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Case Report - Year2021 - Volume36 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0133

RESUMO

A patela é um local infrequente para o aparecimento de tumores ósseos, benignos ou malignos, assim como de lesões pseudotumorais. Na literatura existe uma quantidade pequena de trabalhos sobre esse tema. Esse relato de caso trata-se de uma paciente com tumor metastático em patela e reconstrução da deformidade com retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso. A reconstrução cutânea e de tecidos moles na região ao redor do joelho é frequentemente desafiadora para o cirurgião plástico e tem como objetivo cobrir a parte óssea exposta, preservando a função articular do joelho e conferir um bom resultado estético. Existe a opção pela utilização de retalhos livres, onde há necessidade de material adequado e equipe treinada. Contudo, a região de anastomose vascular na parte posterior do joelho torna o procedimento ainda mais complexo. O retalho fasciocutâneo anterolateral da coxa reverso, descrito pela primeira vez em 1990, por Zhang et al., parece ser uma opção efetiva e confiável na reconstrução de defeitos ao redor do joelho, haja visto que possui um longo comprimento do pedículo vascular e disponibilidade de partes moles. Existem algumas variações anatômicas em que a perfurante cutânea não se origina do ramo descendente. Esse relato traz uma paciente com perfurante cutânea oriunda do ramo transverso da artéria circunflexa femoral lateral com resultado estético aceitável para cobertura cutânea em região anterior do joelho.

Palavras-chave: Retalho perfurante; Extremidade inferior; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Cirurgia plástica; Relatos de casos.

ABSTRACT

The patella is an uncommon place for the appearance of bone tumors, benign or malignant, and pseudotumoral lesions. In the literature, there is a small amount of work on this topic. This case report is about a patient with a metastatic tumor in the patella and reconstruction of the deformity with an anterolateral reverse flow thigh flap. Skin and soft tissue reconstruction in the region around the knee are often challenging for the plastic surgeon and aim to cover the exposed bone, preserving the joint function of the knee and providing a good esthetic result. There is an option for the use of free flaps, where there is a need for adequate material and trained staff. However, the vascular anastomosis region at the back of the knee makes the procedure even more complex. The anterolateral reverse thigh fasciocutaneous flap, first described in 1990 by Zhang et al., appears to be an effective and reliable option for reconstructing defects around the knee. It has a long vascular pedicle length and the availability of soft parts. There are some anatomical variations in which the cutaneous perforator does not originate from the descending branch. This report presents a patient with a skin perforator originating from the transverse branch of the lateral femoral circumflex artery, with an acceptable aesthetic result for skin coverage in the anterior region of the knee.

Keywords: Perforator flap; Lower end; Surgical flaps; Reconstructive surgical procedures; Plastic surgery; Case reports.


INTRODUÇÃO

A reconstrução de tecidos moles do joelho e nas áreas adjacentes a ele sempre foi um procedimento desafiador. Além dos defeitos pós-traumáticos, os defeitos de tecido mole na área do joelho podem ser ocasionados por infecções crônicas, lesões actínicas ou como resultados de cirurgias para lise de bridas por queimaduras1. A articulação do joelho é em tipo dobradiça realizando movimentos principalmente de flexão e extensão da perna e com mínima rotação2. A reconstrução se apresenta como um desafio aos cirurgiões haja visto a necessidade de os retalhos serem eficazes não apenas para cobertura, mas precisam ser também finos o suficiente para não prejudicarem a mobilidade após a recuperação2.

Algumas vezes essas lesões são causadas por ressecções de tumores ósseos em fêmur distal, patela e tíbia proximal. A patela é um local infrequente para o aparecimento de tumores ósseos, benignos ou malignos, assim como de lesões pseudotumorais. Na literatura existe uma quantidade pequena de trabalhos sobre esse tema3. A maioria dos tumores são benignos com uma incidência significativa de tumores de células gigantes e condroblastomas4. O tumor maligno mais frequente é o hemangioendotelioma, seguido pelo linfoma e o osteossarcoma3.

Esse relato de caso trata-se de uma paciente com tumor metastático em patela e reconstrução da deformidade com retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso. Na literatura há relatos de desistência do planejamento cirúrgico quando a principal perfurante do retalho não se origina do ramo descendente da artéria circunflexa femoral lateral (ACFL)5. Contudo, esse trabalho visa mostrar que, diante dessa alteração anatômica, a confecção do retalho não precisa ser necessariamente descartada.

OBJETIVOS

Geral

Mostrar e discutir a reconstrução de membro inferior baseada no retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso com resultado estético aceitável para cobertura cutânea em região anterior do joelho.

Aspectos éticos

O presente relato de caso obedece a declaração de Helsinque. Foi apresentado a paciente um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), sendo a paciente consultada sobe a utilização dos seus dados clínicos de prontuário e fotografias durante o procedimento cirúrgico para a confecção desse relato de caso.

RELATO DE CASO

O caso é originário do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP). Paciente J.F.S., 39 anos, sexo feminino, parda, trabalhadora rural, natural e procedente de Calumbi/PE, apresentava formação expansiva, de 5,2x3,3cm, localizada na região da patela do joelho esquerdo (Figura 1). Apresentava clínica de dor, edema local e limitação na flexão do membro. Início do quadro em maio de 2019. Como antecedente, relatava nefrectomia à direita, em 2015, por tumor renal e exame histopatológico compatível com carcinoma de células claras.

Figura 1 - Visão macroscópica do tumor.

A primeira hipótese diagnóstica levantada pela equipe da ortopedia foi a possibilidade de se tratar de um tumor benigno de partes moles, provavelmente um condroblastoma. Contudo, a ressonância magnética do joelho esquerdo apresentava formação expansiva sólida em patela esquerda, predominantemente na sua região centromedial, medindo 5,2x3,3x2,9cm, com descontinuidade da cortical óssea e componente de partes moles. Notava-se também formação expansiva com as mesmas características na margem anterior do planalto tibial medial medindo 1,9x0,6cm (Figura 2).

O planejamento cirúrgico realizado em conjunto com a cirurgia plástica englobou a ressecção total da patela em bloco com as partes moles da região anterior do joelho e curetagem da região de platô tibial. A cirurgia plástica planejou reconstrução a princípio com retalho de gastrocnêmio medial, caso fosse um defeito de pequeno a moderado tamanho e retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso ou retalho livre caso grande tamanho. Não foi realizado estudo de imagem com objetivo de avaliar a irrigação vascular do joelho ou de região distal da coxa previamente à cirurgia.

Figura 2 - Imagem de ressonância nuclear magnética com corte sagital de joelho esquerdo com tumoração em patela (seta vermelha) e platô tibial medial (seta branca).

A equipe da cirurgia plástica era formada por um cirurgião plástico especializado em microcirurgia em conjunto com um residente do último ano de cirurgia plástica e outro do segundo ano de cirurgia plástica. Existia a possibilidade de reconstrução microcirúrgica, portanto, o microscópio estava em stand-by na sala cirúrgica, no entanto, não foi utilizado para reconstrução.

A paciente foi operada pela equipe da ortopedia, com ressecção óssea e de partes moles envolvendo as regiões da patela e fragmento medial distal da tíbia (Figura 3). A reconstrução proposta pela equipe de cirurgia plástica foi um retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso com dimensões de 14x10cm (Figura 4). No perioperatório, foi observado que se tratava de um retalho tipo II, uma vez que a perfurante principal do retalho não era originária do ramo descendente e sim do ramo transverso da ACFL5. Tal achado obrigava que a dissecção deveria alcançar o tronco da ACFL a fim de incluir a principal perfurante cutânea no retalho, (Figura 5). Foi realizado clampeamento acima da bifurcação dos ramos descendente e transverso com pinça vascular bulldog de 6cm para teste de patência do fluxo reverso. Após a certificação da vascularização do retalho através do fluxo reverso, procedeu-se a ligadura dupla dos vasos com fio de algodão 3-0 e rotação do retalho (Figuras 6 to 7). A área doadora foi fechada parcialmente, com aproximação dos bordos utilizando fio de nylon 3-0 e cicatrização por terceira intenção e posterior enxertia de pele. O pedículo foi protegido por uma camada muscular do reto femoral em toda sua extensão. O procedimento foi realizado sob raquianestesia, num total de 2,5 horas (Figura 8) com resultado estético aceitável (Figura 8-B).

Figura 3 - A. Peça cirúrgica ressecada; B. Resultado após abordagem da cirurgia ortopédica com ressecção de patela, partes moles e de fragmento tibial.

Realizada proteção em área doadora com curativo de espuma de prata. Foi feita uma imobilização com tala gessada para evitar a flexão do joelho. O curativo primário era trocado diariamente. A paciente foi orientada a não deambular nas primeiras 72 horas tendo sido submetida à profilaxia de trombose venosa profunda com enoxaparina 40mg. Após as primeiras 72 horas orientamos deambulação com membro em extensão total e proteção com tala gessada. Paciente recebeu alta no sétimo dia de pós-operatório não evoluindo com complicações nesse período.

O resultado do anatomopatológico coincidiu com o da biopsia prévia tendo resultado de carcinoma de células claras.

A paciente retornou em ambulatório no décimo quinto e trigésimo dia de pós-operatório apresentando satisfação com o resultado estético. Apresentava ainda discreta flexão do joelho. Contudo, haja visto ter realizado ressecção de patela e de todo mecanismo estabilizador do joelho evoluiu com instabilidade articular. No entanto, apresentava deambulação com o auxílio de dispositivos auxiliares de marcha.

DISCUSSÃO

A reconstrução cutânea e de tecidos moles na região ao redor do joelho é frequentemente desafiadora para o cirurgião plástico e tem como objetivo cobrir a parte óssea exposta, preservando a função articular do joelho e conferir um bom resultado estético. Existe a opção pela utilização de retalhos livres, onde há a necessidade de material adequado e equipe treinada. Contudo, a região de anastomose vascular na parte posterior do joelho torna o procedimento ainda mais complexo. O retalho fasciocutâneo anterolateral da coxa reverso, descrito pela primeira vez em 1990, por Zhang et al.6, parece ser uma opção efetiva e confiável na reconstrução de defeitos ao redor do joelho, haja visto que possui um longo comprimento do pedículo vascular e disponibilidade de partes moles7,8. A base vascular deste retalho é a anastomose entre o ramo descendente da ACFL e a artéria genicular superior lateral (AGSL), que está localizada a cerca de 3 a 10cm acima da borda lateral da patela. Esta conexão mantém uma perfusão cutânea constante através do fluxo sanguíneo retrógrado, que é suficiente para a sobrevivência do retalho5. Contudo, existem algumas variações anatômicas em que a perfurante cutânea não se origina do ramo descendente2.

Figura 4 - Planejamento do retalho anterolateral da coxa.
Figura 5 - Dissecção do principal ramo perfurante do retalho (seta maior) com origem no ramo transverso e não no ramo descendente (seta menor) da ACFL.
Figura 6 - Elevação do retalho e pedículo após secção proximal do vaso.

Na literatura há relatos de desistência do planejamento cirúrgico quando a principal perfurante do retalho não se origina do ramo descendente da ACFL5. No caso relatado, o planejamento foi mantido haja visto a boa perfusão após clampeamento, acima da bifurcação, entre os ramos descendente e transverso. Alguns pontos devem ser considerados para o bom desfecho do caso: a não compressão e a manutenção de uma camada de músculo ao redor do pedículo, e a confirmação do fluxo com o clampeamento vascular.

Figura 7 - Retalho em posição final.
Figura 8 - A. 72h de pós-operatório (à esquerda); B. 15 dias de pós-operatório.

CONCLUSÃO

O retalho anterolateral da coxa de fluxo reverso, baseado na perfurante no ramo transverso da ACFL, se mostrou como uma boa opção, rápida e com resultado estético aceitável para cobertura cutânea na região anterior do joelho.

REFERÊNCIAS

1. Gravvanis A, Kyriakopoulos A, Kateros K, Tsoutsos D. Flap reconstruction of the knee: a review of current concepts and a proposed algorithm. World J Orthop. 2014 Nov;5(5):603-13.

2. Song M, Zhang Z, Wu Y, Ma K, Lu M. Primary tumors of the patella. World J Surg Onc. 2015 Abr;13:163.

3. Bapista AM, Sargentini SC, Zumárraga JP, Camargo AF, Camargo OP. Tumores da patela: a experiência do instituto de ortopedia e traumatologia da Universidade de São Paulo. Acta Ortopéd Bras. 2016;24(3):151-4.

4. Bharathi RR, Ramkumar S, Venkatramani H. Soft tissue coverage for defects around the knee joint. Indian J Plast Surg. 2019 Jan;52(1):125-33.

5. Demirseren ME, Efendioglu K, Demiralp CO, Kilicarslan K, Akkaya H. Clinical experience with a reverse-flow anterolateral thigh perforator flap for the reconstruction of soft-tissue defects of the knee and proximal lower leg. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011 Dez;64(12):1613-20.

6. Zhang G, et al. Reversed anterolateral thigh island flap and myocutaneous flap transplantation. Zhonghua Yi Xue Za Zhi. 1990 Dez;70(2):676-8.

7. Guataçara Junior SS, Freitas RS, Novais JR, Maschio AG, Paula DR, Marcante RFR, et al. Retalho anterolateral da coxa reverso: uma opção de reconstrução para os membros inferiores. Rev Bras Cir Plást. 2018;33(4):493-500.

8. Pan SC, Yu JC, Shieh SJ, Lee JW, Huang BM, Chiu HY. Distally based anterolateral thigh flap: an anatomic and clinical study. Plast Reconstr Surg. 2004 Dez;114(7):1768-75.











1. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
2. Hospital do Câncer de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

COLABORAÇÕES

FSM Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

JZS Gerenciamento do Projeto, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

KWMC Realização das operações e/ou experimentos

RNS Realização das operações e/ou experimentos

Autor correspondente: Fábio Santiago de Macedo, Rua Hermogenes de Morais, 252, Apt 2901 - Madalena, Recife - PE, Brasil, CEP 50610-160, E-mail: fsdemacedo@gmail.com

Artigo submetido: 08/06/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.

Conflitos de interesse: não há.

Instituição: Hospital do Câncer de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

 

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