ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2020 - Volume35 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0073

RESUMO

Introdução: A transposição de veia cefálica é uma alternativa interessante como veia doadora na reconstrução oncológica de cabeça e pescoço em pacientes com história de radioterapia cervical. O objetivo do trabalho é avaliar as características anatômicas da veia cefálica em cadáveres.
Métodos: Foram dissecadas seis veias cefálicas de três cadáveres. As veias foram seccionadas na parte medial do braço e transpostas até o pescoço por cima das clavículas.
Resultados: As veias apresentaram média de comprimento de 18,75±1,84cm e número de tributárias com variação de 7-9. O diâmetro coincidiu em ambas as veias de cada cadáver. O parâmetro anatômico usado para identificá-las (sulco deltopeitoral) se mostrou confiável, possibilitando uma dissecação previsível.
Conclusão: A veia cefálica tem características constantes e fácil localização, sendo uma opção relevante ao arsenal terapêutico do cirurgião plástico reconstrutor.

Palavras-chave: Neoplasias de cabeça e pescoço; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Microcirurgia; Transplante autólogo; Radioterapia

ABSTRACT

Introduction: Cephalic vein transposition is an interesting alternative as a donor vein in head and neck cancer reconstruction in patients with a cervical radiotherapy history. This work aims to evaluate the cephalic vein anatomical characteristics in cadavers.
Methods: Six cephalic veins from three cadavers were dissected. The veins were sectioned in the medial part of the arm and transposed to the neck over the clavicles.
Results: The veins had an average length of 18.75 ± 1.84 cm and several tributaries with a variation of 7-9. The diameter coincided in both veins of each corpse. The anatomical parameter used to identify them (deltopectoral groove) proved reliable, allowing predictable dissection.
Conclusion: The cephalic vein has constant characteristics and is easy to locate, being an option relevant to the reconstructive plastic surgeon's therapeutic arsenal.

Keywords: Head and neck neoplasms; Reconstructive surgical procedures; Microsurgery; Autologous transplantation; Radiotherapy.


INTRODUÇÃO

Os cânceres de cabeça e pescoço, muito relacionados ao etilismo e tabagismo, têm importante prevalência na população brasileira. Houve um aumento na incidência desse tipo de câncer de 5,82 por 100 mil habitantes em 2000, para 11,54, em 2008, sendo o carcinoma espinocelular o tipo histológico mais comum1. Só em 2008, foram diagnosticados 21.875 casos novos1. Um estudo mais recente apontou um total de 220.390 casos diagnosticados entre 2000 e 20142. A transposição de retalhos livres é uma das técnicas de escolha na reconstrução oncológica de cabeça e pescoço3. A grande vascularização dessa região normalmente permitiria as anastomoses microvasculares com vasos receptores cervicais. Contudo, muitos desses pacientes são submetidos à radioterapia adjuvante. A radioterapia altera sobremaneira a permeabilidade vascular da região, dificultando a utilização de vasos receptores (principalmente veias) para o retalho microcirúrgico3.

O enxerto de veias de outras partes do corpo, como a veia safena é a escolha padrão nessa situação relatada acima4. Entretanto, essa opção traz a necessidade de duas anastomoses na veia enxertada; uma no vaso receptor e outra na veia do próprio retalho. Aumentando assim o risco de trombose e o tempo cirúrgico, além de aumentar a taxa de insucesso da reconstrução4.

Uma alternativa ao enxerto de veia é a transposição de veia cefálica5. Pois a veia cefálica está situada longe da região submetida à radioterapia. E tem curso e calibre relativamente constantes, além de um número pouco variável de tributárias. A veia cefálica tem se mostrado extremamente útil na reconstrução de cabeça e pescoço4,5. Essa transposição venosa necessita apenas de uma anastomose cervical, no retalho, tendo menor risco de trombose e tempo de execução.

OBJETIVO

Avaliar as características anatômicas da veia cefálica em cadáveres para transposição cervical e o uso em retalhos microcirúrgicos.

MÉTODOS

Cadáveres

O presente estudo é primário. Foram dissecadas seis veias cefálicas de três cadáveres: uma mulher de 71 anos e, dois homens de 50 e 62 anos, no serviço de verificação de óbito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (SVO-FMUSP), no período de outubro a dezembro de 2019. Foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo sob o número 0675/2019, após o seu registro na Plataforma Brasil.

Técnica cirúrgica

Primeiramente, foi identificado o sulco deltopeitoral para delimitar a incisão; o corte foi feito entre 1 e 2cm lateral em relação ao sulco, para evitar lesão direta da veia cefálica. E progredido a incisão distal ao nível médio umeral, na superfície lateral do braço (topografia usual de veia cefálica). Identificada a veia, suas tributárias foram ligadas e a ligadura da veia distal, além de rotação da axila de distal para proximal (Figuras 1 e 2 ). A veia foi transposta até o pescoço por cima da clavícula, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 1 - Dissecção da veia cefálica esquerda, incisão realizada próximo ao sulco deltopeitoral e ligadura das tributárias. Foi dissecado o pescoço apenas para fins ilustrativos anatômicos

Figura 2 - Dissecção da veia cefálica direita, incisão realizada próximo ao sulco deltopeitoral e ligadura das tributárias. Foi dissecado o pescoço apenas para fins ilustrativos anatômicos.

Figura 3 - Transposição da veia cefálica para região cervical. A. Observe que há a possibilidade de extensão da veia cefálica esquerda até a região contralateral cervical, evidenciando versatilidade da veia cefálica; B. Demonstração de ambas veias cefálicas dissecadas e transpostas para a região cervical.

RESULTADOS

As veias apresentaram média de comprimento de 18,75±1,84cm, e número de tributárias com variação de 7-9. O diâmetro coincidiu em ambas as veias de cada cadáver, conforme evidenciado na Tabela 1. O parâmetro anatômico usado para identificá-las (sulco deltopeitoral) se mostrou confiável, possibilitando uma dissecação previsível.

Tabela 1 - Peso dos pacientes e volume transfundido.
Veia Cefálica Lado Gênero Idade Altura\Peso (m\Kg) Nº de Tributárias Comprimento (cm) Diâmetro (mm)
1 D Masculino 50 1,60\71 8 19 4
2 E Masculino 50 1,60\71 7 19,5 4
3 D Masculino 62 1,63\62 9 20,3 3
4 E Masculino 62 1,63\62 8 18,9 3
5 D Feminino 71 1,52\55 7 17,8 3
6 E Feminino 71 1,52\55 8 17 3
Tabela 1 - Peso dos pacientes e volume transfundido.

DISCUSSÃO

A reconstrução oncológica de cabeça e pescoço passou por diferentes estágios, na década de 40, houve várias tentativas de se corrigir esses defeitos com retalhos locais e enxertos de pele, os quais não apresentaram bons resultados a longo prazo, evoluindo com fístulas orofaciais, deiscências, necroses e deformidades complexas resultantes da reconstrução6. Com o tempo, surgiram outras opções, como o retalho pediculado temporofrontal7 e o retalho miocutâneo regional de peitoral maior8. Contudo, a dificuldade de rotação axial e a o fato de se ter pouco tecido disponível adjacente à lesão fez com que os retalhos livres despontassem como uma das principais opções para reconstrução nesses casos9. Eles são mais vantajosos que os retalhos axiais pediculados, por permitirem melhor suprimento sanguíneo, menor tensão, maior maleabilidade, moldabilidade e maior extensão de tecido para a reconstrução1,2.

Em pacientes que não realizaram tratamento radioterápico ou cirúrgico prévio, é possível usar os próprios vasos receptores do pescoço e da face, como: ramos da artéria carótida externa e tributárias da veia jugular interna, ou a veia jugular externa10. A transposição de veias da região torácicas tem sido uma opção viável para contornar o comprometimento da vascularização no paciente submetido à radioterapia cervicofacial10,11.

Nessa técnica descrita, a veia cefálica transposta será anastomosada à veia do retalho, fazendo uma única anastomose, diminuindo o risco de trombose e diminuindo a taxa de insucesso da reconstrução. Há várias opções possíveis de vasos para serem transpostos, além da veia cefálica, temos a veia toracodorsal e a veia cervical transversa11. Dentre essas opções, a veia cefálica se apresenta como uma das principais alternativas, pois tem diâmetro adequado, dissecção previsível e está situada mais distante do local usual de radioterapia para neoplasia de cabeça e pescoço12,13.

Nosso trabalho corroborou dados da literatura, mostrando o perfil constante da veia em relação ao calibre e comprimento, além do número pouco variável de tributárias. Ela permite uma excelente drenagem venosa e geralmente está livre da ablação radioterápica devido à sua localização torácica lateral.

A literatura traz vários relatos sobre o sucesso do uso da veia cefálica11,13,14, o que confirma essa técnica como uma opção confiável na reconstrução de cabeça e pescoço.

CONCLUSÃO

A transposição de veia cefálica se mostra como uma opção interessante para a reconstrução oncológica de cabeça e pescoço, por ter características constantes e localização previsível, podendo ser uma técnica relevante ao arsenal terapêutico do cirurgião plástico reconstrutor.

REFERÊNCIAS

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2. Carvalho LGA, Santiago CPL, Andrade ACM, Valença AMG, Riveiro ILA, Castro RD. El câncer de cabeza y cuello en Brasil: un análisis de 15 años. Rev Cubana Estomatol. 2018 Out;55(3):22-8.

3. Hanasono MM, Barnea Y, Skoracki RJ. Microvascular surgery in the previously operated and irradiated neck. Microsurgery. 2009;29:1-7.

4. Maricevich M, Lin LO, Liu J, Chang EI, Hanasono MM. Interposition vein grafting in head and neck free flap reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2018 Out;142(4):1025-34.

5. Chan D, Rabbani CC, Inman JC, Ducic Y. Cephalic vein transposition in the vessel-depleted neck. Otolaryngol Head Neck Surg. 2016;155(2):367-8.

6. McGregor IA. The pursuit of function and cosmesis in managing oral cancer. Br J Plast Surg. 1993 Jan;46(1):22-31.

7. McGregor IA. The temporal flap in intra-oral cancer: its use in repairing the post-excisional defect. Br J Plast Surg. 1963 Out;16:318-35.

8. Ariyan S. The pectoralis major myocutaneous flap. A versatile flap for reconstruction in the head and neck. Plast Reconstr Surg. 1979 Jan;63(1):73- 81.

9. Vanni CMRS, Pinto FR, Castro R, Kanda JL. Pedicle temporofrontal flap for head and neck reconstruction. Arq Bras Ciên Saúde. 2010 Mai/Ago;35(2):99-102.

10. Rinaldo A, Shaha AR, Wei WI, Silver CE, Ferlito A. Microvascular free flaps: a major advance in head and neck reconstruction. Acta Otolaryngol. 2002;122(7):779-84.

11. Vasilakis V, Patel HDL, Chen HC. Head and neck reconstruction using cephalic vein transposition in the vessel-depleted neck. Microsurgery. 2009 Jun;29(8):598-602.

12. Kubo T, Yano K, Hosokawa K. Management of flaps with compromised venous outflow in head and neck microsurgical reconstruction. Microsurgery. 2002;22(8):391-5.

13. Chan D, Rabbani CC, Inman JC, Ducic Y. Cephalic vein transposition in the vessel-depleted neck. Otolaryngol Head Neck Surg. 2016;155(2):367-8.

14. Inoue T, Fujino T. An upper arm flap, pedicled on the cephalic vein with arterial anastomosis, for head and neck reconstruction. Br J Plast Surg. 1986 Oct;39(4):451-3.











1. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

COLABORAÇÕES

RGFF Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

PNGD Gerenciamento de Recursos, Redação - Preparação do original

ACL Análise e/ou interpretação dos dados, Gerenciamento de Recursos, Investigação

FMVW Realização das operações e/ou experimentos, Supervisão

AWC Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Supervisão

JAM Análise estatística, Supervisão

LMF Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento do Projeto, Supervisão

Autor correspondente: Roney Gonçalves Fechine Feitosa, Rua Borges Lagoa 1083, Sala 62, Vila Clementino, SP, Brasil. CEP: 04038-032. E-mail: roneyfechine@gmail.com

Artigo submetido: 27/04/2020.
Artigo aceito: 19/07/2020.

Conflitos de interesse: não há.

 

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