INTRODUÇÃO
Após da publicação de Sanchéz et al., em 20081,
acerca da mamoplastia redutora com implante de silicone, um grande contingente
de
pacientes começou a solicitar sua realização e alguns especialistas a incorporaram
em seu arsenal cirúrgico, para casos especificamente selecionados dentro do universo
das hipertrofias mamárias. Por outro lado, a maioria das publicações que combinam
mamoplastias e implantes possuem atenção focal no tratamento das hipomastias e
da
ptose mamária, tema no qual muitos autores têm descrito técnicas, com diversas
táticas, para localização e proteção do implante, como Soares et al., em 20112, em duplo plano; Sanchéz et al., 20081, Mansur e Bozola, em 20093, com pedículo inferior; Gomes, em 20084, com pedículo superior; Graf et al., em 20035, com implante subfascial, entre outros; porém,
poucas são as publicações em relação ao tratamento combinado nas macromastias.
Os desafios e dificuldades desta cirurgia são semelhantes aos do tratamento da ptose
e já se iniciam no transoperatório, pois, na maioria das técnicas suprapeitorais,
um
único espaço cirúrgico é compartilhado por implante, retirada do parênquima e
retalhos de ascensão do complexo areolomamilar (CAM), o que aumenta a frequência
de
complicações imediatas, como hematoma, infecção, deiscência ou extrusão e
complicações tardias, como assimetrias e ptose por deslizamento do implante
(bottoming out) ou por queda do tecido
(waterfall); as técnicas retromusculares propiciam sustentação
da prótese, porém, na evolução tardia, também podem apresentar a deformidade de
animação e a dupla bolha6 (double
bubble), consequências esperadas para estruturas de origem embriológica
diferente.
Seguindo a descrição anatômica da lâmina Chassaignac e da cápsula posterior da mama,
ligamento suspensor de Giraldes(7,8, idealizamos a possibilidade de
construção cirúrgica de um retalho composto como uma cúpula
lipo-conectivo-glandular, de pedículo semicircular (superior, medial e lateral),
para proteger o espaço areolar frouxo retromamário descolado, isolando o local
do
implante do resto dos procedimentos cirúrgicos. A tática visa proteger a prótese
durante a cirurgia, diminuir riscos no pós-operatório e fornecendo sustentação
duradoura ao implante e a própria neo-mama, pela aderência cicatricial no plano
de
clivagem supradomo, evitando ptoses recorrentes, apagamento do polo superior e
assimetrias; aspectos anatômicos ilustrados constam na Figura 1 e denominamos de retalho bolsa de Chassaignac ou Canguru
(RBC).
Figura 1 - Desenhos sagitais: A. Anatomia posterior e ligamentar da
mama; B. Retalho bolsa canguru: a. Bursa
Chassaignac; b. Cápsula Giraldes; c.
Ligamentos de Cooper; d. Sulco inframamário;
e. Costelas; f. Fáscia pré-peitoral;
g. Musculatura; h. Área da ressecção
mamária; i. Implante no espaço bolsa de Chassaignac, rbc.,
rc.: retalho do CAM. CAM: Complexo Aerolomamilar
Figura 1 - Desenhos sagitais: A. Anatomia posterior e ligamentar da
mama; B. Retalho bolsa canguru: a. Bursa
Chassaignac; b. Cápsula Giraldes; c.
Ligamentos de Cooper; d. Sulco inframamário;
e. Costelas; f. Fáscia pré-peitoral;
g. Musculatura; h. Área da ressecção
mamária; i. Implante no espaço bolsa de Chassaignac, rbc.,
rc.: retalho do CAM. CAM: Complexo Aerolomamilar
OBJETIVO
Os autores descrevem a confecção cirúrgica de um retalho bolsa, com os tecidos da
base mamária, de maneira pré-muscular e pré-fascial, em forma de uma cúpula, o
que
protege o implante no espaço de Chassaignac, isolando-o e sustentando-o nas
mamoplastias redutoras, sendo este aplicado em casos especificamente
selecionados.
MÉTODOS
No período 2013 a 2019, foram submetidos 41 pacientes à mamoplastia redutora e RBC,
entre 18 a 65 anos, 100% primários, 90% sob anestesia peridural, 10% geral e todos
em regime de internação hospitalar por 24 horas. Acompanhados entre 6 meses a
1 ano.
A análise da satisfação do paciente foi realizada a cada 6 meses, num simples
formulário questionário, com três perguntas objetivas: muito satisfeito, satisfeito
e pouco satisfeito. Foram realizadas as análises clínicas e conclusões, registradas
nas revisões periódicas, com exame físico e fotografias, avaliadas por médico
e
enfermeira. O estudo proposto tem sua autorização do Comitê Institucional do
Hospital da Mulher (0072020) e seguiu os princípios da Declaração de Helsinque.
Os
autores não têm conflitos de interesses.
Seleção
Hipertrofias mamárias com grande liposubstituição, extrema flacidez, ptose severa
ou ausência total do polo superior.
Utilizados implantes redondos, silicone coesivo, perfil alto, texturizados,
microtexturizados ou de poliuretano, com baixo volume (175 a 225cc).
Marcação
Paciente em posição ortostática, nas seguintes áreas (Figura 2):
Figura 2 - Marcação: A. Pitanguy; B. Área do
implante; C. Marcação bilateral.
Figura 2 - Marcação: A. Pitanguy; B. Área do
implante; C. Marcação bilateral.
No local do implante, demarcação cutânea da área de descolamento, com a ajuda de
uma placa circular de 12cm de diâmetro, colocada a 2cm da linha média esternal
e
1cm acima do sulco submamário;
Na área de resseção mamária, pela técnica de Pitanguy;
Nas áreas de lipoaspiração, lateral e pré-axilar, se necessária (S/N).
Técnica cirúrgica
Infiltra-se no subcutâneo sob a demarcação com solução de Villafuerte-Vélez et
al. (2017)9: 250cc soro fisiológico, 1 ampola adrenalina, 1 ampola
acetato dexametasona (8mgs). Incisão do desenho epidérmico e lipoaspiração
lateral e axilar (S/N). Decorticação do triângulo periareolar e do triângulo
inferior medial; neste e um pouco acima da prega inframamária realizou-se uma
incisão de 5cm para acesso retromamário, descolando o espaço de Chassaignac,
na
extensão previamente demarcada. É introduzida uma compressa úmida na loja;
prosseguindo com a ressecção mamária, iniciada pela lateral suprafascial, sendo
que na área medial se avança esculpindo uma cúpula protetora do bolsão do
implante, constituída pela cápsula posterior mamária e que fica indemne na sua
área superior e interna; na continuação resseca-se em bloco e em quilha o tecido
retroareolar e superior. Também é possível retirar todo o tecido mamário, de
superior a inferior, preservando e esculpindo a bolsa protetora distendida pela
compressa. Na continuação o retalho de pedículo superomedial, para transposição
areolar, retira-se a compressa retromamária e se inseri o implante de silicone
(Figura 3), fechando a via de entrada
com nylon 3-0.
Figura 3 - Retalho bolsa canguru, implante no espaço de Chassaignac,
prépeitoral.
Figura 3 - Retalho bolsa canguru, implante no espaço de Chassaignac,
prépeitoral.
Finalmente é realizada a montagem da mama com suturas dos pilares (S/N), do
subcutâneo e reposicionamento do CAM; fios de mononylon 2-0, 3-0, 4-0, 5-0 e
ácido poliglicólico 4-0 são empregados. Sequência cirúrgica ilustrada consta
na
Figura 4. O dreno é colocado pela
incisão lateral (sonda nasogástrica 16), o curativo com neomicina pomada,
compressas e sutiã cirúrgico. A retirada do dreno e alta ocorre com 24h, revisão
semanal por 1 mês, seguida por mensal.
Figura 4 - Sequência cirúrgica: A. Decorticação, descolamento
da área retromamária do implante; B. Bolsa canguru;
C. Excisão do parênquima; D. Implante
posicionado e sutura; E. Retalho de transposição do
CAM; F. Neo-mama finalizada.
Figura 4 - Sequência cirúrgica: A. Decorticação, descolamento
da área retromamária do implante; B. Bolsa canguru;
C. Excisão do parênquima; D. Implante
posicionado e sutura; E. Retalho de transposição do
CAM; F. Neo-mama finalizada.
RESULTADOS
Das 41 pacientes (2013-2019), obtivemos: 1 caso de pequena deiscência cutânea medial
(2,43%); 1 caso de cicatriz hipertrófica (2,43%); 2 casos de assimetria leve do
CAM
(4,87%); nenhum caso de hematoma, necrose, infeção, extrusão ou contratura; 1
caso
de ptose unilateral leve (2.43%); e não houve queixa de parestesia. O resultado
estético obteve um excelente grau de satisfação em 97,56% dos casos e a média
de
retirada mamária foi de 1,640g (Figuras 5,
6 e 7).
Figura 5 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo texturizado
180cc, retirada de 1,194g.
Figura 5 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo texturizado
180cc, retirada de 1,194g.
Figura 6 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo texturizado
200cc, retirada de 1,772g.
Figura 6 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo texturizado
200cc, retirada de 1,772g.
Figura 7 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo poliuretano
205cc, retirada de 1,546g.
Figura 7 - Pré e pós-operatório de 1 ano. RBC, implante redondo poliuretano
205cc, retirada de 1,546g.
DISCUSSÃO
O paradoxo de retirar grandes volumes mamários e, simultaneamente, colocar implantes,
tem sua aplicação específica em patologias desafiadoras, uma vez que, para elas,
os
resultados a médio e longo prazo, com outras técnicas, poderiam ser suscetíveis
de
complicações e insatisfação1. Após a
observação clínica contínua da posição da mama na visão de perfil, concluímos
que a
base mamária e seu sulco inframamário sempre têm posicionamento constante; o sulco
é
fixo, a nível da 7ª costela e funciona como um pivô, não desce, mesmo nas grandes
hipertrofias ou ptoses, permitindo que a base mamária bascule, porém sem a mesma
sobrepassar a aderença submamária (Figura 8),
fato anatômico também perceptível nas mamas com implantação torácica inferior,
que
acreditamos ser de grande valia no recurso cirúrgico proposto.
Figura 8 - Key point: sulco inferior e base mamária, sempre constantes nos
diferentes graus de hipertrofias (footprint).
Figura 8 - Key point: sulco inferior e base mamária, sempre constantes nos
diferentes graus de hipertrofias (footprint).
A publicação de Sampaio et al., em 201310, nos
resgata a importância da anatomia retromamária, propondo a retirada basilar (cápsula
mamária de Giraldes) e da bursa de Chassaignac, para maior aderência nas
reconstruções mamárias com prótese submuscular. Porém, os autores deste artigo
propõem uma nova abordagem, aproveitando estas estruturas anatômicas para
confeccionar uma bolsa pré-muscular que proteja o implante e funcione como uma
cápsula de barreira e sustentação, evitando deslizamentos inferiores ou laterais.
Princípio este semelhante ao publicado por Faria et al., em 201711, na técnica de Lockpocket
para mamoplastia/mastopexia com implantes subfascial, proposta excelente nas ptoses
com hipertrofias menores, porém limitada nas grandes hipertrofias, onde a fáscia
peitoral é atrófica, observação clínica feita após mais de uma década do programa
de
tratamento das gigantomastias12.
Ademais, agrega-se o efeito velcro cicatricial dos tecidos mamários remanescentes,
no
plano de disseção acima da bolsa canguru, permitindo sua redistribuição firme
e
aderida, evitando-se também a ptose recidivante mamária.
A utilização do silicone aqui apresentada não é de aumento, e sim recomendada para
manter o polo superior, quando são indicados volumes menores das próteses, cumprindo
o objetivo principal da redução mamária.
CONCLUSÃO
O fundamento do retalho bolsa de Chassaignac (RBC) tem sua chave anatômica na
construção de uma estrutura em cúpula pediculada, como barreira de proteção, que
oferece segurança no transoperatório e sustentação do implante e da neo-mama a
longo
prazo, sendo praticada em casos bem selecionados, os quais combinem a mamoplastia
redutora e o implante.
REFERÊNCIAS
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em “D” espelhado. Rev Bras Cir Plást. 2008;23(3):200-6.
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et al. Mastopexia com uso de implantes associados a retalho de músculo peitoral
maior: técnica utilizada na Disciplina de Cirurgia Plástica da Unicamp. Rev Bras
Cir Plást. 2011 Dez;26(4):659-63. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752011000400021
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proteção e suporte inferior da prótese com retalho de pedículo inferior. Rev
Bras Cir Plást. 2009;24(3):304-9.
4. Gomes RS. Mastopexia com retalho de pedículo superior e implante
de silicone. Rev Bras Cir Plást. 2008;23(4):241-7.
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Fev;111(2):904-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.PRS.0000041601.59651.15
6. Khavanin N, Jordan SW, Rambachan A, Kim JY. A systematic review
of single-stage augmentation-mastopexy. Plast Reconstr Surg. 2014
Nov;134(5):922-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0000000000000582
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2008;23(3):192-9.
8. Procópio LD, Silva DDP, Rosique R. Implante submuscular em duplo
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Corticoterapia profiláctica transquirúrgica de la hiperplasia cicatricial.
Estudio clínico-estadístico prospectivo. Cir Plást Iberolatinoam [Internet].
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http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0376-78922017000100005&Ing=es
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mammaplasty: a new approach for obtaining breast symmetry. Plast Reconstr Surg.
2013 Fev;131(2):300e-2e. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e318278d7d9
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Pedroso DB, et al. Mammoplasty/mastopexy using implants: the Lockpocket
technique. Rev Bras Cir Plást. 2017 Jan;32(2):218-24.
12. Villafuerte-Vélez CK. PROTG-Programa social de tratamiento de la
gigantomastia, Bahía-Brasil. Cir Plást Iberolatinoam [Internet]. 2018 Set;
[citado 2020 Abr 25]; 44(3):341-6. Disponível em:
http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0376-78922018000300020&lng=es
1. Hospital Municipal da Mulher , Departamento de
Cirurgia Plástica, Feira de Santana, BA, Brasil.
2. Universidade Salvador,, Faculdade de Medicina,
Salvador, BA, Brasil.
3. Universidad Abierta Interamericana, Faculdade
de Medicina, Rosário, Santa Fé, Argentina.
Autor correspondente: Cesar Kelly Villafuerte Velez, Avenida
João Durval, 3665, Multiplace 305, Feira de Santana, BA, Brasil. CEP: 44051-900,
E-mail: kelly@gd.com.br
Artigo submetido: 05/06/2020.
Artigo aceito: 08/08/2020.
Conflitos de interesse: não há.