INTRODUÇÃO
A utilização de materiais aloplásticos em cirurgia plástica tem sido largamente difundida, como as próteses de silicone e telas de prolipropileno, entre outras. Qualquer que seja a natureza do material a ser empregado, algum tipo de reação inflamatória ocorre, não existindo portanto uma inclusão inerte ao organismo, fato que determina que conheçamos o processo inflamatório envolvido em cada caso(9).
Diante de situações em que necessitamos de suspensão tissular ou de ganho de consistência tecidual, utilizamos a tela de prolene.
Tanto a tela de prolene quanto a tela de Marlex têm como material de constituição o polipropileno, no entanto, a primeira tem um tecido tricotado com dois pontos, rígido em todas as direções; já a tela de Marlex é um tecido tricotado com um ponto único, rígido em uma direção e estirável na oposta(8).
A proposta do presente trabalho é um estudo detalhado das reações ocorridas diante do implante da tela de prolene em ratos, seguida de aplicações clínicas.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A utilização de estruturas para suspensão da face são citadas, obedecendo a uma cronologia, como se segue:
Blair, 1926 - Propõe o uso de tiras de fáscia lata fixas à comissura labial e à aponeurose temporal em caso de paralisia facial, método também realizado por Gillies (1934) e Freeman, sendo que este realizava o procedimento em dois estágios.
Bunnell, 1937 e McLaughlin, 1952 - Utilizaram o fáscia lata para suspensão da face com pequenas modificações, sendo que McLaughlin fixa uma das extremidades do fáscia no processo coronóide.
Ragnell, 1958 - Tendão do extensor do pé para unir a alça de aponeurose que circunda o lábio ao fragmento do processo coronóide.
Ashley - Associa retalho muscular do masseter à técnica de McLaughlin.
Trevisani e cols. 1982 - Suspensão da orelha em paciente portador de neurofibromatose, com uma fita de tela de Marlex.
Strelzow e cols. 1982 - Relato de reconstrução da face paralisado com tela de polipropileno em três casos com bons resultados.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado em 10 ratos tipo "U", nos quais procedíamos a introdução de uma fita de tela de prolene com 3 x 1cm no dorso dos animais (Figs. 1,2,3) para posteriormente realizarmos a retirada da tela no 5°, 10°, 17°, 24°, 30° e 40° dias (Fig. 4).
Fig. 1 - Fitas de tela de prolene de 3 x 1 cm utilizadas no estudo.
Fig2. Demarcação com azul de metileno no local da incisão para introdução da tela de prolene.
Fig. 3 - Introdução da tela de prolene no dorso do animal entre o panículo carnoso e a musculatura.
Fig. 4- Demonstração da retirada tecidual do dorso do rato, compreendendo pele, paniado carnoso, tela e musculatura.
O tecido proveniente do animal (pele, panículo carnoso, tela e musculatura) era fixado em formol 10%, tamponado, tendo sido realizados cortes em parafina (5u) e corado pela hematoxilina-eosina (HE).
Através de microscopia óptica, estudamos as reações que se sucederam com objetivo de termos parâmetros para utilização clínica da tela de prolene.
ESTUDO MICROSCÓPICO
- 5° dia
Observou-se uma reação inflamatória aguda caracterizada por edema e dilatação capilar na derme; dilatação capilar, endotélio tumefeito, infiltração mononuclear e polimorfonuclear, além de depósito de fibrina no panículo carnoso; edema e infiltrado misto na musculatura. Já na superfície de contato com a tela, observou-se tecido conjuntivo frouxo, infiltrado de hemácias, linfócitos, plasmócitos, neutrófilos, edema, fibrina e numerosos polimorfonucleares (Fig. 5).
Fig.5 - Observa-se presença de fibrina, permeada por infiltrado inflamatório (mono e polimorfonuclear), edema e infiltração hemorrágica (HE lOxlO) - Em nível de implante da tela.
- 10° dia
Observa-se presença de tecido de granulação em fase precoce em determinadas áreas, havendo em outras já a proliferação de fibras colágenas (Figs. 6,7).
Fig. 6 - Verifica-se proliferação e congestão vascular, infiltrado linfoplasmocitário e hemorrágico, edema. Área focal de reação gigantocelular do tipo corpo estranho (HE 10 x 10). Em nível de implante da tela.
Fig. 7 - Edema e proliferação fibroblástica (HE 20 x 10). Em nível de implante da tela.
- 17° dia
Fase inicial de organização do processo cicatricial com presença de tecido conjuntivo em vias de retração. Já se observa diminuição do edema na derme e proliferação de tecido conjuntivo mixóide com leve infiltração mononuclear e neoformação vascular nos tecidos profundos (Fig. 8).
Fig. 8 - Fase tardia do processo inflamatório, evidenciando leve infiltrado mononuclear além de proliferação fibroblástica e vascular (HE 10x10). Em nível de implante da tela.
- 24° dia
Cicatriz com diminuição do edema, retração e colageinização: discreta congestão vascular e, profundamente, tecido conjuntivo com vasos dilatados, calibres variados com evidência de anastomoses, com aparecimento de feixes de fibras colágenas em várias direções (Fig. 9) .
Fig. 9 - Observa-se diminuição do edema, notando-se fibras colágenas em várias direções (HE 4x10). Em nível de implante da tela.
- 30° dia
Cicatriz organizada: tecido conjuntivo frouxo com áreas colageinizadas (mais densas) de permeio. Presença de vasos dilatados, além de infiltrado inflamatório discreto mononuclear (Fig. 10).
Fig. 10 - Estágio evolutivo em fase tardia. Há proliferação fibroblástica, vascular e diminuição do edema (HE 4x10). Em nível de implante de tela.
- 40° dia
Cicatriz organizada praticamente retraída: evolução do processo anterior (Fig. 11).
Fig. 11 - Área correspondente a impiantaçâo da tela com cicatriz organizada (HE 10 x 10). Em nível de implante de tela.
Casos Clínicos
Caso 1
Paciente portadora de neurofibromatose com grande ptose de hemiface direita (Figs. 12a, b, c, d).
Fig. 12a - Neurofibromatose - ptose facial - vista anterior.
Fig.12b - Neurofibromatose - ptose facial - vista lateral.
Fig. 12c - Pós-operatório de três meses de implante da tela de prolene e ressecção de pele - vista frontal.
Fig. 12d - Pós-operatório de três meses - vista lateral.
Caso 2
Paciente portador de paralisia facial à direita, com queixa de perda constante de saliva e alimentar (Figs. 13a,b,c,d,e,f).
Fig. 13a - Pré-operatório - vista anterior - Paciente não faz oclusão do olho direito.
Fig. 13b - Pré-operatório - O lábio é repuxado para o lado sadio ao contrair a musculatura da face.
Fig. 13c - No ato cirúrgico, demonstra-se o descolamento da pele da hemiface direita para colocação da tela, a qual é fixada à comissura labial e ao fáscia temporal.
Fig. 13d - Pós-operatório imediato. Observa-se também sutura em supercícilo direito onde se realizou ressecção de pele.
Fig. 13e - Pós-operatório de 40 dias em repouso, com melhor posicionamento da comissura labial direita.
Fig. 13f - Pós-operatório de 40 dias, paciente realizando contração da musculatura facial. Observa-se menor deslocamento da comissura labial direita em direção à hemiface sadia.
Caso 3
Paciente submetido a ressecção de grande tumor comprometendo todo o lábio inferior. Foi inicialmente reconstruído com retalho de couro cabeludo com insucesso. Realizou-se então retalho delto-peitoral implantado com tela de prolene em sua extremidade para reconstrução do lábio inferior (Figs.14a,b,c,d,e,f,g,h.).
Fig. 14a - Demarcação do retalho delta-peitoral. O pontilhado demonstra a área a ser levantada e dobrada sobre si mesma com a tela
Fig. 14b - Elevação da porção distal do retalho subfascial. Observam-se as duas fitas de tela de prolene.
Fig. 14c - Extremidade do retalho dobrada sobre si mesma determinando um sanduíche coma tela.
Fig. 14d - Ressutura da extremidade do retalho no próprio leito doador e autonomização do restante.
Fig. 14e - Reintervenção de 15 dias após a autonomização do retalho com elevação deste com a tela em sanduíche em sua extremidade.
Fig. 14f - Preparo da área receptora em projeção de lábio inferior a ser reconstruído. Observa-se detalhe do retalho dobrado para confecção de forro e cobertura.
Fig. 14g - Sutura do retalho do leito receptor confeccionando o lábio inferior.
Fig. 14h - Observa-se o retalho formando lábio inferior após secção do pediculo.
DISCUSSÃO
Através do estudo realizado em ratos, observamos que nos primeiros cinco dias pós-implante da tela ocorre intenso processo inflamatório de caráter agudo, com participação de polimorfonucleares e depósito de fibrina; no décimo dia, pelo surgimento de fibras colágenas, consideramos o implante integrado.
O eventos se sucedem até que, em torno do vigésimo-quarto dia, observamos fibras colágenas em várias direções, fato também observado por Cameron e Taylor(3) com a tela de Marlex, em que encontraram fibras colágenas em disposição circular e desorganizada. Já com a tela de carbono, os autores acima citam uma melhor disposição das fibras colágenas.
A partir de trinta dias, consideramos a cicatriz organizada.
Strelzow(11) e cols. citam a possibilidade de rejeição frente a materiais aloplásticos, fato do qual discordamos porque o que realmente ocorre em relação aos implantes é um processo inflamatório agudo seguido de uma reação inflamatória crônica, com caráter resolutivo. Quando se fala em rejeição, deve-se considerar uma reação imunológica, geneticamente definida, de não aceitação de tecido de outra pessoa ou espécie(9).
Em dois casos houve contaminação com o pêlo do animal, o que determinou uma reação gigantocelular do tipo corpo estranho paralelo ao processo de organização.
Em um caso, foi observada formação de microabscessos, o que não se repetiu em nenhum outro animal.
Em relação a nossos casos clínicos, a tela de prolene tem se mostrado um material interessante pelo fato de nenhuma complicação de monta ter sido observada, assim como resultados satisfatórios terem sido obtidos.
Segundo Scales(9), as condições ideais para o material de inclusão são assim definidas:
- Ser quimicamente inerte;
- Não ser modificado em suas características pelos tecidos e líquidos orgânicos;
- Não causar inflamação ou reação de corpo estranho;
- Não ser carcinogênico;
- Não produzir reações alérgicas ou de hipersensibilidade;
- Ser capaz de resistir a tensões de ordem mecânica;
- Poder ser fabricado na forma desejada;
- Poder ser esterilizado.
No caso da tela por nós utilizada, observamos com relação aos pré-requisitos descritos por Scales que ela cumpre todos os critérios, com exceção do processo inflamatório, o qual, no entanto, ocorre de forma transitória e determina a integração do implante no hospedeiro. Fato corroborado pelos bons resultados clínicos obtidos, aliados aos dados de microscopia óptica observados.
Strelzow(11) e cols., em sua série de três pacientes portadores de paralisia facial, citam que a natureza estática da suspensão reduz a chance tanto de exposição do implante pela movimentação quanto incitar a reação de corpo estranho, desde que a tela seja colocada entre dois tecidos sadios.
Nossas indicações para colocação da tela foram com objetivo de suspensão em um caso de paralisia facial e um caso de paciente portador de neurofibromatose, sendo que, em ambos os casos, os pacientes relataram melhor continência salivar e alimentar no pós-operatório. Em nosso outro caso, a tela foi colocada em forma de sanduíche na extremidade do retalho delto-peitoral autonomizado para reconstrução de lábio inferior, em paciente no qual outras formas de reconstrução já haviam sido tentadas com insucesso. Neste caso, a tela possibilitou a confecção de um retalho com boa consistência, impedindo com isso a perda passiva de saliva.
CONCLUSÕES
A microscopia óptica demonstrou que, diante da tela de prolene, o organismo animal reage inicialmente com processo inflamatório agudo, que caminha para a organização cicatricial com total integração.
Em nossa causuística não tivemos complicações com a utilização da tela de prolene, obtendo resultados satisfatórios tanto com a função de suspensão quanto de sustentação.
A tela de prolene mantém sua função de suspensão no período observado, num procedimento operatório simples, com a vantagem de não causar outras cicatrizes, como no caso da utilização do fáscia lata.
AGRADECIMENTO
Dr. Washington e Dra. Denise do Serviço de Patologia do INCa - RJ
I - Médico Residente da Seção de Cirurgia Plástica do Instituto Nacional de Câncer INCa - Rio de Janeiro-RJ
II - Médico Staff da Seção de Cirurgia Plástica do Instituto Nacional de Câncer - INCa - Rio de Janeiro-RJ
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER INCa
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