INTRODUÇÃO
O pioderma gangrenoso (PG) é uma doença inflamatória da pele que se caracteriza pela
presença de lesões ulcerativas com bordas violáceas e indeterminadas1. Normalmente, o quadro clínico é rapidamente progressivo com extensão das áreas necróticas
numa configuração serpiginosa2. A etiologia é desconhecida até hoje, mas acredita-se que envolva disfunção neutrofílica
e fatores imunológicos. Ela é frequentemente associada às doenças inflamatórias intestinais,
como: doença de Crohn e retocolite ulcerativa; neoplasias malignas, artrites e doenças
hematológicas. Em muitos casos, a apresentação clínica pode simular uma infecção de
ferida operatória3.
Esta patologia foi descrita inicialmente por Brocq, em 19163, e posteriormente nomeada e melhor caracterizada por Brunsting, em 19304,5. O PG foi assim denominado pelo autor acreditar que a patologia se tratava de uma
gangrena causada por infecção estreptocócica. O primeiro caso descrito em cirurgia
de mama foi em 1988, por Rand6, numa paciente submetida a uma mamoplastia redutora.
O pioderma gangrenoso tem a incidência estimada de 3 a 10 casos por milhão de pessoas/ano7,8, com relatos na literatura envolvendo casos únicos ou pequenas séries de pacientes.
Dados nacionais de uma análise retrospectiva mostraram que, no Brasil, este índice
é de 0,38 casos por 10.000 atendimentos9, sendo as mulheres as mais acometidas, entre a segunda e quinta década de vida10.
Os achados histopatológicos incluem neutrofilia dérmica estéril e vasculite linfocítica,
porém são inespecíficos, tanto na microscopia óptica, como na imuno-histoquímica,
não existindo marcadores sorológicos específicos para o fechamento de um diagnóstico
laboratorial; desta maneira, o diagnóstico é clínico por exclusão11,12. O PG está associado a algumas doenças autoimunes, como a colite ulcerativa e a artrite
reumatóide13.
A patergia é um fenômeno observado nos pacientes com diagnóstico de PG e sugere uma
resposta anormal ao trauma. Essa característica faz com que o tratamento desta patologia
seja mais difícil em comparação com outras doenças ulcerativas3,14. Até agora, a literatura sugere tratamentos baseados em corticosteroides, onde apesar
de conseguir um controle da doença evidenciamos lesões cutâneas irreparáveis tento
resultado final a desejar15.
RELATO DE CASO
Paciente feminino de 17 anos sem antecedentes patológicos ou cirúrgicos, chegou ao
ambulatório de cirurgia plástica com queixa de hipertrofia mamária que gerava dorsalgia
e desconforto social (Figura 1). Ao exame físico foi possível evidenciar macromastia e ptose mamária grau I.
Figura 1 - Pré-operatório paciente feminino de 17 anos com ptose mamária grau 2 de Regnault.
Figura 1 - Pré-operatório paciente feminino de 17 anos com ptose mamária grau 2 de Regnault.
Foi submetida à mamoplastia redutora com pedículo inferior, cirurgia realizada sem
intercorrências, recebendo alta após 24 horas de internação em boas condições gerais.
Foi realizada profilaxia antibiótica com cefazolina durante a cirurgia e posteriormente
foi prescrito cefalexina 500mg de 6/6 horas por 5 dias.
No controle ambulatorial no sétimo dia de pós-operatório (DPO), evidenciou-se aparecimento
de uma vesícula de conteúdo hemático com eritema perilesional no quadrante inferior
externo da mama direita lateral à vertente. Na mama esquerda, a paciente apresentava
uma úlcera sangrante de aproximadamente 4.5cm de diâmetro, no quadrante inferior externo
e lateral à vertente (Figura 2).
Figura 2 - Sétimo dia de pós-operatório. A: Mama direita com vesícula de conteúdo hemático; B: Mama esquerda com úlcera sangrante em progressão.
Figura 2 - Sétimo dia de pós-operatório. A: Mama direita com vesícula de conteúdo hemático; B: Mama esquerda com úlcera sangrante em progressão.
Suspeitou-se de diagnóstico de pioderma gangrenoso para o qual foi realizada biópsia
da ferida com coleta e material para cultura. Posteriormente, foi realizado curativo
com gaze não aderente e foi coletado sangue para realização de hemograma completo,
proteína C-reativa e velocidade de hemossedimentação. Iniciado tratamento oral com
prednisolona 40mg/dia mais amoxicilina com clavulonato 875+125mg 12/12h por 10 dias.
Os resultados dos exames laboratoriais mostraram 11.270 leucócitos/µL com 9.650 neutrófilos/µL
(85%), VHS 94mm e PCR 2,28mm/dL. O laudo histopatológico da lesão reportou: fragmento
de pele em borda de lesão ulcerada exibindo infiltrado inflamatório agudo e crônico
na derme, e tecido celular subcutâneo com necrose fibrinoide da parede de pequenos
vasos relacionados a área da úlcera. Ausência de microrganismos às colorações especiais
pelo PAS e Ziehl-Neelsen. Considerar pioderma gangrenoso entre os diagnósticos.
No 18° DPO as lesões ulceradas ainda aparentavam ter uma progressão lenta evidenciando-se
um discreto aumento no tamanho da úlcera da mama esquerda que chegou a comprometer
a cicatriz vertical. Foram iniciadas sessões diárias de terapia hiperbárica com duração
de 90 minutos associadas ao suporte nutricional com suplemento proteico: Cubitan® (Vital Products Importação e Exportação Ltda., Niterói, Rio de Janeiro, Brasil) 1
frasco por dia e glutamina 10 gramas por dia (Figura 3).
Figura 3 - Décimo oitavo dia pós-operatório. A: Mama direita com vesícula de conteúdo hemático delimitada; B: Mama esquerda com úlcera de 5cm de diâmetro.
Figura 3 - Décimo oitavo dia pós-operatório. A: Mama direita com vesícula de conteúdo hemático delimitada; B: Mama esquerda com úlcera de 5cm de diâmetro.
A partir do 20° DPO foram iniciados curativos diários com fator de crescimento epidérmico
a 3%, óleo de rosa mosqueta 5% e alantoína 1% cobertos com gaze não aderente.
No 25° DPO Foi possível evidenciar, uma evolução favorável das feridas devido a uma
detenção na extensão das mesmas associado a uma aparente tentativa de epitelização
das bordas das feridas (Figura 4).
Figura 4 - Vigésimo quinto dia pós-operatório evidenciando estabilidade na progressão das úlceras.
A: Mama direita; B: Mama esquerda.
Figura 4 - Vigésimo quinto dia pós-operatório evidenciando estabilidade na progressão das úlceras.
A: Mama direita; B: Mama esquerda.
Foi realizado sutura subdérmica no 33° DPO com nylon 3.0 com o intuito de aproximar
as bordas da lesão sem evidenciar nenhum tipo de reação patérgica por conta da manipulação
da ferida. Uma semana depois foi realizado sutura da pele com chuleio de nylon 5.0
associado a pontos simples. Conforme cicatrização da pele da paciente, foram retirados
os pontos gradativamente (Figura 5).
Figura 5 - A e B. 33° DPO evidenciando vertente da mama direita em adequado processo de epitelização
e afrontamento das bordas da lesão da mama esquerda; C e D. 40° DPO, mama direita em adequado processo de epitelização e realizada sutura de
pele em mama esquerda; E e F. Aparência das mamas direita e esquerda no 47° DPO.
Figura 5 - A e B. 33° DPO evidenciando vertente da mama direita em adequado processo de epitelização
e afrontamento das bordas da lesão da mama esquerda; C e D. 40° DPO, mama direita em adequado processo de epitelização e realizada sutura de
pele em mama esquerda; E e F. Aparência das mamas direita e esquerda no 47° DPO.
RESULTADO
A paciente do caso, após 60 dias de pós-operatório, evoluiu com boa cicatrização das
extensas lesões, tendo sido preservado o resultado da mamoplastia sem sequelas provenientes
do PG (Figura 6). A paciente encontra-se satisfeita com o resultado da mamoplastia, com três anos
de segmento do pós-operatório a partir do procedimento cirúrgico, quando contatada
pela equipe.
Figura 6 - A: Pré-operatório mamoplastia redutora com pedículo; B: Pósoperatório 60 dias após controle do PG.
Figura 6 - A: Pré-operatório mamoplastia redutora com pedículo; B: Pósoperatório 60 dias após controle do PG.
DISCUSSÃO
O pioderma gangrenoso pós-cirúrgico constitui uma doença da pele que é desenvolvida
logo após a cirurgia, mimetizando uma infecção de ferida operatória que não responde
ao tratamento antibiótico. Cada vez são mais os relatos de casos que se encontram
na literatura, de tal forma que, representa uma patologia que deve ser conhecida por
todo cirurgião plástico para realizar um adequado diagnóstico diferencial16,17. Em recente revisão na literatura nacional, na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica,
foram publicados 6 artigos desde 201518-23 e 10 desde 20069,14,24,25, sendo fundamental a suspeição de PG e a partir de lesões patognomônicas em cirurgias
com evoluções catastróficas e recentes.
O diagnóstico precoce é fundamental para evitar uma progressão das lesões ulcerativas
e para realizar um tratamento adequado. Na literatura o tratamento indicado na maioria
dos casos e baseado nos corticosteroides associados ou não à ciclosporina1,26. Tem-se descrito a utilização de metotrexate, ciclofosfamida, azatriopina e imunoglobulina
nos pacientes que não responderam ao tratamento com esteroides15,27. Na paciente do caso descrito, devido à suspeita clínica e a instauração do tratamento
precoce pôde- se obter um desfecho favorável dessa temida patologia, que tem início
súbito e agressivo.
Por conta da patergia característica desta doença a tendência é não realizar desbridamentos
cirúrgicos e manipular as feridas. Alguns autores descrevem a realização de enxertos
e retalhos uma vez controlada a doença para realizar o fechamento da área cruenta13. Porém, a maioria dos resultados estéticos que encontramos na literatura são pobres.
A paciente em questão não tinha história de lesão prévias tanto provenientes do próprio
PG ou do fenômeno de patergia. Sem relato de cirurgia prévia ou traumas importantes.
Tendo boa evolução com as intervenções de sutura de aproximação e associado à sutura
da ferida por planos, sem desbridamento da região.
Na paciente do caso, foram obtidos bons resultados estéticos devido a um diagnóstico
e corticoterapia precoce que limitou a extensão da região ulcerada. Posteriormente,
com o suporte nutricional, a terapia hiperbárica e os curativos diários controlaram
a doença, promovendo a epitelização da ferida. Finalmente, foi possível realizar um
fechamento da ferida por estágios conseguindo deixar mínimas cicatrizes nas mamas.
CONCLUSÃO
O pioderma gangrenoso pós-cirúrgico constitui uma doença que deve ser conhecida pelo
cirurgião plástico para assim ser tratada adequadamente e garantir bons resultados
estéticos para os pacientes. A suspeita diagnóstica é feita quando o paciente apresenta
lesões ulcerativas no pós-operatório precoce, geralmente múltiplas, bilaterais e poupando
o complexo areolopapilar.
Considera-se que é possível conseguir um controle do quadro e estabilização da doença
com a corticoterapia associada ao suporte nutricional, terapia hiperbárica e curativos
diários.
Uma vez controlada a doença, é possível manipular as áreas comprometidas conseguindo
um fechamento tardio das úlceras e uma cicatrização adequada.
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Autor correspondente: Gisela Hobson Pontes Avenida Epitácio Pessoa, 846, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil CEP 22410-090 E-mail:
giselapontes@uol.com.br
Artigo submetido: 05/04/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.