ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2021 - Volume36 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0061

RESUMO

Introdução: O angiossomo da artéria dorsal da escápula (ADE) tem despertado crescente interesse aos cirurgiões reparadores embora as aplicações mais habituais do músculo trapézio (MT) sejam pelo arco de rotação da artéria cervical transversa (ACT) e seu angiossomo, mais cefálico, suficiente para propósitos de reconstrução em cabeça e pescoço. A possibilidade de se obter retalhos de grande território cutâneo para reconstruções no dorso estimula o estudo do angiossomo da ADE.
Métodos: Oito lados de quatro cadáveres frescos foram dissecados para a investigação da ADE e 60 lados de 30 voluntários foram examinados por meio de eco-Doppler colorido, em busca da ADE.
Resultados: Foram descritos dois padrões no curso da ADE nas dissecções, ambos irrigando a região do terço inferior do MT. O exame por eco-Doppler detectou a emergência e o curso da ADE para o terço inferior do MT bilateralmente em 27 dos voluntários, em dois somente à esquerda e não foi identificada em nenhum lado em um dos voluntários.
Conclusão: Pode haver dois padrões no curso da ADE irrigando a região do terço inferior do MT. O exame por eco-Doppler colorido determinou a emergência e o trajeto da ADE em 56 dos 60 lados examinados.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Irrigação sanguínea; Diagnóstico por imagem; Anatomia regional; Cirurgia plástica

ABSTRACT

Introduction: The dorsal scapular artery angiosome (DSAA) has aroused growing interest among repairing surgeons, although the most common applications of the trapezoid muscle (TM) are by the arc of rotation of the transverse cervical artery (TCA) and its angiomoses, more cephalic, sufficient for reconstruction purposes in the head and neck. The possibility of obtaining flaps of large cutaneous territory for reconstructions on the back stimulates the study of DSAA angiomoses.
Methods: Eight sides of four fresh cadavers were dissected for DSAA investigation, and 60 sides of 30 volunteers were examined by color Doppler echo in search of DSAA.
Results: Two patterns were described in the course of DSAA in dissections, both irrigating the region of the lower third of the TM. Doppler echo-examination detected emergence and course of DSAA for the lower third of The TM bilaterally in 27 of the volunteers, in two only on the left and was not identified anywhere in one of the volunteers.
Conclusion: There may be two patterns in the course of DSAA irrigating the region of the lower third of the TM. The color Doppler echo-examination determined the emergence and the Path of the DSAA on 56 of the 60 sides examined.

Keywords: Surgical flaps; Blood irrigation; Diagnostic imaging; Regional anatomy; Plastic surgery.


INTRODUÇÃO

Estudos iniciais versando sobre a porção inferior do músculo trapézio (MT), na década de 1980 deram importância à irrigação pela artéria cervical transversa (ACT)1,2. Na década seguinte novos estudos consideraram possíveis variações no suprimento sanguíneo do MT pela artéria dorsal da escápula (ADE)3. A aplicabilidade do terço inferior do MT ainda que subutilizado pela maneira convencional para reparação em cabeça e pescoço, tem sido recomendado pelas aplicações na vizinhança ou pela transferência livre4, variações na origem do pedículo da ADE não são importantes e não interferem nos procedimentos em vizinhança5, ainda assim estudos advertiram sobre a importância de se preservar a ADE mesmo nos retalhos baseados na ACT, para a segurança da extremidade inferior destes retalhos6.

A constância de ramos da ADE para o terço inferior do MT foi constatada bem como anastomoses entre ramos arteriais de lados opostos7,8. Entretanto, considerando novos conhecimentos sobre o papel da ADE e suas perfurantes musculocutâneas no suprimento sanguíneo para a porção descendente do MT e a descrição de dois padrões de irrigação9, os autores sentiram a necessidade de maior segurança para as dissecções cirúrgicas e as dimensões dos retalhos.

OBJETIVO

Obter familiaridade com a anatomia da irrigação do terço inferior do MT por dissecções anatômicas e exame com eco-Doppler.

MÉTODOS

O protocolo de pesquisa foi submetido ao comitê de ética em pesquisa da Universidade do Vale do Sapucaí e aprovado sob o número 169/02, em 20 de agosto de 2002, e o estudo foi desenvolvido no período de 2002 a 2012.

Os dois lados de quatro cadáveres frescos sem ferimentos nem cicatrizes no dorso foram estudados. Uma incisão em forma de “U” interessando da pele até a fáscia muscular do músculo grande dorsal foi executada de uma linha axilar posterior até o lado oposto contornando o dorso ao nível da terceira vértebra lombar.

Este grande retalho de pele foi elevado juntamente com o MT dos dois lados. Em cada lado a origem do músculo foi cuidadosamente separada das vértebras e dos músculos subjacentes, a ADE foi identificada e preservada. Os vasos que corriam pela fáscia na superfície profunda do retalho, fora dos limites do MT e aqueles que emergiam da ADE foram identificados e preservados. A elevação do retalho foi conduzida até o nível da espinha da escápula (Figura 1).

Figura 1 - Retalho do dorso elevado com os MT e as variações da ADE.

Alternadamente, em cada cadáver, uma das ADE foi cateterizada e pelo cateter injetado 20ml de corante vital (Patent Blue V, Guerbet) para fins de melhor registro e documentação dos vasos.

Simultaneamente, após examinar quatro voluntários por eco-Doppler em busca da ADE a título de estudo piloto, trinta voluntários adultos foram examinados bilateralmente e a ADE foi estudada por examinador colaborador especialista em imaginologia. O equipamento utilizado foi o modelo Envisor (Phillips, Bothell, WA, Estados Unidos) com transductor linear multifrequencial (3-12MHz) ajustado para visibilização de vasos periféricos superficiais.

Os voluntários foram posicionados em decúbito ventral com o braço do lado examinado ao longo do tronco e com a face palmar da mão orientada dorsalmente. O braço oposto foi posicionado com a mão ao nível da cabeça e a cabeça foi mantida com a face voltada para o lado oposto. O transductor foi posicionado logo abaixo da espinha da escápula e direcionado medialmente para a pesquisa da artéria.

RESULTADOS

Sobre o estudo anatômico

A ADE estava presente em todos os oito lados dos cadáveres estudados.

Foi constatado variação no curso da artéria sendo que sua emergência do plano profundo aos músculos romboides (MR) ocorreu em duas localizações: em 4 lados no trígono da ausculta (espaço triangular delimitado pela margem lateral do MT, margem medial inferior da escápula e a margem medial do Músculo grande dorsal MGD), com curso cefalocaudal e dimensão que variou de 3,5 a 4cm da emergência até a penetração no MT, emitindo ramos diretos para a pele suprajacente, sempre a mais de 5cm caudalmente ao ângulo inferior da escápula (Figura 2). Em outros 4 lados, na porção superior do MR, perfurando-o na altura da espinha da escápula e correndo caudalmente ao longo da face profunda do MT, até o terço inferior do músculo. Nesta conformação não foram observados ramos diretos para a pele (Figura 3).

Figura 2 - Emergência no trígono da ausculta com ramos diretos para a pele.

Figura 3 - Emergência ao nível da espinha da escápula perfurando o MR.

Sobre o estudo de imagem

O exame piloto de 8 lados de 4 voluntários foi suficiente para familiarizar o examinador com os achados e a duração média dos exames foi de 20 minutos.

Em 56 lados a ADE foi encontrada e bem descrita. Em dois lados (de voluntários diferentes) a artéria foi visualizada somente de um lado. Em um voluntário a artéria não foi visualizada em nenhum lado.

Em todas as visualizações, estava presente ao nível da espinha da escápula, distando medialmente de 0,3 a 2cm com uma média de 1,1cm, variando em profundidade, sempre acompanhada de veia, num curso caudal em topografia do MT (Figura 4).

Figura 4 - Imagem da ADE perfurando o MT ao nível da espinha da escápula.

DISCUSSÃO

Sobre o estudo anatômico

A ADE irriga a porção média e inferior do MT. Para alguns autores sua aplicabilidade como pedículo para retalhos da porção inferior do MT fica improvável pela inconstância relatada e algumas publicações não asseguram sua utilização ou limitam as dimensões do seu território cutâneo1,2,8.

Outros autores descrevem a ADE como dominante para o terço inferior do MT em um terço dos lados com trajeto constante de ramos que perfuram o MR e entram na superfície profunda do MT, suprindo suas porções média e inferior9. Em outro estudo com 15 cadáveres, por meio de classificação baseada no tamanho, a ADE foi o vaso dominante em metade dos lados5. Igualmente foi o vaso dominante em 15 de 30 dissecções3. Conforme outra publicação há ramos da ADE constantes para o MT suprindo a pele até mais de 10cm inferiormente à margem inferior do músculo7. Em publicação mais recente, assegurados por estudo prévio com eco-Doppler portátil, os autores trataram 10 pacientes com retalho baseado em perfurantes da ADE e preservação do MT, sendo 6 retalhos pediculados e 4 livres4.

O presente estudo identificou a presença da ADE nos oito lados estudados, com variações que permitem o planejamento de retalhos do terço inferior do MT. A variação da emergência no trígono da ausculta ofereceu evidência da existência de ramos para a pele que parece assegurar um território cutâneo que ultrapassa os limites do MT. A variação da emergência pela perfuração do MR faz intimidade com a superfície profunda do MT em curso caudal e emite ramos para o músculo que também irrigam a pele. A injeção de corante utilizada permitiu a identificação dos vasos e seu trajeto, mas não permitiu a determinação do território cutâneo. Ambas as variações irrigam o terço inferior do MT.

Sobre o estudo de imagem

O exame de imagem por eco-Doppler é inócuo, tem baixo custo, agilidade e alta sensibilidade para a detecção de vasos arteriais4,10. O exame da ADE exigiu rápida familiarização com as características do trajeto.

O trajeto foi constante a partir do plano axial da espinha da escápula, variando o curso em profundidade, o que faz coerência com os achados anatômicos, podendo atingir o músculo por emergência em meio ao MR e seguir pela face profunda do MT ou cursar profundo ao MR e emergir no trígono da ausculta.

Conforme o estudo, existe a possibilidade de não ser identificada em alguns lados. Nestes lados não houve como estabelecer a real ausência do vaso, mas considerando publicações que sugerem sua inconstância, fica recomendável o exame pré-operatório por eco-Doppler no planejamento de retalho baseado na ADE1,2,8,9.

CONCLUSÃO

A ADE foi constante nos oito lados estudados em dissecções em cadáver e apresentou duas variações de curso na irrigação da porção inferior do músculo trapézio, por penetração ao nível da espinha da escápula em 4 lados e ao nível do trígono da ausculta em 4 lados. A variação pode ocorrer no mesmo indivíduo.

O exame por eco-Doppler mostrou-se exequível e recomendável para descrever a presença e o trajeto da ADE. A visualização foi possível em 56 dos 60 lados estudados.

AGRADECIMENTOS

As então acadêmicas Danielle M. Moura e Natali A. Rodrigues e ao imaginologista Prof. Sizenildo Silva Figueirêdo do Curso de Medicina da Universidade Federal de Rondônia, pela dedicação ao estudo.

REFERÊNCIAS

1. Baek SM, Biller HF, Krespi YP, Lawson W. The lower trapezius island myocutaneous flap Ann Plast Surg. 1980 Ago;5(2):108-14.

2. Maruyama Y, Nakajima H, Fujino T, Koda E. The definition of cutaneous vascular territories over the back using selective angiography and the intra-arterial injection of prostaglandin E1: some observations on the use of the lower trapezius myocutaneous flap. Br J Plast Surg. 1981 Abr;34(2):157-61.

3. Netterville JL, Wood DE. The lower trapezius flap. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991 Jan;117(1):73-6.

4. Sadigh PL, Chang LR, Hsieh CH, Feng WJ, Jeng SF. The trapezius perforator flap: an underused but versatile option in the reconstruction of local and distant soft- tissue defects. Plast Reconstr Surg. 2014 Sep;134(3):449e-56e.

5. Urken LM, Naidu RK, Lawson W, Biller HF. The lower trapezius island musculocutaneous flap revisited. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991 May;117(5):502-11.

6. Cormack GC, George B, Lamberty BGH. The arterial anatomy of skin flaps. 2nd ed. New York: Churchill Livingstone; 1994.

7. Weiglein AH, Haas F, Pierre G. Anatomic basis of the lower trapezius musculocutaneous flap. Surg Radiol Anat. 1996;18(4):257-61.

8. Mathes SJ, Nahai F. Reconstructive surgery: principles, anatomy and technique. New York: Churchill Livingstone; 1997.

9. Yang D, Morris SF. Trapezius muscle: anatomic basis for flap design. Ann Plast Surg. 1998 Jul;41(1):52-7.

10. Berg WA, Chang BW, DeJong MR, Hamper UM. Color Doppler flow mapping of abdominal wall perforating arteries for transverse rectus abdominis myocutaneous flap in breast reconstruction: method and preliminary results. Radiology. 1994 Ago;192(2):447-50.











1. Universidade Federal de Rondônia, Laboratório de Técnica Operatória, Departamento de Medicina, Porto Velho, RO, Brasil.
2. Hospital de Clínicas, Programa de Reabilitação e Assistência ao Fissurado da Face, Rio Branco, AC, Brasil.
3. Clínica Paiva & Rocha, Cirurgia, Pouso Alegre, MG, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de Rondônia, Laboratório de Técnica Operatória, Departamento de Medicina, Porto Velho, RO, Brasil e Clínica Paiva & Rocha, Cirurgia, Pouso Alegre, MG, Brasil.

Autor correspondente: João Lorenzo Bidart Sampaio Rocha, Avenida Alberto de Barros Cobra, 717, Nova Pouso Alegre, Pouso Alegre, MG, Brasil. CEP: 37553-459 E-mail: joaolorenzorocha@gmail.com

Artigo submetido: 10/08/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.

Conflitos de interesse: não há.

COLABORAÇÕES

JLBSR Concepção e desenho do estudo, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original

GRP Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

LCSR Análise e/ou interpretação dos dados, Investigação, Redação - Revisão e Edição

 

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