INTRODUÇÃO
A obesidade é uma doença inflamatória1, caracterizada pela produção de citocinas, concernentes às respostas inflamatórias2-4. Estas citocinas são interleucinas (IL) produzidas no tecido gorduroso graças às
suas propriedades endócrinas. Destarte, a resposta inflamatória da obesidade acarreta
elevação da produção de interleucinas inflamatórias e redução das interleucinas com
propriedades anti-inflamatórias5. A variação destas interleucinas promove uma alteração do perfil glicêmico e insulínico,
caracterizando uma concomitante síndrome metabólica6,7.
OBJETIVO
Este trabalho tem o objetivo de analisar as variações da resposta inflamatória, através
das modificações dos níveis das interleucinas e consequente modificação das taxas
de proteína C-reativa (PCR) de pacientes pós-bariátricas submetidas à abdominoplastia
em âncora.
MÉTODOS
O presente estudo prospectivo foi realizado com quatorze pacientes do sexo feminino
que foram submetidas à abdominoplastia em âncora8 após perda ponderal obtida através da cirurgia bariátrica. Os critérios de inclusão
foram: apresentar perda de peso às custas da cirurgia bariátrica e manutenção do novo
peso há, ao menos, 18 meses; estar em acompanhamento no grupo de cirurgia do contorno
corporal do Hospital de Clínicas da FMUSP no período de realização do trabalho, primeiro
semestre do ano de 2018; em acompanhamento multidisciplinar, composto por endocrinologista,
cirurgião do aparelho digestivo, psicólogo e cirurgião plástico. Os critérios de exclusão
foram: pacientes que eram tabagistas, usavam hormônios contraceptivos ou de reposição,
drogas recreativas ou que pudessem afetar o comportamento.
A média etária, na ocasião da cirurgia plástica, foi de 45,92 anos, com extremos de
29 a 60 anos. O intervalo médio entre a cirurgia bariátrica e a abdominoplastia foi
de 5,8 anos, variando entre 2 e 12 anos. O IMC (índice de massa corpórea) médio antes
da cirurgia bariátrica foi de 45,63kg/m2 e antes da abdominoplastia foi de 29,62kg/m2, com extremos de 21,3 a 36,7kg/m2. O peso médio das peças cirúrgicas ressecadas foi de 2.068kg, variando entre 1.000
a 3.600kg (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 - Idade das pacientes, em anos, por ocasião dos procedimentos cirúrgicos.
Idade das pacientes (anos): |
Antes da cirurgia bariátrica |
Antes da abdominoplastia |
Média 42 - 35 |
Média 45-95 |
Mínima 21 |
Mínima 29 |
Máxima 58 |
Máxima 60 |
Tabela 1 - Idade das pacientes, em anos, por ocasião dos procedimentos cirúrgicos.
Tabela 2 - Variações do IMC das pacientes, em kg/m2, antes dos procedimentos cirúrgicos.
IMC (Kg/m2):
|
Antes da cirurgia bariátrica |
Antes da abdominoplastia |
Média - 45, 63 |
Média, 29, 62 |
Mínima - 35, 6 |
Mínima - 21,3 |
Máxima - 56,7 |
Máxima - 36,7 |
Tabela 2 - Variações do IMC das pacientes, em kg/m2, antes dos procedimentos cirúrgicos.
Foram coletadas amostras de sangue em cinco tempos: pré-operatório, intraoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7º dia pós-operatório e 14º dia pós-operatório.
As análises quantitativas das interleucinas IL4, IL6 e IL10 foram feitas com método
de imunoensaio com “beads” magnéticas Milliplex e MagPix System (Merck Millipore, USA) e os resultados foram aferidos em pg/dL (picogramas por decilitros).
A proteína C-reativa (PCR) foi analisada pelo C-Reactive Protein Gen.3. Teste imunoturbidimétrico para determinação quantitativa in vitro de PCR em soro e plasma humanos, utilizando os sistemas Roche/Hitachi cobas c, e medida em mg/dL.
As pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido autorizando o
estudo previamente ao procedimento.
O projeto foi aprovado pela comissão de ética em pesquisa (CAPPesq) do hospital sob
o número 48112015.8.0000.0068. Não possui suporte de agências de fomento de pesquisa
e tampouco entidades privadas, portanto não há conflito de interesses.
RESULTADOS
Os resultados obtidos foram agrupados em valores absolutos e apresentam-se na Tabela 3.
Tabela 3 - Ilustração das dosagens (pg/dL) IL4, (pg/dL) IL6, (pg/dL) IL10 e (mg/dL) PCR nos tempos
aferidos: pré-operatório (A), transoperatório (B), 24 horas após a cirurgia (C), 7o
dia pós-operatório (D) e 14o dia pós-operatório (E).
|
Pré |
Trans |
24hPO |
7PO |
14PO |
IL4 |
0,22 ± 0,4 |
0,17 ± 0,2 |
0,37 ± 1,0 |
0,68 ± 1,2 |
0,79 ±2,2 |
IL6 |
3,66 ± 13,0 |
23,5 ± 23,9 |
40,43 ±15,1 |
11,2 ± 8,4 |
4,53 ± 8,5 |
IL10 |
6,02 ± 6,2 |
47,4 ± 50,6 |
11,48 ± 6,9 |
6,18 ± 6,3 |
4,59 ± 4,2 |
PCR |
3,3 ± 7,7 |
1,15 ± + - 1,3 |
47,9 ±24,1 |
27,85 ± 19,8 |
17,2 ± 38,6 |
Tabela 3 - Ilustração das dosagens (pg/dL) IL4, (pg/dL) IL6, (pg/dL) IL10 e (mg/dL) PCR nos tempos
aferidos: pré-operatório (A), transoperatório (B), 24 horas após a cirurgia (C), 7o
dia pós-operatório (D) e 14o dia pós-operatório (E).
Esses resultados têm representação gráfica nas Figuras 1, 2, 3 e 4; onde os períodos pré-operatório (A), transoperatório (B), 24 horas após a cirurgia
(C), 7º dia pós-operatório (D) e 14º dia pós-operatório (E) são apresentados.
Figura 1 - Demonstração gráfica das variações da IL4 (pg/dL) nos tempos: préoperatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 1 - Demonstração gráfica das variações da IL4 (pg/dL) nos tempos: préoperatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 2 - Demonstração gráfica das variações da IL6 (pg/dL) nos tempos: préoperatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 2 - Demonstração gráfica das variações da IL6 (pg/dL) nos tempos: préoperatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 3 - Demonstração gráfica das variações da IL10 (pg/dL) nos tempos: pré-operatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 3 - Demonstração gráfica das variações da IL10 (pg/dL) nos tempos: pré-operatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 4 - Demonstração gráfica das variações da PCR (mg/dL) nos tempos: pré-operatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
Figura 4 - Demonstração gráfica das variações da PCR (mg/dL) nos tempos: pré-operatório, transoperatório,
24 horas após a cirurgia, 7o dia pós-operatório e 14o dia pós-operatório.
A IL4 começou a subir nas primeiras horas após a cirurgia e manteve-se em ascensão
até o 14º dia pós-operatório.
A IL6 apresentou aumento no intraoperatório, sendo mais expressiva nas 24 horas após
a cirurgia, com queda progressiva até o 14º dia pós-operatório.
A IL10 apresentou aumento no intraoperatório, seguido de queda a níveis inferiores
aos iniciais.
A PCR apresentou grande aumento nas primeiras horas após a cirurgia, permanecendo
elevada até o 14º dia pós-operatório.
DISCUSSÃO
O tecido gorduroso é responsável pela produção de interleucina IL6, considerada um
marcador inflamatório, e IL4 e IL10, anti-inflamatórias2-4. A IL6, além de outras propriedades, estimula a produção de proteínas inflamatórias
no fígado, com especial destaque, objeto deste estudo, da proteína C-reativa (PCR).
As pacientes do estudo, por se tratarem de pacientes com obesidade severa - IMC médio
de 45,63kg/m2 (35,6 a 56,7kg/m2) - antes da cirurgia bariátrica, apesar de terem apresentado grandes perdas ponderais,
ainda mantiveram IMC elevado, na ocasião da abdominoplastia, correspondendo a 29,62kg/m2 (21,3 a 36,7kg/m2); por conseguinte, com padrão basal de marcadores inflamatórios ainda elevados, dado
que são moderadamente obesas. Apesar de ser notório que a perda de peso induzida pela
cirurgia bariátrica, além de diminuir as doenças relacionadas ao excesso de peso,
minimizam o estado inflamatório em pacientes obesas mórbidas7-10.
De acordo a literatura2,11-13, a IL4, com atividade anti-inflamatória, é produzida pela interação do complexo monócito/macrófago
com o tecido adiposo. Em resposta ao trauma, ela inicia curva ascendente nas primeiras
horas do pós-operatório mantendo-se em ascensão até o 14º dia pós-operatório.
As pacientes aqui compulsadas podem ser tidas como de baixo grau de inflamação crônica,
associado ao aumento de marcadores inflamatórios como IL6 e PCR14,15, que têm aumento considerável no intra e pós-operatório imediato, correspondendo
à resposta inflamatória ao trauma cirúrgico16. A PCR, por sua vez, apresenta um valor de base já elevado, relacionado com a própria
obesidade, mesmo com a perda de peso cirurgicamente alcançada10, permanecendo elevada até o 14º dia pós-operatório no presente estudo ou por até
seis meses segundo outros autores10,17.
A IL10, uma citocina anti-inflamatória produzida pelos adipócitos, apresentou aumento
no intraoperatório, seguida de queda a níveis inferiores aos iniciais. Tal fato concorda
com a bibliografia atinente12,18 e revela uma reação anti-inflamatória que acompanha as manifestações da IL6, considerada
antagônica e cuja atividade inflamatória modifica-se no período estimado.
A abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica não se limita a um melhor resultado estético
e qualidade de vida, como já avaliado por outros autores19,20; sobretudo promove modificação dos marcadores inflamatórios e anti-inflamatórios,
que, dada a ressecção do tecido gorduroso, acarretam uma amenização do quadro inflamatório
crônico.
CONCLUSÃO
Pacientes com obesidade severa, apesar de grandes perdas ponderais à custa da cirurgia
bariátrica, tendem a persistir com excesso de tecido dermogorduroso e, por conseguinte,
marcadores inflamatórios e anti-inflamatórios basais elevados que, em resposta ao
trauma cirúrgico, alteram-se por mais tempo.
Embora este estudo tenha sido realizado em menor tempo quando comparado aos estudos
de outros autores, obteve-se resultados semelhantes, o que permite afirmar que, nas
abdominoplastias em âncora, a minimização do quadro inflamatório dar-se-ia ao longo
do tempo.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Lineu Tadeu Velasco - Professor Titular da Disciplina de Emergências Clínicas
do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo - em cujo laboratório - LIM-51, permitiu a realização das dosagens das interleucinas
presentes no trabalho.
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1. Hospital das Clínicas de São Paulo, Grupo de Contorno Corporal da Disciplina de
Cirurgia Plástica do HC-USP, São Paulo, SP, Brasil.
2. Hospital das Clínicas da USP, Professor Titular do Serviço de Cirurgia Plástica
do HC-USP, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Nádia de Rosso Giuliani, Rua Capitão Rosendo, 100, Apt. 23b, Vila Mariana, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04120-060
E-mail: nagiuliani@yahoo.com.br
Artigo submetido: 19/08/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.
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