INTRODUÇÃO
A rinoplastia é a cirurgia indicada para a realização de reparos
estéticos no nariz, sendo designada funcional quando também objetiva
melhorar a função respiratória. Seu primeiro relato foi
descrito na Índia, cerca de 500 a.C., por Sushruta, considerado o pai da
cirurgia plástica, o qual utilizou várias técnicas
reconstrutoras em indivíduos que tiveram seu nariz decepado. A partir desse
relato, as técnicas foram se aprimorando cada vez mais, tendo se tornado
comuns publicações acerca desse procedimento. No final dos anos 1.500,
o professor Gaspare Tagliacozzi mostrou a possibilidade de
reconstrução nasal usando retalho de braço; em meados de 1.800,
Johann Freiderich Dieffenbach, em seu livro-texto intitulado
“Operative surgery”, descreveu técnicas
para reduzir o tamanho do nariz. Desde então, a rinoplastia foi se tornando
cada vez mais refinada a partir de treinamentos teóricos e práticos
feitos por profissionais capacitados1.
Hoje, a rinoplastia é um procedimento bastante frequente e a
avaliação de seus resultados baseiam-se na melhora da qualidade de
vida e na satisfação do paciente, o que também depende de
fatores como aparência pré-operatória, expectativas e
relação médico-paciente, além de um treinamento
adequado2. Segundo Oni et
al. (2011)3, mais da metade dos
diretores de programa de residência avaliados não se sentiam
confiantes na capacidade dos residentes em realizar rinoplastia. Muito disso decorre
da ausência de exposição precoce e de pouco tempo de
treinamento4. A despeito
disso, várias técnicas foram introduzidas, como vídeos
educacionais, simulações, estudos em cadáveres e em
laboratórios de habilidades clínicas, porém a base do
treinamento continua sendo a relação mestre-aprendiz em procedimentos
cirúrgicos, o que limita o desenvolvimento do residente5. É fundamental ressaltar que
muitas ferramentas educacionais alternativas envolvem custos financeiros elevados,
bem como o treinamento em pacientes pode enfrentar restrições devido
à ausência de estrutura e de recursos hospitalares para o
procedimento.
A rinoplastia é considerada a mais difícil de todas as cirurgias
estéticas, pois a anatomia nasal é altamente variável, o
procedimento deve corrigir forma e função e o resultado final deve
atender às expectativas dos pacientes6. Portanto, é necessário reforçar o
conhecimento anatômico e as habilidades técnicas dos aprendizes da
cirurgia, utilizando-se estratégias para ampliar o tempo de treinamento e
ferramentas que, preferencialmente, sejam de baixo custo e fácil acesso.
OBJETIVO
O presente artigo tem como objetivo apresentar um modelo sintético,
inédito e prático para o treinamento das técnicas de
rinoplastia, desenvolvido para ser de fácil execução e baixo
custo.
MÉTODOS
O estudo foi realizado na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), na cidade de
Fortaleza/CE, durante o período de setembro de 2020 a dezembro de 2020. Todos
os aspectos éticos em pesquisa foram seguidos e respeitados.
Para a montagem do modelo proposto, utilizaram-se os seguintes materiais: cola
quente, bacia, água, detergente, massa epóxi, espátulas para
artesanato, molde de nariz (máscara carnavalesca), fios de sutura e silicone
acético branco (Figura 1). Para colorir
as peças de pele e as cartilagens, há necessidade do uso de corante,
bem como de copo e colher descartáveis.
Figura 1 - Materiais necessários para confecção do
modelo.
Figura 1 - Materiais necessários para confecção do
modelo.
A construção do modelo foi feita em três
estágios
Arcabouço ósseo da face:
Com a cola quente, a estrutura foi confeccionada por camadas e moldada ainda
quente na máscara para replicar as estruturas ósseas da face
(Figura 2). A primeira estrutura nasal
a ser feita foi o septo, seguido dos ossos próprios nasais.
Cartilagens
A construção das cartilagens foi feita a partir do silicone
acético e de um molde de massa epóxi (Figura 3). Esse molde foi confeccionado de forma artesanal,
simulando o formato das cartilagens laterais superiores e inferiores (Figura 4).
A massa epóxi foi preparada e deixada descansar por 10 minutos, para
ganhar a consistência suficiente para ser esculpida com as
espátulas para artesanato. Após a secagem da massa, o silicone foi
despejado no molde e mantido até endurecer. Em seguida, foi retirado do
molde e colocado em um lugar ventilado para a secagem completa e
redução do odor intenso (Figura 5).
Figura 2 - Parte óssea feita com cola quente.
Figura 2 - Parte óssea feita com cola quente.
Figura 3 - Cartilagens de silicone e o material para a sua
confecção.
Figura 3 - Cartilagens de silicone e o material para a sua
confecção.
Figura 4 - Moldes das cartilagens feitos de massa epóxi com
auxílio da espátula de artesanato.
Figura 4 - Moldes das cartilagens feitos de massa epóxi com
auxílio da espátula de artesanato.
Figura 5 - Cartilagens laterais inferiores prontas.
Figura 5 - Cartilagens laterais inferiores prontas.
Pele
Para a confecção, foi adicionado corante ao silicone acético
branco em um recipiente descartável. Em seguida, a mistura foi colocada
em uma bacia com água e detergente neutro, sendo amassado e enrolado com
as mãos até que se observe, depois de alguns minutos, um ligeiro
endurecimento da massa (Figura 6).
Figura 6 - Pele pronta e os materiais necessários para a sua
construção.
Figura 6 - Pele pronta e os materiais necessários para a sua
construção.
Com o silicone mais consistente, ele foi colocado em um molde plástico
similar a um nariz untado com óleo e deixado para secar. O silicone tem
um cheiro muito forte e, em contato com a pele, pode causar ressecamento das
mãos. Então, a proteção com luvas e máscara
é essencial.
Com as cartilagens devidamente secas, elas foram fixadas à estrutura
óssea com fios de sutura (Figura 7).
Depois disso, a pele foi usada para cobrir a estrutura e fixada com fio de
sutura para que ficasse imóvel (Figura 8).
Figura 7 - Cartilagens fixadas à estrutura óssea.
Figura 7 - Cartilagens fixadas à estrutura óssea.
Figura 8 - Pele fixada recobrindo a estrutura.
Figura 8 - Pele fixada recobrindo a estrutura.
A pele foi confeccionada apenas para proporcionar um melhor aspecto visual ao
modelo, pois sua construção não influenciará
significativamente no momento do treino.
RESULTADOS
Com relação a estrutura óssea e cartilaginosa, foi obtido um
formato semelhante ao real, como se observa nas imagens seguintes. A
diferenciação de cores entre as cartilagens e os ossos nasais auxilia
na identificação de cada estrutura (Figura 9).
Figura 9 - Exposição das cartilagens pelas técnicas aberta e
semiaberta.
Figura 9 - Exposição das cartilagens pelas técnicas aberta e
semiaberta.
A estrutura completa permite uma simulação bem real de uma rinoplastia,
possibilitando realizar-se a incisão columelar para o acesso aberto e
efetuarem-se manobras na ponta nasal e no dorso, tais quais a
realização de suturas e a eventual colocação de enxertos
(Figura 10).
Figura 10 - Finalização da simulação pelas
técnicas aberta e semiaberta.
Figura 10 - Finalização da simulação pelas
técnicas aberta e semiaberta.
DISCUSSÃO
A formação cirúrgica envolve complexos conceitos práticos
e teóricos, principalmente relacionados à técnica
operatória e suas bases fundamentais, dentre os quais o desenvolvimento de
habilidades é considerado indispensável. No geral, a
aquisição de competências psicomotoras ainda se faz pelo modelo
observacional, conhecido como “ver, fazer e repetir”7.
Com o intuito de ampliar o treinamento de habilidades para além das salas
cirúrgicas, é fundamental que se desenvolvam opções
viáveis e com máxima similaridade possível com o tecido dos
pacientes. Uma opção óbvia seria o estudo em cadáveres
frescos, mas que, pelos obstáculos legais que dificultam a
obtenção desse material no Brasil, ainda é pouco
disponível8.
Alguns modelos experimentais para o treino de habilidades cirúrgicas
relacionadas à rinoplastia já foram publicadas, como o modelo animal
proposto por Dini et al. (2012)8,
que revelou grande aplicabilidade. No entanto, o uso de um material não
humano também apresenta diversas complicações éticas e
burocráticas, além de não apresentarem similaridade completa.
Além disso, há o conflito com os modernos conceitos de bem-estar
animal. A desinformação dos estudantes sobre ética e uso de
animais, associada à obrigatoriedade de participação em
atividades didáticas que usam este método de ensino, sem o direito
formal de objeção de consciência ou a opção de
alternativas têm sido relacionados como causa de
dessensibilização de profissionais9.
A atual diversidade e a complexidade do conhecimento médico-cirúrgico,
requer, portanto, um novo direcionamento no ensino por meio de estratégias
inovadoras. De fato, para garantir a aquisição de habilidades,
diversos preceitos alternativos também denominados
“substitutivos” têm sido exercitados, buscando-se cumprir a
função educacional/científica sem causar prejuízo aos
animais. A intenção deve ser a de disseminar, no tempo ideal,
conhecimento necessário para satisfatória formação
profissional, potencializando o aprendizado e reduzindo ou abolindo o uso de
animais7.
O modelo sintético inédito desenvolvido permite excelente
identificação de estruturas, adequada mobilização das
cartilagens nasais e fácil manuseio da pele sintética sobrejacente,
apresentando consistência, textura e resistência semelhantes ao real.
Permite boa simulação de algumas etapas das técnicas aberta e
semiaberta da rinoplastia. As cartilagens laterais superiores e inferiores feitas
com silicone, quando recebem suturas, proporcionam sensação
tátil próxima à dessa etapa cirúrgica em pacientes. A
pele sintética apresenta certa elasticidade, semelhante ao que se observa
quando se faz uma rinoplastia aberta. Ressalte-se que esse modelo já foi
utilizado em curso hands on, no XV Congresso Norte-Nordeste de
Otorrinolaringologia, em agosto de 2019, ocasião em que diversos
cirurgiões puderam conhecer o modelo e perceber sua similaridade com o
real.
Além de todas essas características técnicas do modelo, cumpre
destacar que ele, em virtude da natureza sintética, não suscita
questionamentos éticos ou legais que modelos animais ou o treinamento em
cadáveres humanos frescos inevitavelmente impõem. Somando-se a isso,
outro ponto forte é o baixo custo, o que favorece a sua
replicação em escolas médicas. Dessa forma, pode proporcionar
mais tempo e opções de treino aos aprendizes dessa refinada
cirurgia.
Por outro lado, a principal limitação desse modelo é requerer
habilidades manuais relativamente complexas para sua construção.
Algumas etapas, por exemplo a confecção da estrutura óssea com
cola quente, exigem certa capacidade de abstração para a
construção, pois não há um esboço das formas
tridimensionais da face.
Por fim, os autores esperam, com a apresentação desse modelo, prestar
uma relevante contribuição para o ensino médico e, ao mesmo
tempo, estimular o surgimento de novos modelos que o aperfeiçoem, baseando-se
sobretudo no uso criativo de materiais simples, de fácil acesso e de baixo
custo.
CONCLUSÃO
O modelo exposto tem o potencial de impactar positivamente o processo de aprendizagem
da rinoplastia, revelando-se uma ferramenta acessível e útil para o
treinamento de várias etapas da técnica dessa complexa cirurgia.
REFERÊNCIAS
1. Lalwani AK. Otorrinolaringologia, cirurgia de cabeça e
pescoço: diagnóstico e tratamento. 3ª ed. São Paulo:
Artmed; 2013.
2. Esteves SS, Ferreira MG, Almeida JC, Abrunhosa J, Sousa CA.
Evaluation of aesthetic and functional outcomes in rhinoplasty surgery: a
prospective study. Braz J Otorhinolaryngol. 2017
Set/Out;83(5):552-7.
3. Oni G, Ahmad J, Zins JE, Kenkel JM. Cosmetic surgery training in
plastic surgery residency programs in the United States: how have we progressed
in the last three years?. Aesthet Surg J. 2011
Mai;31(4):445-55.
4. Wright EJ, Khosla RK, Howell L, Lee GK. Rhinoplasty education using
a standardized patient encounter. Arch Plast Surg. 2016
Set;43(5):451.
5. Dokuzlar U, Miman MC, Denizoğlu İİ,
Eğrilmez M. Opinions of otorhinolaryngology residents about their
education process. Turkish Arch Otorhinolaryngol. 2010
Set;53(3):100-7.
6. Daniel RK. Aesthetic reconstructive rhinoplasty. In: Daniel RK, ed.
Mastering rhinoplasty. Berlin: Springer Heidelberg; 2010. p.
407-40.
7. Martins Filho EF, Daleck CR, Costa Neto JM. Métodos
alternativos no ensino da técnica cirúrgica veterinária.
São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP); 2015.
8. Dini GM, Gonella HA, Fregadolli L, Nunes B, Gozzano R. Novo modelo
animal para treinamento de rinoplastia. Rev Bras Cir Plást.
2012;27(2):201-5.
9. Greif S, Tréz T. A verdadeira face da
experimentação animal: a sua saúde em perigo. Rio de
Janeiro: Sociedade Educacional Fala Bicho; 2000.
1. Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE,
Brasil.
Autor correspondente: Arthur Antunes Coimbra
Pinheiro Pacífico, Rua Mariana Furtado Leite 1250, apto 1201
torre 1 - Eng. Luciano Cavalcante, Fortaleza, CE, Brasil, CEP 60811-030, E-mail:
arthurh.pacifico@gmail.com
Artigo submetido: 15/02/2021.
Artigo aceito: 19/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE,
Brasil.