ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Reports - Year2020 - Volume35 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0064

RESUMO

O manejo do nariz bífido na fissura facial de Tessier nº 0 é controverso devido às suas características, como uma ampla abóbada óssea, baixa altura dorsal, excesso de pele, volume de partes moles e cartilagens laterais superiores e inferiores distantes. Técnicas conservadoras de rinoplastia, utilizando instrumentos piezelétricos, podem ser uma boa opção para o tratamento do nariz bífido, pois preservam o teto e as cartilagens laterais superiores e realizam uma osteotomia mais precisa. Relatamos o tratamento de nariz bífido em um menino de 13 anos com fissura facial nº 0, no qual foi realizada a rinoplastia conservadora com auxílio de material piezoelétrico. Dado o excesso de pele e tecidos moles, optou-se por uma abordagem transcutânea completamente externa. Para osteotomias, fraturas laterais sob visão direta assistida por piezo foram realizadas para ter um melhor controle do estreitamento da abóbada óssea. As cartilagens laterais superiores e as válvulas nasais internas foram preservadas e reaproximadas à linha média com suturas em "U" horizontais, a fim de obter projeção da abóbada cartilaginosa. Um grande segmento de pele e tecidos moles foi extirpado após estreitamento da abóbada nasal. Um ano de acompanhamento mostra uma pirâmide óssea estreita, melhor projeção e definição de ponta, mas persistindo com um nariz verticalmente curto. Técnicas conservadoras de rinoplastia, assistidas por piezoelétricas, podem ser uma opção para o tratamento do nariz bífido, exigindo um acompanhamento a longo prazo e um estudo com mais casos.

Palavras-chave: Nariz; Doenças nasais; Rinoplastia; Piezocirurgia; Cirurgia plástica

ABSTRACT

The bifid nose management in Tessier nº 0 facial cleft is controversial due to its characteristics, such as a wide bone vault, low dorsal height, excessive skin, soft tissues volume, and distant upper and lower lateral cartilages. Conservative rhinoplasty techniques, using piezoelectric instruments, can be a good option for the bifid nose treatment, as they preserve the roof and upper lateral cartilages and perform a more accurate osteotomy. We report the treatment of bifid nose in a 13-year-old boy with facial cleft No. 0, to whom was performed conservative rhinoplasty with the aid of piezoelectric material. Given the excess of skin and soft tissues, a completely external transcutaneous approach was chosen. For osteotomies, lateral fractures under direct piezo-assisted vision were performed to have better control of the bone vault narrowing. The upper lateral cartilages and the internal nasal valves were preserved and brought back to the midline with horizontal "U" sutures to obtain a projection of the cartilaginous vault. A large segment of skin and soft tissue was excised after narrowing the nasal vault. A year of follow-up shows a narrow bone pyramid, better projection, and tip definition, but persisting with a vertically short nose. Conservative rhinoplasty techniques, assisted by piezoelectrics, may be an option for bifid nose treatment, requiring long-term follow-up and a study with more cases.

Keywords: Nose; Nasal diseases; Rhinoplasty; Piezosurgery; Plastic surgery.


INTRODUÇÃO

A fissura facial nº 0, descrita por Tessier, em 19761, pode cursar com diversas alterações, incluindo o nariz bífido, caracterizado por dorso nasal largo e baixo e ponta bífida, que ocorrem por alterações anatômicas como ossos nasais e processos frontais da maxila lateralizados, cartilagens laterais superiores (CLS) horizontalizadas e cartilagens alares achatadas e hipoplásicas, podendo apresentar narinas malformadas e assimétricas2.

A correção cirúrgica do nariz bífido geralmente é realizada com osteotomias com escopro e rinoplastia estruturada, utilizando enxertos cartilaginosos septais para correção das anomalias cartilaginosas3,4.

Estudos recentes têm demonstrado que dispositivos piezoelétricos proporcionam maior controle nas osteotomias nasais5,6. Alguns trabalhos também enfatizam as vantagens da rinoplastia preservadora, como evitar teto aberto, colapso do terço médio e insuficiência de válvula interna7,8.

Este artigo relata tratamento de nariz bífido em paciente com fissura facial Tessier nº 0 por rinoplastia preservadora e piezo-assistida.

RELATO DO CASO

Menino de treze anos com nariz bífido foi encaminhado ao departamento de cirurgia plástica de nossa instituição queixando-se do dorso e da ponta nasal. Além da queixa estética, o paciente apresentava transtornos psicológicos devido ao isolamento social e bullying escolar (Figura 1).

Figura 1 - Paciente do sexo masculino, 13 anos, com nariz bífido: frontal, base, lateral e 45º.

Submetido à tomografia computadorizada, que demonstrou uma ponta nasal bífida, alares e CLS lateralizadas e ossos nasais afastados, definindo o diagnóstico de fissura facial nº 0, sem achados de displasia frontal (Figura 2).

Figura 2 - A. Reconstrução 3D de tecidos moles em tomografia computadorizada; B-E. Reconstrução óssea em 3D - frontal, esquerda 45º, basal e direita 45º.

Foi submetido à correção cirúrgica com acesso por incisão em forma de losango no dorso nasal, retirando-se a pele não elástica da mesma área e estendendo a incisão até a columela. Identificou-se excesso de partes moles anômalas no terço médio do nariz, ocupando área acima do septo (o qual era bífido) e entre as CLS, tornado as mesmas horizontalizadas e afastadas. Embora as cartilagens alares estivessem lateralizadas, seus domus eram normoplásicos e bem definidos (Figura 3).

Figura 3 - A. Pele do dorso nasal a ser ressecada; B. Terço médio largo; C. Demarcação do tecido mole excedente; D. Ressecção piezo-assistida de osso anômalo em linha média; E. Osso e tecido mole sendo ressecados; F. Cartilagens alares horizontalizadas e distantes.

Os ossos nasais, apesar de bífidos, apresentavam uma espícula central que tinha continuidade com as partes moles anômalas do terço médio. Ambas as estruturas foram ressecadas: partes moles com lâmina e parte óssea com piezoelétrico, proporcionando exposição adequada dos ossos nasais e das cartilagens laterais superiores.

Os ossos nasais foram medializados através de osteotomias laterais e mediais, realizadas com osteótomo piezoelétrico, para minimizar danos às estruturas.

A cartilagem septal e as CLS foram preservadas, sem abertura do teto cartilaginoso, preservando as unidades individuais da válvula nasal interna como descrito por Saban, em 20187 e Ishida et al., em 19998. Após descolamento da zona K (separando a pirâmide óssea da cartilaginosa), suturas em “U” horizontal foram realizadas, aproximando as CLS que estavam horizontalizadas e afastadas, estreitando o nariz e elevando a altura do dorso nasal (Figura 4).

Figura 4 - A. Osteotomia lateral utilizando instrumento piezelétrico; B. Pontos em "U" medializando as cartilagens laterais superiores; C. Fechamento dos tecidos moles; D. Excesso de pele ressecada.

O tratamento da ponta nasal foi realizado com pontos interdomais e entre as cruzes mediais; e o fechamento primário da ferida operatória foi realizado em dois planos, aproximando as partes moles preservadas durante a abertura.

Cuidados pós-operatórios padrões foram realizados e o resultado após um ano foi satisfatório para o paciente (Figura 5).

Figura 5 - Vistas frontais, de base, laterais e 45º; A-D. Pré-operatório; E-H. Pós-operatório.

DISCUSSÃO

O nariz bífido faz parte do espectro de malformações faciais da linha média (Tessier nº 0-14), podendo ocorrer de forma isolada ou associado a deformidades dos lábios, palato e fronte9.

Neste caso, apresentamos um paciente de 13 anos com fissura facial de Tessier nº 0 que apresentava nariz bífido isolado, cujo tratamento proposto inicialmente foi a cirurgia ortognática e posterior rinoplastia, mas este não foi aceito pelo paciente e familiares, os quais desejavam apenas a rinoplastia.

Taticamente optou-se por acesso externo, através de incisão em forma de losango no dorso nasal, permitindo acesso amplo, dissecção e visualização das estruturas redundantes, ressecção de osso e partes moles anômalos na linha média, bem como o uso de instrumentação piezoelétrica para osteotomias controladas.

A literatura varia em relação à idade adequada e via de acesso para tratamento dos narizes bífidos isolados. Segundo Saied e El-Sherbiny, em 20114, o acesso nesses casos varia de acordo com o grau da deformidade; nos casos com pequena separação do domus, o acesso marginal transcolumelar pode ser suficiente para a correção adequada10. Em contrapartida, casos com maior separação da ponta e do dorso cartilaginoso requerem melhor visualização e ressecção do excesso de pele e partes moles, sendo a incisão no dorso nasal o acesso de escolha2,3,4,9.

Optamos pelo acesso através do dorso uma vez que o paciente tinha excesso de pele e, em nosso ponto de vista, não se contrairia o suficiente após a cirurgia caso não fosse ressecada. Apesar da imprevisibilidade da cicatrização, principalmente em pacientes de pele negra, outros estudos mostraram manobras similares com boa evolução2,3.

Em relação à ponta, as cartilagens alares não eram frágeis ou hipoplásicas, permitindo tratamento com suturas interdomais. Por outro lado, as CLS foram liberadas da zona K e medializadas, sem abertura do teto cartilaginoso, evitando a violação dos elementos da válvula nasal interna7,8.

Saban, em 20187 e Ishida et al., em 19998, apontam vantagens da rinoplastia preservadora, como preservação das CLS e prevenção do teto aberto e do colapso do terço médio, os quais poderiam ocorrer em narizes bífidos após rinoplastia clássica3,4,9.

Em relação ao tratamento ósseo, Ortiz-Monasterio et al, em 198710, demonstrou que as osteotomias deveriam ser rotineiras em casos de nariz bífido, independentemente da idade. Neste caso, instrumentação piezoelétrica foi utilizada para osteotomias mais controladas e ressecção do dorso ósseo para afinar o terço nasal superior. Essa técnica permite osteotomias com menor equimose e morbidade pós-operatória, além de controle mais preciso da altura da osteotomia com menor cominuição óssea5,6.

Uma limitação do caso é a persistência do encurtamento nasal. Para alongar esse tipo de nariz, em nossa opinião, seria necessário uso de enxertos espaçadores estendidos, fixados a um strut columelar, além de enxertos dorsais, mas optamos por não violar a cartilagem septal para coletá-los neste momento. Isso poderia ser realizado em revisão cirúrgica, mas o paciente está satisfeito com a altura do dorso alcançada e não admite mais intervenções.

A rinoplastia conservadora e piezoelétrica-assistida é uma abordagem alternativa para o tratamento do nariz bífido e ainda não havia sido descrita na literatura. Acompanhamento a longo prazo e mais casos são necessários para comprovar sua eficiência no tratamento do nariz bífido.

* Todas as fotos foram autorizadas pelo pai do menor, o qual assinou o Termo de consentimento livre e esclarecido e o termo de publicação das fotos.

REFERÊNCIAS

1. Tessier P. Anatomical classification of facial, crânio-facial and látero-facial clefts. J Maxillofac Surg. 1976 Jun;4(2):69-92.

2. Kolker AR, Sailon AM, Meara JG, Holmes AD. Midline cleft lip and bifid nose deformity: description, classification, and treatment. J Craniofac Surg. 2015 Nov;26(8):2304-8.

3. Ozturk S, Zor F, Isik S. Surgical correction of severe bifid nose. J Cleft Lip Palate Craniofac Anomal. 2014;1(2):115-8.

4. Saied S, El-Sherbiny A. Algorithm for aesthetic reconstruction of the bifid nose in tessier number 0 cleft. J Plast Reconstr Surg. 2011 Jul;35(2):187-90.

5. Gerbault O, Daniel RK, Kosins AM. The role of piezoelectric instrumentation in rhinoplasty surgery. Aesthet Surg J. 2016 Jan;36(1):21-34.

6. Ilhan AE, Cengiz B, Eser BC. Double-blind comparison of ultrasonic and conventional osteotomy in terms of early postoperative edema and study design and patient selection. Aesthet Surg J. 2016 Abr;36(4):390-401.

7. Saban Y, Daniel RK, Polselli R, Trapasso M, Palhazi P. Dorsal preservation: the push down technique reassessed. Aesthet Surg J. 2018 Feb;38(2):117-31.

8. Ishida J, Ishida LC, Ishida LH, Vieira JC, Ferreira MC. Treatment of the nasal hump with preservation of the cartilaginous framework. Plast Reconstr Surg. 1999 Mai;103(6):1729-33;discussion:1734-5.

9. Miller PJ, Grinberg D, Wang TD. Midline cleft: treatment of bifid nose. Arch Facial Plast Surg. 1999 Jul/Set;1(3):200-3.

10. Ortiz-Monasterio F, Fuente del Campo A, Dimopulos A. Nasal clefts. Ann Plast Surg. 1987 Mai;18(5):377-97.











1. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

COLABORAÇÕES

LCI Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Redação - Preparação do original

RCL Conceitualização, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

BFL Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

MJMC Conceitualização, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

JFGUMR Aprovação f inal do manuscrito, Conceitualização, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original

RG Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização

Autor correspondente: Rodolfo Costa Lobato, Rua Doutor Melo Alves, 55, Cj 23, Cerqueira Cesar, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01417-010. E-mail: rodolfolobato49@yahoo.com.br

Artigo submetido: 13/05/2019.
Artigo aceito: 22/06/2019.

Conflitos de interesse: não há.

 

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