INTRODUÇÃO
A colocação de próteses mamárias promove reações fisiológicas cicatriciais ao redor
do implante, formando uma cápsula fibrosa que tem sido relacionada ao desenvolvimento
de diversas patologias mamárias¹. Entre elas destacam-se seromas, contratura capsular
e mais recentemente o linfoma anaplásico de células gigantes associado ao implante
mamário (BIA-ALCL)2,3.
O BIA-ALCL, uma patologia maligna rara, descrito pela primeira vez há mais de
20 anos3, com fisiopatologia sabidamente relacionada à cápsula periprotética, recentemente
gerou maior preocupação após um comunicado aberto do FDA à população geral4.
A evolução lenta e achados clínicos inespecíficos da doença, além do aumento simultâneo
da incidência mundial de BIA-ALCL e do próprio procedimento de colocação de próteses
mamárias, torna fundamental a discussão e conscientização na prática médica para um
reconhecimento precoce, cuidadoso e individualizado dos diagnósticos diferenciais
de patologias mamárias após a mamoplastia de aumento com prótese.
O objetivo do trabalho é revisar diagnóstico diferencias do desconforto mamário após
mamoplastia de aumento, chamando a atenção para medidas de prevenção da formação do
biofilme, bem como a importância na suspeição do BIA-ALCL.
RELATO DE CASO
O relato de caso segue o modelo preconizado pelo SCARE5, sendo aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Franciscana sob o
parecer de número 4.023.210.
Paciente de 36 anos, feminina, branca, nutricionista, buscou atendimento em clínica
privada, referindo desconforto em mama esquerda há aproximadamente 1 ano.
Paciente previamente hígida, IMC de 30kg/m2 sem história de tabagismo, sem antecedentes pessoais e familiares de neoplasias.
História pregressa de mastopexia com implante texturizados em 2015, tendo uma deiscência
de sutura na mama esquerda, sendo submetida à ressutura 2 meses após, com resolução
satisfatória. Em 2016, apresentou seroma (125ml) na mama esquerda. Exames culturais
foram negativos, sendo submetida à troca dos implantes, sendo utilizados nessa cirurgia
implantes macrotexturizados, redondos de perfil alto, de 310g. As primeiras cirurgias
foram realizadas por outra equipe não havendo dados relativos à técnica usada e cuidados
profiláticos quanto à formação de biofilme. Em 2018, a paciente começou a apresentar
desconforto na mama esquerda, porém com exames normais (ressonância e ultrassonografia).
Em 2019, com persistência dos sintomas, novamente realizou exame de ressonância magnética,
que evidenciou pequena coleção de líquido em região posterior ao implante mamário
esquerdo (6ml), de classificação BI-RADS II (Figura 1), quando procurou o atendimento.
Figura 1 - RM de 2016 com coleção líquida de 125ml em mama esquerda.
Figura 1 - RM de 2016 com coleção líquida de 125ml em mama esquerda.
Considerando o pequeno volume e a localização de difícil acesso para punção ou coleta
de material, decidiu-se pelo procedimento cirúrgico. Em setembro de 2019, através
de uma incisão em sulco mamário ampliada, foi realizada uma capsulectomia completa
em bloco na mama esquerda e uma capsulectomia total à direita com troca dos implantes.
Nesse procedimento, foi adotado as medidas de redução de contratura capsular e formação
de biofilme, sendo realizado a lavagem da loja com solução antibiótica, troca das
luvas e mínimo manejo dos implantes, sendo utilizado nesse procedimento próteses redondas,
microtexturizadas, de perfil alto e volume de 300cc. A cápsula da mama esquerda apresentava-se
espessada, com a presença de uma septação na região posterior com líquido translúcido
(Figura 2). A mama direita apresentava uma cápsula dupla, com deslizamento entre os folhetos,
porém sem líquido. Todo material foi enviado para análise histopatológica e pesquisa
de CD30 e ALK, levando-se em conta a possibilidade de BIA- ALCL (Figuras 3 e 4). Após o procedimento, não ocorreram complicações, tendo a paciente permanecido satisfeita
e assintomática num seguimento de um ano após a cirurgia.
Figura 2 - RM de 2019 com pequena septação na região posterior da mama esquerda.
Figura 2 - RM de 2019 com pequena septação na região posterior da mama esquerda.
Figura 3 - Septação em região posterior da cápsula da mama esquerda, após capsulectomia total
em bloco.
Figura 3 - Septação em região posterior da cápsula da mama esquerda, após capsulectomia total
em bloco.
Figura 4 - Exame histopatológico do material coletado em mama esquerda. A. Contratura capsular,
em tecido fibroso muito denso e colagenizado, marcadamente hipocelular; B. Estreitos
manguitos perivasculares de pequenos linfócitos. Não foi identificado nenhum agregado
de células evocadoras de linfoma anaplásico, não sendo indicada a pesquisa de CD30.
Figura 4 - Exame histopatológico do material coletado em mama esquerda. A. Contratura capsular,
em tecido fibroso muito denso e colagenizado, marcadamente hipocelular; B. Estreitos
manguitos perivasculares de pequenos linfócitos. Não foi identificado nenhum agregado
de células evocadoras de linfoma anaplásico, não sendo indicada a pesquisa de CD30.
DISCUSSÃO
O caso evidencia a importância de diferenciar a reação fisiológica do organismo ao
implante mamário de patologias como a contratura capsular, formação de seroma e o
BIA-ALCL. Essencialmente, a reação cicatricial se inicia com o recrutamento de células
inflamatórias e mais tardiamente com fibroblastos e miofibroblastos, formando a cápsula
periprotética, algumas condições podem causar um desequilíbrio nesse processo2,6.
Após a colocação da prótese nessa paciente em 2015, ocorreu uma deiscência na ferida
operatória da mama esquerda que pode ter favorecido a formação de um biofilme ao redor
do implante esquerdo2,6, o que poderia explicar a formação do seroma unilateral, mesmo anos após a colocação6,7. Bengtson et al. (2011)8 associam a formação de seroma tardio a uma cápsula dupla de aderência fibrosa circunferencial,
com camada interna aderida à prótese e a externa ao tecido mamário, porém não aconteceu
isso na mama direita. Hall-Findlay (2011)9 destaca a possível causa mecânica do seroma tardio, associada à separação da cápsula
em duas camadas com superfícies ásperas (dupla cápsula) após microtraumas, criando
o seroma devido às forças de cisalhamento6,9.
Devido ao seroma em 2016, foi realizada a troca das próteses e capsulectomia parcial,
sendo feito apenas exames microbiológicos, que vieram negativos. A paciente apresentou
desconforto mamário 2 anos após, provavelmente em decorrência de uma contratura capsular,
mesmo que não evidenciada nos exames em 2018.
A contração do tecido fibrótico ao redor do implante, geralmente mais frequente nos
primeiros 12 meses após a cirurgia, pode causar alterações na palpação, dor ou deformidade
visível, o que não acontece em situações normais1. A contratura capsular é considerada a complicação inerente ao procedimento com maior
necessidade de reintervenção2, cuja incidência e gravidade é correlacionada com alinhamento das fibras de colágeno7.
Em 2019, após repetir o US e RM, uma coleção pequena atrás do implante da mama esquerda
com cerca de 6 ml foi identificada. Nesse mesmo ano, houve o recall das próteses mamárias de uma determinada marca, associada ao BIA-ALCL, o que era
o caso das próteses dessa paciente. Relatos na literatura têm levantado discussões
sobre complicações associadas aos implantes mamários texturizados, como seroma tardio,
cápsula dupla e BIA-ALCL3,4,6.
Diversos estudos consideram que a contaminação bacteriana, que pode acontecer ainda
durante o procedimento de colocação de prótese, seria responsável pela formação de
biofilme e, posteriormente, resposta inflamatória e ativação do sistema imunológico².
Essa resposta, associada à predisposição genética, poderia ao longo do tempo ser responsável
pelo desenvolvimento do BIA-ALCL devido à estimulação crônica do antígeno bacteriano3,9-13.
Segundo as diretrizes de diagnóstico e tratamento do BIA-ALCL do National Comprehensive Cancer Network, de 201914, derrames periprotéticos sintomáticos, com mais de 1 ano após o implante, devem ser
investigados através de imagem por ultrassom ou ressonância magnética e testados para
BIA-ALCL. Se o achado tiver mais de 50ml, é indicada investigação através de punção
por agulha fina, sendo solicitado a citologia, a citometria de fluxo para caracterização
dos linfócitos “T”, com pesquisa de imuno-histoquímica para CD30, ALK entre outros
marcadores, se houver massa palpável pode-se realizar biópsia incisional ou core biopsy e, em casos inconclusivos, prosseguir a investigação com mais imagens.
Segundo Leberfinger et al. (2017)15, o número de mulheres com implantes necessários para causar 1 caso de BIA-ALCL antes
dos 75 anos foi de 6.920, mas apesar de baixo risco absoluto para o desenvolvimento
da doença, existe um aumento na incidência nos últimos anos. O BIA-ALCL é geralmente
indolente e de crescimento lento, com excelente prognóstico, principalmente quando
tratado com cirurgia, a qual deve ser para remover o implante com a cápsula fibrosa
e qualquer massa associada. A excisão cirúrgica completa prolonga a sobrevida global
e a sobrevida livre de eventos em comparação com todas as outras intervenções terapêuticas14.
Considerando a apresentação clínica inespecífica e os exames não conclusivos, somados
ao temor da paciente diante de uma patologia relacionada à marca da prótese que ela
tinha, foi indicado um explante com capsulectomia completa em bloco na mama esquerda,
e capsulectomia à direita, com substituição bilateral das próteses. Nesse procedimento
as cápsulas foram totalmente removidas e sendo realizado as medidas para prevenção
da formação de biofilme e contratura capsular. A paciente ficou assintomática e o
diagnóstico final foi de contratura capsular, com uma septação posterior devido à
cápsula residual.
CONCLUSÃO
Esse estudo salienta a importância do acompanhamento a longo prazo de pacientes com
próteses mamárias, levando em consideração o aumento da incidência de relatos de seromas
tardios, dupla cápsula, infecções subclínicas com formação de biofilme e seus mecanismos
fisiopatológicos interligados com a formação do BIA-ALCL, uma patologia de excelente
prognóstico se tratada em estágio inicial.
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Breast implant-associated anaplastic large cell lymphoma: a systematic review. JAMA
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1. Universidade Franciscana, Faculdade de Medicina, Santa Maria, RS, Brasil.
Autor correspondente: Giancarlo Cervo Rechia Rua Pinheiro Machado, 2494, Sala 402, Bairro Centro, Santa Maria, RS, Brasil. CEP
97050-600 E-mail: giancarlorechia@hotmail.com
Artigo submetido: 22/05/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.