10.

CONCLUSÃO

A rinoplastia aberta estrutura com técnica tongue-in-groove pode fornecer resultado estético satisfatório em paciente com nariz bífido secundário a fissura 0-14 de Tessier.

REFERÊNCIAS

1. Tessier P. Anatomical classification facial, cranio-facial and latero-facial clefts. J Maxillofac Surg. 1976;4(2):69-92.

2. da Silva Freitas R, Alonso N, Shin JH, Busato L, Ono MC, Cruz GA. Surgical correction of Tessier number 0 cleft. J Craniofac Surg. 2008;19(5):1348-52.

3. Antunes MB, Quatela VC. Effects of the Tongue-in-Groove Maneuver on Nasal Tip Rotation. Aesthet Surg J. 2018;38(10): 1065-73.

4. Mazzola RF, Mazzola IC. Facial clefts and facial dysplasia: revisiting the classification. J Craniofac Surg. 2014;25(1):26-34.

5. Nam SM, Kim YB. The Tessier number 14 facial cleft: a 20 years follow-up. J Craniomaxillofac Surg. 2014;42(7):1397-401.

6. Pidgeon TE, Flapper WJ, David DJ, Anderson PJ. From birth to maturity: midline tessier 0-14 craniofacial cleft patients who have completed protocol management at a single craniofacial unit. Cleft Palate Craniofac J. 2014;51(4):e70-9.

7. Miller PJ, Grinberg D, Wang TD. Midline cleft. Treatment of the bifid nose. Arch Facial Plast Surg. 1999;1(3):200-3.

8. Spataro EA, Most SP. Tongue-in-Groove Technique for Rhinoplasty: Technical Refinements and Considerations. Facial Plast Surg. 2018;34(5):529-38.

9. Tawfik A, El-Sisi HE, Abd El-Fattah AM. Surgical correction of bifid nose. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2016;86:72-6.

10. Kolker AR, Sailon AM, Meara JG, Holmes AD. Midline Cleft Lip and Bifid Nose Deformity: Description, Classification, and Treatment. J Craniofac Surg. 2015;26(8):2304-8.











1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Cirurgia Plástica, Botucatu, SP, Brasil.

COLABORAÇÕES
BFMN Análise e/ou interpretação de dados, Concepção e estudo de projeto, Curadoria de dados, Aprovação final do manuscrito, Metodologia, Administração do projeto, Supervisão, Redação - Preparação do rascunho original, Redação - Revisão e edição
MSS Análise e/ou interpretação de dados, curadoria de dados, redação - revisão e edição
LBC Curadoria de dados
WRM Curadoria de dados
PVCC Realização de operações e/ou ensaios
AAP Supervisão

Autor correspondente: Balduino Ferreira de Menezes Neto, Avenida Professor Mário Rubens Guimarães Montenegro, S/N - Jardim Sao Jose, Botucatu - SP, Brasil, CEP 18618-970, E-mail: balduinofmneto@gmail.com

Artigo submetido: 02/12/2020.
Artigo aceito: 18/05/2021.

Conflitos de interesse: não há.

 

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