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Original Article - Year2021 - Volume36 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0065

RESUMO

Introdução: Queimaduras são lesões causadas por agentes externos aos tecidos orgânicos, nas quais há destruição do revestimento epitelial e/ou mucosas em profundidade e extensão variáveis. Objetiva-se neste estudo analisar o perfil epidemiológico de pacientes queimados, admitidos no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Métodos: A obtenção dos dados ocorreu por meio do levantamento de prontuários de pacientes admitidos no pronto socorro e unidade de queimados do Hospital de Clínicas, no período de 01 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019.
Resultados: Dos 305 pacientes analisados, 59,2% foram do sexo masculino, a faixa etária de 0 a 9 anos foi a de maior representatividade (24,03%) e a etnia parda a de maior número de episódios (42,53%). Quanto ao tempo de internação, 57% dos casos ficaram internados menos de 10 dias e a média do tempo de internação total foi de 26,61 dias. Constatou-se que o incidente de maior frequência foi a exposição a agentes explosivos ou à combustão de substâncias inflamáveis (43,51%) e que o álcool líquido foi o agente etiológico mais comum (30,51%).
Conclusão: Observa-se a relevância do perfil epidemiológico, já que esse identifica os principais grupos de risco. De acordo com as referências utilizadas, fica em evidencia a importância da prevenção e da fiscalização com foco na redução da morbidade e mortalidade.

Palavras-chave: Queimaduras; Epidemiologia; Cirurgia plástica; Pesquisa sobre serviços de saúde; Unidades de queimados

ABSTRACT

Introduction: Burns are lesions caused by agents external to organic tissues, in which there is the destruction of the epithelial lining and/or mucous membranes in varying depth and extension. This study aims to analyze the epidemiological profile of burned patients admitted to the Clinical Hospital of the Federal University of Uberlândia, Minas Gerais, Brazil.
Methods: Data were obtained by collecting medical records of patients admitted to the emergency room and burn Unit of the Hospital de Clínicas, from January 1, 2015, to December 31, 2019.
Results: Of the 305 patients analyzed, 59.2% were male, the age group from 0 to 9 years was the most representative (24.03%) and brown ethnicity with the highest number of episodes (42.53%). Regarding hospitalization length, 57% of the cases were hospitalized less than ten days and the mean total hospitalization time was 26.61 days. It was found that the most frequent incident was exposure to explosive agents or combustion of flammable substances (43.51%) and that liquid alcohol was the most common etiological agent (30.51%).
Conclusion: The relevance of the epidemiological profile is observed since it identifies the main risk groups. According to the references used, the importance of prevention and surveillance is highlighted, focusing on reducing morbidity and mortality.

Keywords: Burns; Epidemiology; Plastic surgery; Research on health services; Burn units.


INTRODUÇÃO

Queimaduras são lesões traumáticas na pele, as quais podem ser causadas por agentes químicos, térmicos, elétricos e radioativos. Além disso, essas lesões podem afetar órgãos adjacentes, sendo a maior prevalência das queimaduras em cozinhas residenciais. Essas lesões podem ocorrer de formas simples ou graves e são classificadas a partir de aspectos como: profundidade, extensão e localização1.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 180.000 mortes por ano são causadas por queimaduras, cuja a maioria ocorre em países de média e baixa renda2. Nesse contexto, segundo o Ministério da Saúde, calcula-se que ocorram aproximadamente 1 milhão de acidentes com queimadura no Brasil por ano, independentemente de quaisquer características como sexo, idade, procedência ou classe social. Dessas vítimas, cerca de 100.000 buscam atendimento hospitalar e em torno de 2.500 evoluem a óbito em função de suas lesões3. O prognóstico das queimaduras depende, principalmente, da abordagem inicial e de tratamentos adequados, que podem contribuir com a redução da mortalidade, complicações, sequelas cicatriciais e possíveis necessidades de reconstrução em cirurgias futuras. O melhor prognóstico está associado ao surgimento de centros especializados, melhora nos protocolos de ressuscitação, individualização nos tratamentos intensivos, cobertura mais precoce das feridas e o progresso no tratamento de infecções, lesões inalatórias e do hipermetabolismo. A morbidade e a mortalidade dos pacientes vítimas de queimaduras sofreram impactos por esses avanços4.

A porcentagem de superfície corporal queimada (SCQ) e a presença de lesão inalatória são associadas ao pior prognóstico e à maior gravidade. Estudos recentes mostram que a extensão da SCQ, em adultos, está ligada a um aumento do risco de mortalidade, especialmente, quando a SCQ é maior que 60% e não mais os 40% como estabeleciam em estudos passados4.

No Brasil, dentre as principais causas externas de morte registradas, as queimaduras ficam atrás, apenas, de outras causas violentas, tais como acidentes de transporte e homicídios. A queimadura é considerada uma lesão agressiva na vida dos seres humanos, além da alta incidência e mortalidade, possui grande capacidade de deixar sequelas funcionais, estéticas e psicológicas5.

Os acidentes causadores de queimaduras, em nosso país, tornam-se um grande problema de saúde, atingindo diversas faixas etárias e ambos os sexos. Tais acidentes, além de deixarem sequelas, podem exigir vários dias de internação e, após a alta hospitalar, necessitar de acompanhamento terapêutico, inclusive psicológico. A epidemiologia e o estudo dos dados estatísticos sobre essas lesões ainda são insuficientes6. O conhecimento desses dados é de grande relevância científica, visto a necessidade de prover informações para o planejamento em saúde pública ou pesquisas para fomentar ações que favoreçam a orientação e a conscientização, como importantes instrumentos para a prevenção desse tipo de acidente e para a promoção de saúde da população.

OBJETIVO

Este estudo se propõe a traçar o perfil epidemiológico de casos de queimaduras atendidos no Pronto Socorro e na Unidade de Queimados do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), Minas Gerais (MG), Brasil, no período de cinco anos considerados de 2015 a 2019.

MÉTODOS

Este estudo é uma análise quantitativa com abordagem retrospectiva e descritiva. Após autorização da instituição e concordância do Conselho de Ética e Pesquisa (CEP-UFU) para utilização de seus documentos, no parecer de número CAAE: 33395220.3.0000.5152, foram analisados os prontuários dos pacientes admitidos com queimaduras, independente da extensão e da profundidade, no Pronto Socorro e Unidade de Queimados do HC-UFU do período de 01 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019. Tal unidade é caracterizada como um hospital de referência regional para atendimento de média e alta complexidade.

A partir dos laudos de alta hospitalar do setor de estatística do HC-UFU, criou-se um banco de dados com uma amostra de 305 pacientes admitidos no hospital em 308 eventos de queimadura. A fim de evitar os riscos de identificação dos participantes, foi feita a sistematização pela substituição do número de referência dos prontuários por números aleatórios de cinco dígitos.

As seguintes escalas nominais foram analisadas: tempo de internação, agente etiológico, sexo, etnia, idade, porcentagem de superfície corporal queimada, profundidade da queimadura e locais acometidos. É importante salientar que nem todos os prontuários estavam com as escalas nominais completamente preenchidas, mas foram consideradas integralmente as informações contidas.

RESULTADOS

O estudo contou com a participação de 305 pacientes admitidos com queixa de queimaduras, independente da extensão e da profundidade, no pronto socorro e na unidade de queimados do HC-UFU, do total de pessoas do estudo, 183 (59,02%) são do sexo masculino e 124 (40,66%) do sexo feminino.

Dos pacientes, 74 (24,03%) tinham entre 0 e 9 anos de idade e 47 (15,26%) tinham entre 40 e 49 anos de idade (Tabela 1), parcela que representa a maior parte dos pacientes admitidos no hospital. Dentre os pacientes de 0 a 9 anos, 35 (11,36% do total de internados) tinham entre 0 e 2 anos de idade.

Tabela 1 - Número de casos de queimaduras registrados por faixa etária no HC-UFU de 2015 a 2019.
Faixa etária Queimaduras por ano Total de Queimaduras Total %
2015 2016 2017 2018 2019
0 a 9 anos 13 5 17 18 21 74 24,03
10 a 19 anos 4 2 7 7 7 27 8,77
20 a 29 anos 6 5 7 11 9 38 12,34
30 a 39 anos 8 9 14 14 16 61 19,81
40 a 49 anos 5 6 6 20 10 47 15,26
50 a 59 anos 6 5 7 8 10 36 11,69
60 a 69 anos 2 1 2 6 8 19 6,17
Acima de 70 anos 1 0 1 2 2 6 1,95
Tabela 1 - Número de casos de queimaduras registrados por faixa etária no HC-UFU de 2015 a 2019.

Em relação à etnia dos pacientes, 149 (48,38%) se declararam como pardos, 131 (42,53%) brancos, 22 (7,14%) pretos, 2 (0,65%) amarelos e 4 pacientes (1,30%) se manifestaram ser de outra etnia não especificada.

No que se refere ao período de internação, 127 (41%) queimados permaneceram hospitalizados na unidade no período de 0 a 10 dias, o intervalo de 11 a 21 dias teve uma frequência de 26% (79 de pacientes), 29 (9%) permaneceram internados entre 22 a 31 dias e 73 (24%) permaneceram por um período superior a 32 dias. O tempo de internação médio total foi de 26,61 dias (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição de internações por queimaduras por período e por ano de 2015 a 2019 no HC-UFU.
  Queimaduras por ano Total de casos  
2015 2016 2017 2018 2019
Período de internação 0 a 10 dias 12 12 27 40 36 127 41,23
11 a 21 dias 17 8 16 20 18 79 25,65
22 a 31 dias 4 1 7 9 8 29 9,42
32 ou mais dias 12 12 12 17 20 73 23,70
Total de eventos   45 33 62 86 82 308 100,00
Total de dias dos internados   1476 1207 1195 1700 2021 7599 -
Media de dias internados   32,80 36,58 19,27 19,77 24,65 26,61 -
Tabela 2 - Distribuição de internações por queimaduras por período e por ano de 2015 a 2019 no HC-UFU.

Quanto ao agente etiológico das queimaduras, apenas em 264 eventos dos 308 possuíam informações nos prontuários a respeito do agente que lesou o hospitalizado. Constatou-se que a maior incidência foi com agentes explosivos ou com a combustão de substâncias inflamáveis, que acometeram, em conjunto, 134 (43,51%) pacientes. Desses, 94 (30,51%) estavam associados ao álcool líquido, agente etiológico mais frequente. Em seguida, 84 (27,27%) pacientes queimados por líquidos superaquecidos, tais como água fervente, gordura e óleo de uso culinário. Logo depois, 21 (6,82%) foram queimados por eletricidade e corrente elétrica, ao passo que 16 (5,19%) queimaram-se em contato com chama direta de fogo e 5 (1,62%) em contato com materiais quentes, como aparelhos domésticos superaquecidos, motores, máquinas e ferramentas.

Neste estudo, houve 88 pacientes pediátricos, que representam 28,57% do total de 308 casos. Dessas 88 crianças, tivemos 56 (63,64%) com queimaduras por líquidos superaquecidos e contato com materiais quentes, 52 e 4 eventos, respectivamente. Eletricidade, chama direta e substâncias inflamáveis, somados, foram etiologia de 23 (26,14%) queimaduras em crianças.

Dos 308 eventos, 11 (3,57%) foram de pessoas que tentaram autoextermínio. Nesses 11 pacientes, o agente etiológico foi a chama direta. Todos tiveram queimaduras de segundo grau e apenas 2 tiveram queimaduras de terceiro grau. A porcentagem de superfície corporal queimada nesses registros variou entre 10% e 60%. O tempo de internação médio entre esse grupo foi de 50,43 dias e a idade média de 35,91 anos, dado que os pacientes possuíam idade entre 19 e 50 anos.

A respeito da porcentagem de superfície corporal queimada, somente, 285 eventos apresentaram tais registros nos prontuários. Em 108 (35,06%) deles, os pacientes tiveram queimaduras que acometeram entre 10% e 20% de superfície corporal. Ao mesmo tempo, 78 (25,32%) foram acometidos por queimaduras em menos de 10% de superfície corporal. 99 (32,14%) registros conformaram queimaduras que ultrapassaram o número de 20% de superfície queimada.

Quanto a região do corpo queimada, dos 308 eventos, 223 tinham informações sobre esse dado. O local mais acometido foi o tronco, com 72 (23,38%) pacientes queimados nesse local (Figura 1). Logo após, temos 44 (14,29%) lesionados na cabeça e pescoço. Em seguida, tivemos 35 (11,36%) pacientes queimados em ombros e membros superiores, sem considerar punho e mão. Também foi encontrado 35 (11,36%) pacientes queimados em quadril e membro inferior, sem considerar tornozelo e pé. Foram 19 (6,17%) os pacientes com queimaduras em punho e mão, e aqueles feridos em tornozelo e pé somaram 18 (5,84%). Essas informações sobre a região estavam ausentes em 84 (27,27%) registros.

Figura 1 - Percentual por área do corpo queimada dos pacientes internados no setor de queimados no Hospital de Clínicas de Uberlândia (HC-UFU). MMSS: Membros superiores; MMII: Membros inferiores.

DISCUSSÃO

As queimaduras podem produzir sequelas físicas e psicológicas, assim a forma de abordagem e conduta desse trauma pode levar a melhora da qualidade de vida do paciente7. Nesse sentido, devemos considerar o quão graves são os danos das queimaduras para a saúde física e psicossocial da pessoa acometida. O conhecimento da epidemiologia é importante para orientar as condutas de pacientes queimados e realizar atividades de prevenção mais eficazes.

A prevalência das queimaduras no sexo masculino (59,02%), evidenciada neste estudo, está de acordo com os resultados citados por Bessa et al., em 20098, com 63,8% pacientes queimados pertencentes ao sexo masculino, no Hospital Regional de Campina Grande (Paraíba-Brasil). Resultados semelhantes também foram encontrados por Leão et al., em 20119, com 62,5% das internações por queimaduras pertencentes ao sexo masculino. Macedo et al., em 201210, encontrou 66% em seus estudos.

Este estudo traz 74 pacientes (24,03%) com menos de 9 anos de idade como a faixa etária mais acometida, seguida por aqueles com idade entre 30 e 39 anos, o que representa 61 (19,81%) eventos. Cruvinel et al., em 200511, em estudo similar realizado no município de Uberlândia/MG e no mesmo hospital deste estudo, também alcançaram números semelhantes. Em seu artigo, 29,85% dos indivíduos eram menores de 16 anos, seguido de 24,46% adultos entre 31 e 40 anos. Isto mostrou que, apesar da diferença de tempo, as populações mais acometidas continuam as mesmas. Ademais, Bessa et al. (2009)8 mantiveram-se em concordância com a majoritariedade de crianças e adultos jovens, apesar de um maior número para crianças, 61,4% pacientes na faixa etária entre 0 a 20 anos e 23,9% para aqueles entre 20 e 40 anos. Leão et al. (2011)9, por sua vez, obtiveram 37,6% para pacientes entre 31 e 60 anos, o principal grupo etário do estudo.

A etnia predominante neste estudo é a parda, visto que 48,38% dos pacientes declararam-se pardos. De forma contrária, os dados levantados por Correa, em 199812, no setor de queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, prevaleceram queimaduras em indivíduos da etnia branca (71,74%)12.

A respeito do período de internação dos pacientes deste artigo, a maior parte dos queimados (41%) permaneceu hospitalizada na unidade por um período de 0 a 10 dias e o tempo de internação médio total foi de 26,61 dias. Leão et al. (2011)9 observaram em seus estudos, no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte/MG, um tempo médio de internação de 23,5 dias. Este dado é próximo ao número encontrado no HC-UFU.

Em relação ao agente etiológico, os resultados deste estudo estão de acordo com a literatura. Os dois agentes de maior incidência foram álcool (30,51%) e líquidos superaquecidos (27,27%). Leão et al. (2011)9 obtiveram 34,4% e 28,1% para o álcool e líquidos superaquecidos, respectivamente. Bessa et al. (2009)8 apresentaram, também, números próximos, com 38% para álcool e 32,5% para e líquidos superaquecidos. Apesar de dados ligeiramente maiores, Macedo et al. (2012)10, demonstraram, também, queimaduras por álcool e líquidos superaquecidos, como os principais agentes causadores, com 42% e 40% dos pacientes, respectivamente. Ainda, Cruvinel et al. (2005)11, nesse mesmo contexto, apresentaram em seus estudos, 25,54% para álcool e 21,22% para líquidos superaquecidos. Isso corrobora que as principais etiologias se mantiveram nos dois períodos de pesquisa no mesmo hospital.

Pacientes queimados que tentaram autoextermínio constituem um agravo complexo, uma vez que, envolvem aspectos sociais e psicológicos dessas pessoas¹³. No presente estudo, 11 (3,57%) eventos foram tentativas de autoextermínio. Destes, 5 pacientes eram do sexo masculino e 6 do sexo feminino. Leão et al. (2011)9 obtiveram dados diferentes, apresentaram 12% dos pacientes internados devido tentativa de suicídio, 33% do sexo masculino e 66% do sexo feminino. Gimenes et al., em 200913, em seus estudos, encontraram uma taxa de 7,5% de tentativas de autoextermínio do total de casos internados com queimaduras. Além disso, tanto nesse trabalho quanto no de Gimenes et al. (2009)13, a etiologia desse agravo foi o contato com a chama direta. O fato de este estudo não ter sido realizado por meio da avaliação de prontuários físicos, e sim, a partir dos laudos de alta hospitalar liberados pelo setor de estatística do HC- UFU, possivelmente, pode justificar as discrepâncias de dados, especialmente, no agravo de tentativas de autoextermínio em relação as demais bibliografias analisadas.

Ainda, em relação aos pacientes que tentaram suicídio, observou-se porcentagem de superfície corporal total queimada, variando entre 10 e 60%. Os 11 pacientes apresentaram queimaduras de 2º grau e, inclusive, dois deles tiveram, também, lesões de 3º grau. A idade média das pessoas acometidas é de 35,91 anos. Ocorreu 1 óbito apenas.

Também a respeito das tentativas de autoextermínio, Leão et al. (2011)9 obtiveram média de 40% de superfície corporal total queimada, idade média de 39 anos e 51% de óbitos. No estudo de Calixto Filho e Zerbini, em 20167, sobre a epidemiologia de suicídios no Brasil, os dados obtidos corroboraram com os achados no presente estudo e com os apresentados por Leão et al. (2011)9. A maior incidência foi nas faixas etárias entre os 20 e 59 anos de idade7.

No grupo etário de 0 a 18 anos, 59,09% dos eventos apresentaram queimaduras por líquidos superaquecidos, isso coincide com dados da literatura, que consideram esses agentes etiológicos como os mais frequentes em crianças e adolescentes. Bessa et al. (2009)8 observaram escaldaduras em 46,4% de pacientes menores que 20 anos. Os mesmos agentes foram observados como os mais frequentes por Leão et al. (2011)9.

Nesse contexto, segundo Rivera, em 200114, a maioria das queimaduras nessa faixa etária ocorreram, principalmente, em casa com os líquidos superaquecidos durante a preparação de alimentos ou ao servi-los. Dentre os fatores predisponentes a surgir queimaduras em crianças, podemos citar por exemplo, uma criança com um copo de líquido superaquecido que o deixa cair em seus braços ao servir, o uso de ferro de passar roupas, aquecedores de ambiente, o derramamento do conteúdo de panelas em fogões para o cozer de alimentos, e lembra-se, também, que crianças podem queimar a palma de mãos ao colocá-las na tampa de fornos superaquecidos. Os pais, muitas vezes, não têm noção de que os utensílios de fogão podem ser eventualmente manipulados por uma criança pequena, quando não possui sistema de fixação ou contrapeso. A prevenção deve se concentrar especialmente nesses mecanismos¹4.

Quanto à porcentagem de superfície corporal total queimada, os resultados deste estudo mostraram-se diferentes de alguns outros. Neste, foi observado que 35,06% pacientes apresentaram lesões com extensão entre 10% e 20% do corpo (média extensão), 25,32% abaixo de 10% (pequena extensão) e 32,14% acima de 20% (grande extensão) de superfície corporal. Bessa et al. (2009)8 encontraram para média, grande e pequena extensão queimadas 63,2%, 18,4% e 18,4%, respectivamente. Macedo et al. (2012)10 notaram 45% dos pacientes para média extensão queimada, 31% para pequena extensão queimada e 24% para grande extensão queimada. Gimenes et al. (2009)13 por sua vez, relataram 57%, 22% e 21% de pacientes com superfície corporal total queimada pequena, média e grande, exatamente nessa ordem.

A respeito das regiões anatômicas mais acometidas, este estudo notou, em primeiro lugar, as lesões de tronco que acometeram 23,38% dos pacientes, e, em segundo lugar, cabeça e pescoço, presentes em 14,29% dos internados. Houve considerável discrepância com as referências, a saber que Cruvinel et al. (2005)11 obtiveram, para o mesmo hospital deste estudo, preponderância para membros superiores com 19,7% e 17,82% para cabeça e pescoço. Por sua vez, Leão et al. (2011)9 encontraram maior incidência em face anterior de tórax em 60,2% dos pacientes, membros superiores em 53,8% e cabeça com 51%. Bessa et al. (2009)8, em seu estudo, observou que as queimaduras acometeram principalmente membros superiores, seguido pelo tórax. Já no estudo de Gimenes et al. (2009)13, encontraram maior incidência em tronco com 62,7% e membros superiores em 60,4% dos pacientes analisados.

CONCLUSÃO

Constatou-se que acidentes associados à combustão de substância inflamável acometeram 43,51% dos pacientes e, desses eventos, 94 estiveram associados ao álcool líquido como agente etiológico causador mais frequente de queimaduras. De acordo com a Resolução n° 46, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em fevereiro de 2002, tornou-se proibido a fabricação e a venda do álcool etílico na forma líquida15. Nesse contexto, faz-se necessário o fomento em ações preventivas e a fiscalização do comércio de produtos inflamáveis a fim de diminuir a morbidade e mortalidade.

Ademais, nos estudos realizados no HC-UFU citados, mais de 25% do total de pacientes queimados atendidos, nos períodos de 2000 a 2001 e de 2015 a 2019, pertencem a faixa etária pediátrica até 18 anos. Assim, é possível dizer que, há uma tendência dos pacientes pediátricos se apresentarem como as principais vítimas de queimaduras. Das 88 crianças consideradas neste estudo, 63,64% tiveram queimaduras por escaldaduras e contato com materiais quentes. Logo, nota-se a importância da divulgação dessas informações sobre traumas pediátricos e da realização de campanhas socioeducativas, continuadamente, com o intuito de prevenir tais acidentes, para assim, diminuir internações e mortalidade.

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1. Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina, Uberlândia, MG, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina, Uberlândia, MG, Brasil.

Autor correspondente: Douglas Ravel Neto Diniz Ribeiro, Avenida João Pinheiro, 4604, Apt. 12, Umuarama, Uberlândia, MG, Brasil. CEP: 38405-307 E-mail: douglasdinizribeiro@hotmail.com

Artigo submetido: 25/08/2020.
Artigo aceito: 10/01/2021.

Conflitos de interesse: não há.

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TRBC Redação - Preparação do original

 

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