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Ideas and Innovation - Year2022 - Volume37 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP0013

RESUMO

Introdução: O ultrassom tem sido utilizado na atualidade na medicina intensiva. A fasciite necrosante quando não diagnosticada e tratada rapidamente apresenta progressão rápida e alta mortalidade. O objetivo é apresentar a importância da anatomia na fasciite necrosante e o uso do ultrassom no diagnóstico precoce.
Métodos: Apresentou-se a aplicação do ultrassom point of care e a relevância da anatomia na fasciite necrosante.
Resultados: As comunicações anatômicas entre as fáscias das regiões escrotal, perineal, peniana e abdominal permitem a disseminação do processo infeccioso decorrente da gangrena de Fournier para as regiões adjacentes. O ultrassom possibilitou o diagnóstico precoce na fasciite necrosante.
Conclusão: As comunicações entre as fáscias das regiões escrotal, perineal, peniana e abdominal contribuíram para a progressão do processo infeccioso decorrente da gangrena de Fournier e o ultrassom possibilitou o diagnóstico precoce.

Palavras-chave: Fasciite necrosante; Gangrena de Fournier; Infecção dos ferimentos; Anatomia; Ultrassonografia

ABSTRACT

Introduction: Ultrasound is currently being used in intensive care medicine. When not diagnosed and treated quickly, necrotizing fasciitis has a rapid progression and high mortality. The objective is to present the importance of anatomy in necrotizing fasciitis and the use of ultrasound in early diagnosis.

Methods: The application of point-of-care ultrasound and the relevance of anatomy in necrotizing fasciitis were presented.

Results: The anatomical communications between the fasciae of the scrotal, perineal, penile and abdominal regions allow the spread of the infectious process resulting from Fournier's gangrene to the adjacent regions. Ultrasound enabled early diagnosis of necrotizing fasciitis.

Conclusion: Communications between the fasciae of the scrotal, perineal, scrotal, penis and abdominal regions contributes to the progression of the infectious process resulting from Fournier gangrene and ultrasound permitted earlier diagnose.

Keywords: Fasciitis, Necrotizing; Fournier Gangrene; Wound infection; Anatomy; Ultrasonography.


INTRODUÇÃO

A fasciite necrosante apresenta altas taxas de mortalidade quando o diagnóstico e o tratamento não ocorrem precocemente, particularmente nos pacientes com diabetes mellitus e imunossupressão, que são os principais fatores de risco1-3. A fasciite necrosante resultante da gangrena de Fournier caracteriza-se pela isquemia e trombose dos vasos subcutâneos da região escrotal, resultando em necroses4-6, que necessitam de desbridamentos7-9 assim que o diagnóstico for estabelecido. O ultrassom point of care tem sido utilizado com sucesso na medicina intensiva.

OBJETIVO

Os objetivos do estudo são apresentar a aplicação do ultrassom point of care no diagnóstico precoce e a relevância da anatomia na fasciite necrosante da gangrena de Fournier.

MÉTODOS

Estudou-se a aplicação do ultrassom point of care no diagnóstico precoce e a relevância da anatomia na fasciite necrosante, por meio de avaliação criteriosa da literatura incluindo artigos científicos em base da dados PubMed, BVS, SciELO e Lilacs, assim como de livros consagrados na literatura. Os descritores utilizados foram: Fasciite Necrosante (Fasciitis Necrotizing), Anatomia (Anatomy), Ultrassom (Ultrasound), Cirurgia (Surgery) Cirurgia Plástica (Plastic Surgery).

RESULTADOS

Aplicação do ultrassom point of care no diagnóstico precoce da fasciite necrosante

A aplicação do ultrassom na fasciite necrosante consistiu na utilização dos conceitos de janela acústica com a visualização da presença de espessamento da fáscia acometida associada com gases, que podem estar presentes nas primeiras 48 horas da evolução da fasciite necrosante. O uso do ultrassom possibilitou o diagnóstico precoce da fasciite necrosante, seguido de início de antibioticoterapia e tratamento cirúrgico, com consequente redução da mortalidade (Figura 1).

Figura 1 - Imagem do ultrassom do testículo em que se observam testículo normal (seta verde), espessamento da camada dartos (seta amarela) e gases (seta azul).

Relevância da anatomia na gangrena de Fournier

As comunicações anatômicas entre as camadas de revestimento fasciais das regiões perineal, escrotal, peniana e abdominal foram representadas, respectivamente, pelas camadas de revestimentos fasciais de Colles, de Buck, de dartos e de Scarpa, que contribuem para a disseminação rápida da infecção na fasciite necrosante da gangrena de Fournier. A comunicação da camada de revestimento escrotal de Buck com a camada lamelar de Scarpa no abdome ocorreu por meio da continuidade com a camada de revestimento fascial da região inguinal.

DISCUSSÃO

O processo infeccioso da fasciite necrosante decorrente da gangrena de Fournier dissemina-se por meio da continuidade das fáscias, por isso, a importância da anatomia. O escroto, bolsa cutânea que contém os testículos e partes inferiores do funículo espermático, é constituído por duas camadas, uma de pele, superficialmente, e a outra de fina camada, o dartos, que, anatomicamente, consiste em uma camada de musculatura lisa, estando localizada sob a pele do escroto. Nas mulheres, esta musculatura está menos desenvolvida e tem a denominação de dartos mulierbris, estando sob a pele dos grandes lábios3,4.

O dartos comunica-se com a fáscia muscular superficial do períneo denominada de fáscia de Colles, que reveste os músculos da porção superficial do períneo. A fáscia que reveste os corpos cavernosos do pênis recebe o nome de fáscia de Buck. A fáscia de Colles do períneo apresenta continuidade anatômica com a fáscia de Scarpa, camada profunda de revestimento da parede abdominal4,5. A importante comunicação entre a fáscia de Colles, o dartos, a fáscia de Buck e a fáscia de Scarpa é responsável pela disseminação rápida do processo infeccioso iniciado na região períneo-escrotal para o pênis e a parede do abdome nos casos mais graves.

A demora para definir o diagnóstico, o início tardio do tratamento6-8, diabetes mellitus e imunossupressão6-8 foram as condições relacionadas ao aumento da mortalidade na gangrena de Fournier. Os métodos de imagem, tais como o ultrassom e a tomografia computadorizada, são importantes auxiliando no diagnóstico9-10. A fisiopatologia da fasciite necrosante de Fournier caracteriza-se pela isquemia e trombose dos vasos, resultando em necrose da fáscia11-12. Após a isquemia e trombose, ocorre a disseminação de bactérias, sendo as anaeróbicas produtoras de gases, responsáveis pela crepitação, encontrada nas primeiras 48 horas da infecção13, que pode se desenvolver sob a pele aparentemente normal14-15.

Os microrganismos com maior prevalência são Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Bacteroides fragilis e Streptococcus fecalis13-17. A redução da taxa de mortalidade depende do diagnóstico precoce e do início rápido dos tratamentos com antibióticos de amplo espectro18-21, desbridamentos dos tecidos necrosados1,22-24 e a associação da terapia hiperbárica25-29. A aplicação do ultrassom apresentou grande crescimento na atualidade, com destaque para as áreas da anestesia e medicina intensiva. Na anestesia o ultrassom tem auxiliado a localização de nervos durante a realização de bloqueios periféricos. Na medicina intensiva e no trauma o ultrassom apresenta destaque nos diagnósticos de derrame pleural, pneumotórax e alterações cardíacas durante o choque cardiogênico30-32. No presente estudo a aplicação do ultrassom foi importante no diagnóstico precoce da fasciite necrosante, possibilitando o início rápido do tratamento.

CONCLUSÃO

As comunicações anatômicas entre as camadas de revestimento das regiões do períneo, escroto, pênis, inguinal e abdome contribuem para a progressão da infecção na fasciite necrosante da gangrena de Fournier. A aplicação do ultrassom possibilitou o diagnóstico precoce da infecção na fasciite necrosante, permitindo o início rápido do tratamento com antibioticoterapia e tratamento cirúrgico.

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1. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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Autor correspondente: Rui Lopes Filho, Rua Cônego Rocha Franco, nº 133, Bairro Gutierrez, Belo Horizonte, MG, Brasil, CEP 30441-045, E-mail: ruilopesfilho@terra.com.br

Artigo submetido: 15/06/2020.
Artigo aceito: 13/12/2021.

Conflitos de interesse: não há.

 

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