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Articles - Year1997 - Volume12 - Issue 3

RESUMO

O trabalho descreve as relações anatômicas entre a veia jugular externa, o nervo grande auricular e a borda póstero-superior do músculo de platisma, estudados pela dissecção desta área em 10 cadáveres não formolizados.

Palavras-chave: Nervo grande auricular, anatomia

ABSTRACT

This study describes the anatomic relationships between the external jugular vein, the greater auricular nerve and the posterosuperior border of the platysma muscle, all of which were studied through the dissection of 10 non-formalized cadavers.

Keywords: Greater auricular nerve, anatomy.


INTRODUÇÃO

A complexidade crescente das cirurgias visando o rejuvenescimento facial, além de exigir maiores cuidados cirúrgicos e maior aprimoramento técnico, vem impondo estudos anatômicos minunciosos com finalidade de atuar nas diversas regiões da face com maior segurança.

Neste trabalho estudamos e analisamos as variações anatômicas entre a borda póstero-superior do músculo platisma, a veia jugular externa e o nervo grande auricular.

Este estudo se afixou nesta região devido às crescentes publicações sobre cirurgias realizadas nesta área, onde são constantemente citados os riscos de lesão da veia jugular, com possibilidades de formação de hematomas, e do nervo grande auricular causando anestesia ou parestesia em área extensa da face(8, 12, 17).

Diversos outros trabalhos relacionam os estudos anatômicos com sua utilidade cirúrgica(4, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16).

Estes elementos foram estudados numa área compreendida entre a borda inferior da mandíbula e uma linha imaginária que cruza horizontalmente o pescoço, ao nível da cartilagem tireóide (Fig.1).


Fig. 1. Representação esquemática da área estudada. A linha tracejada mostra a área dissecada sendo a inferior ao nível da linha imaginária na altura da cartilagem tireóide. (++) - borada inferior da mandíbula; (N) - nervo grande auricular; (V) - veia jugular externa; (MP) - borda póstero-superior do platisma.



Há vários trabalhos publicados sobre a anatomia da face, porém sem detalhamento desta região.

Cardoso de Castro(1) estudou o platisma de maneira ampla, fixando seu estudo nas variações da distribuição das fibras mediais. Dignam e Grabb(2) publicaram clássico trabalho sobre anatomia do ramo mandibular do nervo facial demonstrando que o ramo mandibular encontra-se cerca de 2 cm abaixo do ângulo da mandíbula passando a ter um trajeto acima da borda da mandíbula após o cruzamento com a veia e a artéria facial. Baker e Conley(3) afirmam que, in vivo, o ramo mandibular pode estar mais abaixo da borda da mandíbula do que descreve Digman, podendo localizar-se até a 6 cm da mandíbula. Vistnes e Souther(5) publicaram interessante trabalho sobre anatomia do platisma detendo-se em pormenorizada análise das fibras mediais. Mckinney e Katrama(6) realizaram trabalho anatômico visando prevenção da lesão do nervo grande auricular, concluindo que este nervo se encontra sempre a uma distância média de 6,5 cm do meato acústico externo.


REVISÃO ANATÔMICA

A veia jugular externa inicia seu trajeto cervical cruzando perpendicularmente e superficialmente o músculo esternocleidomastóideo diretamente abaixo do músculo platisma em sua metade inferior. O segmento superior apresenta variações em relação ao músculo platisma. É formado um pouco abaixo e atrás do ângulo da mandíbula pela união da veia retromandibular e da veia auricular posterior. Esta junção, ocasionalmente ocorre na parte inferior da parótida. Desce em direção ao meio da clavícula, da fáscia cervical _ mais ou menos 2 cm acima da clavícula _ e termina na veia subclávia.

O nervo grande auricular aparece no triângulo posterior da borda lateral do músculo esternocleidomastóideo imediatamente abaixo do nervo occipital pequeno, contorna o músculo e o cruza obliquamente em direção à orelha e ao ângulo da mandíbula. Divide-se sobre o músculo esternocleidomastóideo em três ramos: ramo mastóide, ramo auricular e ramo facial. Eles enervam a pele do processo mastóide, a porção inferior da orelha em ambas as superfícies e a pele sobre a parótida e ângulo da mandíbula.


CASUÍSTICA

Para esse trabalho foram dissecados 10 cadáveres não formolizados, 9 do sexo masculino e 1 do sexo feminino com um máximo de 12 horas pós-mortem. A idade variou de 21 a 27 anos.

Em todos os cadáveres determinamos na região cervical uma área tendo como limite inferior uma linha imaginária passando ao nível da cartilagem tireóide, superiormente, o arco zigomático, anteriormente, o sulco naso geniano e a linha média anterior, perpendicular do pescoço e posteriormente, o processo mastóide (Fig.1).

O acesso a está área se fez através de incisão pré e retroauricular simulando a utilizada para deslocamento na ritidoplastia, ampliando a exposição da parte lateral do pescoço, com incisão que iniciava no lóbulo da orelha seguida obliquamente ao pescoço, imediatamente abaixo da borda da mandíbula, terminando na linha média perpendicular anterior do pescoço, ao nível da cartilagem tireóide.

Uma incisão horizontal na região mastóidea de 5 cm, iniciada na extremidade superior da incisão retroauricular, foi acrescentada para melhor exposição da área a ser estudada (Fig.2).


Fig. 2. Linhas tracejadas determinam as incisões realizadas nos especimes.



As distâncias entre as estruturas estudadas e os pontos anatômicos fixos como borda posterior do músculo esternocleidomastóideo, forame estilomastóideo e cartilagem tireóide não foram considerados neste trabalho, devido à grande variação entre elas na dependência do cadáver ser longilíneo ou brevilíneo.

Nos fixamos em estudar a relação das distâncias apenas entre o nervo grande auricular, veia jugular externa e borda posterior do músculo platisma pela sua maior utilidade prática nas plásticas de face.

As dissecções foram sempre unilaterais e realizadas inicialmente no plano subdérmico, seguindo-se de lipectomias para melhor visualização das estruturas vasculares, musculares e nervosas (Fig.3).


Fig.3. Visualização das estruturas após a lipectomia.



RESULTADOS

O músculo platisma nesta região, apresentou variações de espessura, desde uma fina camada de difícil delimitação até o músculo espesso de fácil dissecção e identificação (Fig.4). Estas alterações de espessura não foram relacionadas à idade, tipo físico ou cor, parecendo mesmo tratar-se de características essencialmente pessoais.


Fig.4. Em algumas dissecções o músculo platisma era espesso e de fácil dissecção.



Quanto à disposição das fibras posteriores do músculo platisma, comprova-se o que já foi descrito por Cardoso de Castro(1), com fibras sempre posteriores ao gônio. Observamos, entretanto, variação na inclinação das fibras, que estão mais horizontalizadas nos brevilíneos, deixando mais expostos o nervo grande auricular e a veia jugular externa.

A veia jugular externa foi analisada em relação à borda póstero-superior do músculo platisma e sua distância do nervo grande auricular. Em um caso, a veia se encontrou coberta pelo músculo platisma em toda a sua extensão; em 4 casos margeou as fibras póstero-superiores do músculo; em 5 casos a veia estava posterior ao músculo platisma numa distância máxima de 3 cm, sendo a distância média em torno de 1 cm (Figs. 5a, 5b e 5c).


Fig.5. Esquema das variações de posicionamento de veia jugular externa e músculo platisma. (MP) - borda póstero-superior do platisma; (V) - veia jugular externa; (A)veia jugular externa coberta por fibras platismais (1 em 10 casos); (B) - veia margeando a borda do músculo (4 em 10 casos); (C) - veia posterior ao músculo (5 em 10 casos).


A uma distância de 8 a 9,5 cm do tragus, a veia jugular passa a ser coberta pelo platisma em todos os casos (Fig.6). O diâmetro da veia é variável não havendo entretanto relação entre calibre e posicionamento.


Fig.6. Em todas as dissecções determinamos a distância do tragus à altura em que a veia jugular externa passava por trás das vibras do platisma. Esta medida evidenciou que a 8 a 9,5 cm, a veia já estava coberta por músculo.



O nervo grande auricular tem trajeto semelhante ao da veia jugular externa nessa área, estando sempre em posição posterior à veia, variando de íntima relação a um distanciamento máximo de 2 cm (Fig.7), sendo 1,5 cm a distância média. Em todos os casos o nervo grande auricular se mostrou posterior às fibras do músculo platisma.


Fig.7. (A) - Posicionamento do nervo grande auricular sempre posterior à veia jugular externa; (B) - Determinação da distância entre estes elementos sempre no ponto de maior afastamento.



DISCUSSÃO

Das três estruturas estudadas a que nos pareceu mais fácil de ser evidenciada foi a veia jugular externa, que pode portanto ser o melhor ponto de referência nesta região durante uma intervenção cirúrgica. Este fato se torna mais importante, pois ao exame externo muitas vezes o trajeto da veia jugular pode ser observado e servir de parâmetro durante o deslocamento cutâneo.

Os limites posteriores do músculo platisma são difíceis de serem delimitados em alguns casos, quando as suas fibras são finas e delgadas. Como seu limite posterior tem posição variável em relação à veia jugular externa e ela é mais facilmente identificável, é aconselhável nas dissecções laterais do músculo, realizar a incisão em posição anterior à veia jugular e então iniciar o deslocamento do platisma.

O nervo grande auricular é mais difícil de ser identificado, pela sua cor, sua menor espessura em relação à veia jugular, e por estar encoberto por tecido celular subcutâneo. Por outro lado, seu trajeto pareceu o mais constante, sempre posterior à veia jugular externa e também sempre posterior (portanto descoberto) à borda posterior do músculo platisma. Desta forma, as dissecções do músculo platisma estão livres de risco de dano ao nervo grande auricular, porém, atenção redobrada deve ser tomada quando se realiza rotação ou avançamento das fibras do platisma em direção à mastóide, pois a sutura de fixação pode englobar e lesar o nervo grande auricular (fig. 8).


Fig.8. A fixação do músculo platisma pode englobar o nervo grande auricular.



O conhecimento da relação e distância entre a veia jugular externa, nervo grande auricular e bordas posteriores do músculo platisma vai impedir a lesão nervosa, sabendo-se que o nervo está sempre posterior à veia, a uma distância média de 1,5 cm e a um máximo de 2 cm da veia jugular externa, que é a estrutura anatômica de mais fácil identificação nesta área.


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I - Professor da Faculdade de Medicina de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
II - Professor e responsável pelo Setor de Cirurgia Plástica da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.


Endereço para Correspondência:
José Horácio C. Aboudib Jr
Rua Teresa Guimarães, 42
22280-050 - Botafogo - Rio de Janeiro
Fax: (021) 542-1247
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