INTRODUÇÃO
A busca de maior objetividade na avaliação de resultados de tratamentos é necessária
para a melhoria dos níveis de evidência, principalmente na cirurgia plástica, cujo
fim maior é subjetivo, melhorar a qualidade de vida (QV)1.
Na literatura, está claro que os mecanismos de mensuração objetiva de resultados em
procedimentos cosméticos ainda estão na sua infância, mas apontam para a tendência
da utilização de ferramentas de medidas de resultados reportados pelos próprios pacientes
(PROM ou PRO) por meio de questionários2. Felizmente, já existem grandes avanços nessa área, com a publicação de diversos
artigos propondo modelos de questionários3,4.
As ferramentas Breast-Q, Face-Q e Satisfation with Facial Appearence Scale and Skindex, por exemplo, já passaram por rigoroso processo de validação, estão inteiramente de
acordo com os requisitos de aceitação do departamento de controle de drogas norte-americano
(FDA) e se destacam, juntamente com o Skindex, em relação aos demais PROMs, de acordo
com Morley et al.2,3.
Kosowski et al.4 encontraram 442 artigos de avaliação de resultados em procedimentos estéticos, cirúrgicos
ou não cirúrgicos. Dentre esses, 47 eram específicos para a aparência facial, mas
apenas 9 satisfizeram os critérios de inclusão e de exclusão do estudo. Nenhum deles
satisfez todos os guidelines. Todas as ferramentas se mostraram limitadas, quer seja pelo seu desenvolvimento,
por sua validação ou pelo seu conteúdo. Nesse mesmo estudo, apenas o Blepharoplasty Outcomes Evaluation (BOE) se mostrou específico para blefaroplastia4.
O BOE foi descrito por Alsarraf et al., juntamente com outros questionários na língua
inglesa específicos para rejuvenescimento da pele e procedimentos faciais (Skin Rejuvenation Outcome Evaluation - SROE), rinoplastia (Rhinoplasty Outcome Evaluation ou ROE) e ritidoplastia (Facelift Outcome Evaluation - FOE)5,6.
Tais questionários abordam os aspectos físicos, mentais e sociais necessários para
uma boa avaliação3,4. O questionário BOE foi testado no tocante à sua validade, confiabilidade e capacidade
de resposta, sendo apresentado como uma ferramenta quantitativa confiável de mensuração
de resultados2,5,7.
A internacionalização desses questionários, por sua vez, permite a comparação de resultados
dos tratamentos entre populações diferentes. No entanto, alguns cuidados devem ser
tomados para que não haja distorções devido a falhas na tradução ou a diferenças culturais
que alterem o resultado das perguntas, por si só. Isso diminuiria o valor comparativo
interpopulacional8,9. Dos quatro questionários de Alsarraf, o ROE (Rhinoplasty Outcome Evaluation), o FOE (Facelift Outcome Evaluation) e o SROE (Skin Rejuvenation Outcome Evaluation)10 já haviam sido traduzidos para a língua portuguesa, restando apenas o BOE (Blepharoplasty Outcome Evaluation), ao qual se refere esse estudo11.
O BOE é composto de seis perguntas (Anexo 1). Cada resposta pode ser classificada de 0 (menos satisfeito possível) a 4 (mais
satisfeito possível). Devem-se somar os valores marcados, dividir por 24 e multiplicar
por 100, para obter uma pontuação de 0 a 100, sendo 0 o menos satisfeito possível
e 100 o mais satisfeito possível6.
Tal instrumento pode ser de grande utilidade para o desenvolvimento de estudos científicos
e para o acompanhamento de resultados por parte dos cirurgiões plásticos.
Desse modo, o objetivo do presente estudo é traduzir e adaptar culturalmente o questionário
BOE para a língua portuguesa do Brasil.
OBJETIVO
Traduzir e adaptar culturalmente para o português brasileiro o questionário Blepharoplasty Outcome Evaluation (BOE).
MÉTODOS
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do
Ceará, sob número de protocolo 33290513.8.0000.5589, e realizado em clínica privada
no ano de 2019.
O questionário BOE foi traduzido e adaptado culturalmente à língua portuguesa do Brasil
de acordo com a metodologia proposta por Guillemin et al.12. Tal metodologia consiste em cinco estágios (Figura 1) e é aceita na literatura para tradução de diversos outros instrumentos8.
Figura 1 - Fluxograma da metodologia de tradução e adaptação cultural proposta por Beaton el
al.8.
Figura 1 - Fluxograma da metodologia de tradução e adaptação cultural proposta por Beaton el
al.8.
Tradução
Estágio 1 o questionário foi submetido a duas traduções (T1 & T2) do inglês para o português.
Uma delas foi realizada por tradutor leigo e outra por tradutor cirurgião plástico,
com vivência no procedimento, conforme recomenda a literatura.
Estágio 2 (Síntese): as versões T1 e T2 em português dos questionários foram avaliadas por
ambos os tradutores do Estágio 1. Os tradutores discutiram as divergências de suas
versões e elaboraram uma versão consensual, chamada de T-12.
Estágio 3 (Tradução reversa): o questionário T-12 foi submetido a dois tradutores leigos, que
não tinham conhecimento um do outro nem do corrente estudo, cuja língua nativa era
o inglês.
Estágio 4 (Submissão a comitê especialista): uma junta médica com conhecimento na área foi
solicitada a acompanhar o processo, avaliando as versões, apontando incoerências e
desvios. Essa junta foi composta de um dermatologista, um cirurgião geral e um ortopedista.
Houve pacificação, através de discussões, em quatro pontos:
Equivalência semântica. As traduções foram avaliadas quanto à preservação do seu significado, quanto à possibilidade
de múltiplos significados e quanto à existência de dificuldades gramaticais.
Equivalência idiomática. Expressões ou coloquialismos são difíceis de traduzir. O comitê buscou a presença
dessas expressões e equivalentes na língua portuguesa.
Equivalência experimental. As experiências questionadas foram avaliadas quanto à sua existência na língua portuguesa.
Equivalência conceitual. As expressões devem conter o mesmo conceito. Por exemplo, quando se fala de família,
em algumas culturas tem o significado do núcleo familiar pequeno mais próximo e outras
incluem todos os parentes.
Adaptação cultural
Estágio 5 (Teste de versão pré-final): Um pré-teste com a versão final T-12 foi realizado com
uma amostra de 20 pessoas. Esse grupo foi composto de alunas de pós-graduação de fisioterapia
dermatofuncional. Cada participante preencheu o questionário e foi entrevistado pelo
pesquisador para apontar possíveis incoerências e dificuldades na compreensão.
Estágio 6: Submissão da documentação ao comitê especialista para verificação do processo de
tradução.
RESULTADOS
O questionário BOE foi traduzido para as versões T1 e T2, houve alguns pontos de divergência
entre as duas versões, mas um consenso foi atingido com a versão T-12.
Essa versão foi submetida a duas traduções reversas B1 e B2, que apresentaram algumas
divergências, mas sem alteração do sentido original.
As versões B1 e B2 foram analisadas pelo autor dos questionários originais, contatado
por e-mail, que não identificou nenhuma alteração de significado ou incoerência entre
o questionário traduzido do português para o inglês e sua versão original.
Não houve dificuldades em relação ao preenchimento e compreensão dos questionários.
O comitê avaliou todos os passos do processo de tradução e contribuiu com sugestões
de mudanças, que foram acatadas. Em consequência, o resultado final da tradução ficou
conforme representado na Figura 3.
DISCUSSÃO
Não houve grandes dificuldades para a tradução dos questionários devido à pequena
quantidade de expressões sem tradução conhecida para a língua portuguesa.
Acreditamos que os questionários de qualidade de vida sejam importantes para tornar
mais objetivos e comparáveis alguns parâmetros subjetivos. Isso permite que resultados
sejam comparados, proporcionando melhores níveis de evidência em uma área do conhecimento
que carece disso. Entretanto, ainda não existe um questionário perfeito.
A comparação de ferramentas está fora do escopo desse estudo. Entretanto, embora o
questionário BOE tenha mostrado estatisticamente sua validade, confiabilidade e capacidade
de resposta, sua concepção não parece ser tão bem fundamentada quanto à do Face-Q,
que proporciona nível de intervalo significativo. Isso permite a construção de unidades
definidas com distância uniforme entre elas. Isso significa, por exemplo, que se uma
pessoa evoluiu do escore 100 para o 120, houve um aumento semelhante ao de uma outra
que evoluiu do 120 para o 140, o que não é verdade para a maioria dos outros instrumentos13.
Em contrapartida, ao contrário do Face-Q, o BOE é um questionário específico para
blefaroplastia, público e livremente disponível, o que facilitou sua tradução. Sua
aplicação leva menos de 1 minuto.
Outras deficiências do BOE são que ainda não existem pontos de corte e níveis de normalidade,
nem em sua língua original, o que nós sugerimos para futuros estudos.
CONCLUSÃO
Considerando a metodologia aplicada, concluímos que a tradução do questionário BOE
(Figura 3) é adequada para utilização em língua portuguesa do Brasil.
REFERÊNCIAS
1. Ferreira MC. Cirurgia plástica estética: avaliação dos resultados. Rev Bras Cir Plást.
2000;15(1):55-61.
2. Morley D, Jenkinson C, Fitzpatrick R; Patient-Reported Outcome Measurement Group,
Oxford. A structured review of patient-reported outcome measures used in cosmetic
surgical procedures. Report to Department of Health, 2013. Oxford: University of Oxford;
2013.
3. Mackintosh A, Gibbons E, Casañas i Comabella C, Fitzpatrick R; Patient-Reported Outcome
Measurement Group, Oxford. A structured review of patient-reported outcome measures
used in elective procedures for coronary revascularisation. Report to Department of
Health, 2010. Oxford: University of Oxford; 2010.
4. Kosowski TR, McCarthy C, Reavey PL, Scott AM, Wilkins EG, Cano SJ, et al. A systematic
review of patient-reported outcome measures after facial cosmetic surgery and/or nonsurgical
facial rejuvenation. Plast Reconstr Surg. 2009;123(6):1819-27.
5. Alsarraf R, Larrabee WF Jr, Anderson S, Murakami CS, Johnson CM Jr. Measuring cosmetic
facial plastic surgery outcomes: a pilot study. Arch Facial Plast Surg. 2001;3(3):198-201.
6. Alsarraf R. Outcomes research in facial plastic surgery: a review and new directions.
Aesthetic Plast Surg. 2000;24(3):192-7.
7. Alsarraf R. Outcomes instruments in facial plastic surgery. Facial Plast Surg. 2002;18(2):77-86.
8. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural
adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91.
9. Ferreira LF. Tradução para a língua portuguesa, adaptação cultural e validação do
Breast Evaluation Questionnaire [Dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de
São Paulo; 2009.
10. Furlani EAT, Saboia DB, Costa MLM. Adaptação cultural do questionário de avaliação
de resultados em rejuvenescimento de pele (Skin Rejuvenation Outcome Evaluation -
SROE). Rev Bras Cir Plást. 2020;35(4):402-7.
11. Furlani EAT. Adaptação cultural do questionário de avaliação de resultados em ritidoplastia:
facial outcome evaluation. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(3):501-5.
12. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality
of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.
13. Pusic AL, Klassen AF, Scott AM, Cano SJ. Development and psychometric evaluation of
the FACE-Q satisfaction with appearance scale: a new patient-reported outcome instrument
for facial aesthetics patients. Clin Plast Surg. 2013;40(2):249-60.
Anexo 1 - Questionário BOE (Blepharoplasty Outcomes Evaluation) original na língua inglesa.
Anexo 1 - Questionário BOE (Blepharoplasty Outcomes Evaluation) original na língua inglesa.
Anexo 2 - Questionário BOE (Blepharoplasty Outcomes Evaluation) traduzido pelos autores.
Anexo 2 - Questionário BOE (Blepharoplasty Outcomes Evaluation) traduzido pelos autores.
1. Clínica Eduardo Furlani, Fortaleza, CE, Brasil.
Autor correspondente: Eduardo Antonio Torres Furlani, Rua Barbosa de Freitas, 1990, Aldeota Fortaleza, CE, Brasil, CEP 60170-021, E-mail:
eduardo@eduardofurlani.com.br
Artigo submetido: 16/03/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.