ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1998 - Volume13 - Issue 1

RESUMO

O RMC do músculo peitoral maior foi, e continua sendo, de grande importância na reconstrução de face e região cervical. Classicamente descrito com a realização de um túnel subcutâneo na região cervical, o uso deste retalho com a exteriorização de pedículo muscular é pouco difundido. Foram revisados os casos submetidos à reconstrução de face e região cervical no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no período de janeiro de 1991 a fevereiro de 1994 em que foram utilizados RMC com pedículo externo. São analisadas as vantagens e complicações do uso deste retalho comparando os dados obtidos com os de literatura, em que foi utilizado o pedículo interno.

Palavras-chave:

ABSTRACT

The pectoralis major musculocutaneous flap is very important in face and neck reconstruction. First described with the use of a subcutaneous tunne1 lending to the defect through the neck, it's variation with use of an external pedicle is not widely reported. This study represents the number of patients that underwent surgery with pectoralis major musculocutaneous flap with external pedicle, in the Hospital de Clínicas de Porto Alegre from February 1991 to January, 1994. The data compared the advantages and complications with the literature wherein the internal pedicle technique is applied.

Keywords:


INTRODUÇÃO

O retalho miocutâneo (RMC) de músculo peitoral maior, descrito primariamente por ARYIAN(l) , é uma das principais alternativas para as reconstruções de face e pescoço. Isto se deve basicamente por sua anatomia constante e por ser um retalho de fácil execução(3).

Vários estudos analisaram a utilização deste retalho descrevendo as complicações neste tipo de reconstrução (1,2,10,11)

Algumas variáveis devem ser analisadas quando se pretende estudar tais complicações, entre estas, os propósitos do retalho, a extensão da lesão e o estado funcional do paciente a longo prazo (4,5).

No RMC de músculo peitoral classicamente descrito(3), utiliza-se de um túnel sub-cutâneo através do qual o componente miocutâneo é levado até o defeito a ser corrigido. Revisões sobre o RMC de músculo peitoral com uso de pedículo externo não foram encontradas.

Este artigo descreve a experiência no uso deste tipo de retalho, mostrando a casuística, complicações e vantagens do uso do RMC de músculo peitoral com pedículo externo.


MÉTODO

Todos os casos de pacientes submetidos à reconstrução de face e pescoço com retalhos miocutâneos de músculo peitoral com pedículo externo no Serviço de Cirurgia Plástica, Unidade de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), no período de janeiro de 1991 a janeiro de 1994 foram revisados.

Os pacientes foram analisados quanto às seguintes características: sexo, idade, número de retalhos realizados, motivo da reconstrução, presença de defeito ósseo concomitante, uso de material aloplástico, tempo cirúrgico, intervalo para liberação do retalho, momento da reconstrução, tempo de internação, tipo de curativo no pedículo externo e complicações do procedimento.


RESULTADO

Treze dos 15 pacientes submetidos a rotação de retalhos miocutâneos de músculo peitoral com pedículo externo foram operados pelos médicos residentes do Serviço de Cirurgia Plástica, Unidade de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Os outros dois casos foram operados por um dos preceptores do serviço.

O número total de pacientes participantes da amostra foi de 15 indivíduos, destes, treze eram do sexo masculino e dois do sexo feminino, com idade média de 62 anos. Foram confeccionados 17 retalhos no total.

O retalho miocutâneo foi usado para reconstruir defeito na face causado por neoplasia (caso 1) em 13 pacientes, 1 paciente foi submetido a cirurgia por seqüelas de paracoccidioidomicose e um paciente apresentava mal formação artério-venosa de alto débito (caso 2). Destes pacientes, três sofreram reconstrução da mandíbula com placa, em decorrência de neoplasia, dois apresentavam defeito por parotidectomia, pois sofreram reconstrução de assoalho de boca, um paciente foi operado por apresentar área de artéria de carótida comum exposta, secundária a infiltração neoplásica e sete sofreram reconstrução de defeitos da face.

Caso 1


Fig. 1 - Paciente com neoplasia basocelular em região de maxila.


Fig. 2 - CT evidenciando invasão de seio maxilar.


Fig. 3 - Defeito pós-ressecção mostrando o seio maxilar.


Fig. 4 - Defeito corrigido após rotação de RMC de peitoral maior com pedículo externo.

Caso 2


Fig.5 - Defeito pós-ressecçâo de FAV de alto débito em fac.,


Figs. 6 e 7 - Resultado após rotação de RMC de peitoral maior com pedículo externo.



Dos 15 pacientes submetidos a este procedimento, em 2 foram utilizados retalhos bilateralmente, um para reconstrução de assoalho de boca por paracoccidioidomicose e outro para reconstrução de mandíbula após necrose total de retalho confeccionado duas semanas antes, no mesmo tempo da ressecção do tumor.

A revisão dos casos mostrou que o tempo necessário para a confecção do retalho e para sua acomodação no defeito a ser corrigido foi de 2:30 h (±30 min.) não estando incluído o tempo necessário para a ressecção da patologia primária. Dos 17 retalhos confeccionados, 15 ocorreram no mesmo período anestésico para a cirurgia da doença básica, e outros dois retalhos foram realizados em outro período, o primeiro após necrose total de retalho prévio e o segundo, após estabilização do paciente que havia sido submetido a ressecção de mal formação artério-venosa de alto débito em face. O período de internação hospitalar médio destes pacientes foi de 33,3 dias (5-150 dias) e o tempo médio em que foram realizadas as liberações do pedículo externo foi de 28 dias.

Dentre as complicações encontradas, um paciente apresentou necrose total de retalho utilizado para a reconstrução de assoalho da boca 4 dias após o procedimento. Duas semanas após o debridamento, foi submetido a nova rotação de RMC de músculo peitoral que apresentou necrose total no 5º dia pós-operatório, tendo sido corrigido o defeito com o uso de retalho deltopeitoral.

Outras complicações foram necrose parcial em dois pacientes, fístula em três casos, infecção em quatro pacientes. Além disso, um paciente apresentou seroma e houve exposição tardia de placa utilizada para reconstrução de mandíbula em um outro.

Dos 17 procedimentos em que foi usado o RMC de músculo peitoral com pedículo externo, 5 receberam enxerto de pele parcial para cobertura do pedículo no mesmo tempo cirúrgico da reconstrução.


DISCUSSÃO

Muitos autores tem relatado sua satisfação com os resultados a curto e longo prazo do retalho miocutâneo de músculo peitoral maior(2). Vários estudos tentam identificar fatores que poderiam predizer a viabilidade do retalho. Fatores como o tabagismo, o manuseio inadequado do retalho, e o uso de placas de reconstrução(9), mostram-se lesivos à sobrevivência do retalho.

Outros fatores como sexo, valores laboratoriais e outras variáveis clínicas não têm influência estatisticamente significativa para a viabilidade do retalho.

Existem ainda fatores que são controversos, tais como o estado nutricional do paciente, a irradiação prévia (7,8) e o tamanho do defeito a ser reconstruído(8).

A literatura subdivide as complicações com o RMC em maiores e menores. As menores incluem processo limitado de infecção, pequena deiscência, necrose parcial do retalho e fístulas limitadas. As complicações maiores são representadas pela necrose total e/ou fístulas permanentes, obrigando a novo procedimento.

A revisão da literatura mostra que os índices de complicação variam de 35 a 65% e a incidência de necrose parcial ou total varia de 2 a 33%(6,12), em caso de reconstrução com pedículo externo. Os resultados encontrados neste estudo são comparáveis à literatura (Tabela I), e têm mais significado se considerarmos que a maior parte dos pacientes (13 de 15) foi operada por cirurgiões em treinamento (médicos-residentes).




A reconstrução dos defeitos da face e região cervical com a utilização de RMC de músculo peitoral maior com pedículo externo possui algumas características que devem ser destacadas. Ao analisar o tempo cirúrgico notamos que tal procedimento diminui consideravelmente o tempo operatório, já que o tempo de confecção do túnel e de acomodação do retalho são suprimidos. Outro ponto importante é que algumas das complicações da confecção do túnel, o hematoma e a compressão do retalho, por exemplo, ficam descartadas,diminuindo o risco quanto à viabilidade do retalho.

A longo prazo, o RMC com pedículo externo apresenta algumas vantagens em relação ao pedículo interno. O pedículo muscular, sendo seccionado em torno de 28 dias(6) após a reconstrução inicial evita um aumento de volume na região pré-clavicular.

Outro fator observado em pacientes com RMC de músculo peitoral maior com pedículo interno é a retração causada pela atrofia muscular. O músculo ao iniciar seu processo de cicatrização e atrofia, começa a causar uma retração cicatricial na região do túnel, o que em alguns casos obriga o cirurgião a reintervir, abordando a região cervical para liberar a banda fibrótica. A contração do retalho muscular foi estudada por Shindo et al. (12), o qual observou uma contração na área muscular de 41 a 45% do tecido, em todos os pacientes.

As evidências mostrando as vantagens do uso de RMC do músculo peitoral com pedículo externo são confrontadas com algumas desvantagens. O procedimento deverá contar com a cooperação do paciente, principalmente no que diz respeito aos cuidados com a movimentação da cabeça. O pedículo muscular poderá ser enxertado ou mantido aberto com curativos diários até a sua liberação. O paciente deverá participar da opção sendo esclarecido das vantagens de se fazer enxertia, já que em 5 a 7 dias o pedículo estará cicatrizado. Além disto, o paciente deverá estar ciente das desvantagens, pois procedimento implicará em mais um curativo na área doadora do enxerto e em uma eventual seqüela. Devemos lembrar ao paciente que a enxertia não abreviará seu tempo de hospitalização, uma vez que sua permanência no hospital tem como objetivo observar complicações ao nível do componente miocutâneo do retalho, as quais mais comumente ocorrem por volta do 5º ao 7º dia.

Outro ponto importante a se observar, principalmente na primeira semana, é a formação de "cotovelo" no pedículo. Este pode causar uma diminuição no fluxo sanguíneo e pôr em risco a viabilidade do retalho. Para tanto, nos primeiros 5 a 7 dias, não só o paciente, mas toda a equipe de enfermagem são enfaticamente orientados para com os cuidados com o pedículo.

Fato a ser colocado para o paciente é que o mesmo deverá ser submetido a novo procedimento após a integração do retalho. Este procedimento é que vai proporcionar a secção do pedículo e dar o acabamento ao retalho.

A casuística dos pacientes operados no Serviço de Cirurgia Plástica do HCPA, durante o período estudado, é pequena mas, mesmo assim, o retalho do músculo peitoral com pedículo externo pode ser uma alternativa interessante, principalmente em pacientes que necessitem de um longo tempo cirúrgico para a ressecção da patologia de base.

Estudos prospectivos randomizados, analisando-se também o custo do procedimento, devem ser realizados para se comparar a vantagem de uma ou outra técnica a ser empregada.


BIBLIOGRAFIA

1. ARYIAN S. The Pectoralis Major Musculocutaneous Flap. Plast. Reconstr. Surg. 1979; 63:73- 81

2. BAEK SM, LAWSON W, BILLER HF An Analsys of 133 Pectoralis Major Myocutaneous Flaps. Plast. Reconstr.Surg. 1982;69:460-467

3. BILLER HF, BAEK SM, LAWSON W, KRESPl YP, BLAUGRUND SM. Pectoralis Major Musculocutaneous Island Flap in Head and Neck Surgery Arch. Otolaryngol. 1981;107:23-26

4. BRUSATI R, COLLINI M, BOZZETTI A, CHIAPASCO M, GALIOTO S. The Pectoralis Major Musculocutaneous Flap. J. Craniomaxilofac. Surg. 1988; 16: 35-39

5. HUANG RD, SILVER SM, HUSSAIN A, PARNES SM, WING PD. Pectoralis Major Musculocutaneous Flap: Analysis of Complications in a VA Population. Head & Neck. 1992;14:102- 106

6. IAN JACKSON. Por comunicação pessoal.

7. KEIDAN RD, KUSIAK JE Complications Following Reconstruction With The Pectoralis Major Myocuyaneous Flap: The Effect of Pior Radiation Therapy. Laryngoscope. 1992:102

8. KROLL SS, REECE GP, MILLER MIo SCHUSTERMAN MA. Comparison of the Rectus Abdominis Free Flap with the Pectoralis Major Musculocutaneous Flap for Reconstrctions of the Head and Neck. Am. J. Surg. 1992;164:615- 618

9. MEHRHOF AI, ROSENSTOCK A, NEIFELD JP' MERRITT WH, THEOGARAJ Sw, COHEN IK. The Pectoralis Major Musculocutaneous Flap in Head and Neck. Am. J. Surg. 1983;43:482

10. MAISEL RH, LISTON SL, ADAMS GL. Complications of Pectoralis Musculocutaneous Flaps. 1983;93:928-930

11. OSSOF RH et al. Complications After Pectoralis Major Musculocutaneous Flap Reconstruction of Head and Neck Defects. Arch. Otolaryngol. 1983;109:812-814

12. SHINDO ML, COSTANTINO PD, FRIEDMAN CD, PELZER HJ, SISSON GA, BRESSLER FJ. The Pectoralis Major FIap for Intraoral and Pharingeal Reconstruction. Arch Otolaryngol. Head Neck Surg.1992;1l8:707-711










I - Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
II - Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRGS
III - Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica, Unidade de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS.


Endereço para Correspondência:
Rua Ramiro Barcelos, 2350 Porto Alegre - RS
Fone: (051) 331-6699

Serviço de Cirurgia Plástica, Unidade de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

 

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