INTRODUÇÃO
De acordo com o censo realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em
2018 a cirurgia de redução das mamas é uma das 5 cirurgias estéticas mais realizadas
no Brasil1. O objetivo desta cirurgia é a redução do volume mamário nos casos de hipertrofia
mamária de forma a manter a simetria e ter um número mínimo de complicações2.
A hipertrofia mamária é uma condição caracterizada pelo aumento mamário gradativo
para além dos limites anatômicos quando na ausência de outras condições causais como
gravidez, tumores, hemorragias, dentre outras3. Dorsalgia, alterações dermatológicas nos sulcos mamários e ombros, vícios posturais,
mastalgia, bem como prejuízo psicológico, estético e funcional são alguns fatores
de morbidade comumente associados a essa patologia4-6. Nesse sentido, a mamoplastia redutora feminina tem função para além da estética,
uma vez que restaura o volume fisiológico das mamas, impactando significativamente
na qualidade de vida da paciente com gigantomastia7.
Embora a mamoplastia redutora seja uma das cirurgias mais comuns no dia a dia de cirurgiões
plásticos, o Brasil ainda carece de estudos analíticos realizados em base populacional
e, portanto, os dados epidemiológicos disponíveis sobre tal procedimento ainda são
limitados na literatura.
OBJETIVOS
O presente estudo visa descrever a prevalência da mamoplastia redutora no Brasil dos
anos de 2015 a 2019. Como objetivos secundários, o estudo visa a comparar a prevalência
de mamoplastia redutora entre as regiões do Brasil de 2015-2018 com o ano de 2019,
além de avaliar a relação entre a renda familiar regional e a prevalência da mamoplastia
redutora feminina no país de 2015-2019.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico retrospectivo, realizado a partir de dados disponibilizados
pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) originados da
"Autorização de Produção Hospitalar" (AIH). A AIH trata- se de um documento de preenchimento
obrigatório pela equipe médica responsável no momento da internação hospitalar. A
coleta de dados eletrônica fora realizada entre os meses de julho e agosto de 2020.
As variáveis de interesse selecionadas para o estudo foram: número total de internações
e a população feminina estimada. Cada uma dessas variáveis foi coletada por região/unidade
federativa no período de 2015 a 2019, contemplando unidades hospitalares de todas
as esferas jurídicas (administração pública, entidades empresariais e entidades sem
fins lucrativos). Portanto, ambos os regimes de internação (público e privado). As
estimativas de renda média domiciliar per capita foram obtidas por meio dos censos
demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Foram realizadas análises exploratórias das variáveis numéricas coletadas, as quais
foram descritas em frequências simples absolutas. O cálculo da prevalência foi obtido
dividindo-se o número total de internações multiplicado por 1.000, pela população
feminina estimada. Para comparação entre as variáveis, foi utilizado o teste-t de
Student e a correlação de Pearson. Foi considerado valor de p<0.05 estatisticamente
significante. Os dados foram organizados em gráficos e tabelas através do programa
SPSS (Versão 25, SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA) e do Tableau Public© (2020 Tableau Software, LLC, a Salesforce Company).
Por se tratar de um banco de dados de domínio público, o presente estudo dispensa
a necessidade de submissão do projeto ao comitê de ética e pesquisa.
RESULTADOS
A prevalência de mamoplastia redutora no Brasil no ano de 2019 foi de 0,08%, enquanto
que nos anos de 2015 a 2018, essa prevalência foi de 0,07%, demonstrando valores semelhantes
ao longo dos últimos 5 anos (Figura 1).
Figura 1 - Prevalência nacional de mamoplastia redutora feminina (2015-2019).
Figura 1 - Prevalência nacional de mamoplastia redutora feminina (2015-2019).
A região brasileira com maior prevalência de mamoplastia redutora feminina no período
foi o Sudeste, apresentando prevalências de 0,10% (2015), 0,11% (2016), 0,10% (2017),
0,10% (2018) e 0,11% (2019), as quais superaram a prevalência nacional para o mesmo
ano em análise. Em contraste, a região que apresentou as menores prevalências desse
procedimento foi o Norte, sendo essas: 0,02% (2015), 0,01% (2016), 0,02% (2017), 0,03%
(2018) e 0,03% (2019), significativamente menores que a prevalência observada nacionalmente.
As prevalências de todas as regiões do Brasil, discriminadas por ano, encontram-se
explicitadas na Figura 2.
Figura 2 - Prevalência da mamoplastia redutora nas regiões do Brasil de 2015 a 2019 por região/ano.
Figura 2 - Prevalência da mamoplastia redutora nas regiões do Brasil de 2015 a 2019 por região/ano.
No ano de 2019, quando a prevalência brasileira de mamoplastia redutora foi de 0.08%,
a região Sudeste superou esse número, apresentando uma prevalência de 0,11%, a região
Centro-Oeste apresentou prevalência coincidente com a nacional, enquanto as demais
regiões brasileiras apresentaram prevalências com valores inferiores (Figura 3).
Figura 3 - Prevalências nacional e regional da mamoplastia redutora femina no Brasil em 2019.
Figura 3 - Prevalências nacional e regional da mamoplastia redutora femina no Brasil em 2019.
Não houve diferença estatisticamente significante quando comparadas as prevalências
regionais dos anos de 2015 a 2018 com a prevalência de 2019, demonstrando que a prevalência
brasileira de mamoplastia redutora apresenta uma tendência temporal estável ao longo
dos anos (p=0,79; p=0,82; p=0,82; p=0,89, respectivamente) (Tabela 1).
Tabela 1 - Comparação entre as prevalências regionais de 2015, 2016, 2017 e 2018 com as prevalências
regionais de 2019.
Regiões |
Prevalência/2019 |
Prevalência/2015 |
p |
Norte |
0,03 |
0,02 |
0,79 |
Nordeste |
0,04 |
0,05 |
|
Sudeste |
0,11 |
0,10 |
|
Sul |
0,07 |
0,07 |
|
Centro-oeste |
0,08 |
0,07 |
|
Regiões |
Prevalência/2019 |
Prevalência/2016 |
p |
Norte |
0,03 |
0,01 |
0,82 |
Nordeste |
0,04 |
0,05 |
|
Sudeste |
0,11 |
0,11 |
|
Sul |
0,07 |
0,07 |
|
Centro-oeste |
0,08 |
0,07 |
|
Regiões |
Prevalência/2019 |
Prevalência/2017 |
p |
Norte |
0,03 |
0,02 |
0,82 |
Nordeste |
0,04 |
0,05 |
|
Sudeste |
0,11 |
0,10 |
|
Sul |
0,07 |
0,08 |
|
Centro-oeste |
0,08 |
0,06 |
|
Regiões |
Prevalência/2019 |
Prevalência/2018 |
p |
Norte |
0,03 |
0,03 |
0,89 |
Nordeste |
0,04 |
0,05 |
|
Sudeste |
0,11 |
0,10 |
|
Sul |
0,07 |
0,07 |
|
Centro-oeste |
0,08 |
0,07 |
|
Tabela 1 - Comparação entre as prevalências regionais de 2015, 2016, 2017 e 2018 com as prevalências
regionais de 2019.
A renda média domiciliar per capita encontra-se descrita por região/ano na Tabela 2 e esse dado foi demonstrado graficamente na Figura 4. As prevalências de mamoplastia redutora nas regiões do Brasil ao longo de 5 anos
(2015-2019) apresentou correlação positiva moderada com renda domiciliar média per
capita (r=0,74).
Tabela 2 - Renda média domiciliar per capita por região/ano.
Regiões |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
Norte |
809,00 |
845,86 |
881,43 |
968,86 |
950,71 |
Nordeste |
716,89 |
774,11 |
794,44 |
829,22 |
887,22 |
Sudeste |
1.242,00 |
1.369,25 |
1.396,50 |
1.551,00 |
1.665,75 |
Sul |
1.347,67 |
1.470,00 |
1.568,00 |
1.657,33 |
1.744,33 |
Centro-oeste |
1.357,25 |
1.478,25 |
1.590,75 |
1.652,00 |
1.727,25 |
Tabela 2 - Renda média domiciliar per capita por região/ano.
Figura 4 - Renda média familiar per capita de 2015 a 2019 por região/ano.
Figura 4 - Renda média familiar per capita de 2015 a 2019 por região/ano.
DISCUSSÃO
Esse é o primeiro estudo nacional a descrever a prevalência nacional e regional de
mamoplastia redutora feminina no Brasil. Tal procedimento é bem abordado na literatura
quanto à técnica empregada2,5, desfechos pós-cirúrgicos8,9 e impacto na qualidade de vida4,10 dos pacientes após a realização da mamoplastia, mas ainda carece de dados epidemiológicos
populacionais.
A análise dos resultados demonstrada no gráfico da prevalência nacional e regionais
de mamoplastia redutora (2015-2019) (Figura 1 e Tabela 1), permite observar uma estabilidade temporal em relação à prevalência de mamoplastia
redutora no Brasil (p=0,79; p=0,82; p=0,82; p=0,89 para a comparação das prevalências
regionais de 2015- 2018 com as prevalências regionais de 2019). Tal estabilidade foi
também encontrada no censo realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP), o qual demonstrou que, em 2014, a mamoplastia redutora representava 11,7%
de todas as cirurgias estéticas realizadas naquele ano, tendo em 2016 esse número
caído para 9,6% e no último censo realizado em 2018 ele foi de 9,9%.
Essa variação discreta da taxa pode ter uma relação com a renda per capita da população
brasileira que entre 2016 e 2018 variou de R$1.187,00 para R$1.326,00 (Tabela 2). A renda per capita da população pode ser intimamente relacionada à prevalência
dos procedimentos estéticos de uma forma geral, considerando-se o fato de que em 2018,
por exemplo, 61% das cirurgias plásticas realizadas eram de natureza particular, sendo
18% derivadas de convênio e apenas 2% provenientes do SUS1. No Sistema Único de Saúde, a realização da mamoplastia só é possível nos casos de
pacientes que apresentam hipertrofia mamária ou assimetria e que essas venha resultar
em alterações funcionais, como dorsalgia crônica, dor ou lesão cutânea nos ombros,
distúrbios posturais, dermatites ou alterações na coluna vertebral11.
Além, disso a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) emitiu um parecer técnico
em 2019 no qual declarou que o procedimento para a correção da hipertrofia mamária
não consta do rol de procedimentos e eventos em saúde, sendo assim não possui cobertura
obrigatória pelos planos de saúde12. E, portanto, a mamoplastia redutora figura como um procedimento pouco acessível
para a grande maioria da população. Essa pequena acessibilidade à cirurgia de redução
mamária é igualmente percebida em outros países do globo, inclusive em países mais
desenvolvidos como os Estados Unidos da América, onde em 2016, foram realizadas 43.591
mamoplastias redutoras no país, segundo a Sociedade Americana de Cirurgia Plástica
(ASPS), em um universo de mais de 164 milhões de mulheres13,14.
Os resultados das Figuras 2 e 3 abordam a prevalência da mamoplastia redutora feminina nas diferentes regiões do
Brasil. Na Figura 2 é possível identificar uma tendência temporal estável ao longo dos anos nas diferentes
regiões do Brasil. Tal dado condiz com o resultado da Figura 1, quanto à prevalência nacional. Já na Figura 3, foi feita uma sobreposição entre a prevalência nacional e regionais no ano de 2019.
Dessa forma, fazendo-se uma análise mais detalhada, é possível perceber que as regiões
Sudeste, Centro-Oeste e Sul apresentaram os valores mais próximos da prevalência nacional.
Essa observação nos remete novamente a relação entre a renda per capita e a prevalência
da cirurgia, visto que essas foram as regiões que apresentaram a maior renda no ano
de 2019 (Tabela 2).
Além disso, um levantamento realizado em 2016 sobre a distribuição espacial de cirurgias
plásticas no Brasil registrou os dados fornecidos pela SBCP sobre a quantidade de
cirurgiões registrados naquele ano. O resultado encontrado mostrou um predomínio de
cirurgiões na região Sudeste, que apresentou 2.856 cirurgiões registrados (destaque
para o estado de São Paulo com 1.587), em contraste com a região a região Norte que
apresentou 122 cirurgiões no total (o estado do Acre apresentou um único profissional
registrado)15.
Esse dado fortalece a hipótese de que a prevalência de procedimentos cirúrgicos de
uma forma geral, e igualmente para a mamoplastia redutora, está intrinsecamente atrelada
à condição socioeconômica da região brasileira em questão, ilustrando a correlação
positiva moderada encontrada entre a prevalência de mamoplastia redutora feminina
em 2019 com a renda familiar per capita (r=0,74; p<0.001).
Por se tratar de um estudo realizado através da coleta de dados pelo DATASUS, não
foi possível caracterizar com detalhes a amostra estudada, visto que esse banco de
dados, para a produção hospitalar referente à mamoplastia redutora, carece de dados
qualitativos como idade, escolaridade, comorbidades, dentre outros.
CONCLUSÃO
A cirurgia de mamoplastia redutora feminina consiste em um tema em expansão, mas que
carece de dados epidemiológicos e descritivos no Brasil. A prevalência nacional de
mamoplastia redutora feminina no Brasil foi de 0,08% em 2019 e de 0,07% de 2015 a
2018, demonstrando uma tendência de estabilidade temporal ao longo dos anos, em âmbito
nacional e regional. Além disso, sugere-se que a prevalência nacional possua uma correlação
positiva com a renda familiar per capita média regional.
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geografia, ação política e democracia; 2016 jul 24-30; São Luís, Maranhão, Brasil.
São Luís (MA): ENG; 2016. p. 1-11.
1. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA, Brasil.
Autor correspondente: Maria Eduarda Barreto de Siervi, Av Santa Luzia, n° 610, Horto Florestal, Salvador, Bahia, Brasil, CEP 40295-050.
E-mail: mariasiervi17.2@bahiana.edu.br
Conflitos de interesse: não há.