INTRODUÇÃO
A prevalência de malformações da orelha chega a 5% quando considerada toda a população
mundial1. Primariamente descrita em 1975, a orelha constricta representa um grupo de deformidades
envolvendo o terço superior da cartilagem auricular com quatro características em
comum: 1. Borda da hélice exageradamente curvada, como consequência do desaparecimento
ou diminuição da escafa, fossa triangular e cruz superior; 2. Protrusão, ocasionada
pelo achatamento da anti-hélice e da borda da hélice, resultando em uma concha aprofundada;
3. Implantação baixa da orelha; 4. Diminuição global do tamanho orelha2.
O impacto estético e o estigma social dessas deformidades podem levar a danos psicológicos
ao paciente quando não corrigidos. A orelha constricta é classificada em grau leve,
moderado e severo de acordo com o grau de acometimento e deformidade da cartilagem
auricular, influenciando na escolha do método e tempo ideal para tratamento.
Deformidades leves, eventualmente, resolvem-se espontaneamente ou com manejo não cirúrgico,
através de moldes auriculares e imobilização, entretanto graus moderados a severos
são tratados invariavelmente com manejo cirúrgico, assim como apresentado a seguir3.
RELATO DE CASO
Descrevemos a abordagem do serviço de cirurgia plástica do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre com a modificação da técnica de retalho cartilaginoso descrita por Tanzer,
em 19752, para tratamento de deformidade de orelhas constrictas. Técnica utilizada de rotina
para tratamento da orelha constricta no serviço.
O paciente envolvido assinou o termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa
seguiu os princípios de Helsinque.
Bloqueio anestésico com lidocaína 2% e ropivacaína 7,5% com vasoconstrictor na concentração
de 1:100.000 em região de inervação do ramo auricular do nervo vago (tragus), auricular
magno (lóbulo), occipital menor (terço médio da hélice) e aurículotemporal (hélice
e tragus) (Figura 1).
Figura 1 - Inervação da orelha.
Figura 1 - Inervação da orelha.
Hidrodissecção de camada cutânea em região anterior e posterior de concha.
Incisão retroauricular entre cartilagem conchal e hélice em terço inferior e médio,
e seguindo abaixo da linha da hélice em terço superior. Incisão permite exposição
completa da cartilagem auricular sem descolamentos excessivos.
Dissecção por planos com desenluvamento completo de hélice, anti-hélice e escafa expondo
por completo a alteração cartilaginosa (Figura 2).
Figura 2 - Descrição da Técnica. A. Dissecção com descolamento completo da hélice, anti-hélice e escafa; B. Marcação da cartilagem constricta com azul patente; C. Incisão da cartilagem/criação do retalho; D. Aspecto final da cartilagem depois da realização dos pontos em “U”.
Figura 2 - Descrição da Técnica. A. Dissecção com descolamento completo da hélice, anti-hélice e escafa; B. Marcação da cartilagem constricta com azul patente; C. Incisão da cartilagem/criação do retalho; D. Aspecto final da cartilagem depois da realização dos pontos em “U”.
Marcação com azul de metileno em região de cartilagem constricta. Incisão em cartilagem
constricta em toda sua extensão preservando 0,5cm da cartilagem em região medial.
Então, ressecamos pequeno triângulo equilátero de cerca de 0,2cm com base superior
para facilitar a rotação posterior e inferior do retalho cartilaginoso (Figura 2).
Confecção de pontos em U com nylon 5-0 fixando retalho de cartilagem na escafa, alongando
a orelha externa no sentido craniocaudal.
Confecção de pontos de Mustardé (1963)(4 )com nylon 4-0 a fim de demarcar anti-hélice e ponto em anti-tragus até concha para
adução de lóbulo (Figura 3).
Figura 3 - A. Aspecto pré-operatório; B. Aspecto pós-operatório imediato.
Figura 3 - A. Aspecto pré-operatório; B. Aspecto pós-operatório imediato.
Ao final do procedimento, foi realizado curativo com gazes embebidas em solução de
sulfato de neomicina moldando formato de acidentes de orelha recém-confeccionados
e gazes secas e ataduras cobrindo-os. Curativo foi mantido por 3 a 4 dias sem molhar
e em bom estado de conservação.
Utilizou-se faixa de contenção elástica com compressão leve durante o primeiro mês
pós-operatório. Foto-proteção solar é indicada até a cicatrização completa.
Resultado pode ser evidenciado com 30 dias de pós-operatório e a cicatrização completa
com 6 meses da cirurgia (Figura 4).
Figura 4 - A. Aspecto pré-operatório; B. Aspecto pós-operatório em 30 dias; C. Aspecto pós-operatório em 6 meses.
Figura 4 - A. Aspecto pré-operatório; B. Aspecto pós-operatório em 30 dias; C. Aspecto pós-operatório em 6 meses.
DISCUSSÃO
Deformidades auriculares incluem um espectro extremamente amplo de deformidades, indo
desde apêndices pré-auriculares até a ausência completa do pavilhão auricular. O conjunto
de alterações da orelha constricta é amplo e de variados graus de severidade, desde
defeitos leves, com alteração de tecidos moles, passíveis de tratamento não operatório,
até defeitos moderados e severos que demandam reconstruções cirúrgicas1. Tanzer (1975)2 classificou estes graus em grupos. Sendo grupo I: colapso da hélice exclusivamente;
grupo 2: deficiência de escafa, cruz superior e fossa triangular; grupo 3: constrição
intensa da orelha com fixação da hélice anterior perto do lóbulo e implantação baixa
da orelha. Diferentes procedimentos foram descritos, estes com resultados e reprodutibilidade
variados1-9.
Ao nascimento até 38% dos bebês apresentam deformidades helicoidais, porém, cerca
de 84% deles se resolvem espontaneamente até o fim do primeiro ano de vida. Em casos
leves, o acompanhamento ou uso de moldes auriculares com imobilização da orelha podem
ter resultados razoáveis. Se a deformidade persistir após o primeiro ano, o paciente
deve ser seguido e instituído o tratamento cirúrgico dependendo da gravidade da constricção10.
Dada a grande variedade de alterações possíveis o mais importante é definir se há
a possibilidade de usar tecidos locais ou se é necessário o enxerto autólogo de cartilagem
e/ou pele11. Uma vez definido a possibilidade da utilização dos tecidos locais, o retalho de
cartilagem proposto por Tanzer (1975)(2 )mantém a continuidade cartilaginosa e não deixa espaços vazios, além de aumentar a
altura da orelha bem como evidenciado no caso relatado.
Apesar de infrequente, a extrusão dos pontos de nylon utilizados para reconstrução
de cartilagem e pontos de Mustardé (1963)(4 )constitui a principal complicação deste procedimento12. Eventualmente pode se formar inclusive granulomas e até foco infeccioso. O tratamento
consiste em retirada imediata dos fios estruídos. Essa retirada muito raramente causará
recidiva. A recidiva ou tratamento subótimo é a segunda complicação mais frequente,
contudo, também, com baixa incidência.
CONCLUSÃO
A deformidade auricular em constricção é uma malformação pouco frequente, de espectro
variado e de difícil manejo. O método descrito constitui alternativa versátil para
o tratamento dessa doença, pode ser utilizado em espectro leve, moderado e até grave
de acometimento, desde que haja tecidos locais passíveis de utilização para a reconstrução.
REFERÊNCIAS
1. Elshahat A, Lashin R. Reconstruction of moderately constricted ears by combining V-Y
advancement of helical root, conchal cartilage graft, and mastoid hitch. Eplasty.
2016 Jul;16:e19.
2. Tanzer RC. The constricted (cup and lop) ear. Plast Reconstr Surg. 1975 Abr;55(4):406-15.
3. Matsuo K, Hayashi R, Kiyono M, Hirose T, Netsu Y. Non-surgical correction of congenital
auricular deformities. Clin Plast Surg. 1990;17:383-95.
4. Mustardé JC. The correction of prominent ear using simple mattress sutures. Br J Plast
Surg. 1963 Abr;16:170-8.
5. Janz BA, Cole P, Hollier Junior LH, Stal S. Treatment of prominent and constricted
ear anomalies. Plastic Reconstr Surg. 2009 Jul;124(1 Suppl 1):27e-37e.
6. Kaye BL, Lotuaco GG. A simplified technique for the correction of the congenital lop
ear. Plast Reconstr Surg. 1974 Dez;54(6):667-70.
7. Musgrave RH. A variation on the correction of congenital lop ear. Plast Reconstr Surg.
1966 Mai;37(5):394-8.
8. Horlock N, Grobbelaar AO, Gault DT. 5-year series of constricted (lop and cup) ear
corrections: development of the mastoid hitch as an adjunctive technique. Plast Reconstr
Surg. 1998 Dec;102(7):2325-35;discussion:2333-5.
9. Stephenson KL. Correction of a lop ear type deformity. Plast Reconstr Surg. 1960;26:542-5.
10. Kelley P, Hollier L, Stal S. Otoplasty: evaluation, technique, and review. J Craniofac
Surg. 2003 Set;14(5):643-53.
11. Franco D, Medeiros J, Andrade D, Grossi A, Franco T. Tratamento cirúrgico de orelhas
constrictas. Rev Soc Bras Cir Plast. 2006;21(3):180-5.
12. Zanin EM, Maximiliano J, Oliveira ACP, Arpini NE, Duarte DW, Portinho CP, Collares
MVM. Otoplasty: Rasps or Puncture Needles? A Clinical Trial. Aesthetic Plast Surg.
2020 Oct 29. doi: 10.1007/s00266-020-01972-z. Epub ahead of print. PMID: 33123781.
1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Artigo submetido: 12/07/2019.
Artigo aceito: 19/07/2020.
Conflitos de interesse: não há.