ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1997 - Volume12 - Issue 2

RESUMO

Os autores apresentam 20 casos de retalhos da artéria colateral digital utilizados na urgência. Foram analizados 61 pacientes que nos últimos 3 anos sofreram quadro agudo de perda de substância digital. Destes, 70% envolveram a falange distal. Em 8 pacientes foi proposto o retalho em ilha direto para cobrir perdas de substância oblíquas menores. Em 7 pacientes foi utilizado o retalho em ilha de fluxo reverso para restaurar sensibilidade e/ou cobrir perdas mais extensas. Em 3 casos de perda de parte de polpa do polegar foi indicado o retalho em ilha bipediculado. Finalmente, em 2 casos foi utilizado o retalho em ilha heterodigital para reconstruir toda a polpa digital do polegar. Os aspectos funcionais e estéticos da reconstrução foram analisados e comparados com os métodos tradicionais.

Palavras-chave:

ABSTRACT

The authors present 20 cases of digital neurovascular island flaps applied in acute injuries. Sixty-one patients treated over the last 3 years of severe digital tissue losswere analysed. 70% of cases were sited at the distal phalanx. Eight patients were treated with direct island flaps to restore skin and sensibility of small oblique distal losses. Seven patients presenting more transverse and extensivo lesions needed reverse flow island flaps. Three patients with partial pulp amputation of the thumb were treated with island bipedicled flaps. Finally, in the other two patients with total loss of thumb pulp, heterodigital island flaps with neurotization of the flap were necessary to restore the thumb whole digital pulp. The functional and aesthetic aspects of the reconstructions were analysed and compared with the traditional methods.

Keywords:


INTRODUÇÃO

As pequenas perdas de substância envolvendo o segmento distal digital são freqüentes. O meio de cobertura deve ser escolhido em função de inúmeros critérios. Todos, no entanto, devem ter em comum a substituição da pele e subcutâneo por tecido com as mesmas características e sensibilidade. Esta situação ideal é alcançada somente utilizando-se pele adjacente ao defeito. A topografia do defeito, o dedo afetado, as lesões associadas do dedo ferido e dos dedos vizinhos, a reeducação pós-operatória, as necessidades funcionais, a idade e o sexo do paciente interferem conjuntamente nesta escolha terapêutica. Todas as técnicas de cobertura, da simples cicatrização dirigida até o transplante microcirúrgico, devem ser conhecidas detalhadamente a fim de proporcionar ao paciente a solução mais apropriada. À prática de pequenos retalhos locais, no entanto, necessita um conhecimento aprofundado da vascularização da mão.

Neste trabalho faremos uma análise a respeito do uso de retalhos vascularizados pela artéria colateral digital para cobertura de perdas de substância dos dedos longos e do polegar. O uso desses retalhos foi introduzido em 1955 por Moberg(5) e popularizado por Littler(4) e Tubiana(6). Diferentes retalhos em ilha, ambos homodigitais e heterodigitais foram descritos. Eles são indicados particularmente na reconstrução da polpa digital, que requer uma cobertura consistente, sensível e de bom aspecto.

Existem dois tipos de retalhos homodigitais em ilha de aplicação nos dedos: 1-retalho em ilha descrito por Venkataswami e Subramanian em 1980(7) a partir dos trabalhos iniciais de Hueston de 1966(3); 2-retalho em ilha de fluxo reverso descritos por Glicenstein(2) e Brunelli(1).

Quanto aos retalhos heterodigitais, a indicação se resume basicamente aos casos de extensa perda da polpa digital do polegar, onde o bordo ulnar da falange distal do dedo anular serve como área doadora para a cobertura cutânea.


MATERIAL E MÉTODO

20 retalhos da artéria colateral digital foram utilizados em 19 pacientes do total de 61 casos de perda de substância traumática de dedos longos e polegar tratadas entre 91 e 94 na Clínica SOS Mão.

O retalho da artéria colateral digital de fluxo proximal representou 65% dos casos. Nos dedos longos ele era desenhado tendo como eixo um dos pedículos neurovasculares palmares. Quando se tratava de perdas do próprio dedo, o limite distal do retalho era o próprio bordo da lesão. No entanto, nas reconstruções heterodigitais (ex. polegar) ele chegava a incluir toda a hemipolpa. Proximalmente, o retalho avançava até a falange média, dependendo das dimensões da perda. Os limites laterais eram a linha média na face volar e a linha médio-lateral, lateralmente.

A dissecção se fazia sob torniquete pneumático e o retalho era levantado do plano profundo sempre próximo do canal digital. Uma incisão lateral, unindo a extremidade das pregas interdigitais até a base do dedo ou mesmo mais proximalmente na palma, permitia abordar o pedículo neurovascular. Após a liberação do pedículo, o retalho era avançado em direção à perda distal ou então, transposto para outro dedo através da tunelização, quando o caso assim exigia.

A área doadora era coberta com enxerto de pele total e o dedo mantido em discreta flexão para permitir pouca tensão ao pedículo.

No polegar, o retalho foi utilizado a partir de ambos os pedículos neurovasculares (O'Brien) de maneira a permitir o avanço completo da pele volar em direção à perda distal (Fig 1) . A marcação se fazia em forma de quadrilátero tendo como limite proximal a porção média da falange proximal e como limite lateral as linhas médio-laterais de ambos os lados. O acesso ao pedículo se fazia por deslocamento amplo da pele proximal de maneira a permitir a liberação e o avanço do retalho sem tensão (Fig 2) . A área doadora era tratada da mesma forma e o dedo em geral era mantido em ligeira flexão da IF. O resultado final era sempre satisfatório (Fig 3) .


Fig. 1 - Perda de substância parcial da polpa de um polegar direito em uma criança de quatro anos.


Fig. 2 - O retalho homodigital bipediculado é dissecado para permitir o avanço em direção a perda.


Fig. 3 - O resultado com 6 meses mostra boa acomodação da pele do retalho e do enxerto na área doadora.



O retalho da artéria colateral digital de fluxo reverso era demarcado na falange proximal do dedo a ser reconstruido (Fig 4). Seus limites eram o eixo médio e lateral do dedo e as pregas de flexão proximal e distalmente. Quando o retalho era indicado para cobertura, porém sem necessidade da sensiblidade, ele era transposto somente com o pedículo vascular (Fig. 5). Neste caso, tinha-se o cuidado de manter o máximo do tecido gorduroso possível em torno do pedículo para evitar problemas de sofrimento venoso. As perdas tratadas com esse tipo de retalho não ressensibilizável eram, geralmente localizadas no dorso da falange média e distal (Fig. 6) . Nas perdas maiores da falange distal (Fig. 7) o retalho era transposto com o nervo colateral para ser ressensibilizado a partir do nervo contralateral. O retalho era abordado inicialmente e o pedículo neurovascular identificado proximalmente, tomando-se o cuidado de preservar o ramo dorsal do nervo colateral que nasce próximo da prega digito-palmar. O nervo era então dissecado em direção à palma há 1 cm da borda do retalho e seccionado. Em seguida, uma incisão médio-lateral até a perda de substância permitia a dissecção do pedículo. Esta dissecção não ultrapassava a prega digital da IFD (Fig. 8) .


Fig. 4 - Marcação do retalho em ilha de fluxo reverso no bordo ulnar da falange proximal para cobrir exposição óssea dorsal da falange distal. O pedículo é abordado por incisão médio-lateral desde a área doadora até a perda cutânea.


Fig. 5 - Após a dissecção do pedículo vascular sem o nervo, o retalho é transposto até o leito receptor. Notem que a dissecção do pedículo não deve ultrapassar o terço distal da falange média para não sacrificar o último ramo transverso que se comunica com o pedículo contralateral.


Fig. 6 - Resultado após 3 meses com boa aparência estética da área reconstruída.


Fig. 7 - Amputação transversa a nível do terço médio da falange distal com perda de boa parte do leito ungueal.


Fig. 8 - Retalho em ilha de fluxo reverso dissecado juntamente com o nervo colateral. Notem que o coto proximal foi seccionado há 1cm da borda do retalho para permitir a neurorrafia com o nervo contralateral.



O retalho era então transposto em direção à perda, tomando-se apenas o cuidado de evitar a torção e a tensão do pedículo. Após sutura do retalho e da área doadora de acesso aos vasos, o nervo colateral previamente dissecado era finalmente suturado com o coto proximal do nervo do retalho (Fig. 9). A área doadora era enxertada com pele total.


Fig. 9 - Resultado após um ano onde se verifica a restituição do leito ungueal com o enchimento da ponta do dedo com o retalho. O retalho foi resensibilizado satisfatoriamente.



RESULTADOS

As perdas de substância traumática dos dedos longos e do polegar tratadas com retalhos da artéria colateral digital representaram apenas 30% do total de 61 pacientes atendidos nos últimos 3 anos.

As causa mais comuns dos acidentes foram doméstico (40,9%), trabalho (22,95%), via pública (11,5%) e esporte (6,54%). Os dedos mais atingidos, em ordem decrescente, foram indicador (33,84%), médio (24,61%), anular (21,53%), mínimo (10,76%) e polegar (9,23%). A mão direita, por ser a dominante na maioria da população, foi envolvida em 57,37% dos casos contra 42,63% na mão esquerda. Em 73,35% dos casos não houve associação com outras lesões além da própria perda de substância, enquanto que nos outros 26,7% a lesão se associou com fratura (13,3%), desvacularização (5%), secção de tendões e nervos (3,3%) e outros (3,3%).

As dimensões variam em função da extensão da perda e da própria idade do paciente, mas, em geral, não ultrapassavam 1/3 do comprimento total do dedo nos retalhos unipediculares e 50% da superfície volar nos retalhos bipediculares (O'Brien).

As complicações atingiram 15% dos casos (3 casos) sendo que em 10% houve perda total do retalho e nos outros 5%, perda parcial. Nestes casos, provavelmente, a extensão da lesão foi mal avaliada de forma que o pedículo vascular já deveria estar comprometido. Todos estes casos se deram no retalho de fluxo reverso.


DISCUSSÃO

Inúmeras técnicas de cobertura de perdas de substância digital foram descritas e são utilizadas com sucesso nos dias de hoje. A indicação de procedimentos cirúrgicos mais complexos é dominante quando existe exposição óssea. A cobertura óssea dada pela sutura direta ou enxertia cutânea produz um resultado insatisfatório e o retalho cutâneo é preferível. Quando existe exposição óssea mínima, é possível a cobertura com retalhos locais de avanço (Hueston 1966, Tranquilli-Leali 1935 e Tubiana 1986), porém quanto maior a área de perda cutânea, mais complexa a conduta. Até recentemente, as perdas cutâneas mais extensas eram cobertas com retalhos a distância de pedículo temporário (crossfinger ou retalho tenar). Isto resultava em dedos com aparência satisfatória porém insensíveis, seqüela estética da área doadora e risco de rigidez articular decorrente do período prolongado de imobilização (em geral 3 semanas). Hoje em dia, as indicações para este tipo de retalho tornaram-se menos comuns graças ao desenvolvimento de retalhos em ilha cuja técnica permite a reconstrução em tempo único. A escolha se dá essencialmente entre 2 tipos de retalho de ilha. A escolha entre as duas técnicas depende da situação clínica e a experiência do cirurgião. Como regra básica, as amputações transversas ou ligeiramente obliquas são mais bem tratadas com retalhos locais de avanço. As amputações obliquas onde a linha de amputação termina na metade da falange distal são tratadas preferencialmente com retalhos em ilha direto. Em todos os outros casos, o retalho de fluxo reverso deve ser indicado.

Os problemas que envolvem este tipo de retalho são basicamente a cicatriz medio-lateral retrátil com flexão da IFP que pode ser corrigida com zetaplastia e fisioterapia; a hiperestasia do retalho que tende a diminuir nos primeiros meses e a anestesia cutânea nas zonas proximais que são sempre denervadas com a dissecção do pedículo.

As vantagens, no entanto, são evidentes quando comparadas com outras alternativas. Este retalho proporciona uma cobertura em tempo único com boa qualidade e sensibilidade. Ele permite que se preserve ao máximo o comprimento do dedo.

Nos retalhos de fluxo reverso, é possível a neurorrafia de um dos nervos colaterais com o nervo contralateral evitando, assim, um dos maiores problemas com os cotos de amputaçao que são os neuromas. Além disso, ele permite a transposição de um grande segmento de pele com possibilidade de reinervação.


BIBLIOGRAFIA

1. Brunelli, f. 1987 - Lambeau en ilôt digital inversé. Pages at GEM winter meeting, Paris.

2. Glicenstein, J. 1988 - Table rond: Les lambeaux en ilôts en chirurgie de la main. Annales de Chirurgie de la Main 7: 119-121.

3. Huestonn, J. T. 1966 - Local flap repairs in the finger tip injuries.Plastic and Reconstructive Surgery 37: 349-350.

4. Littler, J. W. 1956 - Neurovascular pedicle transfer of tissue in reconstructive surgery of the hand. Journal of Bone and Joint Surgery 38A: 917.

5. Mobeg, E. 1964 - Aspects of sensation in the reconstructive surgery of the upper extremity. Journal of Bone and Joint Surgery 46: 817-825.

6. Tubiana, R.; Duparc, J. 1959 - Operation palliative pour paralysie sensitive à la main. Memoires de l'Academie des Chirurgiens. 85: 66-670.

7. Venkataswami, R.; Subramanian, N. 1980 - Oblique triangular flap: a new method of repair for oblique amputations of the fingertip and thumb. Plastic and Reconstructive Surgery 66:296-300.





I - Médico da Sessão de Microcirurgia do HTO - MS - Rio de Janeiro
Médico da Clínica SOS Mão - Rio de Janeiro
Membro Titular da SBCP
II - Chefe da Sessão de Microcirurgia do HTO - MS - Rio de Janeiro
Médico da Clínica SOS Mão - Rio de Janeiro
Membro Titular da SBCP

Clínica SOS Mão
Rua São João Batista, 80 Botafogo
22270-030 - Rio de Janeiro - RJ
Tel/fax: (021) 266-6004

 

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