ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Original Article - Year2020 - Volume35 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0075

RESUMO

Introdução: As queimaduras são um grave problema de saúde pública. O conhecimento dos principais dados epidemiológicos dos pacientes acometidos é de suma importância para a prevenção e instituição do melhor tratamento clínico a esses indivíduos. Objetivou-se realizar um levantamento sobre o perfil epidemiológico das queimaduras, os principais mecanismos envolvidos, tratamentos e desfechos destes casos no Hospital de Clínicas da UFTM.
Métodos: Trata-se de um estudo retrospectivo e transversal, das internações por queimadura no HC- UFTM, de janeiro de 2015 a dezembro de 2019. Foram avaliados: gênero, idade, profundidade das queimaduras, localização, etiologia, utilização de opioides, tempo de internação hospitalar, desfecho (alta hospitalar ou óbito) e extensão das áreas queimadas (SCQ%).
Resultados: Este estudo foi composto por 138 pacientes, divididos em 3 grupos: grupo 1 (G1), 39 pacientes; o grupo 2 (G2), 89 participantes, dos quais 5 foram a óbito; e o grupo 3 (G3), 10 participantes, sendo que 4 vieram a óbito. Quanto ao mecanismo do trauma, o mais comum foi por escaldadura (17,39%), seguida pela queimadura térmica (13,76%), pelo álcool (8,69%) e queimaduras elétricas (5,79%).
Conclusão: Houve uma maior prevalência de queimaduras de segundo grau em pacientes do gênero masculino. O mecanismo de trauma mais prevalente foi escaldadura e a SQC teve média de 23,9%. A face e o pescoço foram os segmentos mais acometidos e 61,59% dos pacientes necessitaram com uso de opioides na internação. Com relação ao desfecho, 91,30% dos pacientes receberam alta hospitalar e 6,52% vieram a óbito, com a maioria dos casos no G2.

Palavras-chave: Queimaduras; Epidemiologia; Cirurgia plástica; Sistemas públicos de saúde; Traumatismo múltiplo

ABSTRACT

Introduction: Burns are a serious public health problem. Knowledge of the main epidemiological data of affected patients is paramount for preventing and establishing the best clinical treatment for these individuals. The objective was to survey the epidemiological profile of burns, the main mechanisms involved, treatments, and outcomes of these cases at the Hospital de Clínicas da UFTM.
Methods: This is a retrospective and cross-sectional study of hospitalizations for burns at HC-UFTM from January 2015 to December 2019. Gender, age, depth of burns, location, etiology, use of opioids, hospitalization duration, outcome (hospital discharge or death), and extent of burned areas (EBA%).
Results: This study was composed of 138 patients, divided into three groups: group 1 (G1), 39 patients; group 2 (G2), 89 participants, of which 5 died; and group 3 (G3), 10 participants, 4 of whom died. As for the trauma mechanism, the most common was scald (17.39%), followed by thermal burn (13.76%), alcohol (8.69%), and electric burns (5.79%).
Conclusion: There was a higher prevalence of second-degree burns in male patients. The most prevalent mechanism of trauma was scald, and the EBA had an average of 23.9%. The face and neck were the most affected segments, and 61.59% of the patients required opioids during hospitalization. Regarding the outcome, 91.30% of patients were discharged from the hospital, and 6.52% died, with most cases in G2.

Keywords: Burns; Epidemiology; Plastic surgery; Public health systems; Multiple traumas.


INTRODUÇÃO

As queimaduras têm sido consideradas um grave problema de saúde pública no Brasil e trazem consigo traumas físicos e psicológicos, em boa parte, irreversíveis. O conhecimento de dados epidemiológicos é de grande importância para fornecer subsídios aos programas de prevenção e tratamento das queimaduras, bem como ajuda a definir um paralelo entre as experiências de centros nacionais e internacionais1,2.

As queimaduras, em suas mais diversas apresentações, representam um fator agravante na saúde pública no Brasil. Provocam danos diversos nos pacientes, entre eles físicos e psicológicos, que em muitos casos, podem ser irreversíveis ou de difícil reparo. Dessa maneira, o conhecimento dos principais dados epidemiológicos dos pacientes acometidos é de suma importância para a prevenção e na instituição do melhor tratamento clínico a esses indivíduos, além de ajudar a definir um paralelo entre as experiências de outros centros especializados1,2.

No Brasil, estima-se que ocorram por volta de 1.000.000 de acidentes com queimaduras por ano. Algumas pesquisas apontam que, entre os casos de queimaduras notificados no país, a maior parte são em crianças, sendo mais comum em meninos com até dois anos de idade3,4.

Os dados estatísticos sobre as lesões por queimaduras, no Brasil, são escassos. Contudo, estes são importantes para que se possa compreender a magnitude do problema e para identificar as populações mais atingidas e as circunstâncias nas quais as queimaduras ocorrem, de forma que seja possível implementar programas de prevenção5.

Como acontece em outras áreas, os dados estatísticos sobre lesões por queimaduras são difíceis de serem obtidos no Brasil, para a correta avaliação da relevância do problema5.

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo foi realizar um levantamento de dados sobre as internações realizadas no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), decorrentes de queimadura, nos últimos 5 anos. Objetiva-se compreender e avaliar a demanda desse tipo de atendimento no serviço de cirurgia plástica do hospital, bem como caracterizar a epidemiologia de queimaduras do Triângulo Sul.

OBJETIVOS

Objetiva-se, especificamente, realizar um levantamento sobre o perfil epidemiológico das queimaduras, bem como os principais mecanismos envolvidos, tratamentos e desfechos nos pacientes atendidos pelo serviço de cirurgia plástica do Hospital de Clínicas da UFTM.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal, dos pacientes internados com queimadura, no Hospital de Clínicas da UFTM, de janeiro de 2015 a dezembro de 2019. Os dados foram obtidos após a aprovação da pesquisa pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sob o número 3.532.691. Após obtenção dos dados, os mesmos foram duplamente checados, sendo avaliados dados epidemiológicos, como: gênero, idade, profundidade das queimaduras, localização, etiologia, data da ocorrência das queimaduras, tipos de tratamento realizados (curativos, desbridamentos, enxertos, fasciotomias, etc.), utilização de anestésicos opioides durante a internação, tempo de internação hospitalar, o CID registrado no atendimento, desfecho (alta hospitalar ou óbito) e extensão das áreas queimadas (SCQ%). Para avaliação dessas, foram utilizadas as descrições das áreas queimadas e as tabelas de “Lund-Browder”, para adultos e para crianças. Foram descartadas, para uniformização dos dados, as descrições das superfícies corporais queimadas dos prontuários, pois estas não constavam na maioria dos prontuários avaliados. Os indivíduos participantes da pesquisa foram divididos em 3 grupos, sendo o “grupo 1” constituído por pacientes de 0-18 anos, o “grupo 2” com pacientes de 19-59 anos e o “grupo 3”, constituído por indivíduos com mais de 60 anos de idade.

Foi criado um banco de dados com as informações obtidas dos prontuários dos pacientes no GraphPad Prism 8.0.2.263®, para análise estatística. Os resultados foram expressos em número, porcentagem, média e desvio padrão, calculado entre os indivíduos de um mesmo grupo, bem como a mediana, aplicada exclusivamente ao tempo de hospitalização. A análise estatística foi realizada usando One-way ANOVA®, seguida pelo teste de Brown-Forsythe e Welch’s. A distribuição entre indivíduos do mesmo grupo foi realizada pelo Wilcoxon Signed Rank Test. As diferenças entre os indivíduos foram consideradas significativas quando p<0,05.

RESULTADOS

No período analisado, foram identificadas 144 internações, no HC-UFTM, com código internacional de doenças (CID) relacionado a queimaduras. Destes, 6 pacientes foram internados para outra especialidade, com o CID erroneamente relacionado, e foram excluídos do estudo. Assim, este estudo é composto por 138 pacientes, que estiveram sob os cuidados diretos da disciplina de cirurgia plástica. O grupo 1 (G1), tinha 39 pacientes; o grupo 2 (G2), 89 participantes, dos quais 5 foram a óbito; e o grupo 3 (G3), 10 participantes, sendo que 4 vieram a óbito.

Nossa amostra foi composta por 89 pacientes do gênero masculino (64,50%) e 49 pacientes do gênero feminino (35,50%). A idade dos participantes teve uma média geral de 32,63 anos, [0,09-79,09 anos]. Analisando-se os pacientes entre 0-18 anos, a idade média foi de 6,7 anos, com um desvio padrão (DP) de 5,46, enquanto que entre 19 anos e 59 anos a idade média foi de 37,15 anos, com DP de 11,85, e para os pacientes acima de 60 anos, a média foi de 69,45, com DP de 4,75 (Figura 1). Não houve diferença significante entre os 3 grupos analisados, com p=0.9157, 0.8870 e 0.5114, respectivamente. Houve grande variedade de CID-10, com os quais os pacientes foram referidos, na alta hospitalar. Foram descritos 34 CID-10, e destes, o T21.2, “queimadura de segundo grau do tronco”, o mais prevalente (8,69%).

Figura 1 - Idade +- DP.

Quanto ao mecanismo do trauma, o mais comum foi por escaldadura (englobando todos os líquidos ferventes, como água e óleo), com 24 casos (17,39%), seguida pela queimadura térmica, com 19 casos (13,76%), pelo álcool, com 12 casos (8,69%), queimaduras elétricas com 8 casos (5,79%), tentativa de autoextermínio com 5 casos (3,62%), explosões com 4 casos (2,89%), incêndio em ambiente fechado (1,44%), gasolina (1,44%), queimaduras por fogo (1,44%) e queimaduras químicas (1,44%). Em 58 prontuários (42,02%) não houve a descrição pormenorizada do agente causal, o que consideramos um viés importante, desse item, neste estudo (Tabela 1).

Tabela 1 - Mecanismos das queimaduras.
Mecanismo G1 G2 G3 Total
Álcool 5 7 - 12
Autoextermínio - 4 1 5
Elétrica 1 6 1 8
Escaldadura 16 8 - 24
Explosão 1 3 - 4
Fogo 1 1 - 2
Gasolina 1 1 - 2
Incêndio ambiente fechado 1 1 - 2
Química 1 1 - 2
Térmica 2 15 2 19
Não descrito 10 42 6 58
Total 39 89 10 138

Fonte: Prontuários médicos do Hospital de Clínicas da UFTM, 2020.

Tabela 1 - Mecanismos das queimaduras.

Em relação à superfície corporal queimada (SCQ), 124 (89,85% da amostra) dos 138 prontuários possuíam descrições, que possibilitaram o cálculo da SCQ. Assim, a média de área de SQC foi de 15% [1-63% de SQC] no grupo 1, enquanto o grupo 2 apresentou uma média de 19,17% [2-72% de SQC] e o grupo 3 teve uma média de 17% [1-27% de SQC], como mostrado na Figura 2. Em relação à profundidade das queimaduras foram descritas nos prontuários, 60,86% foram de 2° grau, 31,88% de 3° grau e 7,26% de 1° grau. Já quanto à utilização de anestésicos opioides, houve utilização dessas drogas em 85 pacientes (61,59%), sendo que não foi necessário a sua utilização em 23 indivíduos (16,67%) e, em 30 pacientes, essa informação não foi relatada (21,74%).

Figura 2 - SCQ +- DP

Quanto ao desfecho dos casos, 126 pacientes tiveram alta hospitalar com o diagnóstico “melhorado”, com posterior acompanhamento ambulatorial, correspondendo a 91,30% dos pacientes, houve 9 casos de óbitos (6,52%) e 3 casos (2,18%) de evasão. Todos os pacientes do grupo 1 (100%), 81 pacientes do grupo 2 (91,01%) e 6 pacientes do grupo 3 (60%) receberam alta hospitalar.

Dos pacientes analisados, 9 pacientes foram a óbito com mais de 24 horas de internação, o que corresponde à 6,52% do total da amostra. Destes, a maioria dos óbitos ocorreram na faixa de idade entre 19 anos e 59 anos (55,55%), enquanto o restante (44,45%) foi em pacientes idosos e não foi observada nenhuma morte nos pacientes pediátricos. Quanto à permanência em ambiente hospitalar, a mediana geral foi de 6 dias, sendo que para o grupo 1 foi de 3 dias, 9 dias para o grupo 2 e 12,5 dias para o grupo 3. A permanência mais longa ocorreu no grupo 1, com 105 dias.

Quanto ao tipo de curativo realizado nos pacientes, o procedimento mais realizado foi curativo com sulfadiazina de prata a 1%, associada à pomada fibrinolítica, com 41 casos (29,71%). O desbridamento cirúrgico foi realizado em 27 casos (19,56%). A enxertia de pele foi o terceiro procedimento mais realizado, com 26 casos (18,84%). Após a alta hospitalar, houve nova internação para a realização de 3 zetaplastias (2,17%), 2 amputações (1,44%) e os demais casos (10,17%) foram tratados ambulatorialmente, com curativo de sulfadiazina de prata a 1%. Em 25 prontuários (18,11%) não houve descrição da conduta realizada.

Foram analisados, também, os segmentos corporais mais acometidos por queimaduras. A face foi o local mais acometido, com 39 casos (11,07%), seguida por queimaduras em membro superior direito (MSD) com 33 casos (9,37%) e em membro inferior esquerdo (MSE) com 27 casos (7,67%). Os locais queimados menos acometidos foram as regiões lombares e os joelhos, com apenas 1 caso cada (0,28%). Os demais locais acometidos estão descritos na Tabela 2.

Tabela 2 - Locais acometidos por queimaduras.
Local G1 G2 G3 Total
Face 11 25 3 39
Membro superior direito 5 25 3 33
Membro superior esquerdo 5 22 - 27
Membro inferior direito 5 15 - 20
Membro inferior esquerdo 4 18 - 22
Abdome 2 13 - 15
Tórax 3 11 3 17
Mão esquerda 6 12 - 18
Mão direita 4 12 - 16
Vias aéreas - 10 - 10
Coxas 5 10 - 15
Tronco 7 6 - 13
Braços 6 4 - 10
Genitais 6 3 - 9
Dorso 1 7 - 8
Pescoço 1 6 - 7
Antebraço 1 5 - 6
Axilar 4 1 1 6
Perna direita 1 4 - 5
Perna esquerda 2 3 - 5
Glúteo 2 3 - 5
Pé direito 3 1 - 4
Ombros 1 3 - 4
Cervical 2 2 - 4
Pé esquerdo 3 - - 3
Nádegas 1 1 - 2
Quadril - 2 - 2
Punhos 1 1 - 2
Lombar 1 - - 1
Joelho - 1 - 1
Malar 1 - - 1
Não descrito 3 16 3 22
Total 97 242 13 352

Fonte: Os autores, 2020.

Tabela 2 - Locais acometidos por queimaduras.

DISCUSSÃO

Alguns estudos afirmam que os fatores de risco para queimaduras podem variar de acordo com a localidade analisada e com os hábitos de vida, como o álcool e o fumo. O uso de fogareiros ou fogões rudimentares, de roupas não adequadas para o perfil biofísico, de altas temperaturas em aquecedores e fiação elétrica fora dos padrões estabelecidos, também são fatores de risco. A queimadura por fogo foi a causa mais frequente, em 76% dos casos, segundo esses estudos. Pode-se deduzir que grande parte desses fatores são evitáveis com medidas de prevenção6,7.

Parte da literatura mundial8-11, sobre queimaduras em crianças, engloba os menores de 7 anos. Incluímos, no grupo 1 os pacientes entre 0 e 18 anos12, e, ainda assim, nossos dados podem ser correlacionados a esses estudos, visto que a média de idade, deste grupo, foi de 6,7 anos. Em um estudo realizado por Silva et al., em 201713, um dos grandes fatores de risco para queimaduras em menores de idade é o acesso à cozinha, pela permissividade do núcleo familiar, por falta de esclarecimento ou pelo não reconhecimento deste ambiente como um local não seguro. Para esses estudos, as queimaduras representam a segunda causa mais frequente de acidentes na infância com alto grau de morbimortalidade e de disfunções orgânicas, como o choque hipovolêmico, a desnutrição progressiva e as infecções. Além disso, esses indivíduos apresentam queimaduras em mais de um segmento corporal, devido às características inerentes a essa faixa etária, como a curiosidade e o desvario pelo conhecimento, especialmente nos indivíduos do gênero masculino8-11,14,15.

Em todas as faixas etárias, com exceção nos pacientes com idade maior que 80 anos, há consideravelmente mais pacientes do gênero masculino, do que no feminino, em concordância com o estudo realizado por Cruz et al., em 201216. Os dados deste estudo estão de acordo com outras pesquisas, em que existe uma distribuição bimodal de maior prevalência na faixa etária pediátrica de 1 ano a 15 anos, compreendendo 23,5% do total de queimaduras e a faixa etária dos adultos de 20 anos a 59 anos, que representa 55% das queimaduras, pacientes com 60 anos ou mais representavam 15% dos casos7.

As diferenças nas taxas de mortalidade por queimadura variam entre diferentes grupos etários e entre os gêneros. Há um aumento no número de mortes por queimadura conforme o avanço da idade e da extensão da queimadura, bem como a presença de lesão por inalação de monóxido de carbono e de ar aquecido. As queimaduras relacionadas ao fogo são a sexta principal causa de morte entre crianças de 5 anos a 14 anos, e a oitava causa de morte entre pessoas de 15 anos a 29 anos, em países de baixa e média renda6,7.

A correta obtenção de informações para levantamentos epidemiológicos é de extrema importância, já que estas informações servirão de base para ajudar a entender os mecanismos envolvidos, bem como a construção de programas locais de prevenção de queimaduras. Eles auxiliam, também, no aperfeiçoamento da assistência hospitalar. Essas informações, assim como o nível de dor do paciente e a avaliação da área de queimadura apresentam uma tendência a serem mal calculados, inclusive por aqueles que são especialistas, e dessa forma é um desafio a toda a equipe multiprofissional9,17-19.

As queimaduras levam a alterações metabólicas, respiratórias, cardíacas, renais e gastrointestinais que resultam em imunossupressão e podem evoluir com septicemia. Os transtornos emocionais afetam suas relações familiares, sociais e laborais, não só pelas inúmeras deformidades físicas, mas também pelo longo tempo de internação hospitalar, muitas vezes requerido. Houve, em nossa casuística, uma internação com duração de 105 dias, com diversas intercorrências, durante esta estadia hospitalar, que não foram abordadas neste estudo por fugirem ao escopo desta pesquisa20-21.

Em um estudo realizado pela American Burn Association, em 20177, no quesito internação hospitalar, num período de dez anos, de 2008 a 2017, o tempo médio de permanência hospitalar para mulheres diminuiu de 9,4 dias para 7,3 dias, enquanto que para os homens diminuiu menos significativamente de 9,5 para 8,5 dias. Em nossa casuística, a mediana de dias de internação foi de 6 dias, enquanto que a taxa de mortalidade das mulheres diminuiu de 3,9% para 2,7% e de 3,4% para 2,6% nos homens, no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019.

Em nosso estudo, verificou-se um tempo de internação hospitalar mais longo, quanto maior a profundidade da queimadura. Um estudo retrospectivo, descritivo e transversal, com abordagem quantitativa, encontrou resultados similares, e afirma que a mortalidade aumenta proporcionalmente com o porte da queimadura22.

As queimaduras por escaldamento foram o agente causal mais frequente, nos prontuários avaliados, em consonância com o descrito na literatura10. Elas estão associadas, também, à alta morbimortalidade10. As queimaduras em face e pescoço, em nosso estudo, foram as mais frequentes, em 26,35% dos casos. Elas exigem cuidado especial, em decorrência dos possíveis danos às vias aéreas superiores, às cartilagens da orelha e aos olhos. Existe, também, a possibilidade da ocorrência de microstomia cicatricial, de contratura cervical e de lesão de vias áreas superiores10,23.

Um viés significante em nosso estudo foi a ausência de um impresso específico, para pacientes com queimaduras, e o preenchimento dos dados por diferentes médicos residentes ao longo do tempo, por vezes com dados incompletos. Houve a necessidade de padronizar o cálculo das superfícies corporais queimadas, baseando-se nas descrições das áreas queimadas, desconsiderando alguns cálculos das SCQ já existentes, em parte dos prontuários. Para isso utilizou-se a tabela de “Lund-Browder”. Apesar disso, esses dados puderam contribuir para o melhor entendimento das queimaduras na macrorregião do Triângulo do Sul, para a melhoria do atendimento prestado pelo nosso serviço e para o diagnóstico da necessidade da instituição de um prontuário específico para os pacientes queimados3,24,25.

CONCLUSÃO

Houve uma maior prevalência de queimaduras de segundo grau e em pacientes do gênero masculino. O mecanismo de trauma mais relatado foi por escaldadura e a superfície corporal queimada (SQC) teve média de 23,9%. A face e o pescoço foram os locais mais acometidos e 61,59% dos pacientes necessitaram do uso de opioides durante a internação.

Com relação ao desfecho, 3 pacientes (2,18%) evadiram do hospital antes da finalização do tratamento, 91,30% dos pacientes receberam alta hospitalar e 6,52% vieram a óbito, sendo que destes, 55,55% foram do grupo 2 e 44,45% do grupo 3.

REFERÊNCIAS

1. Aragão JA, Aragão MECS, Filgueira DM, Teixeira RMP, Reis FP. Epidemiologic study of burn injuries in children admitted to the Burn Unit of the Hospital de Urgência de Sergipe. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):379-82.

2. Nigro MVAS, Maschietto SM, Damin R, Costa CS, Lobo GLA. Epidemiological profile of 0-18-year-old child victims of burnstreated at the Plastic Surgery and Burns Service of a University Hospital in Southern Brazil. Rev Bras Cir Plást. 2019;34(4):504-8.

3. Takejima ML, Netto RFB, Toebe BL, Andretta MA, Prestes MA, Takaki JL. Prevention of burns: evaluation of knowledge about prevention of burns in users of Curitiba health facilities. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(3):85-8.

4. Barcelos RS, Santos IS, Matijasevich A, Barros AJD, Barros CF, França GVA, et al. Falls, cuts and burns in children 0-4 years of age: 2004 Pelotas (Brazil) birth cohort. Cad Saúde Pública. 2017;33(2):e00139115.

5. Rossi LA, Barruffini RP, Garcia TR, Chianca TC. Burns: characteristics of patients treated in a teaching hospital in Ribeirão Preto (São Paulo), Brazil. Rev Panam Salud Publica. 1998;4(6):401-4.

6. Mock C, Peden M, Hyder AA, Butchart A, Kruga E. Child injuries and violence: the new challenge for child health. Bull WHO. 2008;86(6):420.

7. American Burn Association (ABA). National Burn Repository 2017 Update. Report of data from 2008-2017. Dataset Version 13.0. Chicago: ABA; 2017.

8. Prata PHL, Flávio Júnior WF, Lemos ATO. Fluid resuscitation in the burned child. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(4 Supl 3):S38-S43.

9. Fernandes FMFA, Torquato IMB, Dantas MSA, Pontes Júnior FA, Coutinho FA, Collet N. Burn injuries in children and adolescents: clinical and epidemiological characterization. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):133-41.

10. Barcellos LGB, Silva APP, Piva JP, Rech L, Brondani TG. Characteristics and outcome of burned children admitted to a pediatric intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(3):333-7.

11. Santomé LM, Leal SMC, Mancia JR, Gomes AMF. Children hospitalized due to maltreatment in the ICU of a Public Health Service. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 3):1420-7.

12. Eisenstein E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolesc Saúde. 2005 Jun;2(2):6-7.

13. Silva SP, Sampaio J, Silva CT, Braga R. Child safety in preschool years: what do caregivers know?. Birth Growth Med J. 2017;26(4):221-6.

14. Bisceglia TS, Benatia LD, Faria RS, Boeira TR, Cidb FB, Gonsaga RAT. Profile of children and adolescents admitted to a Burn Care Unit in the countryside of the state of São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):177-82.

15. Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Barufaldi LA, Avanci JQ, et al. The occurrence of external causes in childhood in emergency care: epidemiological aspects, Brazil, 2014 Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(12):3729-44.

16. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Epidemiological profile of patients who suffered burns in Brazil: literature review. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.

17. Hettiaratchy S, Papini R. ABC of burns: initial management of a major burn: II-assessment and resuscitation. BMJ. 2004;329(7457):101-3.

18. Castro RJA, Leal PC, Sakata RK. Pain management in burn patients. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):149-58.

19. Soares J, Martin A, Arruda GO, Marcon SS, Barreto MS. Factors associated with level of pain in admission and high in victims of trauma. Enferm Glob. 2016;16(1):130-67.

20. Vale ECS. Inicial management of burns: approach by dermatologists. An Bras Dermatol. 2005;80(1):9-19.

21. Giordani AT, Sonobe HM, Guarini G, Stadler DV. Complications in burned patients: literature review. Rev Gest Saúde. 2016;7(2):535-48.

22. Nascimento LKA, Barreto JM, Costa ACSM. Variables analysis of the degree and size of the burn, length of hospital stay and occurrence of deaths in patients admitted in a Burn Care Unit. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(4):256-9.

23. Teles GGA, Bastos JAV, Amary A, Rufatto LA, Ritty RS, Broglio LAP, et al. Treatment of superficial second degree burn of face and neck with topical heparin: a comparative, prospective and randomized study. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):383-6.

24. Souza MT, Nogueira MC, Campos ESC. Care flows of moderate and severe burned patients in regions and health care networks of Minas Gerais. Cad Saúde Coletiva. 2018 Jul;26(3):327-35.

25. Arruda CN, Braide ASG, Nations M. "Raw and charred flesh": the experience of burned women in Northeast Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(10):2057-67.











1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Departamento de Cirurgia, Uberaba, MG, Brasil.

Instituição: Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.

COLABORAÇÕES

AJG Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

MTRC Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

JFSJ Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

Autor correspondente: Marco Tulio Rodrigues da Cunha, Rua Vigário Carlos, 100, 4º Piso, Sala 423, Nossa Senhora da Abadia, Uberaba, MG, Brasil. CEP: 38025-350. E-mail: cunhamarco@hotmail.com

Artigo submetido: 17/04/2020.
Artigo aceito: 15/07/2020.

Conflitos de interesse: não há.

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license