INTRODUÇÃO
A busca de maior objetividade na avaliação de resultados de tratamentos é necessária
para a melhora dos níveis de evidência, principalmente na cirurgia plástica, cujo
fim maior é um parâmetro subjetivo, melhorar a qualidade de vida (QV)1.
Na literatura, está claro que os mecanismos de mensuração objetiva de resultados em
procedimentos cosméticos ainda estão na sua infância, mas apontam para a tendência
da utilização de ferramentas de medidas de resultados reportados pelos próprios pacientes
(PROM ou PRO) por meio de questionários, segundo Morley 20122. Felizmente, já existem grandes avanços nessa área, com a publicação de diversos
artigos propondo modelos de questionários3.
As ferramentas Breast-Q, Face-Q e Satisfation with Facial Appearence Scale and Skindex, por exemplo já passaram por rigoroso processo de validação, estão inteiramente de
acordo com os requisitos de aceitação do departamento de controle de drogas norte-americano
(FDA) e se destacam, juntamente com o Skindex, em relação aos demais PROMs, de acordo
com Morley 20122. Kosowski et al., em 20094, encontraram 442 artigos de avaliação de resultados em procedimentos estéticos, cirúrgicos
ou não cirúrgicos. Dentre esses, 47 eram específicos para a aparência facial, mas
apenas 9 satisfizeram os critérios de inclusão e de exclusão do estudo. Nenhum deles
satisfez todos os guidelines. Todas as ferramentas se mostraram limitadas quer seja pelo seu desenvolvimento,
por sua validação ou pelo seu conteúdo. Nesse mesmo estudo, Skin Rejuvenation Outcome Evaluation (SROE) e mais dois artigos se mostraram específicos para o rejuvenescimento de pele4.
O SROE (Figura 1) foi descrito por Alsarraf, em 20005, juntamente com outros questionários na língua inglesa específicos para blefaroplastia
(Blepharoplasty Outcome Evaluation - BOE), rinoplastia (Rhinoplasty Outcome Evaluation - ROE) e ritidoplastia (Facelift Outcome Evaluation - FOE).
Figura 1 - Questionário SROE original na língua inglesa. Fonte: Aesthetic Plast Surg. 2000;24(3):192-7.
Figura 1 - Questionário SROE original na língua inglesa. Fonte: Aesthetic Plast Surg. 2000;24(3):192-7.
Tais questionários abordam os aspectos físicos, mentais e sociais, necessários para
uma boa avaliação. O questionário SROE foi testado no tocante à sua validade, confiabilidade
e capacidade de resposta, sendo apresentado como uma ferramenta quantitativa confiável
de mensuração de resultados3,6,7.
A internacionalização desses questionários, por sua vez, permite a comparação de resultados
dos tratamentos entre populações diferentes. No entanto, alguns cuidados devem ser
tomados para que não haja distorções devido a falhas na tradução ou a diferenças culturais
que alterem o resultado das perguntas, por si só. Isso diminuiria o valor comparativo
interpopulacional8,9. Dos quatro questionários de Alsarraf (2000)5, apenas o ROE (Rhinoplasty Outcome Evaluation) e o FOE (Facelift Outcome Evaluation) foram traduzidos para a língua portuguesa até o momento. Os demais, Blepharoplasty Outcome Evaluation (BOE) e Skin Rejuvenation Outcome Evaluation (SROE) ainda não possuem versões em português10,11.
O SROE é composto por seis perguntas, como representado na Figura 1. Cada resposta pode ser classificada de 0 (menos satisfeito possível) a 4 (mais satisfeito
possível). Devem-se somar os valores marcados, dividir por 24 e multiplicar por 100,
para obter uma pontuação de 0 a 100, sendo 0 o menos satisfeito possível e 100 o mais
satisfeito possível5.
Tal instrumento pode ser de grande utilidade para o desenvolvimento de estudos científicos
e para o acompanhamento de resultados por parte dos cirurgiões e dermatologistas.
Desse modo, o objetivo do presente estudo é traduzir e adaptar culturalmente o questionário
SROE para a língua portuguesa do Brasil.
OBJETIVO
Traduzir e adaptar culturalmente para o português brasileiro o questionário Skin Rejuvenation Outcome Evaluation (SROE).
MÉTODOS
O estudo foi autorizado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do
Ceará, sob número de protocolo 33290513.8.0000.5589 e realizado na clínica Eduardo
Furlani Cirurgia Plástica no ano de 2019.
O questionário SROE foi traduzido e adaptado culturalmente à língua portuguesa do
Brasil, de acordo com a metodologia proposta por Beaton et al. (2000)8, conforme fluxograma da Figura 2. Tal metodologia consiste em cinco estágios e é aceita na literatura para tradução
de diversos outros instrumentos.
Figura 2 - Fluxograma da metodologia de tradução e adaptação cultural proposta por Beaton el
al. (2000)
8
Figura 2 - Fluxograma da metodologia de tradução e adaptação cultural proposta por Beaton el
al. (2000)
8
Tradução
Estágio 1: o questionário foi submetido a duas traduções (T1 e T2) do inglês para
o português. Uma delas foi realizada por tradutor leigo e outra por tradutor cirurgião
plástico, com vivência no procedimento, conforme recomenda a literatura.
Estágio 2 (síntese): as versões T1 e T2 em português dos questionários foram avaliadas
por ambos os tradutores do estágio 1. Os tradutores discutiram as divergências de
suas versões e elaboraram uma versão consensual, chamada de T-12.
Estágio 3 (tradução reversa): o questionário T-12 foi submetido a dois tradutores
leigos (B1 e B2), que não tinham conhecimento um do outro nem do corrente estudo,
cuja língua nativa era o inglês.
Estágio 4 (submissão a comitê especialista): uma junta médica com conhecimento na
área foi solicitada a acompanhar o processo, avaliando as versões, apontando incoerências
e desvios. Essa junta foi composta de um dermatologista, um cirurgião geral e um ortopedista.
Houve pacificação, através de discussões, em quatro pontos:
Equivalência semântica: as traduções foram avaliadas quanto à preservação do seu significado, quanto à possibilidade
de múltiplos significados e quanto à existência de dificuldades gramaticais.
Equivalência idiomática: expressões ou coloquialismos são difíceis de traduzir. O comitê buscou a presença
dessas expressões e equivalentes na língua portuguesa.
Equivalência experimental: as experiências questionadas foram avaliadas quanto à sua existência na língua portuguesa.
Equivalência conceitual: as expressões devem conter o mesmo conceito. Por exemplo, quando se fala de família,
em algumas culturas tem o significado do núcleo familiar pequeno mais próximo e outras
incluem todos os parentes.
Adaptação cultural
Estágio 5 (ou teste de versão pré-final): um pré-teste com a versão final T-12 foi
realizado com uma amostra de 20 pessoas. Esse grupo foi composto de alunas de pós-graduação
de fisioterapia dermatofuncional. Cada participante preencheu o questionário e foi
entrevistado pelo pesquisador para apontar possíveis incoerências e dificuldades na
compreensão.
Estágio 6: submissão da documentação ao comitê especialista para verificação do processo
de tradução.
RESULTADOS
O questionário SROE foi traduzido para as versões T1 e T2, houve alguns pontos de
divergência entre as duas versões, mas um consenso foi atingido com a versão T-12.
Essa versão foi submetida a duas traduções reversas B1 e B2, que apresentaram algumas
divergências, mas sem alteração do sentido original.
As versões B1 e B2 foram analisadas pelo autor dos questionários originais, contatado
por e-mail, que não identificou nenhuma alteração de significado ou incoerência entre
o questionário traduzido do português para o inglês e sua versão original.
Não houve dificuldades em relação ao preenchimento e compreensão dos questionários.
O comitê avaliou todos os passos do processo de tradução e contribuiu com sugestões
de mudanças, que foram acatadas. Em consequência, o resultado final da tradução ficou
conforme segue (Figura 3).
Figura 3 - Questionário SROE traduzido pelos autores.
Figura 3 - Questionário SROE traduzido pelos autores.
DISCUSSÃO
Não houve grandes dificuldades para a tradução dos questionários devido à pequena
quantidade de expressões sem tradução conhecida para a língua portuguesa.
Acreditamos que os questionários de qualidade de vida sejam importantes para tornar
mais objetivos e comparáveis alguns parâmetros subjetivos. Isso permite que resultados
sejam comparados, proporcionando melhores níveis de evidência em uma área do conhecimento
que carece disso. Entretanto, ainda não existe um questionário perfeito.
A comparação de ferramentas está fora do escopo desse estudo. Entretanto, embora o
questionário SROE tenha mostrado estatisticamente sua validade, confiabilidade e capacidade
de resposta, sua concepção não parece ser tão bem fundamentada quanto ao do Face-Q, que proporciona nível de intervalo significativo. Isso permite a construção de unidades
definidas com distância uniforme entre elas. Isso significa, por exemplo, que se uma
pessoa evoluiu do escore 100 para o 120, houve um aumento semelhante ao de uma outra
que evoluiu do 120 para o 140, o que não é verdade para a maioria dos outros instrumentos12.
Em contrapartida, ao contrário do Face-Q, o SROE é um questionário específico para rejuvenescimento de pele não cirúrgico,
público e livremente disponível, o que facilitou sua tradução. Sua aplicação leva
menos de 1 minuto. Outras deficiências do SROE são que ainda não existem pontos de
corte e níveis de normalidade, nem em sua língua original, o que nós sugerimos para
futuros estudos.
CONCLUSÃO
Considerando a metodologia aplicada, concluímos que a tradução do questionário SROE
é adequada para utilização em língua portuguesa do Brasil.
REFERÊNCIAS
1. Ferreira MC. Cirurgia plástica estética: avaliação dos resultados. Rev Soc Bras Cir
Plást. 2000 Jan/Abr;15(1):55-61.
2. Morley D, Jenkinson C, Fitzpatrick R. A structured review of patient reported outcome
measures used for cosmetic surgical procedures. Report to Department of Health [acesso
02 Fev 2015]. Disponível em: http://phi.uhce.ox.ac.uk/pdf/ElectiveProcedures/PROMs_Oxford_Elective%20Cardiac_012011.pdf
3. Davies N, Fitzpatrick R, Gibbons E, Mackintosh A. A structured review of patient-reported
outcome measures used in elective procedures for coronary revascularisat ion. Patient-Reported
Outcome Measurement Group. Oxford: University of Oxford; 2009.
4. Kosowski TR, McCarthy C, Reavey PL, Scott AM, Wilkins EG, Cano SJ, et al. A systematic
review of patient-reported outcome measures after facial cosmetic surgery and/or nonsurgical
facial rejuvenation. Plast Reconstr Surg. 2009 Jun;123(6):1819-27.
5. Alsarraf R. Outcomes research in facial plastic surgery: a review and new directions.
Aesthetic Plast Surg. 2000 Mai/Jun;24(3):192-7.
6. Alsarraf R, Larrabee WF, Anderson S, Murakami CS, Johnson Junior CM. Measuring cosmetic
facial plastic surgery outcomes: a pilot study. Arch Facial Plast Surg. 2001 Jul/Set;3(3):198-201.
7. Alsarraf R. Outcomes instruments in facial plastic surgery. Facial Plast Surg. 2002;18(2):77-86.
8. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-
cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000 Dez;25(24):3186-91.
9. Ferreira LF. Tradução para a língua portuguesa, adaptação cultural e validação do
Breast Evaluation Questionnaire [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP); 2009.
10. Izu SC, Kosugi EM, Brandão KV, Lopes AS, Garcia LBS, Suguri VM, et al. Normal values
for the Rhinoplasty Outcome Evaluation (ROE) questionnaire. Braz J Otorhinolaryngol.
2012 Jul/Ago;78(4):76-9.
11. Furlani EAT. Cultural adaptation of rhytidectomy outcome evaluation questionnaire:
facial outcome evaluation. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(3):501-5.
12. Pusic AL, Klassen AF, Scott AM, Cano SJ. Development and psychometric evaluation of
the FACE-Q satisfaction with appearance scale: a new patient-reported outcome instrument
for facial aesthetics patients. Clin Plast Surg. 2013 Abr;40(2):249-60.
1. Clínica Eduardo Furlani, Fortaleza, CE, Brasil.
Autor correspondente: Eduardo Antonio Torres Furlani, Rua Barbosa de Freitas, 1990, Aldeota, Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60170-021. E-mail:
eduardo@eduardofurlani.com.br
Artigo submetido: 20/04/2020.
Artigo aceito: 19/07/2020.
Conflitos de interesse: não há.