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Case Reports - Year1997 - Volume12 - Issue 3

RESUMO

O adenoma pleomórfico da glândula lacrimal é uma entidade rara, freqüentemente confundida com outras patologias benignas desta glândula, sendo erroneamente biopsiado. A fim de diminuir o índice de recorrência e transformação maligna, a ressecção deve ter como objetivo a remoção completa da cápsula. Uma história clínica detalhada e exame físico completo são fundamentais no diagnóstico tumoral. Este relato descreve um caso de adenoma pleomórfico da glândula lacrimal e revisão bibliográfica de seu diagnóstico e conduta cirúrgica.

Palavras-chave: Adenoma pleomórfico, tumor misto, glândula lacrimal, tratamento cirúrgico

ABSTRACT

Pleomorphic adenoma of the lachrymal gland is a rare clinical entity and frequently mistaken with other benign pathologies arising in this gland, being erroneous biopsied. In order to reduce the risk of recurrence and malignant transformation, resection of pleomorphic adenoma of the lachrymal gland must be directed toward its intact removal. A detailed clinical history and a careful physical examination are helpful in tumor diagnosis. This report describes a case of pleomorphic adenoma of the lachrymal gland and an up-to-date surgical approach.

Keywords: Pleomorphic adenoma, mixed tumor, lachrymal gland, surgical approach


INTRODUÇÃO

O adenoma pleomórfico é um tumor benigno encontrado nas glândulas lacrimais e salivares. Foi descrito pela primeira vez por Billroth em 1859 como um tumor de características epiteliais e mesenquimais, e denominado "tumor misto" por Minsenn em 1874. Mais tarde, Tille confirmou através de estudos histológicos uma associação entre certos tumores orbitários, originários da glândula lacrimal e os tumores mistos das glândulas salivares(1). Posteriormente, Willis concluiu que o tumor era de origem epitelial propondo a denominação de adenoma pleomórfico em 1960.

Estudos imunohistoquímicos e em microscopia eletrônica demonstraram que o adenoma pleomórfico é de origem epitelial e seu componente mesenquimal é devido provavelmente à metaplasia das células mioepiteliais que formam o tumor(3).

Os tumores mistos da glândula lacrimal se desenvolvem geralmente a partir das glândulas lacrimais principais ou acessórias(1), derivados de estruturas epiteliais durante o fechamento das fissuras. Por esta razão são chamados carcinomas embriogênicos, e freqüentemente são designados como tumores mistos por serem constituídos por tecidos polimórficos.

As tumorações das glândulas são relativamente raras, correspondendo a 4 a 5% dos tumores intra-orbitários. O adenoma pleomórfico é o tumor epitelial mais comum da glândula lacrimal, correspondendo a 12% de todas as lesões desta glândula. A taxa de recorrência é alta se houver dispersão de células tumorais durante ressecção incompleta ou biópsia, sendo comum nestes casos a transformação maligna (10 a 20%). O adenocarcinoma pleomórfico é o mais freqüente (75% dos casos), seguido do carcinoma cístico adenóide (25% dos casos), sendo rara a ocorrência de carcinoma epidermóide da glândula lacrimal.

Acomete pacientes entre a 4ª e 5ª década de vida, seu crescimento é insidioso e o paciente procura ajuda médica pela ptose ou deformidades secundárias à lesão como a proptose e o deslocamento ínfero-medial do globo ocular(1, 4) . O tumor ocupa o quadrante supero-lateral da órbita, margeando a pálpebra, mas pode se desenvolver em qualquer quadrante pela presença de glândulas lacrimais heterotópicas ou aberrantes(1, 2, 4). Consiste de massa bocelada, indolor, que dependendo de seu volume pode levar a diplopia e exoftalmo. Sua consistência é amolecida ou flutuante, não aderindo a planos profundos. A secreção lacrimal pode estar diminuída e a mobilidade do globo ocular prejudicada, sendo rara a associação de adenomegalia satélite.

Comumente os tumores da glândula lacrimal devem ser diagnosticados com base em evidências clínicas e radiológicas, evitando-se biópsias incisionais, por haver aumento na incidência de recorrência.

Apresenta-se neste trabalho o relato de um caso de adenoma pleomórfico de glândula lacrimal e atualização sobre sua abordagem e evolução.


RELATO DE CASO

A. A., masculino, 55 anos, procurou a Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP com história de tumoração em pálpebra superior direta, indolor, de crescimento lento e progressivo há 4 anos. Não havia antecedentes de infecção local, lacrimejamento ou diplopia. Ao exame físico a tumoração ocupava o quadrante superior externo da pálpebra direita, de consistência amolecida, indolor à palpação, medindo 3 x 2 cm. Apresentava pseudo-ptose palpebral moderada de 3 mm, e aumento da dimensão horizontal da pálpebra superior (fig. 1).


Fig. 1. Adenoma pleomórfico da glândula lacrimal direita. Aspecto pré-operatório com pseudo-ptose moderada e aumento da dimensão horizontal da pálpebra superior.



Foi submetido a cantotomia, cantólise e ressecção cirúrgica da massa cística tumoral (fig. 2), seguido de encurtamento horizontal da pálpebra superior em 8 mm, com preservação de fragmento tarsal para reinserção ao periósteo do rebordo orbitário.


Fig. 2. Ressecção cirúrgica incluindo toda a cápsula tumoral.



O exame anátomo-patológico mostrou tumor misto de porção palpebral da glândula lacrimal, constituído por elementos epitélio-glandulares envoltos em tecido conjuntivo complexo rico em fibroblastos, linfócitos, e células mixomatosas, compatível com o diagnóstico de adenoma pleomórfico (fig. 3). As margens cirúrgicas encontravam-se livres de comprometimento tumoral.


Fig. 3. Aspecto anátomo-patológico ao aumento de 100x, caracterizado por elementos epitélio-glandulares envoltos em tecido conjuntivo complexo rico em fibroblastos, linfócitos e células mixomatosas, compatível com diagnóstico de adenoma pleomórfico.



O paciente evoluiu sem complicações, sendo obtida melhoria funcional e estética (figs. 4 e 5).


Fig. 4. Aspecto pós-operatório.



Fig. 5. Aspecto pós-operatório em oclusão.



DISCUSSÃO

A história e o exame físico detalhados são essenciais no diagnóstico do adenoma pleomórfico da glândula lacrimal. A manifestação clínica mais precoce é o exoftalmo indolor, e se houver persistência da tumoração orbitária por 12 meses ou mais, o adenoma pleomórfico se situa entre as principais hipóteses diagnósticas(4, 5). Os exames complementares que contribuem no diagnóstico pré-operatório são a ultrassonografia, a planigrafia do crânio e órbita, bem como a tomografia computadorizada de alta resolução. O valor da radiografia simples é controverso, exceto nos casos mais avançados do tumor ou na presença de malignização da lesão, quando se observa erosão ou destruição óssea(2). Rose et cols., em estudo de 78 pacientes portadores de adenoma pleomórfico, detectou erosão da fossa lacrimal em 70% das planigrafias e em 81% dos estudos tomográficos.

A evolução do adenoma pleomórfico da glândula lacrimal é relativamente benigna e o sucesso do tratamento depende da remoção completa do tumor, incluindo sua cápsula(4, 5). As biópsias incisionais realizadas anteriormente foram abandonadas, dando lugar ao tratamento definitivo que visa enucleação do tumor, pois com a lesão da cápsula o componente mixóide se extravaza, aumentando a incidência de recidivas. Em casos específicos de aderência do tumor ao periósteo, comprometimento da pseudocápsula fibrosa e presença de ilhas tumorais fora da cápsula, é necessária a ampliação da ressecção, incluindo o periósteo e o osso adjacente. Foi observado por alguns autores que a preservação do lobo parietal da glândula lacrimal durante a excisão do tumor reduz a incidência pós-operatória da síndrome do olho seco e distorção da pálpebra superior, com melhor resultado estético-funcional e sem alteração do prognóstico(4). A recidiva é comum nos casos de excisão incompleta da lesão primária, com aumento da lesão em relação à lesão primária e metaplasia. O tumor tem comportamento agressivo, caracterizado por acometimento doloroso de partes moles do conteúdo orbitário, e alto índice de malignização. Nesta fase, é comum a realização de múltiplos procedimentos cirúrgicos e a mutilação da área acometida, podendo levar até à exenteração(1, 4).

Rose e Wright propuseram um plano de abordagem para os tumores da glândula lacrimal com alto índice de sucesso no diagnóstico e tratamento, levando em consideração oito características da massa tumoral: duração dos sintomas agudos, dor persistente, perda de sensibilidade, massa oval ou circular bem definida, acomodação da massa ao globo ocular ou ao longo da parede lateral da órbita, calcificação do tumor, óssea, e duração dos sintomas em relação ao tamanho do tumor. Se a soma for menor ou igual a 2, a probabilidade maior é de se tratar de carcinoma, neste caso a biopsia é aceitável. Se a soma for maior ou igual a 3, a probabilidade de se tratar de adenoma pleomórfico é maior. Neste caso, evita-se biopsia incisional com programação da excisão tumoral.

Estabelecido o diagnóstico, a redução do risco de recorrência e transformação maligna do adenoma pleomórfico da glândula lacrimal está diretamente relacionado à remoção intacta e completa da glândula lacrimal sem biópsia prévia(2, 4, 5).

O caso relatado apresentava pseudo-ptose decorrente do peso exercido pelo tumor na pálpebra superior, sem qualquer alteração ao nível do músculo elevador da pálpebra superior. Apenas a excisão tumoral foi suficiente para a correção da ptose. Entretanto, a dimensão horizontal da pálpebra superior encontrava-se aumentada devido à expansão lenta e gradual das estruturas cutâneas e mio-tarsoconjuntivais, decorrente do crescimento da lesão. Seu encurtamento impôs-se objetivando a acomodação adequada da pálpebra superior ao globo ocular e adequada função de proteção do mesmo.


BIBLIOGRAFIA

1. BOUCHAYER, M.; OUDOT J. - A Propos de Deux Observations de Tumeurs Mixtes Salivaires Ectopiques. J. F. O. R. L. 1970, 19 (3): 268 -272.

2. DELIRE, Y.; DEVAUX, J.; DOUNIAU, R.; PIEVEZ, C.; PETIT, P. - Tumeurs Mixtes et Cylindromes. Rev. Stomatol Chir Maxillofac 1975, 76 (2): 93 -108.

3. LEONCINI, P.; CINTORINO, M.; VINDIGNI, C.; LEONCINI, L.; ARMELLINI, D.; BUGNOLI, M.; SKALLI O.; GABBIANI, G. - Distribution of Cytoskeletal and Contractile Proteins in Normal and Tumour Bearing Salivary and Lacrimal Glands. Virchows Archiv A Pathol Anat Histopathol, 412: 329 - 337.

4. ROSE, G. E.; WRIGHT, J. E.; Pleomorphic Adenoma of the Lacrimal Gland. Br. J. Ophtalmol. 1992, 76: 395 - 400.

5. TSUNODA, S.; YABUNO, T.; SAKAKI, T.; MORIMOTO, T.; HOSHIDA, T.; HIRABAYASHI, H.; TSUZUKI, T. - Pleomorphic Adenoma of the Lacrimal Gland Manifesting as Exophtalmos, in Adolescence. Neurol. Med. Chir. (Tokyo), 1994, 34: 814 - 16.







I - Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da USP.
II - Médicas residentes da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da USP.
III - Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da USP.


Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência:
Henri Friedhofer
Rua Maranhão, 584 7º andar
01240-000 - São Paulo - SP
Fone: (011) 825-4300 - Fax: (011) 66-8359

 

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