INTRODUÇÃO
COVID-19 (do inglês coronavirus disease - 2019) é uma doença infeciosa causada pelo coronavírus da síndrome respiratória
aguda grave 2 (SARS-CoV-2)1. Os sintomas mais comuns são febre, tosse e dificuldade em respirar, perda de paladar
ou olfato. Cerca de 80% dos casos confirmados são oligo/assintomáticos e a maioria
recupera-se sem sequelas2. No entanto, 15% das infeções são graves, com pneumonias virais extensas, das quais
40% evoluem para SARS, muitas delas necessitando de ventilação assistida em unidades
de terapia intensiva, e 20% evoluem a óbito. Nos casos mais graves observamos, associado
à pneumonia, quadros de coagulação intravascular disseminada e falência de múltiplos
órgãos3.
A doença transmite-se através de gotículas produzidas nas vias respiratórias das pessoas
infectadas. Ao espirrar ou tossir, estas gotículas podem ser inaladas ou atingir diretamente
a boca, nariz ou olhos de pessoas em contato próximo. De maneira alternativa, as mãos
podem tocar superfícies contaminadas e levar o vírus até as mucosas, infectando as
pessoas. O intervalo de tempo entre a exposição ao vírus e o início dos sintomas é
de 2 a 14 dias, levando em média 5 dias. Entre os fatores de risco para pior prognóstico
estão a idade avançada e comorbidades como as doenças cardiovasculares, diabetes,
obesidade e doenças pulmonares obstrutivas crônicas. O diagnóstico é suspeito com
base nos sintomas e fatores de risco e confirmado com ensaios em tempo real de reação
em cadeia de polimerase para detecção do RNA do vírus, em amostras de muco ou de sangue
(RT-PCR). Quando a pesquisa direta do RNA viral for negativa ou não puder ser feita,
o diagnóstico pode ser confirmado pela sorologia ou pode ser presuntivo, baseando-se
no quadro clínico e imagem de tomografia de tórax característica.
Entre as medidas de prevenção estão a lavagem frequente das mãos, evitar o contato
próximo com outras pessoas e evitar tocar com as mãos nas mucosas. A utilização de
máscaras cirúrgicas, recomendada inicialmente apenas para pessoas suspeitas de estarem
infetadas ou para os cuidadores de pessoas infectadas e, atualmente, a recomendação
é para o público em geral. Não existe vacina ou tratamento antiviral específico para
a doença. Ainda não dispomos de nenhum tratamento com eficácia comprovada nesta primeira
fase da infecção, conhecida como fase viral. O mais angustiante e assustador da doença
é não conseguir prever com exatidão e prevenir a evolução para sua fase II de pneumonia
e fase III de SARS. Nessa fase o suporte ventilatório com oxigenoterapia é fundamental,
além do tratamento da desregulação imunológica e do sistema de coagulação, que passam
a ser mais maléficas do que o efeito citopático do vírus.
A pandemia causada pelo vírus COVID-19 teve seus primeiros casos identificados no
final de 2019, com início em Wuhan, na China. Alastrou-se pelo mundo de forma rápida
e progressiva, com aumento exponencial de casos, dificultando a identificação da fonte
de contágio. Ainda não podemos precisar quando ocorrerá o pico do surto de COVID-19
no Brasil ou quando os números de novos contaminados e óbitos começarão a diminuir.
Ainda existem muitas dúvidas sobre o comportamento do vírus, tanto em escala epidemiológica
como em questão fisiológica individual. Sabemos quais os grupos de risco mais afetados,
mas também vemos pacientes fora desses grupos sucumbirem à doença. Devido à falta
de tratamentos com eficácia comprovada, o distanciamento social é uma medida real,
mas sua duração e magnitude são objetos de caloroso debate.
A pandemia impactou e modificou a assistência médica, principalmente das especialidades
cirúrgicas, onde o atendimento presencial é fundamental e não pode ser substituído
integralmente pela telemedicina. Mas temos países que já passaram pelo pico da doença
e estão retomando suas atividades econômicas, incluindo o atendimento em clínicas
a pacientes eletivos. O objetivo deste estudo é analisar aspectos teóricos e práticos
referente à pandemia COVID-19 e seu impacto na rotina da atividade da cirurgia plástica,
avaliando a experiência de países em fase mais adiantada da pandemia e propor protocolos
para retomada de nossas rotinas.
MÉTODOS
Pesquisa realizada em PubMed no ano de 2020, com os seguintes termos relacionados
ao vírus: “COVID”, “SARS-CoV-2”, “Coronavirus”; cruzados com termos: “plastic surgery”, “elective surgery”, “surgical”. Websites de órgãos nacionais e internacionais que divulgam fatores epidemiológicos,
diretrizes e orientação para COVID-19 também foram pesquisados.
RESULTADOS
Cruzando os termos “COVID-19”, ou “SARS-CoV-2” ou “Coronavirus” com “plastic surgery”, “elective” e “surgical”, identificaram-se 15, 22 e 125 artigos, respectivamente, totalizando 162 estudos.
Foram excluídos artigos tipo relato de casos, descrição de técnicas cirúrgicas em
pacientes infectados e diretrizes para ensino médico durante pandemia, resultando
em 127 artigos que foram analisados mais detalhadamente. Os artigos descrevem rotinas
cirúrgicas adotadas por diversos serviços nas diferentes regiões afetadas pela pandemia
como SubSahara4, Estados Unidos5-16, Itália17-25, Singapura26-30, China3,11,31-53, Turquia54, Inglaterra41,55,56, Brasil57, Espanha55,58, Paquistão59, Argentina21, entre outras. Foram encontradas descrição de rotinas adaptadas à pandemia COVID-19
em diferentes especialidades médicas, como ginecologia e obstetrícia58, cirurgia vascular60, cirurgia cardíaca61, cirurgia bariátrica51,62,63, oftalmologia64,65, cirurgia plástica21,36,39,55,58,66-73 e oncologia24,25,32,67,74-84.
Levantamento realizado por Al-Benna e Gohritz, em 202073, mostrou que 22% dos websites de sociedades nacionais de cirurgia plástica possuem
seção específica sobre a COVID-19, com orientações para seus associados ou população
em geral. Orgulhosamente nossa sociedade dedica não só uma seção, como série de vídeos
e webmeetings sobre o tema (www2.cirurgiaplastica.org.br). Nessa análise da literatura mundial sobre diretrizes, observamos de maneira unânime
a recomendação de testar de forma ampla a presença de vírus (RT-PCR) ou de anticorpos
nos pacientes (sorologia)85, porém, em nosso meio, até o momento, não dispomos de qualquer ação governamental
neste sentido e não temos disponibilidade de testes em número suficiente.
A cirurgia plástica compreende uma gama de atendimentos de natureza peculiar abrangendo
desde feridas, traumas, queimaduras, reconstrução, oncologia até cirurgia estética
e cosmiatria. Segundo levantamento da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica, em
2018, foram realizados em torno de 6 milhões de procedimentos reconstrutivos, 2 milhões
de procedimentos estéticos e 16 milhões de procedimentos cosméticos minimamente invasivos86. A pandemia não afeta a indicação das cirurgias de emergência, mas exige adaptações
bem estabelecidas e de maneira rigorosa do ambiente hospitalar quanto ao fluxo de
paciente e proteção de pessoal. Quanto menor a circulação de pessoas em qualquer ambiente
e, principalmente, em ambientes hospitalares, menor o risco de disseminação da infecção
e essa premissa afeta diretamente as cirurgias eletivas tanto essenciais quanto não
essenciais e mais ainda qualquer procedimento estético70.
O conceito de cirurgia eletiva, neste momento de pandemia, se torna ainda mais conflitante
e depende do julgamento do cirurgião e do paciente, levando em consideração a relação
risco/benefício e aspectos biopsicossociais, principalmente nas cirurgias reconstrutivas.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), em portaria, define apenas cirurgia de urgência
e emergência, não sendo encontrada qualquer especificidade de definição para as cirurgias
eletivas. Segundo parecer de relator do Conselho Regional de Medicina do Estado do
Acre (CRM-AC), as cirurgias assim são definidas:
“CIRURGIA ELETIVA: tratamento cirúrgico proposto, mas a realização pode aguardar ocasião
propícia, ou seja, pode ser programado.
CIRURGIA DE URGÊNCIA: tratamento cirúrgico que requer pronta atenção e deve ser realizado
dentro de 24 a 48 horas.
CIRURGIA DE EMERGÊNCIA: tratamento cirúrgico que requer atenção imediata por se tratar
de uma situação crítica.”87
Stahel, em 202088, propõe uma classificação das cirurgias ainda mais detalhada:
1. Emergência: deve ser realizada em até 1 hora;
2. Urgência: deve ser realizada em até 24 horas;
3. Urgência eletiva: deve ser realizada em até 2 semanas;
4. Eletiva essencial: pode ser postergada por 1 a 3 meses;
5. Eletiva não essencial: pode ser postergada por >3 meses.
Na cirurgia plástica, consideramos eletivas essenciais as cirurgias oncológicas e,
ainda assim, existe recomendação para individualizar esses procedimentos:
• Oncologia cutânea: Gentileschi et al., em 202067, definem que apenas os casos oncológicos cutâneos abaixo devem ser considerados para
cirurgia:
1. Reoperação de casos de melanoma para ampliação de margem e exérese de linfonodo sentinela;
2. Tumores cutâneos com sangramento e ulceração;
3. Pacientes em acompanhamento por tumores sólidos onde a ressecção pode aumentar a sobrevida
(tumores mamários e melanoma);
4. Tumores agressivos de crescimento rápido (sarcoma e melanoma);
5. Carcinoma basocelular deve ser avaliado em relação à localização (pálpebras, por exemplo).
Reconstrução mamária: Diretrizes da American Society of Breast Surgeons recomendam que reconstruções de mama devem ser analisadas com prudência. O procedimento
deve ser o menos invasivo possível e, eventualmente, realizar a reconstrução definitiva
em momento mais adequado. Procedimentos de grande porte podem necessitar de cuidados
intensivos, o que pode aumentar o risco de contaminação89.
Existes relatos na literatura de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos
que apesar de todo a triagem para COVID-19 ter sido negativa, desenvolveram a doença
no pós-operatório de maneira grave com óbito na maioria dos casos. Os autores questionam
a incerteza do diagnóstico NEGATIVO previamente à cirurgia e se eventualmente o trauma
cirúrgico não foi fator de pior prognóstico da doença. Além disso, houve exposição
de todo os profissionais e pacientes que estavam no mesmo ambiente no momento da cirurgia53,90,91. Recomendam que as cirurgias eletivas sejam suspensas. Crescente número de evidências
mostra complicações cardiorrespiratórias e microembólicas ou trombóticas em pacientes
com a doença, mas nada se sabe sobre pacientes assintomáticos ou pré-sintomáticos63,90.
No momento a World Health Association, assim como os órgãos oficiais mundiais, recomendam postergar cirurgias eletivas85,92,93. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica também recomenda postergar cirurgias
eletivas:
“Considerando a característica personalíssima de desenvolvimento da doença em cada
organismo, podendo ir de assintomático à evolução dramaticamente fatal; resta claro que levar um paciente a tratamento cirúrgico
(que não seja urgência e/ou excepcionalidade como relacionado à oncologia), é concorrer com imprudência e insegurança profissional, mormente à segurança do paciente.
A evolução pós-operatória de um paciente, primariamente hígido, com o COVID-19 pode
trazer consequências dramáticas, que certamente invocará responsabilização do cirurgião.” (Informe V - Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - SBCP).).
E mesmo referente a questões legais o termo de consentimento informado deve ser acrescido
de riscos para COVID-19. Porém, mesmo ciente desses riscos, ainda não é mensurável
o real risco ao paciente durante o período perioperatório.
Quando e como retomar as cirurgias eletivas?
• Aguardar estatísticas favoráveis para retomar atividades cirúrgicas: - Número local
de casos confirmados está diminuindo?
• Número local de mortes e internação em UTI estão diminuindo?
• Consentimento informado incluindo informações de COVID-19 assinado (vide modelo em
Anexo 4).
Procedimentos minimamente invasivos39
• Quanto maior a proximidade da face, maior o risco de contaminação. Procedimentos em
nasofaringe, como exame intranasal ou curativos são extremamente contaminantes.
• Aerossóis de COVID-19 podem permanecer no ar por até 3 horas. A correta dispersão
de aerossóis consiste em fluxo laminar do ambiente, o que é praticamente inviável
em consultórios. Melhorar sempre que possível a ventilação dos ambientes.
Procedimentos cirúrgicos em ambiente hospitalar
Avaliação da instituição de saúde
• Respeitar a classificação do Hospital ou Clínica para COVID-free ou que haja fluxo seguro estabelecido para pacientes não COVID-19. Verificar a disponibilidade
de leitos de UTI COVID-free.
• Hospitais em geral já têm se adaptado quanto à mudança de rotina para desinfecção
de salas e equipamentos, já que o COVID-19 pode permanecer por tempo prolongado em
superfícies e mesmo no ar.
Seleção do paciente para cirurgia
• Ausência de alterações no questionário realizado no agendamento (vide sugestão de
questionário em Anexo 2).
• Paciente sem comorbidades (baixo risco cirúrgico).
• Cirurgia eletiva somente após 1 ou 2 meses nos pacientes que tiveram COVID-19:
• Maior risco de trombose após o oitavo dia de aparecimento dos sintomas e até 2 meses
após infecção (dado não confirmado cientificamente). Com frequência níveis de Dímero-D,
citocinas inflamatórias e enzimas hepáticas são alteradas durante a doença, o que
pode comprometer ainda mais qualquer estresse cirúrgico.
• Admitir somente pacientes com teste RT-PCR para COVID-19 negativo 48 horas antes,
ou IgG positivo para cirurgias eletivas. Lembrar que nenhum teste tem sensibilidade
de 100%. Existe sempre a possibilidade de falso negativo.
• Dar preferência para cirurgia ambulatorial e cirurgia com duração <3h.
• Preferir sedação ou anestesia locorregional, visto que existe relato de casos de ativação
de COVID-19 após intubação orotraqueal em pacientes eletivos. Além de maior risco
para a equipe de anestesia.
• Há incidência maior de otorrinolaringologistas contaminados que demais especialidades
pela manipulação de nasofaringe.
Tática cirúrgica e proteção da equipe
• Todo paciente com testes negativos deve ser considerado potencial vetor de COVID-19.
• Equipamentos de proteção adequados para toda a equipe.
• Cuidado especial deve ser tomado em cirurgias geradoras de aerossóis, como laparoscopias
e uso de eletrocautério. Usar eletrocautério quando necessário em potência mínima
e auxiliado por aspirador.
DISCUSSÃO
Inicialmente chamado coronavírus, hoje denominado SARS-CoV-2, surgiu em Wuhan, na
China, depois se alastrou por todo o mundo. Em 11 de março, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia mundial. No Brasil tivemos o primeiro caso
diagnosticado em fevereiro e o último número oficial, até a conclusão desta revisão,
foi de 310.087 casos confirmados e 20.047 óbitos94. O índice de mortalidade no Brasil é de 8,5 óbitos/100 mil habitantes, sendo que
na região Norte temos 18,5 e na região Sul 1,2.
Houve duas importantes epidemias por coronavírus no passado recente, a “Severe Acute Respiratory Syndrome” (SARS), na China, em 2002, e a “Middle East Respiratory Syndrome” (MERS), no Oriente Médio, em 2012. Essas duas epidemias tiveram taxas de letalidade
maiores, 11% e 34,3%, respectivamente, mas foram muito menos abrangentes. O novo coronavírus,
o SARS-CoV-2, embora menos letal, tem maior infectividade e maior capacidade de transmissão
inter-humanos, características que foram essenciais para a instalação da pandemia,
somado ao fato do mundo estar cada vez mais globalizado. A letalidade da COVID-19
foi estimada em 2,3%, mas provavelmente é superestimada, pois casos assintomáticos
ou oligossintomáticos (estimados em 80%) não estão computados. A taxa de transmissão
(R0) é de pelo menos 2 a 2,5 pessoas contaminadas por paciente infectado, sendo que
esse número só diminui com isolamento social ou desenvolvimento de imunidade da população85. O controle do contágio é ainda mais difícil, considerando que é estimado que entre
30 e 50% das transmissões ocorrem por pacientes pré-sintomáticos ou assintomáticos
por tempo ainda incerto. As formas de transmissão encontradas até o momento incluem
contato direto, aerossóis e fômites (superfícies contaminadas)95,96. A Tabela 1 mostra a meia-vida e tempo máximo de permanência do COVID-19 em superfícies. O vírus
é envolto por uma camada lipídica e as diretrizes de descontaminação devem seguir
protocolos oficiais de desinfecção. Sabe-se que qualquer forma de detergente ou desinfetante
é eficaz contra o COVID-19.
Tabela 1 - Meia-vida e tempo máximo de permanência do COVID-19 em superfícies
96.
Superfície |
Vida média (h) |
Tempo máximo(h) |
Aerossóis |
1,5 |
3 |
Plástico |
6,8 |
72 |
Papelão |
4 |
24 |
Cobre |
1,5 |
4 |
Aço inoxidável |
5,6 |
48 |
Tabela 1 - Meia-vida e tempo máximo de permanência do COVID-19 em superfícies
96.
Quadro clínico
Inicialmente o vírus coloniza orofaringe e nasofaringe e, a partir do quinto dia,
já é encontrado em traqueia e brônquios. A sintomatologia é muito diversa, e 80% dos
pacientes apresentam sintomas leves ou nenhum sintoma. Os sintomas mais frequentes
estão descritos na Tabela 2. A doença COVID-19 é considerada hoje uma doença sistêmica e não apenas respiratória.
A letalidade é maior em grupos de risco, mas a evolução é incerta, mesmo em indivíduos
fora do grupo de risco. O agravamento do quadro pode estar associado à alteração de
coagulação, com microêmbulos e embolias, além de alterações de função hepática. A
normalização completa da função pulmonar quando alterada ainda não está definida,
mas a doença não parece deixar sequelas.
Tabela 2 - Sintomas frequentes de COVID-19
97.
Sintoma |
% |
Dor de garganta |
12,4 |
Congestão nasal |
3,7 |
Anosmia |
40 |
Febre |
85,6 |
Tosse |
68,7 |
Cansaço |
39,4 |
Mialgia |
15,6 |
Náuseas ou vômitos |
6,8 |
Diarreia |
5,3 |
Tabela 2 - Sintomas frequentes de COVID-19
97.
Testes para COVID-19
Uma das medidas adotadas para triagem para internação de pacientes eletivos é a testagem
tanto da equipe médica quanto do paciente. Porém existem diversas considerações referentes
à sensibilidade dos testes disponíveis, que variam segundo a metodologia utilizada
nos testes e seus fabricantes.
RT-PCR (COVID-19)
Exame que identifica sequência de RNA específica para o COVID-19, presente tanto no
vírus ativo quanto em fragmento do vírus. É coletado em nasofaringe e orofaringe,
onde está presente e detectável entre o terceiro e o sétimo dia a partir do aparecimento
de sintomas. A sensibilidade em pacientes assintomáticos é muito baixa e, portanto,
apresenta alto índice de falso-negativo. Ou seja, não podemos ter certeza que o paciente
que vem ao consultório ou hospital não esteja infectado se o resultado for negativo.
Isso gera risco à equipe e torna o serviço de saúde um vetor de contaminação, já que
pode se observar o COVID-19 disperso no ar em até 3 horas após a permanência do paciente
no ambiente. Todo paciente assintomático com exame negativo ou não testado deve ser
considerado potencial portador de COVID-19.
Sorologia (IgM, IgA e IgG)
A presença de IgM e IgA, que indicam infecção recente, podem ser detectadas a partir
do quinto dia do início da infecção e a IgG, produzida pelo organismo mais tardiamente,
a partir da segunda semana. Paciente com IgG pode ser considerado curado, mas há discussão
da capacidade da IgG conferir ou indicar proteção permanente. E não se tem certeza
se mesmo imune, o paciente não poderia ser colonizado e transmissor de eventuais vírus
em oronasofaringe. O paciente convalescente da COVID-19 está potencialmente protegido
e provavelmente não será portador crônico do vírus, mas faltam mais evidências científicas.
Portanto, os cuidados de distanciamento social e higiene dos pacientes curados e dos
profissionais da saúde devem ser os mesmos. Não existe “passaporte imunológico” que
dê 100% de segurança. A Tabela 3 ilustra a interpretação da sorologia.
Tabela 3 - Quadro para interpretação de resultados para diagnóstico de COVID-19
RESULTADO |
Significado Clínico |
PCR |
IgM |
IgG |
negativo |
negativo |
negativo |
Negativo. |
positivo |
negativo |
negativo |
Infecção. |
positivo |
positivo |
negativo |
Fase inicial de infecção. |
positivo |
positivo |
positivo |
Fase ativa de infecção. |
positivo |
negativo |
positivo |
Fase final de infecção. |
negativo |
positivo |
negativo |
Fase inicial com PCR falso-negativo. Repetir PCR para confirmação. |
negativo |
negativo |
positivo |
Contato prévio. |
negativo |
positivo |
positivo |
Infecção em evolução. Repetir PCR. |
Tabela 3 - Quadro para interpretação de resultados para diagnóstico de COVID-19
Os testes rápidos que estão sendo utilizados têm auxiliado no melhor conhecimento
da prevalência da infecção em diversas localidades do mundo. Esses testes detectam
tanto IgM como IgG, mas não os discriminam. Porém, estudo de validação realizado no
Hospital das Clínicas da FMUSP, mostra que ao utilizarmos o sangue da ponta de dedo
obtemos sensibilidade do teste de apenas cerca de 55%, o qual aumenta para a excelente
taxa de 96% quando utilizamos o soro dos mesmos pacientes no teste1.
Telemedicina
Ainda com legislação temporária, o CFM determina que durante o surto de COVID-19,
a telemedicina pode ser utilizada para: teleorientação, orientando ou encaminhando
pacientes em isolamento; telemonitoramento; ou ainda, teleinterconsulta entre profissionais
de saúde98. Em outros países o uso da telemedicina tem sido amplamente utilizado neste momento
para evitar o comparecimento do paciente ao consultório, em forma de pré-consulta
e triagem. Dentre as subespecialidades da cirurgia plástica, na oculoplastia69,99, a telemedicina tem demonstrado ser factível na avaliação do paciente. Ressaltamos
a importância do preenchimento de consentimento informado para telemedicina (vide
modelo em Anexo 3).
Clínica
Temos o dever de propiciar proteção máxima a nossos colaboradores e pacientes, mas
questionamos se isso seria possível em se tratando de COVID-19. A proteção tanto do
staff quanto de nossos pacientes depende de adaptações já estabelecidas em protocolos.
O vírus tem capacidade de permanecer em superfícies por tempo prolongado (Tabela 1). E a desinfecção do ambiente deve ser realizada entre atendimentos.
• Retirar enfeites, plantas e revistas.
• Retirar material e objetos sobre bancadas e mesas.
• Proteção de acrílico para recepção ou limitar distância de 1,5m da recepção.
• Aumentar espaço entre cadeiras. Distância mínima recomendada é de 3m entre as pessoas.
• Agenda reduzida.
• Desinfecção do ambiente:
• Álcool 70% em equipamentos;
• Hipoclorito de sódio (água sanitária) 0,1 a 0,5% para superfícies.
Consulta
Atendimento (Figura 1):
Figura 1 - Algoritmo para procedimentos cirúrgicos. Algoritmo proposto por Stahel, em 2020
88, para estratificação de riscos e decisão pela cirurgia durante a pandemia de COVID-19.
Abreviações: ASA:
American Society of Anesthesiologists;
ICC: Insuficiência cardíaca crônica;
DPOC: Doença pulmonar obstrutiva crônica;
COVID:
Corona virus disease;
UTI: Unidade de tratamento intensivo; RPA: Recuperação pós anestésica.
Figura 1 - Algoritmo para procedimentos cirúrgicos. Algoritmo proposto por Stahel, em 2020
88, para estratificação de riscos e decisão pela cirurgia durante a pandemia de COVID-19.
Abreviações: ASA:
American Society of Anesthesiologists;
ICC: Insuficiência cardíaca crônica;
DPOC: Doença pulmonar obstrutiva crônica;
COVID:
Corona virus disease;
UTI: Unidade de tratamento intensivo; RPA: Recuperação pós anestésica.
• Pré-consulta por telemedicina. Verificar a real necessidade de o paciente ter de comparecer
ao serviço de saúde. Assinar termo de consentimento para telemedicina.
• Enviar material informativo e orientação de conduta e cuidados novos adotados ao paciente
por e-mail ou WhatsApp (Anexo 1): https://portal.fiocruz.br/coronavirus/material-para-download2
• Questionário (triage card) online ou e-mail (Anexo 2).
• Triagem para COVID-19.
• Paciente deve remover luvas e máscara ao entrar na clínica, colocar em saco plástico
e lavar as mãos. A clínica deve fornecer máscaras novas.
• Uso de propé obrigatório. Ideal seria utilizar colocador automático para não haver
contato com calçados.
• Consentimento informado para COVID-19. Mesmo com o consentimento informado assinado,
as incertezas relacionadas ao vírus não garantem segurança para o profissional100(Anexo 3).
• Paciente só é autorizado a entrar na clínica no horário marcado.
• Não trazer acompanhantes (exceto em casos específicos).
Staff
• Treinamento exaustivo de staff e exigência de cumprimento das diretrizes: https://portal.fiocruz.br/coronavirus/material-para-download2
• Máscara para staff deve ser com filtro, como a N-95. Máscara cirúrgicas não protegem completamente.
Seja qual for o procedimento, a N-95 deve ser utilizada.
• Face shield para proteção total da face.
• Touca.
• Escovação das mãos no início do dia.
• Avental descartável.
• Propé.
• Luvas.
• Gorro.
• Álcool em gel em todos os ambientes.
CONCLUSÃO
Existe uma profusão de editoriais e artigos estabelecendo regras e algoritmos para
indicação ou suspensão de procedimentos cirúrgicos. A suspensão de cirurgias em massa,
como ocorre no mundo todo, deve gerar consequências ainda imensuráveis, tanto de saúde
como econômicas, inclusive piorando a condição cirúrgica do paciente por causa do
confinamento. A situação ideal para retomada da normalidade de nossas atividades ainda
não está visível no horizonte, como mostra o gráfico da Figura 2
46.
Figura 2 - Impacto da pandemia sobre a rotina de procedimentos cirúrgicos. Gráfico adaptado de
Soreide et al., em 2020
46, limiar para um determinado sistema de saúde pode ser quebrado por uma onda de pacientes
infectados. A capacidade de manter ao menos as cirurgias de urgência ou emergenciais
pode não ser sustentada levando a uma possível perda adicional de vidas não relacionadas
à doença pandêmica em si, mas como danos colaterais. Estratégias de redução ou supressão
podem ser duradouras (efeito cauda) e ter efeitos sobre a capacidade eletiva e, com
o risco de agravamento da doença ou função, ou ter um impacto prejudicial sobre o
prognóstico.
Figura 2 - Impacto da pandemia sobre a rotina de procedimentos cirúrgicos. Gráfico adaptado de
Soreide et al., em 2020
46, limiar para um determinado sistema de saúde pode ser quebrado por uma onda de pacientes
infectados. A capacidade de manter ao menos as cirurgias de urgência ou emergenciais
pode não ser sustentada levando a uma possível perda adicional de vidas não relacionadas
à doença pandêmica em si, mas como danos colaterais. Estratégias de redução ou supressão
podem ser duradouras (efeito cauda) e ter efeitos sobre a capacidade eletiva e, com
o risco de agravamento da doença ou função, ou ter um impacto prejudicial sobre o
prognóstico.
Na literatura mundial, não existe qualquer recomendação que não seja esta no momento:
POSTERGAR CIRURGIAS ELETIVAS NÃO ESSENCIAIS. Mesmo sabendo das repercussões de saúde
para nossos pacientes e econômicas por nos manter afastados das atividades diárias,
estamos diante de uma pandemia sem limites ou consequências definidas. Nossa prática
é fundamentada no princípio: primo non nocere. Baseado em evidências encontradas na literatura:
• Seguir orientação do governo e órgãos de classe.
• Abrir lentamente o consultório quando a pandemia estiver controlada.
• Triagem antes da consulta presencial com questionário por telefone, e-mail ou mensagem
eletrônica. Adotar a telemedicina como ferramenta inicial para triagem e diagnóstico
quando possível.
• Fornecer informações por escrito sobre protocolos de segurança e atualização sobre
a pandemia para evitar maior contato entre equipe e paciente. Materiais para download
disponíveis em: https://portal.fiocruz.br/coronavirus/material- para-download2
• Protocolos de segurança para pacientes.
• Equipamento de proteção individual adequado para equipe.
• Não esquecer que COVID-19 pode ser considerado acidente de trabalho;
• Quanto menor o número de indivíduos no ambiente menor o risco de transmissão.
Criamos um fluxograma para auxiliar nas decisões referentes à indicação de cirurgias
plásticas (Figura 3).
Figura 3 - Fluxograma proposto para cirurgia plástica em virtude de COVID-19.
Figura 3 - Fluxograma proposto para cirurgia plástica em virtude de COVID-19.
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DOI: https://doi.org/10.1080/01676830.2020.1754435
100. Bryan AF, Milner R, Roggin KK, Angelos P, Matthews JB. Unknown unknowns: surgical
consent during the COVID-19 pandemic. Ann Surg. 2020 Apr 19; [Epub ahead of print].
DOI: https://doi.org/10.1097/SLA.0000000000003995
ANEXOS
Anexo 1 - Sugestão de material a ser entregue para o paciente. Disponível para download no site
da Fundação Osvaldo Cruz:
Anexo 1 - Sugestão de material a ser entregue para o paciente. Disponível para download no site
da Fundação Osvaldo Cruz:
Anexo 2 - Questionário para triagem por telefone ou enviado ao paciente previamente à consulta.
Anexo 2 - Questionário para triagem por telefone ou enviado ao paciente previamente à consulta.
Anexo 3 - Telemedicina - Modelo de termo de consentimento, informação e esclarecimento do paciente.
Anexo 3 - Telemedicina - Modelo de termo de consentimento, informação e esclarecimento do paciente.
Anexo 4 - Sugestão de adendo a termo de consentimento informado (utilizado no todo 0ou em partes).
Anexo 4 - Sugestão de adendo a termo de consentimento informado (utilizado no todo 0ou em partes).
1. Hospital São Luiz Itaim, São Paulo, SP, Brasil.
2. Faculdade de Medicina do ABC, Plastic Surgery Department, São Paulo, SP, Brasil.
3. Universidade de São Paulo, Clinical Immunology and Allergy Division, São Paulo,
SP, Brasil.
Autor correspondente: Beatriz Lassance Brito, Rua Jesuíno Arruda, 676, Itaim Bibi, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04532-082. E-mail:
beatriz@lassance.com
Artigo submetido: 20/05/2020.
Artigo aceito: 27/05/2020.
Conflitos de interesse: não há.