INTRODUÇÃO
O câncer de mama é hoje um relevante problema de saúde pública, sendo a neoplasia
maligna mais incidente em mulheres (excetuando-se os cânceres de pele não melanoma).
De acordo com as últimas estatísticas mundiais do Globocan 2018 (BRAY, 2018)1, foram estimados 2,1 milhões de casos novos de câncer de mama e 627 mil óbitos pela
doença. Somente no Brasil corresponde a 29,7% dos casos de cânceres nas mulheres,
tornando-se o segundo tipo de câncer mais prevalente no o sexo feminino2.
A cirurgia é parte indispensável do tratamento, muitas vezes sendo necessária a mastectomia
com retirada do complexo aréolo-papilar (CAP), resultando em consequências estéticas
e psicológicas para as mulheres3,4.
Considerando seu significado na composição anatômica e estética da mama, a reconstrução
do CAP torna-se parte fundamental do tratamento reparador, pois diminui a percepção
da sequela e eleva o nível de satisfação das pacientes. Por esse motivo, é o marco
final do processo de reconstrução mamária5.
A reconstrução do CAP é um desafio que tem sido cenário de estudos e criação de variadas
técnicas cirúrgicas que buscam aprimorá-lo. Cor, tamanho, simetria, formato e manutenção
do resultado são variáveis que influenciam na satisfação das pacientes5.
Diversos métodos de reconstrução do CAP foram detalhados na literatura e mesmo assim,
observa-se a grande dificuldade de manutenção do resultado ao longo do tempo relacionado
ao mamilo e a aréola. Quando observamos os resultados das reconstruções, as aréolas
podem sofrer mudanças relacionadas ao tamanho, formato, coloração e simetria. Retalhos
locais, estruturação do mamilo com gorduras e matriz dérmica, além das técnicas de
pigmentação 3D são técnicas que visam melhorar os resultados6-15. As comparações dos resultados e a manutenção destes, naturalmente baseia-se na comparação
com o CAP contralateral, ou entre os dois complexos reconstruídos, nos casos bilaterais16.
O ideal para as reconstruções das aréolas seria uma técnica que promovesse resultados
duradouros em relação a cor, tamanho, formato, e assim proporcionando uma boa manutenção
do resultado e simetria. A corrida pela melhor opção de tratamento continua devido
ao aperfeiçoamento técnico e ao elevado padrão de perfeccionismo que caracterizam
os cirurgiões plásticos modernos17.
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho consiste em avaliar a manutenção da simetria, tamanho (possível
encolhimento), contorno, coloração e mudança de formato da placa areolar reconstruída
após mastectomias seguidas pela radioterapia.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo, onde foi realizado uma revisão de prontuários
das pacientes submetidas a reconstrução de mama e do complexo aréolo-papilar, após
mastectomia, unilateral ou bilateral, sem a preservação do CAP e submetidas ou não
ao tratamento adjuvante com a radioterapia. O período estudado compreendeu entre janeiro
de janeiro de 2017 a dezembro de 2019. O estudo realizado seguiu os princípios de
Helsinque.
Após as pacientes terem a primeira etapa da reconstrução mamária (Grande Dorsal, Retalho
do Músculo Reto Abdominal - TRAM, expansor ou prótese) concluída e após a conclusão
dos tratamentos adjuvantes, quando indicado, elas foram conduzidas a segunda etapa
da reconstrução consistindo na confecção do novo CAP. As técnicas adotadas para a
realização do neomamilo foi a técnica triangular invertida18 e o enxerto de mamilo contralateral. Já a aréola foi reconstruída através do enxerto
autólogo de pele retirado da virilha ou da aréola contralateral.
Foram incluídas no estudo as pacientes que realizaram mastectomia total para tratamento
de câncer de mama com retirada de CAP e finalizaram a etapa cirúrgica de confecção
de aréola e mamilo. A assinatura do termo de consentimento foi utilizada como critério
de inclusão no estudo. As pacientes cujos dados estavam incompletos em prontuário,
incluindo documentação fotográfica e que não assinaram o termo de consentimento foram
excluídas.
As pacientes foram divididas em dois grupos, sendo o grupo 1 (reconstruções unilaterais
com ou sem radioterapia) e grupo 2 (reconstruções bilaterais com ou sem radioterapia).
Os dados estudados foram: bilateralidade, realização de radioterapia e simetria com
o lado contralateral nas unilaterais e entre as aréolas nos casos de bilaterais. Na
variável simetria foram avaliados: coloração podendo ser semelhante ou diferente,
tamanho classificadas em semelhante, menores ou maiores e formato redondo e alongado.
Esses dados levantados foram avaliados por um observador (cirurgião plástico) através
de analise fotográfica com 5 dias de pós-operatório (no momento em que o curativo
de Brown foi removido), com 30 dias e com 6 meses de pós-operatório. O seguimento
mínimo das pacientes foi de 6 meses.
Foi realizado uma análise estatística sendo analisado odds ratio e admitindo um valor p de 0,05.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2017 a dezembro de 2019, um total de 56 pacientes, com idade
média de 52,5 anos variando entre 23 a 82 ano. Todas as pacientes foram submetidas
a mastectomia, das quais 41 eram unilaterais e 15 eram bilaterais, totalizando 71
reconstruções de CAP. Sendo que 10 pacientes tinham menos de 40 anos, destas 40% foram
submetidas a mastectomia bilateral e 50% tiveram o tratamento adjuvante com radioterapia
realizado. O tempo de seguimento médio foi de 6 meses.
Do total de aréolas reconstruídas, foram analisadas 25 reconstruções que tiveram a
região mamária submetida a radioterapia, dentre estes casos (Tabela 1), 80% obtiveram boa evolução quanto a simetria, apenas 8 reconstruções obtiveram
alterações, sendo a incidência entre as reconstruções associadas a radioterapia e
não associadas, igual a 4 para cada, com um nível de significância inadequado. Das
reconstruções sem radioterapia associada, 76,08% (P=0,706) apresentaram boa simetria. Apesar da boa simetria na evolução pós-operatória das
pacientes, observou-se um encolhimento da área enxertada para reconstrução areolar
de 22,53% (16 casos) sendo que 9 pacientes deste grupo foram submetidas ao tratamento
radioterápico (P=0,050), apresentando um valor estatístico significante.
Tabela 1 - Grupos de pacientes submetidas a reconstrução do CAP em pele associadas ou não a radioterapia.
|
Gurpo 1 |
Grupo 2 |
Total |
Mama C/ RT |
Mama S/ RT |
Cap direito |
17 |
25 |
42 |
Cap esquerdo |
8 |
21 |
29 |
Total |
25 |
46 |
71 |
Tabela 1 - Grupos de pacientes submetidas a reconstrução do CAP em pele associadas ou não a radioterapia.
A avaliação da coloração das aréolas resultaram como semelhantes em 21 CAP submetidas
a radioterapia e 42 CAP não submetidas a radioterapia (P=0,359) e o contorno foi avaliado como alongado 25 casos, sendo associado a radioterapia
9 aréolas e 16 sem associação a radioterapia, com um p (0,918), sem relevância estatística ao ser relacionado com a radioterapia.
As comorbidades (hipertensão artéria, alterações tireoidiana, diabetes, asma, pós-bariátricas,
trombose e quimioterapia) não foram avaliadas como sendo fatores que predissesse riscos
para alteração na evolução cirúrgica das áreas operadas, neste estudo.
Intercorrências encontradas no período de pós-operatório, foram restritas a três necroses/epidermólise
parciais da aréola. Nenhuma paciente foi submetida a novo procedimento em centro cirúrgico
motivado por destas intercorrências. As intervenções realizadas em regime ambulatorial
foram condensadas nas correções de contorno areolar e tratamento dos sofrimentos de
pele.
DISCUSSÃO
O câncer de mama tem aumentado progressivamente nos últimos anos e concomitantemente,
o diagnóstico e o tratamento têm sido realizados cada vez mais precocemente. A evolução
do tratamento pela cirurgia plástica, no caso de reconstrução mamária, decorrera,
além do tratamento reparador, mas também para o melhor resultado estético. Entretanto,
tratamento adjuvante com a radioterapia, podem interferir diretamente na manutenção
resultado ao longo do tempo. Isto porque, clinicamente, seus efeitos incluem a descamação,
o eritema, a telangiectasias, a hiperpigmentação dérmica e até mesmo a fibrose da
pele19-21.
Os dados obtidos no trabalho são importantes e compatíveis com a literatura, pois
as alterações na coloração podem estar relacionadas ao processo de integração do enxerto,
espessura da pele enxertada ou pela concentração de melanina na pele da área doadora.
Apesar do tamanho da mama não ter sido um dado avaliado no estudo, observou-se que
a as alterações relacionadas ao formato, apresentava ligação ao volume mamário22-23) e o posicionamento da paciente na mesa cirúrgica.
A alteração do tamanho, evidenciou a maior importância em relação a simetria do CAP
reconstruído e interferindo na manutenção dos resultados ao longo do tempo. Em publicação
recente, é descrito o aumento da prevalência da irradiação adjuvante nas mamas para
tratamento de câncer de mama, tornando-a uma área difícil para reconstrução do CAP
e com uma manutenção de resultado podendo ser insatisfatória23. Mas apesar das publicações relatando fibrose dérmica, alteração vascular e pigmentar
nas mamas irradias, este trabalho mostrou na reconstrução do CAP em mamas irradiadas,
a aréola apresenta boa simetria, uma importante manutenção do resultado ao longo do
tempo (seguimento de pelo menos 6 meses), mesmo com efeitos deletérios da radioterapia
comprovada pela redução do complexo areolar24.
CONCLUSÃO
Após a análise estatística, a coloração, o contorno não se relacionam diretamente
com a realização da radioterapia. Entretanto, tendo a análise do odds ratio (Tabela 2) entre o encolhimento da aréola associado a radioterapia, demonstra que a chance
de apresentar uma diminuição do seu diâmetro é até 3 vezes maior em relação ao não
encolhimento associado a radioterapia
Tabela 2 - Análises das evoluções pós-operatórias das aréolas reconstruídas em pele submetida
a radioterapia e sua análise estatística.
|
Com rt |
Sem RT |
Total |
Odds ratio |
IC 95% |
p |
Simetria regular/ruim |
5 |
11 |
16 |
0,795 |
0,2417a |
0,706 |
Simetria boa |
20 |
35 |
55 |
2,618 |
Coloração diferente |
4 |
4 |
8 |
2,000 |
0,454a |
0,359 |
Coloração semelhante |
21 |
42 |
63 |
8,800 |
Contorno alongado |
9 |
16 |
25 |
1,054 |
0,381a |
0,918 |
Contorno redondo |
16 |
30 |
46 |
2,917 |
Encolhemento da aréola sim |
9 |
7 |
16 |
3,139 |
0,995a |
0,050 |
Encolhemento da aréola não |
16 |
39 |
55 |
9,862 |
Tabela 2 - Análises das evoluções pós-operatórias das aréolas reconstruídas em pele submetida
a radioterapia e sua análise estatística.
A radioterapia adjuvante se mostrou como um fator predisponente para as alterações
que possam surgir no transcorrer do pós-operatório de reconstrução do complexo areolo-papilar.
Foi possível confirmar que o tratamento com radioterapia causaria interferência nos
resultados relação ao tamanho/encolhimento das aréolas e com significância estatística.
Entretanto mesmo com a radioterapia observa-se bons resultados e com boa simetria
nas pacientes operadas.
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1. Hospital Daher Lago Sul, Serviço de Cirurgia Plástica, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Anderson de Azevedo Damasio, Quadra CCSW 2, Lote 01 Apt. 301, Setor Sudoeste, Brasília, DF, Brasil, CEP: 70680-250.
E-mail: dr.damasio@outlook.com
Artigo submetido: 30/09/2020.
Artigo aceito: 10/01/2021.
Conflitos de interesse: não há.