INTRODUÇÃO
A fissura facial nº 0, descrita por Tessier, em 19761, pode cursar com diversas alterações, incluindo o nariz bífido, caracterizado por
dorso nasal largo e baixo e ponta bífida, que ocorrem por alterações anatômicas como
ossos nasais e processos frontais da maxila lateralizados, cartilagens laterais superiores
(CLS) horizontalizadas e cartilagens alares achatadas e hipoplásicas, podendo apresentar
narinas malformadas e assimétricas2.
A correção cirúrgica do nariz bífido geralmente é realizada com osteotomias com escopro
e rinoplastia estruturada, utilizando enxertos cartilaginosos septais para correção
das anomalias cartilaginosas3,4.
Estudos recentes têm demonstrado que dispositivos piezoelétricos proporcionam maior
controle nas osteotomias nasais5,6. Alguns trabalhos também enfatizam as vantagens da rinoplastia preservadora, como
evitar teto aberto, colapso do terço médio e insuficiência de válvula interna7,8.
Este artigo relata tratamento de nariz bífido em paciente com fissura facial Tessier
nº 0 por rinoplastia preservadora e piezo-assistida.
RELATO DO CASO
Menino de treze anos com nariz bífido foi encaminhado ao departamento de cirurgia
plástica de nossa instituição queixando-se do dorso e da ponta nasal. Além da queixa
estética, o paciente apresentava transtornos psicológicos devido ao isolamento social
e bullying escolar (Figura 1).
Figura 1 - Paciente do sexo masculino, 13 anos, com nariz bífido: frontal, base, lateral e 45º.
Figura 1 - Paciente do sexo masculino, 13 anos, com nariz bífido: frontal, base, lateral e 45º.
Submetido à tomografia computadorizada, que demonstrou uma ponta nasal bífida, alares
e CLS lateralizadas e ossos nasais afastados, definindo o diagnóstico de fissura facial
nº 0, sem achados de displasia frontal (Figura 2).
Figura 2 - A. Reconstrução 3D de tecidos moles em tomografia computadorizada; B-E. Reconstrução óssea em 3D - frontal, esquerda 45º, basal e direita 45º.
Figura 2 - A. Reconstrução 3D de tecidos moles em tomografia computadorizada; B-E. Reconstrução óssea em 3D - frontal, esquerda 45º, basal e direita 45º.
Foi submetido à correção cirúrgica com acesso por incisão em forma de losango no dorso
nasal, retirando-se a pele não elástica da mesma área e estendendo a incisão até a
columela. Identificou-se excesso de partes moles anômalas no terço médio do nariz,
ocupando área acima do septo (o qual era bífido) e entre as CLS, tornado as mesmas
horizontalizadas e afastadas. Embora as cartilagens alares estivessem lateralizadas,
seus domus eram normoplásicos e bem definidos (Figura 3).
Figura 3 - A. Pele do dorso nasal a ser ressecada; B. Terço médio largo; C. Demarcação do tecido mole excedente; D. Ressecção piezo-assistida de osso anômalo em linha média; E. Osso e tecido mole sendo ressecados; F. Cartilagens alares horizontalizadas e distantes.
Figura 3 - A. Pele do dorso nasal a ser ressecada; B. Terço médio largo; C. Demarcação do tecido mole excedente; D. Ressecção piezo-assistida de osso anômalo em linha média; E. Osso e tecido mole sendo ressecados; F. Cartilagens alares horizontalizadas e distantes.
Os ossos nasais, apesar de bífidos, apresentavam uma espícula central que tinha continuidade
com as partes moles anômalas do terço médio. Ambas as estruturas foram ressecadas:
partes moles com lâmina e parte óssea com piezoelétrico, proporcionando exposição
adequada dos ossos nasais e das cartilagens laterais superiores.
Os ossos nasais foram medializados através de osteotomias laterais e mediais, realizadas
com osteótomo piezoelétrico, para minimizar danos às estruturas.
A cartilagem septal e as CLS foram preservadas, sem abertura do teto cartilaginoso,
preservando as unidades individuais da válvula nasal interna como descrito por Saban,
em 20187 e Ishida et al., em 19998. Após descolamento da zona K (separando a pirâmide óssea da cartilaginosa), suturas
em “U” horizontal foram realizadas, aproximando as CLS que estavam horizontalizadas
e afastadas, estreitando o nariz e elevando a altura do dorso nasal (Figura 4).
Figura 4 - A. Osteotomia lateral utilizando instrumento piezelétrico; B. Pontos em "U" medializando as cartilagens laterais superiores; C. Fechamento dos tecidos moles; D. Excesso de pele ressecada.
Figura 4 - A. Osteotomia lateral utilizando instrumento piezelétrico; B. Pontos em "U" medializando as cartilagens laterais superiores; C. Fechamento dos tecidos moles; D. Excesso de pele ressecada.
O tratamento da ponta nasal foi realizado com pontos interdomais e entre as cruzes
mediais; e o fechamento primário da ferida operatória foi realizado em dois planos,
aproximando as partes moles preservadas durante a abertura.
Cuidados pós-operatórios padrões foram realizados e o resultado após um ano foi satisfatório
para o paciente (Figura 5).
Figura 5 - Vistas frontais, de base, laterais e 45º; A-D. Pré-operatório; E-H. Pós-operatório.
Figura 5 - Vistas frontais, de base, laterais e 45º; A-D. Pré-operatório; E-H. Pós-operatório.
DISCUSSÃO
O nariz bífido faz parte do espectro de malformações faciais da linha média (Tessier
nº 0-14), podendo ocorrer de forma isolada ou associado a deformidades dos lábios,
palato e fronte9.
Neste caso, apresentamos um paciente de 13 anos com fissura facial de Tessier nº 0
que apresentava nariz bífido isolado, cujo tratamento proposto inicialmente foi a
cirurgia ortognática e posterior rinoplastia, mas este não foi aceito pelo paciente
e familiares, os quais desejavam apenas a rinoplastia.
Taticamente optou-se por acesso externo, através de incisão em forma de losango no
dorso nasal, permitindo acesso amplo, dissecção e visualização das estruturas redundantes,
ressecção de osso e partes moles anômalos na linha média, bem como o uso de instrumentação
piezoelétrica para osteotomias controladas.
A literatura varia em relação à idade adequada e via de acesso para tratamento dos
narizes bífidos isolados. Segundo Saied e El-Sherbiny, em 20114, o acesso nesses casos varia de acordo com o grau da deformidade; nos casos com pequena
separação do domus, o acesso marginal transcolumelar pode ser suficiente para a correção
adequada10. Em contrapartida, casos com maior separação da ponta e do dorso cartilaginoso requerem
melhor visualização e ressecção do excesso de pele e partes moles, sendo a incisão
no dorso nasal o acesso de escolha2,3,4,9.
Optamos pelo acesso através do dorso uma vez que o paciente tinha excesso de pele
e, em nosso ponto de vista, não se contrairia o suficiente após a cirurgia caso não
fosse ressecada. Apesar da imprevisibilidade da cicatrização, principalmente em pacientes
de pele negra, outros estudos mostraram manobras similares com boa evolução2,3.
Em relação à ponta, as cartilagens alares não eram frágeis ou hipoplásicas, permitindo
tratamento com suturas interdomais. Por outro lado, as CLS foram liberadas da zona
K e medializadas, sem abertura do teto cartilaginoso, evitando a violação dos elementos
da válvula nasal interna7,8.
Saban, em 20187 e Ishida et al., em 19998, apontam vantagens da rinoplastia preservadora, como preservação das CLS e prevenção
do teto aberto e do colapso do terço médio, os quais poderiam ocorrer em narizes bífidos
após rinoplastia clássica3,4,9.
Em relação ao tratamento ósseo, Ortiz-Monasterio et al, em 198710, demonstrou que as osteotomias deveriam ser rotineiras em casos de nariz bífido,
independentemente da idade. Neste caso, instrumentação piezoelétrica foi utilizada
para osteotomias mais controladas e ressecção do dorso ósseo para afinar o terço nasal
superior. Essa técnica permite osteotomias com menor equimose e morbidade pós-operatória,
além de controle mais preciso da altura da osteotomia com menor cominuição óssea5,6.
Uma limitação do caso é a persistência do encurtamento nasal. Para alongar esse tipo
de nariz, em nossa opinião, seria necessário uso de enxertos espaçadores estendidos,
fixados a um strut columelar, além de enxertos dorsais, mas optamos por não violar a cartilagem septal
para coletá-los neste momento. Isso poderia ser realizado em revisão cirúrgica, mas
o paciente está satisfeito com a altura do dorso alcançada e não admite mais intervenções.
A rinoplastia conservadora e piezoelétrica-assistida é uma abordagem alternativa para
o tratamento do nariz bífido e ainda não havia sido descrita na literatura. Acompanhamento
a longo prazo e mais casos são necessários para comprovar sua eficiência no tratamento
do nariz bífido.
* Todas as fotos foram autorizadas pelo pai do menor, o qual assinou o Termo de consentimento
livre e esclarecido e o termo de publicação das fotos.
REFERÊNCIAS
1. Tessier P. Anatomical classification of facial, crânio-facial and látero-facial clefts.
J Maxillofac Surg. 1976 Jun;4(2):69-92.
2. Kolker AR, Sailon AM, Meara JG, Holmes AD. Midline cleft lip and bifid nose deformity:
description, classification, and treatment. J Craniofac Surg. 2015 Nov;26(8):2304-8.
3. Ozturk S, Zor F, Isik S. Surgical correction of severe bifid nose. J Cleft Lip Palate
Craniofac Anomal. 2014;1(2):115-8.
4. Saied S, El-Sherbiny A. Algorithm for aesthetic reconstruction of the bifid nose in
tessier number 0 cleft. J Plast Reconstr Surg. 2011 Jul;35(2):187-90.
5. Gerbault O, Daniel RK, Kosins AM. The role of piezoelectric instrumentation in rhinoplasty
surgery. Aesthet Surg J. 2016 Jan;36(1):21-34.
6. Ilhan AE, Cengiz B, Eser BC. Double-blind comparison of ultrasonic and conventional
osteotomy in terms of early postoperative edema and study design and patient selection.
Aesthet Surg J. 2016 Abr;36(4):390-401.
7. Saban Y, Daniel RK, Polselli R, Trapasso M, Palhazi P. Dorsal preservation: the push
down technique reassessed. Aesthet Surg J. 2018 Feb;38(2):117-31.
8. Ishida J, Ishida LC, Ishida LH, Vieira JC, Ferreira MC. Treatment of the nasal hump
with preservation of the cartilaginous framework. Plast Reconstr Surg. 1999 Mai;103(6):1729-33;discussion:1734-5.
9. Miller PJ, Grinberg D, Wang TD. Midline cleft: treatment of bifid nose. Arch Facial
Plast Surg. 1999 Jul/Set;1(3):200-3.
10. Ortiz-Monasterio F, Fuente del Campo A, Dimopulos A. Nasal clefts. Ann Plast Surg.
1987 Mai;18(5):377-97.
1. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo,
SP, Brasil.
Autor correspondente: Rodolfo Costa Lobato, Rua Doutor Melo Alves, 55, Cj 23, Cerqueira Cesar, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01417-010.
E-mail: rodolfolobato49@yahoo.com.br
Artigo submetido: 13/05/2019.
Artigo aceito: 22/06/2019.
Conflitos de interesse: não há.