INTRODUÇÃO
As queimaduras são definidas como lesões da pele causadas por um agente externo, com
destruição parcial ou total da mesma, em determinada extensão da superfície
corporal, em decorrência de traumas térmico, elétrico, químico ou radioativo1.
Encontram-se em quarto lugar como o tipo de trauma mais comum no mundo. Estão entre
as principais causas externas de morte registradas no Brasil, perdendo apenas
para
outras causas violentas, que incluem acidentes de transporte e homicídios2.
Segundo dados da OMS, queimaduras são um problema de saúde pública global, causando
cerca de 180.000 mortes por ano, a maioria das quais ocorre em países de baixa
e
média renda e quase dois terços nas regiões africanas e asiáticas3.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Queimaduras, no Brasil, ocorrem 1 milhão de
casos de queimaduras por ano, dos quais 200 mil são atendidos em serviços de
emergência e, desses, 40 mil necessitam de hospitalização, existem 57 unidades
de
terapia de queimados (UTQs) cadastradas, em todo o território nacional4.
No município de São Paulo, com população de cerca de 20 milhões de habitantes,
existem seis UTQs em hospitais públicos credenciados junto à Sociedade Brasileira
de
Queimaduras (SBQ), para uma incidência anual local estimada em dez mil novos casos
por ano4.
O tratamento das queimaduras é um desafio pela gravidade das lesões apresentadas
pelos pacientes e também pelas muitas complicações que esse tipo de trauma pode
vir
a desencadear². A epidemiologia é de extrema importância uma vez que atua de forma
direta na criação de políticas públicas, pois fornece elementos para avaliação
e
contribui para a formação de programas de tratamento e campanhas de prevenção,
além
de ajudar a entender os fatores causais; ainda há uma carência de estudos
epidemiológicos em nosso país que aborde este assunto4.
Em setembro de 1975, o Hospital Tatuapé teve o primeiro Centro de Tratamento de
Queimaduras do município, inaugurado com 42 leitos. O Centro de Tratamento de
Queimaduras do Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé) abrange uma
área
física de 1.000 metros quadrados exclusivos para o atendimento ao paciente vítima
de
queimadura. Conta com terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicóloga e assistente
social, além da equipe médica e enfermagem. Podemos dizer que é um hospital dentro
do hospital, pois possui pronto socorro, ambulatório, centro cirúrgico, UTI,
recuperação pós-anestésica e enfermaria em um único andar. É referência para o
município de São Paulo, municípios vizinhos e estados. Atualmente, possui 22 leitos
de enfermaria e 4 de UTI.
OBJETIVO
O propósito do presente estudo é traçar o perfil epidemiológico dos pacientes
atendidos no ambulatório do Centro de Tratamento de Queimaduras do Hospital
Municipal do Tatuapé, no período de janeiro de 2019 a janeiro de 2020.
MÉTODOS
Realizado estudo epidemiológico observacional descritivo, para determinar a
distribuição de indivíduos vítimas de queimaduras segundo o agente causador, as
características dos indivíduos e da queimadura, totalizando o número de 1.844
novos
pacientes atendidos no ambulatório durante o período estudado.
Foram analisados os dados obtidos a partir das fichas de atendimento do ambulatório
do Centro de Tratamento de Queimaduras do Hospital Municipal do Tatuapé, no período
de janeiro de 2019 a janeiro de 2020. Excluímos deste estudo pacientes admitidos
no
ambulatório antes do início do período estudado e pacientes que foram internados.
Os
dados coletados são registrados e armazenados no registro de controle de
atendimentos e, posteriormente, são enviados à secretaria de saúde municipal,
estadual e ministério da saúde e farão parte do DATASUS.
Neste estudo, levou-se em consideração aspectos que tangem a idade, gênero, causas
da
queimadura, extensão da queimadura e região acometida. Em relação à faixa etária
dividiram-se os dados em: (1) entre 00-10 anos, (2) 11-20 anos, (3) 21-30 anos,
(4)
31-40 anos, (5) 41-50 anos e (6) 51-60 anos e acima de 61 anos. Os agentes
causadores das queimaduras foram divididos em físicos, químicos e biológicos,
e a
partir daí subdivididos em: líquidos inflamáveis, líquidos aquecidos/escaldo,
sólidos aquecidos, química, fogo/calor, radiação, eletricidade e outros.
Baseou-se a extensão da queimadura na superfície corpórea queimada (SCQ), que é
calculada pelo esquema de Lund-Browder. No trabalho consideramos queimaduras de
segundo e terceiro graus e dividiu-se em três categorias: (1) pequeno queimado
(até
5% em menor que 12 anos ou 10% de SCQ em maiores de 12 anos), (2) médio queimado
(5-15% de SCQ em menores que 12 anos ou 10-20% de SCQ em maiores de 12 anos) e
(3)
grande queimado (maior que 15% de SCQ em menores de 12 anos e maior que 20% de
SCQ
maiores de 12 anos ou queimadura de terceiro grau em mais de 5% em menores que
12
anos ou 10% em maiores de 12 anos).
O projeto foi encaminhado para o comitê de ética em pesquisa do Hospital Municipal
Carmino Caricchio sob o protocolo número: 334402203 00000073.
RESULTADOS
No que tange ao sexo, observou-se maior predomínio do sexo masculino (55,3%), sobre
o
sexo feminino (44,7%), numa proporção de 1,24:1 (Figura 1).
Figura 1 - Distribuição de queimados de acordo com o sexo.
Figura 1 - Distribuição de queimados de acordo com o sexo.
Concernente à faixa etária, apesar da distribuição bastante igualitária, observamos
maior concentração de queimados na faixa etária entre 21 e 30 anos (15,9%), seguidos
de perto pelos pacientes entre 00 e 10 anos (15,8%), a seguir, temos empatados
os
pacientes entre 31-40 anos e 41-50 anos, ambos perfazendo cerca de 15% dos casos.
A
faixa etária com incidência de menos casos foi entre 11 e 20 anos, apenas 10%
do
total. A média de idade foi de 35,27 (Figura 2).
Figura 2 - Distribuição relacionada à faixa etária.
Figura 2 - Distribuição relacionada à faixa etária.
Em relação ao agente causador da queimadura, temos os líquidos aquecidos/escaldo
sendo o principal, com cerca de 56,8%, seguido por queimadura por contato (14,7%).
A
seguir, a exposição de dados referentes aos agentes etiológicos responsáveis pelas
queimaduras (Figura 3).
Figura 3 - Distribuição dos agentes etiológicos.
Figura 3 - Distribuição dos agentes etiológicos.
No que diz respeito à extensão da área queimada, constatou-se que 9,9% dos pacientes
apresentaram queimaduras de pequeno porte (menos de 10% de SCQ) e 90,1% das vítimas
foram consideradas com queimadura de médio porte (entre 11 e 25% de SCQ). Nenhum
paciente atendido possuía queimadura de grande porte, pois estes eram internados
(16% das emergências) e, neste estudo, consideramos apenas os pacientes atendidos
no
ambulatório (Figura 4).
Figura 4 - Distribuição relacionada à extensão da queimadura.
Figura 4 - Distribuição relacionada à extensão da queimadura.
Enfim, de acordo com a região acometida, vimos que a área mais acometida foi tronco,
incluindo abdome com 29,5%, seguido por membros superiores (24,7%), membros
inferiores (23%), cabeça (13,8%), pescoço (5,5%) e genitália (3,2%). Nos outros
0,3%
não houve acesso aos dados (Figura 5).
Figura 5 - Distribuição das queimaduras de acordo com a região
acometida.
Figura 5 - Distribuição das queimaduras de acordo com a região
acometida.
DISCUSSÃO
Queimaduras podem resultar em deformidades graves, deficiências limitantes e reações
psicológicas adversas com repercussões sociais, que afetam os pacientes e seus
familiares. A epidemiologia dessas lesões varia de uma parte do mundo para outra
ao
longo de um determinado tempo e estão relacionadas com práticas culturais, crises
sociais e circunstâncias individuais5.
Neste estudo, a maior incidência de queimaduras ocorreu em indivíduos do sexo
masculino, dados compatíveis com outros estudos nacionais e internacionais no
que
tange à prevalência das queimaduras entre indivíduos do gênero masculino6-8.
Observou-se aumento dos atendimentos ambulatoriais após o ano novo, em especial
causado por fogos de artifício.
A faixa etária mais acometida corresponde a de 21-30 anos (15,9%), dados semelhantes
a outros estudos7,9,10, comprovando o impacto econômico que esse trauma acarreta, por serem
as que concentram a maior força produtiva de trabalho, ou seja, a população
economicamente ativa. A seguir, com quantidade de casos bem próxima da mais
incidente, temos os pacientes menores de 10 anos (15,8%). Foi observado que na
maioria dos casos, foram acidentes ocorridos em domicílio e tendo como agentes
causadores líquidos aquecidos, fato que pode ser explicado pela vulnerabilidade
das
vítimas atrelado ao fato das precárias condições de moradia. Costa et al., em
199911, afirmam em seu estudo que as
péssimas condições dos utensílios domésticos, em que o fogareiro substitui o fogão,
favorece o acidente. A criança, curiosa e impelida a exercer o seu natural direito
de explorar o ambiente, é a vítima principal nesta dramática situação de
marginalidade social. Vale a pena destacar a incidência de queimaduras no grupo
de
idosos (13,5%), estes, que necessitam de atenção especial, devido às condições
diferenciadas desses pacientes, expondo-os ao maior risco desse trauma, bem como
ao
maior índice de complicações e óbito12.
Em relação ao agente causador da queimadura temos o escaldo ou queimadura por
líquidos superaquecidos, como a principal causa (56%). Havendo concordância com
a
literatura com alguns estudos, como Silva et al., em 201913, que apontam o principal agente agressor para os pacientes
estudados, com número expressivo de 55,77% das pessoas, sendo por líquidos
escaldantes, englobando água, óleo, leite, café e chá em altas temperaturas. Porém,
houve divergência de Leitão et al., em 20147,
que observaram que a maior parte das lesões foi causada por fogo (58,5%), seguida
pela escaldadura por líquidos quentes (19,5%); e, Lacerda et al., em 20109, sendo os principais agentes causadores de
queimadura o líquido inflamável com 41 pacientes (40,6%) e o líquido aquecido
com 26
pacientes (25,7%). O álcool foi o principal agente causador de acidente,
classificado como líquido inflamável e representou 31,3% do total dos casos9.
Tivemos no presente estudo uma particularidade, trazendo a queimadura por contato
como a segunda com maior incidência no serviço (14,6%). No entanto, a literatura
mundial coloca o calor/fogo como primeiro agente, seguido pelo escaldo e lesões
por
contato com sólidos aquecidos14-16.
No que tange a extensão da área queimada observamos a grande maioria (90,2%) entre
10-20% de superfície corpórea queimada, ou seja, médio queimado, dado não compatível
com o estudo de Lacerda et al., em 20109, onde
houve predomínio da pequena queimadura em 62 casos (61,4%), sendo 27 (26,7%) e
12
(11,9%) classificados, respectivamente, como média e grande queimadura, fato este
que pode ser atribuído ao fato desse estudo não abranger pacientes que foram
submetidos à internação, na grande maioria os grande queimados e, sim, apenas
os
atendidos no ambulatório do CTQ do Hospital Municipal do Tatuapé. Já Soares et
al.,
em 201617, demonstraram que o paciente com
SCQ>20% representou 48,21% dos casos pesquisados, com média de superfície
queimada de 15% e prevalência maior de SCQ<10%.
Levando em conta a região acometida pela queimadura, o tronco teve a maior
incidência, seguido por membros superiores e membros inferiores, o que diverge
de
Soares et al., em 201617, que demonstraram
que a maioria (72,3%, n=81) apresentou queimadura em mais de uma área corporal,
com
maior prevalência nos membros superiores (70,5%, n=79), seguido da região da cabeça
(46,4%, n=52) e queimadura em membros inferiores (45,5%, n=51), o que pode ser
explicado pelo fato de que em nosso estudo, não houve separação entre tórax e
abdome
no momento da coleta dos dados, perfazendo assim cerca de 29,5%.
CONCLUSÃO
O perfil epidemiológico demonstrado nesse estudo para atendimentos realizados no
ambulatório do Centro de Tratamento de Queimaduras do Hospital Municipal do Tatuapé,
mostrou-se compatível, na maioria dos dados, com o perfil encontrado em outros
centros especializados em tratamento de queimados, com algumas divergências, pelo
fato do estudo se destinar apenas aos atendimentos ambulatoriais. Observou-se
uma
maior incidência de queimadura no sexo masculino, na faixa etária de 00 a 10 anos
e
21 a 30 anos; tendo o escaldo como o principal agente causador, a superfície
corpórea entre 10 e 20% a mais atingida e o tórax/abdome a região mais
acometida.
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Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
2 . Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
3 . Hospital Municipal do Tatuapé, São Paulo, SP,
Brasil.
4 . Hospital Municipal Professor Dr Alípio Correia
Netto, São Paulo, SP, Brasil.
5 . Hospital Municipal de Urgências de Guarulhos,
Guarulhos, SP, Brasil.
Autor correspondente:
Maycon Lucas Barbosa Rua José Getúlio, 109, Liberdade, São Paulo,
SP, Brasil. CEP: 01509-001 E-mail: mayconlucasb1@gmail.com
Artigo submetido: 20/05/2020.
Artigo aceito: 10/01/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio , São Paulo, SP,
Brasil.