INTRODUÇÃO
O câncer de mama, segundo o Instituto Nacional de Câncer, é o
tipo de neoplasia maligna mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo,
excluindo-se as neoplasias de pele não melanoma, sendo diagnosticados 1,2
milhões de novos casos anualmente, totalizando 15% de todas as mortes por
câncer em mulheres1-3. No Brasil, esse percentual é
de 29%, sendo esperado, para o ano de 2020, 66.280 novos casos de câncer de
mama1,3-6.
Apesar das campanhas de prevenção, o câncer de mama localmente
avançado, não sendo a maioria dos casos, pode abranger até 50%
dos casos7. Devido à sua
gravidade, a abordagem terapêutica inicial tem sido com o uso da
quimioterapia neoadjuvante, para eventual redução primária da
lesão e posterior tratamento cirúrgico. Nos casos resistentes, a
mastectomia passa a ser o tratamento de escolha, incluindo o esvaziamento axilar e
grandes ressecções cutâneas, levando a importantes defeitos na
parede torácica7.
A utilização do retalho toracoepigástrico tem sido uma
importante ferramenta cirúrgica para tais casos, com ótimo
prognóstico e baixo índice de complicações3.
Descreve-se o caso de uma paciente com neoplasia mamária localmente
avançada, associada a extenso comprometimento de pele e musculatura peitoral,
com grande defeito da parede torácica pós-remoção
cirúrgica do tumor, sendo utilizada a técnica do retalho
toracoepigástrico para o fechamento completo da região.
RELATO DE CASO
R.A.S., sexo feminino, 53 anos, procedente de Regente Feijó/SP, sem
história familiar de câncer de mama, procurou o posto de saúde
de seu município referindo que há seis meses percebeu um nódulo
em mama direita, durante a realização do autoexame. Foi referenciada
ao ambulatório de Mastologia do Hospital Regional de Presidente Prudente,
apresentando, ao exame físico, volumoso tumor ocupando toda extensão
da mama direita, medindo aproximadamente 20cm de diâmetro, fixo aos planos
profundos, invadindo a pele, provendo ulceração e
destruição do complexo areolopapilar. À biópsia, foi
evidenciado carcinoma misto infiltrante (componente lobular com áreas
discretas de carcinoma ductal tipo não especial).
A paciente foi submetida a tratamento quimioterápico neoadjuvante, com 4
ciclos de doxorrubicina com ciclofosfamida, seguido de 12 ciclos paclitaxel, sem
regressão clínica da lesão.
Foi encaminhada para tratamento cirúrgico, no qual foi realizado mastectomia
com posterior fechamento do defeito da parede torácica utilizando retalho
toracoepigástrico. A técnica envolveu os seguintes passos: a) com a
paciente em decúbito dorsal, realizou-se a marcação
cirúrgica da área a ser ressecada e do retalho (Figura 1); b) procedeu-se a ressecção ampla da
área tumoral, incluindo mama, musculatura peitoral e tecido cutâneo
adjacente, com posterior esvaziamento axilar; c) confecção do retalho
desprendendo-o da parede abdominal, mantendo-o pediculado na região
epigástrica (Figura 2); c)
rotação e fixação do retalho na área defeituosa
(Figura 3); d) aproximação e
síntese dos retalhos locais com fechamento completo do defeito
torácico (Figura 4).
A paciente evoluiu favoravelmente com boa perfusão do retalho, sem
áreas de necrose ou infecção. A análise
anatomopatológica do espécime cirúrgico confirmou o
diagnóstico de carcinoma misto medindo 16x14cm de alto grau. Observou-se que
a massa tumoral invadia o músculo peitoral e com grande comprometimento de
pele e papila.
Figura 1 - Marcação cutânea do retalho
tóraco-epigástrico
Figura 1 - Marcação cutânea do retalho
tóraco-epigástrico
Figura 2 - Confecção do retalho
Figura 2 - Confecção do retalho
DISCUSSÃO
Os tumores localmente avançados de mama são definidos como neoplasia
que compromete a mama em toda, ou quase toda sua extensão, tumores que
comprometem 4 ou mais linfonodos axilares, ou aqueles com metástases em
linfonodos supraclaviculares ipsilaterais4,7.
Figura 3 - Retalho rodado e fixado na área defeituosa
Figura 3 - Retalho rodado e fixado na área defeituosa
Figura 4 - Fechamento do defeito torácico
Figura 4 - Fechamento do defeito torácico
Segundo Ho et al., em 20168, o tratamento do mesmo deve incluir o controle
da doença locorregional e a erradicação de metástases
sistêmicas ocultas. Em caso de tumores volumosos com necessidade de extensas
perdas cutâneas, impossíveis de serem reparadas com o fechamento
primário, diversos estudos ressaltam a importância da
utilização de técnicas de oncoplastia2,4,5,7-9. Não
há um consenso estabelecido sobre qual a melhor abordagem, a ser definida de
acordo com a experiência e preferência do cirurgião,
além da qualidade do tecido adjacente à mama e fatores
intraoperatórios da paciente3-5,7.
Os retalhos surgiram em 1886, com Tansini, e dentre as opções
existentes, destacam-se o do músculo grande dorsal, retalho transverso do
músculo reto abdominal (TRAM) ou retalho vertical do músculo reto
abdominal (VRAM), o retalho toracoepigástrico ou toracoabdominal e enxertos
de pele2-5,7,10.
O uso do retalho toracoepigástrico tem sido descrito como uma ferramenta
confiável por caracterizar-se como uma técnica de fácil
execução, segura e com mínimas complicações
pós-cirúrgicas, a destacar os casos em que se deseja que o tratamento
de radioterapia e quimioterapia não seja retardado5,7. Descrito
inicialmente em 1974, por Bohmert e Cronin, em 198011, este método
permite a cobertura de extensas áreas defeituosas da mama, em regiões
torácicas inferiores ou laterais, além de defeitos esternais, sem a
necessidade de outros retalhos ou de enxertos cutâneos11,12. Park et al., em 200613, descreveram uma
série de 24 casos nos quais o fechamento de ampla área comprometida
pós-mastectomia foi realizado com retalhos fasciocutâneos
toracoepigástrico, os quais apresentaram-se seguros com 36% de
complicações de pequeno porte, possíveis de serem reparadas com
tratamento conservador, em um seguimento de 14 meses13. Davis et al., em 197714, descrevem
outros 16 casos com o uso do retalho toracoepigástrico, os quais não
apresentaram complicações, de forma que se mostram como
técnicas bastante seguras e eficazes14.
O retalho toracoepigástrico deriva de uma região ricamente
vascularizada com suprimento sanguíneo segmentar superficial de
artérias perfurantes, o que permite a confecção de longos
fragmentos resistentes e seguros4,6. São projetados como retalhos
de transposição e a determinação do comprimento ainda
permanece incerta6. Davis et al.,
em 197714, relataram o maior tamanho do retalho sendo
35x15cm2. No caso em questão, utilizamos uma fração
de tecido de 15x8cm, garantindo a necessária cobertura do defeito
existente14.
Inúmeras são as vantagens descritas no uso dos retalhos
toracoepigástrico, como o menor tempo cirúrgico se comparado às
outras técnicas, menor perda sanguínea e menos tempo de
permanência hospitalar pós-operatória4. Segundo Deo et al., em 200315, as
pacientes que foram submetidas a reconstruções musculocutâneas
demonstraram elevação da morbidade, perda sanguínea em parede
abdominal e permanência hospitalar prolongada, em comparação
às reconstruções toracoabdominais15,16.
CONCLUSÃO
Conclui-se que esta técnica mostra-se extremamente útil, inovadora e
facilmente executável. O uso do retalho toracoepigástrico representa
importante ferramenta no fechamento de defeitos da parede torácica, com
resultados satisfatórios.
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1. Universidade do Oeste Paulista, Faculdade de
Medicina de Presidente Prudente, Presidente Prudente, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Rafaela Alias
Horta, Rua Rio Grande do Sul, 244, Vila Marcondes, Presidente
Prudente, SP, Brasil., CEP: 19030-130, E-mail:
aliasrafaela@gmail.com
Artigo submetido: 17/07/2020.
Artigo aceito: 10/01/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Universidade do Oeste Paulista, Faculdade de
Medicina de Presidente Prudente, Presidente Prudente, SP, Brasil.